Vida Cristã - Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil - OFM

Papa no Marrocos: é mais bonito semear a esperança

A 28ª Viagem Apostólica do Papa Francisco

O Papa Francisco fez neste final de semana a 28ª viagem apostólica ao Marrocos (30 a 31 de março). A viagem se caracterizou por três dimensões, uma dedicada ao diálogo inter-religioso, uma aos migrantes e aos carentes e, particularmente, a parte dedicada à pequena Igreja católica local

Dia dedicado ao diálogo e migrantes
Depois da recepção no aeroporto de Rabat-Salé pelo rei Mohammed VI, a cerimônia de boas-vindas na esplanada de Tour Hassan e o encontro com o povo marroquino, as autoridades, a sociedade civil e o corpo diplomático. Depois, a homenagem do Papa ao Mausoléu Mohammed V e a visita de cortesia ao soberano, com a assinatura do apelo por Jerusalém reconhecendo a unicidade e a sacralidade da Cidade Santa. Seguido pela visita ao Instituto Mohammed VI encontrando imames, pregadores e pregadoras e o abraço aos migrantes acolhidos e assistidos pela Caritas diocesana de Rabat.

O abraço à comunidade católica local
No domingo (31) pela manhã, o Papa fez uma visita privada ao Centro rural de serviços sociais de Temara administrado pelas irmãs Filhas da Caridade. Depois foi à catedral de Rabat para um encontro com o clero, os religiosos, as religiosas e o Conselho ecumênico de Igrejas no Marrocos, seguido pela oração do Angelus. Depois do almoço com os bispos na nunciatura, o Papa presidiu a Santa Missa no Centro Esportivo Príncipe Moulay Abdellah da capital, com a presença de cerca de 10 mil fiéis de 60 nacionalidades.


Imagem e texto: Vatican News

(https://www.vaticannews.va/pt/papa/news/2019-03/papa-francisco-homilia-missa-catolicos-papmar.html)

Santa Missa: Obrigado pelo testemunho da cultura da misericórdia

O ponto alto da visita do Papa Francisco ao Marrocos, em viagem apostólica dedica também ao diálogo inter-religioso, foi a missa celebrada na tarde deste domingo (31), no Centro Esportivo Príncipe Moulay Abdellah, em Rabat.

Na homilia para a comunidade católica, cerca de 10 mil fiéis reunidos no local, o Papa comentou a parábola do Filho pródigo, “um filho ansiosamente esperando. Um pai comovido ao vê-lo regressar”, disse o Pontífice. Diferente do outro filho que não suportou a alegria do pai e não reconheceu o regresso do irmão, preferindo “ser órfão à fraternidade”. De dentro daquela casa, refletiu Francisco, se manifesta “o mistério da nossa humanidade”.

“Deste modo, mais uma vez vem à luz a tensão que se vive no meio da nossa gente e nas nossas comunidades, e até dentro de nós mesmos. Uma tensão que, a partir de Caim e Abel, mora em nós e que somos convidados a encarar: quem tem direito a permanecer entre nós, ocupar um lugar à nossa mesa e nas nossas assembleias, nas nossas solicitudes e serviços, nas nossas praças e cidades? Parece continuar a ressoar aquela pergunta fratricida: Porventura sou eu o guardião do meu irmão? (cf. Gn 4, 9).”

De dentro daquela casa do pai misericordioso, a luta pela fraternidade impedida por “divisões e desencontros, a agressividade e os conflitos”. Mas, também, o brilho que nasce dos desejos do Pai: que ninguém sofra com “orfandade, isolamento ou amargura”.

“Sem dúvida, há tantas circunstâncias que podem alimentar a divisão e o conflito; são inegáveis as situações que podem levar a nos afrontar e a nos dividir. Não podemos negá-lo. Estamos sempre ameaçados pela tentação de crer no ódio e na vingança como formas legítimas de obter justiça de maneira rápida e eficaz. Mas a experiência nos fala que a única coisa que conseguem o ódio, a divisão e a vingança é matar a alma da nossa gente, envenenar a esperança dos nossos filhos, destruir e fazer desaparecer tudo o que amamos”.

A redescoberta de sermos irmãos
O convite, então, vindo do próprio Jesus, disse o Papa, é “contemplar o coração do Pai” para, a cada dia, “nos redescobrirmos como irmãos”. Em condição de filhos amados, acrescentou Francisco, não medimos e nem classificamos as pessoas com base na condição moral, social, étnica e religiosa.

“Só a partir deste horizonte amplo, capaz de nos ajudar a superar as nossas míopes lógicas de divisão, é que seremos capazes de alcançar um olhar que não pretenda obscurecer ou desmentir as nossas diferenças, buscando talvez uma unidade forçada ou uma marginalização silenciosa. Só se formos capazes diariamente de levantar os olhos para o céu e dizer Pai Nosso, é que poderemos entrar numa dinâmica que nos possibilite olhar e ousar viver, não como inimigos, mas como irmãos.”

O incentivo do Papa para a cultura da misericórdia
“A parábola do Evangelho deixa o final em aberto”, disse o Papa, pois não sabemos se o filho mais velho aceitou participar da festa da misericórdia do irmão. Uma lição que pode ser observada também pela gente, disse o Pontífice, já que cada um pode escrever o final “com a sua vida, o seu olhar e atitude” em relação aos outros. Como faz a comunidade católica no Marrocos que dá o seu testemunho, através do Evangelho da misericórdia.

“Obrigado pelos esforços feitos para tornarem as comunidades oásis de misericórdia. Animo vocês e vos encorajo a continuar a fazer crescer a cultura da misericórdia, uma cultura na qual ninguém olhe para o outro com indiferença nem desvie o olhar ao ver o seu sofrimento (cf. Carta ap. Misericordia et misera, 20).”

“ Continuem ao lado dos humildes e dos pobres, daqueles que são rejeitados, abandonados e ignorados; continuem a ser sinal do abraço e do coração do Pai”.


ÍNTEGRA DA HOMILIA

«Quando ainda estava longe, o pai viu-o e, enchendo-se de compaixão, correu a lançar-se-lhe ao pescoço e cobriu-o de beijos» (Lc 15, 20).

Assim nos leva o Evangelho ao coração da parábola onde se apresenta o comportamento do pai quando vê regressar o seu filho: comovido até às entranhas, não espera que ele chegue a casa, mas surpreende-o correndo ao seu encontro. Um filho ansiosamente esperado. Um pai comovido ao vê-lo regressar.

Mas não foi a única vez que o pai correu. A sua alegria seria incompleta sem a presença do outro filho. Por isso, sai também ao seu encontro, para convidá-lo a tomar parte na festa (cf. 15, 28). Contudo o filho mais velho parece não gostar das festas de boas-vindas, custava-lhe suportar a alegria do pai, não reconhece o regresso do seu irmão: «esse teu filho» (15, 30) – dizia. Para ele, o irmão continua perdido, porque já o perdera no seu coração.

Incapaz de participar na festa, não só não reconhece o irmão, mas tão-pouco reconhece o pai. Prefere ser órfão à fraternidade, o isolamento ao encontro, a amargura à festa. Custa-lhe não só compreender e perdoar a seu irmão, mas também aceitar ter um pai capaz de perdoar, disposto a esperar e velar por que ninguém fique fora; enfim, um pai capaz de sentir compaixão.

No limiar daquela casa, parece manifestar-se o mistério da nossa humanidade: por um lado, temos a festa pelo filho reencontrado e, por outro, um certo sentimento de traição e indignação por se festejar o seu regresso. Por um lado, a hospitalidade para quem experimentara tal miséria e sofrimento, que chegara ao ponto de exalar o cheiro dos porcos e querer alimentar-se com o que eles comiam; por outro, a irritação e o ressentimento por se dar lugar a alguém que não era digno nem merecedor de tal abraço.

Deste modo, mais uma vez vem à luz a tensão que se vive no meio da nossa gente e nas nossas comunidades, e até dentro de nós mesmos. Uma tensão que, a partir de Caim e Abel, mora em nós e que somos convidados a encarar: Quem tem direito a permanecer entre nós, ocupar um lugar à nossa mesa e nas nossas assembleias, nas nossas solicitudes e serviços, nas nossas praças e cidades? Parece continuar a ressoar aquela pergunta fratricida: Porventura sou eu o guardião do meu irmão? (cf. Gn 4, 9).

No limiar daquela casa, surgem as divisões e desencontros, a agressividade e os conflitos que sempre atingirão as portas dos nossos grandes desejos, das nossas lutas pela fraternidade e pela possibilidade de cada pessoa experimentar desde já a sua condição e dignidade de filho.

Mas no limiar daquela casa brilhará também em toda a sua claridade, sem lucubrações nem desculpas que lhe tirem força, o desejo do Pai: que todos os seus filhos tomem parte na sua alegria; que ninguém viva em condições desumanas como seu filho mais novo, nem na orfandade, isolamento ou amargura como o filho mais velho. O seu coração quer que todos os homens se salvem e cheguem ao conhecimento da verdade (cf. 1 Tm 2, 4).

Sem dúvida, há tantas circunstâncias que podem alimentar a divisão e o conflito; são inegáveis as situações que podem levar a afrontar-nos e dividir-nos. Não podemos negá-lo. Estamos sempre ameaçados pela tentação de crer no ódio e na vingança como formas legítimas de obter justiça de maneira rápida e eficaz. Mas a experiência diz-nos que a única coisa que conseguem o ódio, a divisão e a vingança é matar a alma da nossa gente, envenenar a esperança dos nossos filhos, destruir e fazer desaparecer tudo o que amamos.

Por isso, Jesus convida-nos a fixar e contemplar o coração do Pai. Só a partir dele poderemos, cada dia, redescobrir-nos como irmãos. Só a partir deste horizonte amplo, capaz de nos ajudar a superar as nossas míopes lógicas de divisão, é que seremos capazes de alcançar um olhar que não pretenda obscurecer ou desmentir as nossas diferenças, buscando talvez uma unidade forçada ou uma marginalização silenciosa. Só se formos capazes diariamente de levantar os olhos para o céu e dizer Pai Nosso, é que poderemos entrar numa dinâmica que nos possibilite olhar e ousar viver, não como inimigos, mas como irmãos.

«Tudo o que é meu é teu» (Lc 15, 31): diz o pai ao filho mais velho. E não se refere apenas aos bens materiais, mas a ser participante também do seu amor e da sua compaixão. Esta é a maior herança e riqueza do cristão. Com efeito, em vez de nos medirmos ou classificarmos com base numa condição moral, social, étnica ou religiosa, podemos reconhecer que existe outra condição que ninguém poderá apagar ou aniquilar, pois é puro dom: a condição de filhos amados, esperados e festejados pelo Pai.

«Tudo o que é meu é teu», incluindo a minha capacidade de compaixão: diz-nos o Pai. Não caiamos na tentação de reduzir a nossa filiação a uma questão de leis e proibições, de deveres e seu cumprimento. A nossa filiação e a nossa missão nascerão, não de voluntarismos, legalismos, relativismos ou integrismos, mas da imploração feita por pessoas crentes que diariamente rezam com humildade e constância: Venha a nós o vosso Reino.

A parábola do Evangelho deixa aberto o final. Vemos o pai rogar ao filho mais velho que entre e participe na festa da misericórdia; mas o evangelista nada diz acerca da decisão que ele tomou. Ter-se-á associado à festa? Podemos pensar que este final aberto sirva para cada comunidade, cada um de nós o escrever com a sua vida, o seu olhar e atitude para com os outros. O cristão sabe que, na casa do Pai, há muitas moradas; de fora, ficam apenas aqueles que não querem tomar parte na sua alegria.

Queridos irmãos, queridas irmãs, quero agradecer-vos pela forma como dais testemunho do Evangelho da misericórdia nestas terras. Obrigado pelos esforços feitos para tornardes as vossas comunidades oásis de misericórdia. Animo-vos e encorajo a continuar a fazer crescer a cultura da misericórdia, uma cultura na qual ninguém olhe para o outro com indiferença nem desvie o olhar ao ver o seu sofrimento (cf. Carta ap. Misericordia et misera, 20). Continuai ao lado dos humildes e dos pobres, daqueles que são rejeitados, abandonados e ignorados; continuai a ser sinal do abraço e do coração do Pai.

Que o Misericordioso e o Clemente – como tantas vezes O invocam os nossos irmãos e irmãs muçulmanos – vos fortaleça e faça frutificar as obras do vosso amor.


Cobertura de textos e fotos: Vatican News

Encontro com os religiosos

 

Queridos irmãos e irmãs, bonjour a tous (bom dia a todos)!

Sinto-me imensamente feliz por poder-vos encontrar. Agradeço especialmente ao Padre Germain e à Irmã Mary pelos seus testemunhos. Desejo também saudar os membros do Conselho Ecuménico das Igrejas, que manifesta visivelmente a comunhão entre cristãos de diferentes confissões vivida aqui, em Marrocos, pelo caminho da unidade. Os cristãos são em reduzido número, neste país. A meu ver, porém, isto não é um problema, embora reconheça que às vezes, para alguns, se possa tornar difícil viver. A vossa situação faz-me lembrar esta pergunta de Jesus: «A que é semelhante o Reino de Deus e a que posso compará-lo? (…) É semelhante ao fermento que certa mulher tomou e misturou com três medidas de farinha, até ficar levedada toda a massa» (Lc 13, 18.21). Parafraseando as palavras do Senhor, podemos interrogar-nos: A que é semelhante um cristão nestas terras? Com que posso compará-lo? É semelhante a um pouco de fermento que a mãe Igreja quer misturar com uma grande quantidade de farinha, até que toda a massa se levede. De facto, Jesus não nos escolheu nem enviou para que nos tornássemos os mais numerosos! Chamou-nos para uma missão. Colocou-nos no meio da sociedade como aquela pequena porção de fermento: o fermento das bem-aventuranças e do amor fraterno, no qual todos, como cristãos, nos podemos unir para tornar presente o seu Reino. Isto faz-me recordar o conselho dado por São Francisco aos seus frades, quando os enviou: «Ide e pregai o Evangelho; se necessário, também com as palavras».

Isto significa, queridos amigos, que a nossa missão de batizados, de sacerdotes, de consagrados não é particularmente determinada pelo número nem pela quantidade de espaços que se ocupa, mas pela capacidade de gerar e suscitar mudança, encanto e compaixão, pelo modo como nós, discípulos de Jesus, vivemos no meio das pessoas com quem partilhamos o dia-a-dia, as alegrias, as tribulações, os sofrimentos e as esperanças (cf. Conc. Ecum. Vat. II, Const. past. Gaudium et Spes, 1). Por outras palavras, os caminhos da missão não passam através do proselitismo. Por favor, isto não; aqueles não passam através do proselitismo! Recordemos Bento XVI: «A Igreja cresce não por proselitismo, mas por atração, por testemunho». Os caminhos da missão não passam através do proselitismo, que leva sempre a um beco sem saída, mas pelo nosso modo de estar com Jesus e com os outros. Por conseguinte, o problema não está no facto de ser pouco numerosos, mas de ser insignificantes, tornar-se sal que já não tem o sabor do Evangelho – aqui está o problema –, ou uma luz que já nada ilumina (cf. Mt 5, 13-15).

 

Penso que a preocupação surge quando nós, cristãos, somos atormentados pelo pensamento de que só seremos significativos, se constituirmos a massa e ocuparmos todos os espaços. Bem sabeis que a vida depende da capacidade que temos de «levedar» onde e com quem nos encontramos, embora aparentemente não nos traga benefícios tangíveis ou imediatos (cf. Exort. ap. Evangelii gaudium, 210). Com efeito, ser cristão não é aderir a uma doutrina, a um templo, ou a um grupo étnico; ser cristão é um encontro, um encontro com Jesus Cristo. Somos cristãos, porque Alguém nos amou e veio ao nosso encontro e não por resultado do proselitismo. Ser cristão é saber-se perdoado, saber-se convidado a agir no mesmo modo com que Deus agiu para connosco, pois «por isto é que todos conhecerão que sois meus discípulos: se vos amardes uns aos outros» (Jo 13, 35).

Ciente do contexto em que sois chamados a viver, queridos irmãos e irmãs, a vossa vocação batismal, o vosso ministério, a vossa consagração, vem-me à mente esta palavra do Papa São Paulo VI na Encíclica Ecclesiam suam: «A Igreja deve entrar em diálogo com o mundo em que vive. A Igreja faz-se palavra, faz-se mensagem, faz-se diálogo» (n. 65). Afirmar que a Igreja deve entrar em diálogo não obedece a uma moda – hoje está de moda o diálogo. Não! Não depende disso – e, muito menos, a uma estratégia para aumentar o número dos seus membros; nem sequer a uma estratégia. Se a Igreja deve entrar em diálogo, é por fidelidade ao seu Senhor e Mestre, que desde o princípio, movido pelo amor, quis entrar em diálogo como amigo e convidar-nos a participar da sua amizade (cf. Conc. Ecum. Vat. II, Const. dogm. Dei Verbum, 2). Assim, como discípulos de Jesus Cristo, somos chamados, desde o dia do nosso Batismo, a participar deste diálogo de salvação e amizade, de que somos os primeiros beneficiários.

Nestas terras, o cristão aprende a ser sacramento vivo do diálogo que Deus deseja estabelecer com cada homem e mulher, independentemente da condição em que viva; um diálogo, que somos convidados a realizar à maneira de Jesus, manso e humilde de coração (cf. Mt 11, 29), com amor diligente e desinteressado, sem cálculos nem limites, no respeito pela liberdade das pessoas. Neste espírito, encontramos irmãos mais velhos que nos mostram o caminho, pois testemunharam, com a sua vida, que isto é possível: uma «medida alta», que nos desafia e estimula. Como não evocar a figura de São Francisco de Assis que, em plena cruzada, foi encontrar o Sultão al-Malik al-Kamil? E como não mencionar o Beato Carlos de Foucault que, profundamente tocado pela vida humilde e oculta de Jesus em Nazaré, que adorava em silêncio, quis ser um «irmão universal»? Ou então aqueles irmãos e irmãs cristãos que escolheram permanecer solidários com um povo até ao dom da própria vida? Assim, quando a Igreja – fiel à missão recebida do Senhor – dialoga com o mundo e se faz diálogo, participa no advento da fraternidade, que tem a sua fonte profunda, não em nós, mas na Paternidade de Deus.

Enquanto pessoas consagradas, somos convidados a viver este diálogo de salvação, antes de mais nada, como intercessão pelo povo que nos foi confiado. Lembro-me de um sacerdote (que se encontrava como vós numa terra onde os cristãos são minoria) me contar uma vez que a oração do «Pai Nosso» tinha adquirido nele uma ressonância especial: rezando no meio de pessoas doutras religiões, sentia fortemente as palavras «o pão nosso de cada dia nos dai hoje». A oração de intercessão do missionário também por aquele povo que até certo ponto lhe fora confiado, e não para ser administrado mas para o amar, levava-o a rezar esta oração com uma tonalidade e um gosto especiais. O consagrado, o sacerdote traz ao altar, na sua oração, a vida dos seus conterrâneos mantendo viva, como se fosse uma pequena brecha naquela terra, a força vivificante do Espírito. Como é bom saber que a criação, pelas vossas vozes nos vários ângulos desta terra, pode implorar e continuar a dizer «Pai Nosso»!

Trata-se, portanto, dum diálogo que se torna oração e que podemos concretizar, todos os dias, «em nome da “fraternidade humana” que abraça todos os homens, une-os e torna-os iguais. Em nome desta fraternidade dilacerada pelas políticas de integralismo e divisão e pelos sistemas de lucro desmesurado e pelas tendências ideológicas odiosas, que manipulam as ações e os destinos dos homens» (Documento sobre A Fraternidade Humana, Abu Dhabi, 4 de fevereiro de 2019). Uma oração que não discrimina, não separa nem marginaliza, mas faz-se eco da vida do próximo; oração de intercessão, que é capaz de dizer ao Pai: «venha a nós o vosso reino». Não com a violência, não com o ódio, nem com a supremacia étnica, religiosa e económica, etc., mas com a força da compaixão espargida para todos os homens na Cruz. Esta é a experiência vivida pela maior parte de vós.

Agradeço a Deus pelo que tendes feito, como discípulos de Jesus Cristo, aqui em Marrocos, encontrando diariamente no diálogo, na colaboração e na amizade os instrumentos para semear futuro e esperança. Assim, desmascarais e conseguis pôr a descoberto todas as tentativas de usar as diferenças e a ignorância para semear medo, ódio e conflito. Porque sabemos que o medo e o ódio, alimentados e manipulados, desestabilizam e deixam espiritualmente indefesas as nossas comunidades.

Encorajo-vos, com o único desejo de tornar visível a presença e o amor de Cristo que Se fez pobre por nós para nos enriquecer com a sua pobreza (cf. 2 Cor 8, 9): continuai a aproximar-vos daqueles que muitas vezes são deixados para trás, dos humildes e dos pobres, dos prisioneiros e dos migrantes. Que a vossa caridade se faça sempre ativa, tornando-se assim uma via de comunhão entre os cristãos de todas as confissões presentes em Marrocos: o ecumenismo da caridade. Possa também ser uma via de diálogo e colaboração com os nossos irmãos e irmãs muçulmanos e com todas as pessoas de boa vontade. A melhor oportunidade que temos para continuar a trabalhar em prol duma cultura do encontro é a caridade, especialmente para com os mais frágeis. Enfim, seja ela a via que permita às pessoas feridas, atribuladas e excluídas reconhecerem-se membros da única família humana, sob o signo da fraternidade. Como discípulos de Jesus Cristo, neste mesmo espírito de diálogo e cooperação, tende sempre a peito prestar a vossa contribuição para o serviço da justiça e da paz, da educação das crianças e dos jovens, da proteção e do acompanhamento dos idosos, dos vulneráveis, das pessoas com deficiência e dos oprimidos.

Mais uma vez agradeço a todos vós, irmãos e irmãs, pela vossa presença e a vossa missão aqui em Marrocos. Obrigado pelo vosso serviço humilde e discreto, seguindo o exemplo dos nossos anciãos na vida consagrada, dos quais me apraz saudar a decana: a Irmã Hersília. Na tua pessoa, querida Irmã, dirijo uma cordial saudação às irmãs e irmãos idosos que, devido ao próprio estado de saúde, não se encontram aqui fisicamente presentes, mas estão unidos connosco por meio da oração.

Todos vós sois testemunhas duma história que é gloriosa, porque história de sacrifícios, de esperança, de luta diária, de vida gasta no serviço, de constância no trabalho fadigoso, porque todo o trabalho é suor do nosso rosto. Mas permiti que vos diga também: «Vós não tendes apenas uma história gloriosa para recordar e narrar, mas uma grande história a construir! Olhai o futuro – frequentai o futuro –, para o qual vos projeta o Espírito» (Exort. ap. pós-sinodal Vita consecrata, 110), para continuardes a ser sinal vivo daquela fraternidade à qual o Pai nos chamou, sem cair em exaltações nem resignações, mas como crentes que sabem que o Senhor sempre nos precede e abre espaços de esperança onde algo ou alguém parecia perdido.

O Senhor abençoe a cada um de vós e, por vós, aos membros de todas as vossas comunidades. O seu Espírito vos ajude a produzir frutos em abundância: frutos de diálogo, justiça, paz, verdade e amor, para que aqui, nesta terra amada por Deus, cresça a fraternidade humana. E, por favor, não vos esqueçais de rezar por mim. Obrigado!

[Quatro crianças vão ter com o Papa, que exclama:] «Voici le futur! Le maintnant et le futur! (Eis o futuro! O presente e o futuro!)».

E agora coloquemo-nos sob a proteção da Virgem Maria, rezando a oração do Angelus].

Encontro com os Migrantes

 

Queridos amigos!

Sinto-me feliz por esta possibilidade de vos encontrar durante a minha visita ao Reino de Marrocos, que me proporciona renovada ocasião para expressar a minha proximidade a todos vós e, juntamente convosco, debruçar-me sobre uma ferida, grande e grave, que continua a afligir os inícios deste século XXI. Uma ferida que brada ao céu; não queremos que a indiferença e o silêncio sejam a nossa resposta (cf. Ex 3, 7). E, mais ainda, quando se constata que são muitos milhões os refugiados e outros migrantes forçados que pedem a proteção internacional, sem contar as vítimas do tráfico e das novas formas de escravidão nas mãos de organizações criminosas. Ninguém pode ficar indiferente perante este sofrimento.

Agradeço ao bispo D. Santiago as suas palavras de boas-vindas e o empenho da Igreja ao serviço dos migrantes. Obrigado também a Jackson pelo seu testemunho; obrigado a todos vós – migrantes e membros das associações que estão ao seu serviço – por terdes vindo aqui, nesta tarde, para estarmos juntos, fortalecermos os laços entre nós e continuarmos a trabalhar para garantir condições de vida digna para todos. E obrigado às crianças! Estas são a esperança. Por elas devemos lutar. Por elas. Elas têm direito, direito à vida, direito à dignidade. Lutemos por elas. Todos somos chamados a responder aos numerosos desafios colocados pelas migrações contemporâneas, com generosidade, prontidão, sabedoria e clarividência, cada qual segundo as próprias possibilidades (cf. Mensagem para o Dia Mundial do Migrante e do Refugiado, de 2018).

Há alguns meses, realizou-se aqui, em Marrocos, a Conferência Intergovernamental de Marraquexe que ratificou a adoção do Pacto Mundial para uma Migração Segura, Ordenada e Regular. «O Pacto sobre as migrações constitui um importante passo em frente na comunidade internacional, que nas Nações Unidas, pela primeira vez a nível multilateral, aborda o tema num documento relevante» (Discurso aos Membros do Corpo Diplomático acreditado junto da Santa Sé, 7 de janeiro de 2019).

Este Pacto permite reconhecer e tomar consciência de que «não se trata apenas de migrantes» (cf. Tema do Dia Mundial do Migrante e do Refugiado em 2019), como se as suas vidas fossem uma realidade alheia ou marginal que nada tivesse a ver com o resto da sociedade; como se o seu estatuto de pessoa com direitos ficasse «suspenso» por causa da sua situação atual; «efetivamente, um migrante não é mais ou menos humano segundo a sua localização dum lado ou do outro da fronteira»[1].

 

Em jogo está a fisionomia que queremos assumir como sociedade e o valor de cada vida. Muitos passos positivos foram dados em diferentes áreas, especialmente nas sociedades desenvolvidas, mas não podemos esquecer que o progresso dos nossos povos não se pode medir apenas pelo desenvolvimento tecnológico ou económico. Aquele depende sobretudo da capacidade de se deixar mover e comover por quem bate à porta e, com o seu olhar, desabona e exautora todos os falsos ídolos que hipotecam e escravizam a vida; ídolos que prometem uma felicidade ilusória e efémera, construída à margem da realidade e do sofrimento dos outros. Como se torna deserta e inóspita uma cidade, quando perde a capacidade da compaixão! Uma sociedade sem coração… uma mãe estéril. Não estais marginalizados, mas no centro do coração da Igreja.

Quis propor quatro verbos – acolher, proteger, promover e integrar – a quantos desejam tornar mais concreta e real esta aliança, para que sabiamente prefiram envolver-se a emudecer, socorrer a isolar, construir a abandonar.

Queridos amigos, gostaria de reafirmar aqui a importância destes quatro verbos. De certo modo, formam um quadro de referência para todos. Com efeito, neste serviço estamos todos envolvidos – de formas diferentes, mas todos envolvidos – e todos somos necessários para garantir uma vida mais digna, segura e solidária. Apraz-me pensar que o primeiro voluntário, assistente, socorrista, amigo dum migrante é outro migrante que conhece pessoalmente o sofrimento do caminho. Não é possível pensar em estratégias de grande alcance, capazes de dar dignidade, limitando-se a ações de assistência ao migrante. Isto é essencial, mas insuficiente. É preciso que vós, migrantes, vos sintais os primeiros protagonistas e gestores em todo este processo.

Estes quatro verbos podem ajudar a criar alianças capazes de resgatar espaços onde acolher, proteger, promover e integrar. Em suma, espaços onde dar dignidade.

«Considerando o cenário atual, acolher significa, antes de tudo, oferecer a migrantes e refugiados possibilidades mais amplas de entrada segura e legal nos países de destino» (Mensagem para o Dia Mundial do Migrante e do Refugiado, de 2018). De facto, a ampliação dos canais regulares de migração é um dos principais objetivos do Pacto Mundial. Este esforço comum é necessário para não conceder novos espaços aos «mercadores de carne humana» que se aproveitam dos sonhos e carências dos migrantes. Enquanto este serviço não for plenamente implementado, dever-se-á enfrentar a premente realidade dos fluxos irregulares com justiça, solidariedade e misericórdia. As formas de expulsão coletiva, que não permitem uma gestão correta dos casos particulares, não devem ser aceites; ao passo que os percursos extraordinários de regularização, sobretudo nos casos de famílias e menores, se devem incentivar e simplificar.

Proteger significa assegurar a «defesa dos direitos e da dignidade dos migrantes e refugiados, independentemente da sua situação migratória» (Ibidem). Cingindo-nos à realidade desta região, a proteção deve ser assegurada, antes de tudo, ao longo das rotas migratórias, que infelizmente são muitas vezes palco de violência, exploração e abusos de todo o género. Aqui, julgo necessário também prestar uma atenção particular aos migrantes em situação de grande vulnerabilidade, aos numerosos menores não acompanhados e às mulheres. Essencial é poder garantir a todos uma assistência médica, psicológica e social capaz de devolver dignidade a quem a perdeu ao longo do caminho, como fazem dedicadamente os operadores desta estrutura onde nos encontramos. Entre vós, há alguns que podem testemunhar como estes serviços de proteção são importantes para dar esperança durante o tempo em que estão hospedados nos países que os acolheram.

Promover significa assegurar a todos, migrantes e residentes, a possibilidade de encontrar um ambiente seguro onde se possam realizar integralmente. Esta promoção começa pelo reconhecimento de que ninguém é um descarte humano, mas é portador duma riqueza pessoal, cultural e profissional que pode trazer muito valor ao local onde está. As sociedades de acolhimento serão enriquecidas se souberem valorizar da melhor forma a contribuição dos migrantes, evitando todo o tipo de discriminação e qualquer sentimento xenófobo. A aprendizagem da língua local, enquanto veículo essencial de comunicação intercultural, há de ser vivamente encorajada, bem como toda a forma positiva de responsabilização dos migrantes face à sociedade que os acolhe, aprendendo a respeitar as pessoas e os laços sociais, as leis e a cultura, prestando assim uma contribuição mais intensa para o desenvolvimento humano integral de todos.

Mas não esqueçamos que a promoção humana dos migrantes e suas famílias começa também pelas comunidades de origem, onde, juntamente com o direito de emigrar, se deve garantir também o de não ser forçado a emigrar, isto é, o direito de encontrar na pátria condições que permitam uma vida digna. Aprecio e encorajo os esforços dos programas de cooperação internacional e de desenvolvimento transnacional, livres de interesses particulares, nos quais os migrantes estão envolvidos como os principais protagonistas (cf. Discurso aos participantes no fórum internacional sobre «migração e paz», 21 de fevereiro de 2017).

Integrar significa empenhar-se num processo que valorize, simultaneamente, o património cultural da comunidade que acolhe e o património dos migrantes, construindo assim uma sociedade intercultural e aberta. Sabemos que não é nada fácil entrar numa cultura que nos é estranha – tanto para quem chega como para quem acolhe –, colocar-nos no lugar de pessoas tão diferentes de nós, entender os seus pensamentos e as suas experiências. Por isso, muitas vezes renunciamos ao encontro com o outro e erguemos barreiras para nos defender (cf. Homilia no Dia Mundial do Migrante e do Refugiado, 14 de janeiro de 2018). Assim, o ato de integrar requer não se deixar condicionar pelo medo e pela ignorância.

Aqui há um caminho que se deve percorrer juntos, como autênticos companheiros de viagem; uma viagem que empenha a todos, migrantes e residentes, na construção de cidades acolhedoras, plurais e solícitas pelos processos interculturais, cidades capazes de valorizar a riqueza das diferenças no encontro com o outro. E, também neste caso, muitos de vós podem testemunhar, pessoalmente, como é essencial um tal compromisso.

Queridos amigos migrantes, a Igreja é sabedora das angústias que marcam o vosso caminho e sofre convosco. Ao encontrar-vos nas vossas situações tão diferenciadas, ela pretende lembrar que Deus quer vivificar a todos nós. Ela deseja estar ao vosso lado para construir convosco o que for melhor para a vossa vida. Com efeito, todo o ser humano tem direito à vida, todo o ser humano tem o direito de ter sonhos e poder encontrar o seu justo lugar na nossa «casa comum»! Toda a pessoa tem direito ao futuro.

Quero ainda expressar a minha gratidão a todas as pessoas que estão ao serviço dos migrantes e refugiados em todo o mundo, e hoje particularmente a vós, operadores da Cáritas, que tendes a honra de manifestar o amor misericordioso de Deus a tantos nossos irmãos e irmãs em nome de toda a Igreja, bem como a todas as associações parceiras. Bem sabeis e tendes experiência de que, para o cristão, «não se trata apenas de migrantes», mas é o próprio Cristo que bate à nossa porta.

O Senhor, que durante a sua vida terrena viveu na própria carne a angústia do exílio, abençoe a cada um de vós, vos dê a força necessária para não desanimardes e para serdes uns para os outros «porto seguro» de acolhimento. Obrigado.


[1] Mohammed VI, Rei de Marrocos, Discurso na Conferência Intergovernamental sobre as Migrações (Marraquexe 10 de dezembro de 2018).

"Sejam promotores de fraternidade"

O Santo Padre deixou o Vaticano, na manhã deste sábado (30/3), para mais uma Viagem Apostólica, a de número 28 do seu Pontificado, esta vez, para visitar o Marrocos, por dois dias, sob o lema: “Papa Francisco: servidor da Esperança”. Francisco é o segundo Papa a visitar o Marrocos, depois de São João Paulo II, em 1985: um país de 34 milhões de habitantes, onde os católicos são apenas 23 mil.

 

Francisco partiu do aeroporto romano de Fiumicino às 11h00 – (7h00 horário de Brasília) – e chegou ao aeroporto de Rabat após três horas de viagem. Durante suas Viagens Apostólicas, o Santo Padre costuma enviar telegramas aos Chefes de Estado dos países sobrevoados. Esta vez, enviou telegramas aos Presidentes da Itália, Sergio Mattarella, e da França, Emmanuel Macron, e ao Rei da Espanha, Sua Majestade Felipe VI.

Papa encontra povo do Marrocos
Ao chegar em terras marroquinas, Francisco dirigiu-se à Esplanada da Mesquita “Tour Hassan II”, em Rabat, para a cerimônia de boas-vindas. Ali, o Santo Padre manteve seu primeiro encontro com o povo marroquino, as autoridades civis e religiosas e o Corpo Diplomático, do qual participaram 25 mil pessoas.

O Santo Padre iniciou seu discurso com a saudação em árabe “As-Salam Alaikum”, desejando a Paz para todos: “Estou feliz por pisar o solo deste país, rico de muitas belezas naturais, defensor dos vestígios de antigas civilizações e testemunha de uma história fascinante… Esta visita é, para mim, motivo de alegria e gratidão, porque me permite descobrir as riquezas desta terra, deste povo e das suas tradições, como também pela grande oportunidade de promover o diálogo inter-religioso e o conhecimento mútuo entre os fiéis das nossas duas religiões”.

Aqui, o Santo Padre recordou o histórico encontro entre São Francisco de Assis e o Sultão al-Malik al-Kamil, há oitocentos anos. Este evento profético demonstra a coragem deste encontro e da mão estendida que representam “um caminho de paz e harmonia” para a humanidade, em situações onde o extremismo e o ódio são fatores de divisão e destruição. E o Papa acrescentou: “ Desejo que a estima, o respeito e a colaboração entre nós possam contribuir para aprofundar os nossos laços de sincera amizade, a fim de permitir às nossas comunidades preparar um futuro melhor às novas gerações. ”

O desafio do diálogo inter-religioso
Naquela terra, ponte natural entre a África e a Europa, o Papa reiterou a necessidade de unir os esforços, de muçulmanos e católicos, para dar novo impulso à construção de um mundo mais solidário, mais comprometido com um diálogo honesto, corajoso e necessário, no respeito das riquezas e especificidades de cada povo e de cada pessoa: “Este é um desafio que todos somos chamados a assumir, sobretudo neste tempo em que se corre o risco de fazer das diferenças e mútuo desconhecimento motivos de rivalidade e desagregação”.

Por isso, – afirmou Francisco -, para participar da construção de uma sociedade aberta, pluralista e solidária, é essencial desenvolver e assumir, com constância e sem cessar, a cultura do diálogo, a colaboração como conduta, o conhecimento recíproco como método e critério: “Eis o caminho que somos convidados a percorrer, sem cessar, para nos ajudar a superar, juntos, as tensões e os mal-entendidos, as máscaras e os estereótipos, que sempre levam ao medo e à contraposição. E assim, abrir alas para um espírito de mútua colaboração frutuosa, com base no respeito”.

Com efeito, disse Francisco, “é indispensável contrapor ao fanatismo e ao fundamentalismo a solidariedade de todos os fiéis, com base nas nossas ações os valores que nos acomunam”. Nesta perspectiva, o Papa irá visitar, logo a seguir, o Instituto Mohammed VI, criado pelo rei Mohammed VI, para imames pregadores e pregadoras, com o objetivo de proporcionar uma formação adequada e sadia contra todas as formas de extremismo, que, muitas vezes, levam à violência e ao terrorismo e constituem uma ofensa à religião e ao próprio Deus. E o Papa ponderou: “Um diálogo autêntico convida-nos a não subestimar a importância do fator religioso para construir pontes entre os homens e enfrentar com êxito os desafios. De fato, no respeito das nossas diferenças, a fé em Deus nos leva a reconhecer a dignidade e os direitos do ser humano”.

A construção de pontes entre os povos
Acreditamos – afirmou Francisco – que Deus criou os seres humanos iguais em direitos, deveres e dignidade, e os chamou a viver como irmãos, segundo os valores do bem, da caridade e da paz. Por isso, a liberdade de consciência e a liberdade religiosa – que não se limitam à liberdade de culto, mas consente viver segundo a própria convicção religiosa – estão inseparavelmente ligadas à dignidade humana: “Neste sentido, a construção de pontes entre os homens, na perspectiva do diálogo inter-religioso, deve ser encarada sob o signo da convivência, da amizade e da fraternidade”.

A término do seu primeiro discurso em terras marroquinas, o Santo Padre recordou a grave crise migratória, que constitui para todos um urgente apelo para erradicar suas causas. Sabemos que a consolidação de uma paz verdadeira passa pela busca da justiça social.

Comunidade católica e ação pastoral no Marrocos
Enfim, falando dos cristãos, que ocupam seu lugar na sociedade marroquina, Francisco disse que “querem colaborar para a edificação de uma nação solidária e próspera e do bem comum”. Aqui, recordou a ação pastoral da Igreja Católica no Marrocos: obras sociais, educação em escolas abertas a estudantes de todas as confissões, religiões e proveniência. Enfim, encorajou os católicos e os cristãos a serem, no Marrocos, servidores, promotores e defensores da fraternidade humana. Shukran bi-saf! Obrigado a todos!


ÍNTEGRA DO DISCURSO DO PAPA

Majestade,
Altezas Reais,
Ilustres Autoridades do Reino de Marrocos,
membros do Corpo Diplomático,
queridos amigos marroquinos,

As-Salam Alaikum!

Estou feliz por pisar o solo deste país, rico de muitas belezas naturais, guardião de vestígios de antigas civilizações e testemunha duma história fascinante. Desejo, antes de mais nada, expressar a minha sincera e cordial gratidão a Sua Majestade Mohammed VI pelo seu amável convite e a calorosa receção que há pouco, em nome de todo o povo marroquino, me reservou, particularmente pelas palavras gentis que me dirigiu.

Esta visita é, para mim, motivo de alegria e gratidão, porque me permite, antes de tudo, descobrir as riquezas da vossa terra, do vosso povo e das vossas tradições e, depois, pela grande oportunidade de promover o diálogo inter-religioso e o conhecimento mútuo entre os fiéis das nossas duas religiões, ao mesmo tempo que recordamos – oitocentos anos depois – o histórico encontro entre São Francisco de Assis e o Sultão al-Malik al-Kamil. Este profético evento demonstra que a coragem do encontro e da mão estendida é um caminho de paz e harmonia para a humanidade nas situações onde o extremismo e o ódio são fatores de divisão e destruição. Além disso, almejo que a estima, o respeito e a colaboração entre nós contribuam para aprofundar os nossos laços de sincera amizade, consentindo que as nossas comunidades preparem um futuro melhor para as novas gerações.

Aqui nesta terra, ponte natural entre a África e a Europa, desejo reiterar a necessidade de unirmos os nossos esforços para dar novo impulso à construção dum mundo mais solidário, mais empenhado num diálogo honesto, corajoso e necessário que respeite as riquezas e especificidades de cada povo e de cada pessoa. Trata-se dum desafio que todos somos chamados a assumir, sobretudo neste tempo em que se corre o risco de fazer das diferenças e mútuo desconhecimento motivos de rivalidade e desagregação.

Por conseguinte, para participar na construção duma sociedade aberta, plural e solidária, é essencial desenvolver e assumir, com constância e sem abdicação, como caminho a seguir a cultura do diálogo; como conduta, a colaboração; como método e critério, o conhecimento mútuo (cf. Documento sobre A Fraternidade Humana, Abu Dhabi, 4 de fevereiro de 2019). Tal é a estrada que somos chamados a percorrer, sem nunca nos cansarmos, para nos ajudar a superar, juntos, as tensões e os mal-entendidos, as máscaras e os estereótipos, que sempre levam ao medo e à contraposição; e, assim, abrir caminho a um espírito de colaboração frutuosa e respeitadora. Com efeito, é indispensável contrapor ao fanatismo e ao fundamentalismo a solidariedade de todos os crentes, tendo como preciosas referências das nossas ações os valores que nos são comuns. Nesta perspetiva, sinto-me feliz por poder visitar, daqui a pouco, o Instituto Mohammed VI para imãs, pregadores e pregadoras, criado por Vossa Majestade para proporcionar uma formação adequada e sadia contra todas as formas de extremismo, que levam muitas vezes à violência e ao terrorismo e constituem, em todo o caso, uma ofensa à religião e ao próprio Deus. Na realidade, sabemos como é necessária uma condigna preparação dos futuros guias religiosos, se quisermos reavivar o verdadeiro sentido religioso no coração das novas gerações.

Portanto um diálogo autêntico convida-nos a não subestimar a importância do fator religioso para construir pontes entre os homens e enfrentar com êxito os desafios antes mencionados. De facto, no respeito das nossas diferenças, a fé em Deus leva-nos a reconhecer a eminente dignidade de todo o ser humano, bem como os seus direitos inalienáveis. Acreditamos que Deus criou os seres humanos iguais em direitos, deveres e dignidade, e chamou-os a viverem como irmãos e espalharem os valores do bem, da caridade e da paz. É por isso que a liberdade de consciência e a liberdade religiosa – esta não se limita à mera liberdade de culto, mas deve consentir a cada um viver segundo a própria convicção religiosa – estão inseparavelmente ligadas à dignidade humana. Neste espírito, precisamos sempre de passar da simples tolerância ao respeito e estima pelos outros, já que se trata de descobrir e aceitar o outro na peculiaridade da sua fé e enriquecer-se mutuamente com a diferença num relacionamento marcado pela benignidade e a busca daquilo que podemos fazer juntos. Assim entendida, a construção de pontes entre os seres humanos, vista da perspetiva do diálogo inter-religioso, pede para ser vivida sob o signo da convivência, da amizade e, mais ainda, da fraternidade.

A Conferência Internacional sobre os Direitos das Minorias Religiosas no Mundo Islâmico, realizada em Marraquexe no mês de janeiro de 2016, abordou esta questão. E congratulo-me por a mesma ter permitido condenar qualquer instrumentalização duma religião para discriminar ou agredir as outras, destacando a necessidade de ir mais além do conceito de minoria religiosa para nos fixarmos no conceito de cidadania e no reconhecimento do valor da pessoa, que deve ter um caráter central em todo o ordenamento jurídico.

Considero também um sinal profético a criação do Instituto Ecuménico Al Mowafaqa, em Rabat no ano de 2012, por iniciativa católica e protestante em Marrocos; um Instituto que quer contribuir para a promoção do ecumenismo, bem como do diálogo com a cultura e com o Islã. Esta louvável iniciativa expressa a preocupação e a vontade dos cristãos, que vivem neste país, de construir pontes para manifestar e servir a fraternidade humana.

Constituem, todos eles, percursos que visam impedir de «instrumentalizar as religiões para incitar ao ódio, à violência, ao extremismo e ao fanatismo cego e (…) usar o nome de Deus para justificar atos de homicídio, de exílio, de terrorismo e de opressão» (Documento sobre A Fraternidade Humana, Abu Dhabi, 4 de fevereiro de 2019).

O diálogo genuíno que queremos desenvolver leva-nos também a tomar em consideração o mundo onde vivemos, a nossa casa comum. Assim, a Conferência Internacional sobre as Alterações Climáticas, COP 22, também realizada aqui em Marrocos, comprovou mais uma vez a tomada de consciência por parte de muitas nações sobre a necessidade de proteger o planeta, onde Deus nos colocou a viver, e contribuir para uma verdadeira conversão ecológica ao desenvolvimento humano integral. Manifesto o meu apreço por todos os avanços verificados neste campo e alegro-me com a implementação duma verdadeira solidariedade entre as nações e os povos a fim de se encontrar soluções justas e duradouras para os flagelos que ameaçam a casa comum e a própria sobrevivência da família humana. Juntos, num diálogo paciente e prudente, franco e sincero, podemos esperar encontrar respostas adequadas para inverter a tendência ao aquecimento global e conseguir a erradicação da pobreza (cf. Enc. Laudato si’, 175).

De igual modo a grave crise migratória, que atualmente enfrentamos, constitui para todos um apelo urgente a procurar os meios concretos para erradicar as causas que forçam tantas pessoas a deixar o seu país, a sua família, acabando muitas vezes marginadas, rejeitadas. Nesta linha, realizou-se em dezembro passado, sempre aqui em Marrocos, a Conferência Intergovernamental sobre o Pacto Mundial para uma Migração Segura, Ordenada e Regular; ela adotou um documento que pretende ser um ponto de referência para toda a comunidade internacional. Naturalmente há ainda muito a fazer, já que é preciso passar, dos compromissos assumidos – ao menos a nível moral – com aquele documento, a ações concretas e sobretudo a uma mudança de ordenamento sobre os migrantes, que os considere como pessoas e não como números, e reconheça em atos e decisões políticas os seus direitos e a sua dignidade. Sabeis como tenho a peito a sorte – muitas vezes terrível – destas pessoas, que, em grande parte, não deixariam os seus países se não fossem forçadas. Espero que Marrocos, depois de ter acolhido a referida Conferência com grande disponibilidade e requintada hospitalidade, continue a ser – na comunidade internacional – um exemplo de humanidade para os migrantes e os refugiados, a fim de poderem, aqui como noutros lados, sentir-se acolhidos com humanidade e protegidos, ver favorecida a sua situação e ser integrados com dignidade. Quando as condições o permitirem, hão de poder decidir voltar a casa em condições de segurança, respeitadoras da sua dignidade e dos seus direitos. Trata-se dum fenómeno que nunca encontrará uma solução na construção de barreiras, na propagação do medo do outro nem na negação de assistência a quantos aspiram por uma legítima melhoria para si próprio e sua família. Sabemos também que a consolidação duma paz verdadeira passa pela busca da justiça social, indispensável para corrigir os desequilíbrios económicos e as desordens políticas que foram sempre os principais fatores de tensão e ameaça para a humanidade inteira.

Majestade e ilustres Autoridades, queridos amigos! Os cristãos alegram-se com o seu lugar na sociedade marroquina. Querem fazer a sua parte na edificação duma nação solidária e próspera, tendo a peito o bem comum do povo. Sob este ponto de vista, acho significativa a colaboração da Igreja Católica em Marrocos com as suas obras sociais e, no campo da educação, através das suas escolas abertas aos estudantes de todas as confissões, religiões e proveniência. Por isso, ao mesmo tempo que dou graças a Deus pelo caminho realizado seja-me permitido encorajar os católicos e os cristãos a serem aqui, em Marrocos, servidores, promotores e defensores da fraternidade humana.

Majestade, ilustres Autoridades, queridos amigos! Uma vez mais vos agradeço – a vós e a todo o povo marroquino – a calorosa receção e a vossa amável atenção. Shukran bi-saf! O Todo-Poderoso, clemente e misericordioso, vos proteja, e abençoe Marrocos! Obrigado.


APELO
DE SUA MAJESTADE O REI MOHAMMED VI
E DE SUA SANTIDADE PAPA FRANCISCO
SOBRE JERUSALÉM / AL QODS
CIDADE SANTA E LUGAR DE ENCONTRO

 

Sábado, 30 de março de 2019

Por ocasião da visita ao Reino de Marrocos, Sua Santidade Papa Francisco e Sua Majestade o Rei Mohammed VI, reconhecendo a singularidade e sacralidade de Jerusalém / Al Qods Acharif e tendo a peito o seu significado espiritual e a sua vocação peculiar de Cidade da Paz, compartilham o apelo seguinte:

«Consideramos importante preservar a Cidade Santa de Jerusalém / Al Qods Acharif como património comum da humanidade e, sobretudo para os fiéis das três religiões monoteístas, como lugar de encontro e símbolo de convivência pacífica, na qual se cultivam o respeito mútuo e o diálogo.

Com esta finalidade, devem ser mantidos e fomentados o caráter específico multirreligioso, a dimensão espiritual e a identidade cultural peculiar de Jerusalém / Al Qods Acharif.

Em consequência, almejamos que sejam garantidos, na Cidade Santa, a plena liberdade de acesso aos fiéis das três religiões monoteístas e o direito de cada uma exercer o seu próprio culto, de modo que se eleve por parte dos seus fiéis, em Jerusalém / Al Qods Acharif, oração a Deus, Criador de todos, por um futuro de paz e fraternidade sobre a terra».

Rabat, 30 de março de 2019.

S.M. o Rei Mohammed VI
Amir al Mouminine

S.S. Papa Francisco

João Paulo II esteve no Marrocos em 1985

 

João Paulo II visitou o Marrocos em 1985. Francisco será, portanto, o segundo Pontífice a visitar o país, depois de 34 anos: visitará a cidade de Rabat. A de João Paulo II, no Marrocos, foi a última etapa de uma viagem apostólica que incluiu vários países africanos: Togo, Costa do Marfim, Camarões, República Centro-Africana, Zaire, Quênia. Em Casablanca, no dia 19 de agosto, o Papa Wojtyla falou aos jovens muçulmanos, dirigindo um caloroso convite para a construção de um mundo mais fraterno, em diálogo com seus coetâneos cristãos. Suas palavras são de extrema atualidade.

Um encontro sem precedentes entre fiéis

“É a primeira vez que me encontro com jovens muçulmanos”, disse o Papa Wojtyla ao iniciar seu discurso. E imediatamente reconheceu:

“Cristãos e muçulmanos, temos muitas coisas em comum, como crentes e como homens. Vivemos no mesmo mundo, marcado por numerosos sinais de esperança, mas também por múltiplos sinais de angústia. (…) Cremos no mesmo Deus, o Deus único, o Deus vivo, o Deus que cria os mundos e leva as suas criaturas à perfeição”.

João Paulo II, testemunha da fé em Deus

João Paulo II se oferece como testemunha da fé cristã, representante da Igreja Católica, sucessor de Pedro, bispo de Roma, chamado a ser “garante da unidade de todos os membros da Igreja”. Como crente, com simplicidade, queria compartilhar “aquilo em que acredito, aquilo que desejo para a felicidade dos homens meus irmãos”, isto é, a fé em Deus. Um Deus que “orienta nosso destino”, nos torna “capazes de amar” e que pede aos homens que escutem sua voz, que façam a sua vontade “em uma adesão livre da inteligência e coração. É por isso que, diante dele, somos responsáveis ​​”. E continuou:

“Em um mundo que deseja a unidade e a paz e que conhece todavia milhares de tensões e conflitos, os crentes não deveriam favorecer a amizade e a união entre os homens e os povos que formam uma única comunidade na Terra? Sabemos que eles têm a mesma origem e o mesmo fim último: o Deus que os criou e que os espera, porque os unirá”.

Um diálogo mais do que nunca necessário

O Papa Wojtyla comunicava então aos jovens o compromisso da Igreja Católica, a partir do Vaticano II, “a buscar a colaboração entre os crentes”, expressando “uma atenção particular pelos crentes muçulmanos, dada sua fé no único Deus, o seu sentido de oração e sua estima pela vida moral”. E ele concluía:

“O diálogo entre cristãos e muçulmanos hoje é mais necessário do que nunca. Ela deriva de nossa fidelidade a Deus e supõe que sabemos reconhecer Deus com fé e testemunhá-lo com palavras e ações em um mundo que é cada vez mais secularizado e, às vezes, até ateu”.

O devido respeito por todas as tradições religiosas

O apelo dirigido aos jovens é o de construir um futuro melhor, empenhando-se “em edificar este novo mundo de acordo com o plano de Deus”. E ainda de testemunhar ao mundo que “Deus é a fonte de toda a alegria”. E este testemunho – enfatizava – “se faz no respeito a outras tradições religiosas, porque cada homem espera ser respeitado pelo que ele é, de fato, e por aquilo que ele conscientemente acredita”. Há necessidade da livre adesão da consciência em relação a Deus e é “este é o verdadeiro significado da liberdade religiosa, que respeita quer Deus como o homem”. Se Deus é Pai, devemos nos tratar como irmãos, enfatizou ainda:

“Por isto, esta obediência a Deus e este amor pelo homem deve nos levar a respeitar os direitos do homem, esses direitos que são a expressão da vontade de Deus e a necessidade da natureza humana como Deus a criou”.

É necessário – recordava – a reciprocidade em todos os âmbitos, sobretudo no que diz respeito às liberdades fundamentais e, em particular, à liberdade religiosa.

Ninguém deve desprezar seu irmão, mesmo que ele seja diferente

Deus não quer que o homem permaneça passivo, afirmava João Paulo II, Ele confiou a terra para fazê-la frutificar e os jovens que, naturalmente, olham para o futuro e “aspiram a um mundo mais justo e mais humano”, são os “responsáveis ​​pelo mundo” de amanhã”. E a esses jovens ele recomendava trabalhar junto com os adultos, a serviço dos outros:

“Neste trabalho global, a pessoa humana, homem ou mulher, nunca deve ser sacrificada. Cada pessoa é única aos olhos de Deus, é insubstituível neste trabalho de desenvolvimento. Cada um deve ser reconhecido pelo que é e depois respeitado como tal. Ninguém deveria usar o seu gosto; ninguém deve explorar seu igual; ninguém deveria desprezar seu irmão”.

Com base nisso poderá “nascer um mundo mais humano, mais justo e mais fraterno”, no qual cada um poderá “encontrar seu lugar na dignidade e na liberdade”. O mundo hoje conhece conflitos e injustiças – observava – e isso porque “os homens não aceitam suas diferenças: eles não se conhecem o suficiente” e rejeitam o que é diferente.

A tradição de abertura do Marrocos

O Papa Wojtyla reconhece diante dos jovens muçulmanos que o escutam, a tradição de abertura e de tolerância do Marrocos, desde sempre um local de estudo e de encontro de civilizações. Vocês jovens marroquino – disse – estão preparados para dialogar com todos os jovens do mundo para construir a paz, a justiça, a distribuição equitativa da riqueza, mas também para o crescimento da vida espiritual e interior das pessoas.

“O homem é um ser espiritual. Nós, crentes, sabemos que não vivemos em um mundo fechado. Nós acreditamos em Deus, somos adoradores de Deus, somos buscadores de Deus. A Igreja Católica olha com respeito e reconhece a qualidade do caminho religioso de vocês, a riqueza de sua tradição espiritual. Também nós cristãos, temos orgulho de nossa tradição religiosa”.

Valores comuns, mas também diferenças a serem aceitas com respeito

Tantos valores nos unem – prosseguiu – mas também devemos reconhecer e respeitar nossas diferenças, antes de tudo no que diz respeito à pessoa de Jesus:

“Cristãos e muçulmanos, geralmente somos mal compreendidos e, às vezes, no passado, nos opusemos e até mesmo nos perdemos em controvérsias e guerras. Creio que Deus nos convide hoje a mudar nossos velhos hábitos. Devemos nos respeitar uns aos outros e também nos estimular uns aos outros nas boas do bem no caminho de Deus”.

E neste compromisso, concluía João Paulo II, “estejam certos da estima e da colaboração de seus irmãos e irmãs católicos, que eu represento entre vocês esta noite”.

Encontro com os jornalistas

O diálogo não pode ser de laboratório

No Boeing 737 do Royal Air Maroc que o trouxe de volta a Roma, o Papa Francisco encontrou-se, como de costume, com os jornalistas e conversou com eles durante mais de meia hora sobre o diálogo com os muçulmanos, a declaração sobre Jerusalém, os migrantes e a Europa, o caso Barbarin, a liberdade de consciência em perigo nos países com tradição cristã.

 

Siham Toufiki, agencia Map: Houve momentos muito fortes, esta visita foi um acontecimento histórico excepcional para o povo marroquino. Quais são as consequências desta visita para o futuro, para a paz no mundo, para a convivência no diálogo entre culturas?

“Direi que agora há flores, os frutos virão mais tarde. Mas as flores são promissoras. Estou feliz, porque nestas duas viagens pude falar sobre o que me toca tanto no coração, tanto: a paz, a unidade, a fraternidade. Com os nossos irmãos muçulmanos e muçulmanas, selamos esta fraternidade no documento de Abu Dhabi e aqui, no Marrocos, todos vimos uma liberdade, uma fraternidade, uma acolhida de todos os irmãos com um respeito muito grande. Esta é uma bela flor de convivência que promete dar frutos. Não devemos desistir! É verdade que ainda haverá dificuldades, muitas dificuldades porque, infelizmente, existem grupos intransigentes. Mas gostaria de dizer isto claramente: em cada religião há sempre um grupo integralista que não quer ir em frente e vive de recordações amargas, das lutas do passado, procurando mais a guerra e também semeando o medo. Vimos que é mais bonito semear a esperança, andar de mãos dadas sempre em frente. Vimos, também no diálogo com vocês aqui no Marrocos, que são necessárias pontes e sentimos dor quando vemos pessoas que preferem construir muros. Por que sentimos dor? Porque aqueles que constroem os muros acabarão presos pelos muros que construíram. Mas aqueles que constroem pontes vão muito avante. Para mim, construir pontes é algo que vai quase além do humano, exige muito esforço. Sempre me tocou muito uma frase do romance de Ivo Andrich, “A Ponte sobre a Drina”: ele diz que a ponte é feita por Deus com as asas dos anjos para que os homens se comuniquem… para que os homens possam se comunicar. A ponte é para comunicação humana. E isto é bonito e eu vi isso aqui no Marrocos. Em vez disso, os muros são contra a comunicação, são a favor do isolamento e aqueles que os constroem tornar-se-ão prisioneiros. Não se vêem os frutos, mas vêem-se muitas flores que darão frutos, por isso vamos continuar assim”.

Nadia Hammouchi, TV 2M: O senhor se encontrou com o rei de Marrocos e com o seu desejo de diálogo. O que é preciso, na prática, para reforçar o diálogo?

“Sempre que há um diálogo fraterno, há uma relação em vários níveis. Permitam-me uma imagem: o diálogo não pode ser de laboratório, deve ser humano, e se é humano é com a mente, o coração e as mãos, e assim são assinados acordos. Por exemplo, o apelo comum sobre Jerusalém foi um passo avante dado, não por uma autoridade do Marrocos e por uma autoridade do Vaticano, mas por irmãos crentes que sofrem ao verem que esta cidade da esperança ainda não é tão universal como todos nós queremos que seja: judeus, muçulmanos e cristãos. Todos nós queremos isto. E por isso assinamos este desejo: é um desejo, um chamado à fraternidade religiosa que é simbolizada nesta cidade que é toda nossa. Todos somos cidadãos de Jerusalém, todos os crentes”.

Nicolas Seneze, La Croix: Ontem, o rei de Marrocos disse que protegerá os judeus marroquinos e os cristãos de outros países que vivem no Marrocos. Faço a seguinte pergunta sobre os muçulmanos que se convertem ao cristianismo: o senhor está preocupado com estes homens e mulheres que correm o risco de serem presos ou são condenados à morte noutros países muçulmanos? Outra pergunta sobre o Cardeal Barbarin: Esta semana, os conselhos da diocese de Lyon votaram quase unanimemente a favor de uma solução duradoura para a sua saída. É possível para o senhor, que é muito ligado à sinodalidade da Igreja, escutar este apelo de uma diocese em situação tão difícil?

“Posso dizer que no Marrocos há liberdade de culto, há liberdade religiosa, há liberdade de pertença religiosa, a liberdade sempre se desenvolve cresce, pensemos em nós, cristãos, 300 anos atrás se havia essa liberdade que temos hoje. A fé cresce na consciência da capacidade de compreender si mesmo. Um monge francês, Vincenzo De Lerino, do século oitavo-nono, cunhou uma bela expressão para explicar como se pode crescer na fé, explicar melhor as coisas, crescer na moral, mas sempre permanecendo fiel às raízes. Ele disse três palavras, mas que marcam o caminho: ele diz que crescer na explicação e na consciência da fé e da moral é preciso consolidá-la ao longo dos anos, expandidos no tempo, mas é a mesma fé que é sublimada ao longo dos anos. Assim se entende por exemplo que hoje retiramos do Catecismo da Igreja Católica a pena de morte – há 300 anos queimavam os hereges vivos – porque a Igreja acentuou na consciência moral o respeito pela pessoa e a liberdade de culto também cresce, também nós devemos continuar a crescer, há pessoas católicas que não aceitam o que o Vaticano II disse sobre a liberdade de culto, a liberdade de consciência, há pessoas que não aceitam católicos, nós também temos este problema, mas também os irmãos muçulmanos crescem na consciência e alguns países não compreendem bem ou não crescem tão bem como outros, no Marrocos há este crescimento. Neste quadro há o problema da conversão: alguns países ainda não a vêem, não sei se é proibida, mas a prática é proibida. Outros países como o Marrocos não criam problema, são mais abertos e mais respeitosos, procuram um certo modo de proceder com discrição. Outros países com os quais falei dizem: não temos problemas, mas preferimos que o batismo eles façam fora do país e retornem cristãos. Preocupa-me outra coisa: a retrocessão nossa, cristãos, quando tiramos a liberdade de consciência, pense você, nos médicos e nas instituições hospitalares cristãs que não têm o direito de objeção de consciência, por exemplo, à eutanásia. A Igreja foi para a frente e vocês, países cristãos, foram para trás? Pensem nisto porque é uma verdade. Hoje nós, cristãos, corremos o perigo que alguns governos nos tirem a liberdade de consciência que é o primeiro passo para a liberdade de culto. A resposta não é fácil, mas não acusemos os muçulmanos, devemos nos acusar, a nós, nestes países onde isto acontece. Devemos ter vergonha”.

“Então, sobre o cardeal Barbarin, ele, um homem da Igreja, pediu demissão, mas eu não posso moralmente aceitá-la porque, juridicamente, mas também na jurisprudência mundial clássica, há a presunção de inocência durante o tempo em que a causa está aberta. Ele apelou e a causa está aberta. Depois, quando o segundo tribunal dá a sentença, vemos o que acontece. Mas tem sempre a presunção de inocência. Isto é importante porque vai contra a superficial condenação dos meios de comunicação social. O que diz a jurisprudência mundial? Que, se um caso está aberto, existe a presunção de inocência. Talvez não seja inocente, mas há a presunção. Uma vez falei de um caso na Espanha sobre como a condenação dos meios de comunicação social arruinou a vida de sacerdotes que foram depois reconhecidos inocentes. Antes de fazer a condenação mediática, pensar duas vezes. E ele escolheu honestamente, mas não, eu me retiro, peço uma licença voluntária e deixo ao Vigário Geral administrar a arquidiocese até que o tribunal dê a sentença final”.

Cristina Cabrejas, agência Efe: No discurso de ontem às autoridades, o senhor disse que o fenômeno migratório não se resolve com barreiras físicas, mas aqui no Marrocos a Espanha construiu duas barreiras com lâminas para cortar aqueles que querem superá-las. O senhor conheceu algum deles em qualquer encontro. E o Presidente Trump nestes dias disse que quer fechar completamente as fronteiras e também suspender a ajuda a três países da América Central. O que o senhor gostaria de dizer para estes governantes, para estes políticos que ainda defendem estas decisões?

“Em primeiro lugar, o que eu disse há pouco: os construtores de muros, sejam de lâminas que cortam como facas ou de tijolos, tornar-se-ão prisioneiros dos muros que fazem. Primeiro… o que a história dirá? Em segundo lugar, Jordi Evole quando me entrevistou, mostrou-me um pedaço desse fio com as facas. Digo-lhe sinceramente que fiquei comovido e depois quando ele foi embora, chorei. Chorei porque não entra na minha cabeça e no meu coração tanta crueldade. Não entra na minha cabeça e no meu coração ver afogar-se no Mediterrâneo… esta não é a forma de resolver o grave problema da imigração, que eu entendo: um governo, com este problema tem “uma batata quente” nas mãos, mas deve resolvê-lo, de outra forma, humanamente. Quando eu vi aquele fio, com facas, eu não podia acreditar. Uma vez que eu tive a oportunidade de ver um filme da prisão de refugiados que retornam, que são enviados de volta. Prisões não oficiais, prisões de traficantes. Se você quiser, eu posso mandá-lo a você. Eles fazem sofrer, fazem sofrer. As mulheres e crianças são vendidas, os homens ficam. E as torturas que você vê no filme são inacreditáveis. Era um filme feito em segredo. Eu não os deixo entrar: é verdade porque não tenho lugar, mas há outros países, há a humanidade da União Europeia. Toda a União Europeia tem de falar. Não os deixo entrar, ou os deixo afogar ali, ou os mando embora sabendo que tantos deles vão cair nas mãos destes traficantes que vão vender as mulheres e as crianças, matarão ou torturarão para fazer escravos os homens. Isto está filmado, está à disposição de vocês. Uma vez que falei com um governante, um homem que eu respeito e direi “o nome, Alexis Tsipras. e falando sobre isso e dos acordos de não deixar entrar, ele me explicou as dificuldades, mas no final ele me falou com o coração e disse esta frase: “os direitos humanos vêm antes dos acordos”. Esta frase merece o Prêmio Nobel.

Michal Werner Schramm, Ard Roma: O senhor há muitos anos combate para proteger e ajudar os migrantes, como fez nos últimos dias no Marrocos. A política europeia vai exatamente na direcção oposta. A Europa torna-se como bastão contra os migrantes. Esta política reflete a opinião dos eleitores. A maioria desses eleitores é cristã-católica. O senhor como se sente com esta triste situação?

“Vejo que muitas pessoas de boa vontade, não só católicos, mas pessoas boas, de boa vontade são um pouco tomadas pelo medo que é a pregação habitual do populismo, o medo. O medo é semeado e depois as decisões são tomadas. O medo é o início das ditaduras. Vamos para o século passado, para a queda da República de Weimar, repito isto muitas vezes. A Alemanha precisava de uma saída e, com promessas e medos foi avante Hitler, conhecemos o resultado, conhecemos o resultado. Aprendemos com a história, isso não é novo: semear medo é fazer uma coleta de crueldade, de fechamentos e até mesmo de esterilidade. Pensem no inverno demográfico da Europa. Também nós que vivemos na Itália temos abaixo de zero. Pensem na falta de memória histórica: a Europa foi feita por migrações e esta é a sua riqueza. Pesemos na generosidade de muitos países, que hoje batem à porta da Europa, com os migrantes europeus a partir de 84, os dois pós-guerra, em massa, a América do Norte, a América Central, a América do Sul. O meu pai foi lá depois da guerra e foi acolhido. Um pouco de gratidão… É verdade, para ser compreensivos, que o primeiro trabalho que temos de fazer é tentar assegurar que as pessoas que migram por causa da guerra ou da fome não tenham essa necessidade. Se uma Europa tão generosa vende armas ao Iêmen para matar crianças, como faz a Europa a ser coerente. E digo que isto é um exemplo, mas a Europa vende armas. Depois há o problema da fome e da sede. Se a Europa quer ser a mãe Europa e não a avó Europa, tem de investir, tem de tentar inteligentemente ajudar a levantar através da educação, através dos investimentos, e isto não é meu, disse a Chanceler Merkel. É algo que ela leva avante: impedir a emigração não com a força, mas com a generosidade, os investimento educativos e econômico, etc., e isto é muito importante. Segundo, sobre como agir, é verdade que um país não pode receber todos, mas há toda a Europa para distribuir os migrantes, há toda a Europa. Porque a acolhida deve ser com o coração aberto, depois acompanhar, promover e integrar. Se um país não pode integrar, deve pensar imediatamente em falar com outros países: você quantos pode integrar, para dar às pessoas uma vida digna. Outro exemplo que vivi na minha pele no tempo das ditaduras é a Operação Condor em Buenos Aires, na América Latina, na Argentina, Chile e Uruguai. Foi a Suécia que recebeu com uma generosidade impressionante.Aprendiam imediatamente a língua à custa do Estado, encontraram trabalho, encontraram um lar. Agora você sente, a Suécia, um pouco com dificuldade na integração, mas diz isso e pede ajuda. Quando lá estive no ano passado, o primeiro-ministro deu-me as boas-vindas, mas na cerimônia de despedida foi uma ministra, uma jovem ministra que penso era a da Educação, era um pouco acastanhada porque era filha de uma sueca e de um migrante africano: tão integrada no país que eu dou como exemplo, a Suécia. Mas para isso é preciso generosidade, é preciso continuar, mas com os muros ficaremos fechados nestes muros”.

Cristiana Caricato, Tv2000: O senhor tem medo do risco que as ditaduras podem gerar. Ainda hoje um ministro italiano, em referência à conferência de Verona, disse que mais do que a família, é preciso ter medo do Islã. Estamos em risco de ditadura? E depois uma curiosidade: o senhor com frequência denuncia a ação do diabo, o fez no recente encontro sobre a protecção dos menores. Que podemos nós fazer para combate-lo, especialmente no que se refere aos escândalos da pedofilia?

“Um jornal, depois do meu discurso no final do encontro sobre a proteção dos menores, disse: “O Papa foi inteligente, primeiro disse que a pedofilia é um problema mundial, depois disse algo sobre a Igreja, no final lavou as mãos e culpou o diabo. Um pouco simplista, não é? Um filósofo francês, nos anos 70, fez uma distinção que me deu muita luz. Ele disse: para entender uma situação é preciso dar todas as explicações e depois procurar os significados. O que significa socialmente? O que significa pessoalmente ou religiosamente? Eu tento dar todas e também as medidas das explicações. Mas há um ponto que não se pode compreender sem o mistério do mal. Pense na pornografia infantil virtual. Houve dois encontros, pesados, em Roma e Abu Dhabi. Pergunto-me por que se tornou algo do cotidiano? Porque – estou falando de estatísticas sérias – se você quer ver abuso sexual de crianças ao vivo, pode se conectar à pornografia infantil virtual, eles mostram. Eu não minto. Eu me pergunto, os responsáveis não podem fazer nada? Nós na igreja faremos de tudo para acabar com esta chaga, faremos de tudo. Eu naquele discurso, dei medidas concretas. Já existiam, antes do encontro, quando os presidentes da conferência me deram a lista que dei a todos. As pessoas responsáveis por essas sujeiras, são inocentes? Aqueles que ganham dinheiro com isto? Em Buenos Aires, com duas autoridades da cidade, fizemos uma portaria, uma disposição não vinculativa para hotéis de luxo, que dizia “coloque na recepção deste hotel, não se permitem relações com menores”. Ninguém quis colocá-la. Não, mas você sabe, não se pode, parece que estamos sujos, você sabe que nós não fazemos isso, mas sem o anúncio. Um governo não consegue identificar onde fazem estes filmes com as crianças? Todos filmes ao vivo. Para dizer que o flagelo mundial é grande, mas também que não se pode entendê-lo sem o espírito do mal, é um problema real. Para resolver isto, há duas publicações que recomendo: um artigo de Gianni Valente no Vaticano Insider onde ele fala dos donatistas. O perigo que a Igreja hoje corre de se tornar donatista ao fazer prescrições humanas, esquecendo as outras dimensões. Oração, a penitência, que não estamos habituados a fazer. Ambos! Porque para vencer o espírito do mal não é ‘lavar-se as mãos’, dizer ‘o diabo faz isso’, não. Também nós temos de lutar com o diabo, com as coisas humanas. A outra publicação foi feita pela “Civiltà Cattolica”. Eu tinha escrito um livro, em 1987, as cartas da tribulação, eram as cartas do Padre Geral jesuíta quando a companhia estava prestes a ser dissolvida. Fiz um prólogo, estudaram essas cartas, e estudaram as cartas que fiz ao episcopado chileno e ao povo chileno. Como agir com isso, as duas partes, a parte científica contra a parte espiritual. O mesmo foi feito com os bispos dos Estados Unidos, as propostas eram demasiadas metodológicas, sem vontade, a dimensão espiritual foi negligenciada. Gostaria de dizer o seguinte: a Igreja não é congregacionalista, é católica, onde o bispo deve pegar pela mão e o Papa também deve pegar pela mão como pastor. Mas como? Com medidas disciplinares e também com a penitência, com a oração, com a acusação de si mesmo. Eu ficaria grato se vocês estudassem as duas coisas: a parte humana e a espiritual.