Vida Cristã - Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil - OFM

Fundação Imaculada Mãe de Deus em Angola

Apresentação

30 ANOS DE MISSÃO

Nestes 30 anos de história, mais de 50 frades estiveram em Angola como missionários, sem contar outros tantos que passaram pela Missão para um período mais curto de ajuda na formação de frades, leigos e das Irmãs Clarissas e outras atividades. Hoje, compõem a Fundação Imaculada Mãe de Deus (FIMDA) 18 frades de profissão definitiva, dos quais seis angolanos. Um total de 43 são angolanos professos temporários,  27 são noviços e dois brasileiros fazem a experiência do Ano Missionário.

Os trabalhos realizados pelos frades da FIMDA se distinguem pela diversidade manifesta no atendimento a paróquias, na formação, no atendimento aos necessitados, na educação escolar, a escuta cristã, na assistência às Irmãs Clarissas, na produção e apresentação de programas de rádio, nos trabalhos sociais, no serviço da escuta cristã, nas celebrações, nas visitas a aldeias e lugares de difícil acesso, no acompanhamento vocacional dos candidatos à Vida Religiosa Franciscana.

Para além de tantas atividades, nota-se um esforço dos frades em cultivar uma grande proximidade com o povo. Visitando as fraternidades, não é raro ver o afluxo de pessoas que vêm ao encontro dos irmãos, seja quando estão em casa ou quando andam pelas ruas e vielas das localidades onde estão presentes. São muitos os cumprimentos, os sorrisos e a demonstração de carinho àqueles que abraçaram o seguimento de Cristo ao modo de Francisco e se esforçam para serem esta presença evangélica e evangelizadora entre os irmãos e irmãs de Angola.

As cinco Fraternidades

Malange

Fraternidade Franciscana do Seminário Monte Alverne

Frei André Luiz da Rocha Henriques: guardião, conselheiro da FIMDA, vice-secretário de Formação e Estudos, moderador da Formação Permanente, orientador e vigário paroquial.
Frei Ermelindo Francisco Bambi: vigário da casa, reitor do Seminário, orientador, promotor vocacional e animador do SAV.
Frei Lucas de Moura J. Souza: ano missionário

Fraternidade Franciscana São Damião

Frei André Gurzynski: guardião e animador do JPIC
Frei Afonso K. Quissongo: vigário da casa, pároco Santos Mártires e professor.
Frei Laerte de Farias dos Santos: secretário da Evangelização e pároco em Cangandala.

Existe um jargão na vida religiosa que identifica o primeiro lugar de transferência de um religioso que concluiu a formação inicial como o “primeiro amor”. Aplicando esta linguagem à presença franciscana em Angola, pode-se dizer que Malange foi o “primeiro amor” da Ordem dos Frades Menores em terras angolanas. Capital da Província de mesmo nome, localizada na região Centro-Norte do país, com população aproximada de 968 mil habitantes, (segundo o Censo de 2014) sendo que 486 mil pessoas vivem na região da capital.

Em Malange, a presença dos frades se localiza no bairro chamado Katepa, onde estão duas fraternidades: São Damião e Seminário Monte Alverne. Sob os cuidados da Fraternidade São Damião, estão a Paróquia dos Santos Mártires de Uganda, a Missão em Kangandala e a assistência às Irmãs Clarissas.

Em Malange, as duas fraternidades trabalham em profunda sintonia, num espírito de interajuda e proximidade. Destaca-se também a convivência muito próxima com as diversas congregações religiosas femininas que ali se fazem presentes, como as Irmãs Franciscanas Missionárias de Maria, as Irmãs Franciscanas de São José e as Irmãs Missionárias da Imaculada Conceição da Mãe de Deus.


Quibala

Fraternidade Franciscana Santo Antônio – Noviciado

Frei lvair Bueno de Carvalho: guardião, conselheiro da FIMDA, vice-mes­tre e animador do SAV local
Frei Marco Antonio dos Santos: vigário da casa, secretário de Formação e Estudos e mestre
Frei Fabio José Gomes: serviço fraterno

Noviços:

Abel Ernesto Nené
Alberto Joaquim Manuel Gamba
Bartolomeu Kapena Moisés
Borracha Raimundo Eduardo
Dionísio Kapitango Uyombo Muhele
Escovalo Gabriel Domingos
Fernando Camaxilo Victor
Francisco Pedro Kapapelo Chitacumula
Gualter Filipe João Pascoal
Hilário Kaleka Gonçalves Barros
Januário Mendonça Barreto de Carvalho
João Garcia Isaac Lucoqui
José Kapundi Rodrigues
Luís José Fernandes
Manuel Coloi Armando Camongua
Manuel Katchingangu Singue
Mário Catimba Dumbo Baptista
Paulino Salamba Candondo
Vicente Chocolate Barros
Tomás Gaspar Joaquim
Simeão Kapifígala Jamba
Simão Albino Katenha Kaquinta
Silva Kawia Ngueve Tchimo
Raul Dumbo Bondua Muquinjina
Paulo Kapindali
Paulo Camuanguina Alexandre
Paulo Ngungu Ngumbe Gabriel

Quibala é um município da Província de Kwanza Sul e conta atualmente com cerca de 135 mil habitantes. Localiza-se a 194 Km de Sumbe, a capital da Província e a 323 km de Luanda, capital do país. No período da guerra, Quibala, apesar de se localizar  no Interior, é um ponto estratégico, pois por ali passa a ligação entre o Norte e o Sul do país. Por este motivo, era alvo de grandes disputas, ora estando sob o domínio do governo (MPLA), ora sob o comando da UNITA. Até hoje chamam a atenção de quem anda pelo centro da cidade. Alguns prédios em ruínas, por conta dos bombardeios da época, e também tanques e carros de guerra estão abandonados. No terreno onde se localiza atualmente a Fraternidade Santo Antônio, ainda hoje se encontram  restos de projéteis deflagrados e também armas abandonadas. O lugar é montanhoso, rico em belas paisagens, e com muitas grandes pedras que conferem uma especial beleza à cidade.

A ida dos frades para esta localidade se deu logo no início da Missão por conta do atendimento ao Mosteiro de Irmãs Clarissas, de fundação mexicana, que ali se instalara. Devido à guerra, em 1998, quando os frades também interromperam a presença em Quibala, as Irmãs Clarissas se transferiram para Lubango, na Província de Huíla, ao Sul de Angola.

Assim como em Malange, a presença em Quibala tem um contorno pastoral bastante intensa, pois os frades têm atuação efetiva na Missão Nossa Senhora das Dores, de responsabilidade dos padres diocesanos. Em comunhão com a Igreja local, os freis de Quibala celebram nos bairros e aldeias e também os postulantes têm diversas atividades pastorais. Conquista recente da Fraternidade do Postulantado é a Capela Santo Antônio, uma construção simples, porém bastante expressiva da espiritualidade franciscana.


Luanda

Fraternidade Franciscana São Francisco de Assis

Sede da FIMDA e pós-noviciado

Frei António B. Zovo Baza: presidente FIMDA, pároco e vice-mestre
Frei João B. C. Canjenjenga: conselheiro e ecônomo FIMDA, guardião, vig. par. e proj. sociais
Frei João Alberto Bunga: secretário e proc. FIMDA, vigário da casa, mes­tre, proj. sociais, responsável Kimbo e vigário paroquial.

Frades estudantes:

IV ANO DE FILOSOFIA

António da Silva Manuel
Bernardo João Cassinda
Daniel K. T. Tchikeva
Domingos Cacanda Soma
Elias Hebo Luís
Evaristo Seque Joaquim
Feliciano Afonso Manuel
Helder J. Mateus Domingos
Pedro D. Caiungue Mugiba
Pedro Isaías Luísa Vitangui
Simão Cassua Horácio

III ANO DE FILOSOFIA

Alberto C. Martinho Sambei
António Sacaputo Maimo
Eduardo J. Cavita Camunha
lnoc Joaquim João
João Baptista Culiaquita
Silverio Munga Cajonde

II ANO DE FILOSOFIA

Abel Ndala Sahuma Nganji
Clementino Samuel Miguel
David V. da C. Gaeita
Domingos Macuva Paulo
Luís António Gungo
Valódia J. M. B. Domingos

I ANO DE FILOSOFIA

Adriano F. Sumbelelo
Fernando José Dange
Francisco Luís Lupasso
Hilário Kapiñgala Ngundja
João Pedro Pessoa Lima
Silvano Kessongo Pinto Leitura

Luanda é a menor Província de Angola, mas também a mais populosa, com 6,5 milhões de habitantes, sendo cerca de 2,1 milhões apenas no entorno da capital, segundo o censo de 2014. É um lugar de intensa movimentação, tanto de pessoas quanto de veículos. O trânsito é bastante pesado e pouco organizado, o que torna demorados deslocamentos razoavelmente curtos. Dentre os principais desafios estão a melhoria da qualidade dos serviços públicos, o saneamento básico e a coleta de lixo.

Assim como chegaram a Malange por conta do atendimento às Irmãs Clarissas, em 1990, seis anos mais tarde, acompanhando as Clarissas deste mesmo mosteiro, de fundação espanhola, os frades se instalaram em Luanda e passaram a morar ao lado do mosteiro construído para as Clarissas, no Bairro do Palanca, em Luanda, em terreno cedido pela Arquidiocese de Luanda. Hoje, a sede da Fundação é a Fraternidade São Francisco de Assis, em Luanda, e ali os frades se dedicam ao atendimento da Paróquia São Lucas,  o acompanhamento formativo dos frades professos temporários, o atendimento ao Quimbo São Francisco, o Projeto Nossos Miúdos, que se ocupa na acolhida de meninos que foram abandonados pela família.

Em Palanca, moram os frades de profissão temporária que cursam Filosofia na Universidade Católica de Angola, situada a cinco minutos de caminhada da Fraternidade São Francisco. Em termos de instalações físicas, foi construído  junto ao Convento do Palanca uma residência para acolher  os frades estudantes de Filosofia.


Viana

Fraternidade Franciscana da Porciúncula

Postulantado e Aspirantado

Frei Laurindo L. da Silva Júnior: guardião, mestre Postulantes e vig. par.
Frei Valdemiro Wastchuk: vig. casa e pároco
Frei João Manoel Zechinatto: ano missionário
Frei José Morais Cambolo: anim. SAV, proj. sociais, orient. Aspiran­tes e vice-secr. Evangelização

Viana é um município pertencente à Província de Luanda. Tem 1,5 milhão de habitantes. Os frades estão aí instalados desde 2000. O bairro da Estalagem, onde se localiza a Fraternidade, é muito populoso, e por isso a casa dos frades também é muito movimentada. Muitos meninos  vêm treinar futebol no Projeto Bola da Paz, que busca a socialização através do esporte. Responsável pelo trabalho social da casa, que também oferece um projeto de inclusão digital, Frei Ivair Bueno se sente muito à vontade entre o povo e trata as pessoas de modo muito próximo, sempre com sorrisos e brincadeiras.

Devido à superpopulação do bairro, a Paróquia Nossa Senhora de Fátima também tem movimentação intensa. Para se ter uma ideia, são três mil crianças na catequese, que se reúnem no entorno da igreja matriz, sentadas sobre banquinhos coloridos de plástico e sob a sombra das árvores.

Em Viana, os frades mantêm também convivência muito próxima com a as Irmãs Franciscanas Hospitaleiras, de quem são vizinhos de terreno. Num espírito de integração e interajuda, a celebração da Eucaristia diária, com a presença dos frades e das irmãs, se reveza semanalmente entre as duas casas: ora os freis vão até as irmãs e vice-versa.

Quimbo São Francisco

Chão de terra batida a céu aberto. Árvores sob as quais as pessoas se abrigam à sombra. Muita gente! Mulheres com roupas coloridas, grande número delas com crianças, que trazem junto às costas amarradas por um tecido também de cor bem marcante. Crianças muito pequenas deitadas no chão, sobre um lençol e sob o olhar cuidadoso da mãe. Para sentar, uma pedra, a poeira do chão ou um banquinho colorido, de plástico, simples, leve e fácil de carregar. À frente, num pequeno palco, que também é altar, algumas mammás (termo típico angolano para designar mulher) rezam, cantam, louvam e agradecem, incentivando a multidão a fazer o mesmo. Isso desde o começo da manhã, totalmente dedicada à oração e, com a fidelidade ao modo angolano de se expressar, também na fé, com cantos e danças que dão som e movimentos a pedidos, agradecimentos, súplicas, dúvidas, medos, alegrias e todos os outros sentimentos e atitudes que povoam o coração humano.

Esta seria, em breves palavras, a descrição da manhã de uma quinta-feira no chamado Quimbo São Francisco. O lugar, localizado no terreno da Fraternidade São Francisco, em Luanda, se firmou como um verdadeiro santuário, onde grande número de fiéis acorre semanalmente em busca de um momento de oração, reflexão, louvor e celebração.

O espaço surgiu a partir de um pedido do cardeal Arcebispo de Luanda na época da chegada dos frades, Dom Alexandre Nascimento. Preocupado com a movimentada rotina dos religiosos por conta dos desafios da guerra e com medo que caíssem num ativismo exagerado, o cardeal pediu aos frades que criassem naquele espaço, junto à fraternidade, um lugar de cultivo espiritual, onde o religioso ou a religiosa que desejasse pudesse ter um momento de recolhimento, meditação, leitura da Palavra de Deus, enfim, de oração pessoal. E foi nesta perspectiva que surgiu o Quimbo São Francisco.

Hoje em dia, a utilização do espaço foi além daquela sugerida pelo arcebispo e pensada pelos frades e, também com a aproximação da Renovação Carismática Católica, o Quimbo se tornou um lugar de peregrinação em massa. Ali as pessoas chegam de manhã para participar de orações, pregações, momentos de louvor, novenas. Às 11 horas, celebra-se a Missa, sempre com a presidência de um dos frades e animada com canto e dança.

Para quem deseja, existe ainda no Quimbo São Francisco um serviço de escuta cristã, onde um voluntário e também algum dos frades estão à disposição para uma conversa pessoal e particular. E assim mais uma quinta-feira se vai… Embora seja este o dia de maior movimento, sempre há naquele espaço pessoas em oração, sozinhas ou em grupo, revelando que o Quimbo São Francisco mora no coração do povo e pertence ao povo de Angola.

Frei Gustavo Medella

Os primeiros enviados para a Missão

Há 30 anos, no dia 16 de setembro de 1990, na Missa solene no Seminário de Agudos foram enviados os primeiros missionários.

“E pelo mundo eu vou, cantando o teu amor, pois disponível estou para servi-te, Senhor!”

O canto ecoou solene na bela igreja do Seminário Santo Antônio de Agudos no dia 16 de setembro de 1990, já Festa das Chagas de São Francisco de Assis, festa que fala diretamente da Cruz do Senhor, quando era celebrada a Missa de Envio dos primeiros missionário a Angola.

Na celebração presidida pelo Ministro Provincial, Frei Estêvão Ottenbreit, estavam os três missionários, que abririam as trilhas da Missão: Frei Plínio Gande da Silva, Frei José Zanchet e Frei Pedro Caron. Eles representavam os 550 frades da Província Franciscana da Imaculada Conceição, que naquela momento dava o seu “sim” à convocação do Ministro Geral, Frei John Vaughn, com o pedido “A África nos chama”.

 

Antes de entregar a Cruz Missionária, o Ministro Provincial lhes fez três perguntas, em que estava embutido o programa da Missão:

– Diante de representantes de mais de 20 Fraternidades de nossa Província, eu lhes pergunto se, de fato, estão dispostos a partir e a perseverar em todas as adversidades e, na alegria franciscana, dar testemunho de total entrega à Missão, incluída a própria vida?

– Partindo para a missão na África, Vocês deverão – como o Cristo fez quando veio ao mundo – encarnar-se no povo a quem vão servir. Estão dispostos a renunciar seus modos culturais de viver, fazendo todo o esforço para levar a paz e o bem na convivência plena com a nova  cultura que Vocês vão encontrar?

– Vocês irão à Missão não para satisfazer a própria vontade. Vocês irão em nome de todos os Confrades da Província. Vocês irão como se o próprio Pai São Francisco refizesse sua Missão na África. “De São Francisco se disse que levava sempre Jesus no coração, Jesus na Boca, Jesus nos ouvidos, Jesus nos olhos, Jesus nas mãos, Jesus em todos os membros do seu corpo”. É exatamente isto que Vocês querem fazer na Missão?

Naquele dia, Frei José revelou que havia dentro dele um fogo que teimava em não se apagar, já que em 1967 partiu para o Chile e, em 1984, partiu para o Mato Grosso. Agora, definindo-se como “louco”, viajava a Angola para “o que der e vier”.

Frei Plínio confessou: “Parto feliz – acrescentou – de uma felicidade nunca antes experimentada por mim”.

Já Frei Pedro revelou que nunca tivera coragem de se apresentar para a Missão no Mato Grosso, por ser muito longe. E não sabia explicar por que partia naquele momento. Para ele, era a vontade de Deus: “Deus escolhe os mais simples e tolos. Coloca-se entre eles para dizer, como Isaías: ‘Eis-me aqui, enviai-me’.”

Os três missionários embarcaram, com o Definitório, no dia 24 de setembro de 1990 e chegaram em Angola no dia 25.

 

A Africa nos chama

Principais trechos da Carta “A África nos chama” ou do “Projeto-Franciscano-África”, apresentado pelo Ministro Geral  Frei João Vaughn, OFM, por ocasião do oitavo centenário de nascimento de São Francisco, foi uma escolha da Ordem no continente mais jovem para  dar continuidade à fraternidade que Francisco iniciou na pequena cidade de Assis.

Interprovincialidade:

É evidente que muitas Províncias não podem assumir sozinhas o peso de um novo território de missão. Isto desagrada por várias razões. Infelizmente, a diminuição de irmãos disponíveis em cada Província e o descobrimento da Igreja local, vistas em conjunto, podem ser um sinal providencial da necessidade de revisar a nossa tradição missionária. Pensamos que, de fato, um projeto interprovincial responda melhor às suas exigências, que pedem uma abertura maior e generosidade para os valores dos irmãos de outras Províncias e levam a acentuar, mormente, a inculturação na cultura da Igreja local.

Oferecimento franciscano:

o irmão missionário será, primeiramente e antes de mais nada, um hóspede e um discípulo na Igreja local; mas ele não vem com as mãos vazias; seu dom à Igreja local é a espiritualidade franciscana, que está viva na Igreja universal. Cremos que esta espiritualidade é um aspecto particular da vida total da Igreja, à qual os africanos têm direito, como qualquer outro membro da Igreja universal. Nós procuramos compreender este novo modo à luz dos sinais dos tempos hoje, e estamos muito animados, neste sentido, pelas respostas dos Bispos, encontradas numa recente viagem de orientação pela África.

Resposta africana:

Esperamos que este novo modo de enfrentar as coisas clarifique outro aspecto daquilo que a missão é na Igreja hoje. A evangelização é um processo com duplo sentido: no sentido em que se dá e se recebe. Portanto, em nosso caso deveria existir uma resposta africana ao nosso oferecimento da espiritualidade franciscana. Até agora, a vida e o trabalho de Francisco foram

interpretados quase exclusivamente em termos de cultura ocidental, especialmente na cultura de Assis e de Itália. Cremos que a experiência africana dos valores humanos e religiosos possa dar-nos, a nós todos, novas intuições dos valores, tão importantes para nós, como a oração, a pobreza, a minoridade, a alegria, a simplicidade, a vida fraterna, o estilo de vida evangélica …

Prioridade da Fraternidade sobre o trabalho:

Nossa decisão de sublinhar o valor da fraternidade sobre o trabalho implica numa nova escolha importante. Também o nosso método missionário deve assumir um caráter diferente. O primeiro objetivo é a realização destes valores da fraternidade em nosso estilo de vida. A própria experiência da fraternidade se converte num objetivo. Para nossos irmãos será um passo essencial para o momento em que todo o peso da missão estará sobre os ombros deles.

No passado os irmãos andaram pelas regiões mais afastadas do mundo para levar o Evangelho e, muitas vezes, estiveram a sós por muito tempo. E muitos ainda vivem assim. Isto não é contrário ao franciscanismo e temos o maior respeito e admiração por seu espírito de sacrifício e pelos resultados obtidos. É uma opção pelo bem da missão. Pensamos que esta escolha deva ser cedida aos

próprios irmãos africanos. Mas, deveriam ter, sobretudo, a plena experiência da fraternidade franciscana; somente mais tarde, e com esta experiência, poderão decidir o que a vocação missionária parece exigir deles, uma cultura particular, num tempo particular.

Novas estruturas jurídicas:

A interprovincialidade deste Projeto-África terá também uma particular estrutura jurídica para a nossa presença franciscana. Uma vez que muitas situações só podem ser previstas de maneira muito genérica, parece aconselhável que as estruturas devam ser simples e flexíveis. Para ser eficaz, o grupo internacional e interprovincia1 dos irmãos fará bem reduzindo ao mínimo a quantidade de estruturas que agora têm e, por outro lado, assumir uma atitude aberta para a integração na cultura africana, já desde o princípio.

Ao mesmo tempo, visto que serão necessárias algumas estruturas, para formar as Comunidades, para determinar as responsabilidades, para manter os laços com a Cúria Generalícia e com as Províncias de origem, já se começou, na Cúria Geral, um estudo para um esquema de estruturas provisórias adaptadas.

Preparação adequada:

A cuidadosa preparação de uma iniciativa como está é uma exigência justa da prudência e do interesse fraterno. De fato, muitos bispos africanos e missionários nos aconselharam tomar muito a sério esta preparação. As diferenças culturais e as sensibilidades nacionalistas são hoje muito mais aguçadas do que eram no passado. Além disso, cada grupo levará consigo as próprias dificuldades, causadas pela posição interprovincial e internacional. O compromisso missionário põe-se em discussão, já desde o princípio, pela prioridade da inculturação e da exposição transcultural.

Os membros de qualquer grupo que vá à África deverão conhecer-se bem entre si. Estes receberão uma primeira introdução na cultura para a qual estão sendo designados e começarão o estudo da língua. Neste estágio, a Secretaria Geral das Missões e uma comissão consultiva terão um trabalho importante.

Característica franciscana:

Concluamos esta descrição do projeto com uma alusão ao seu caráter interfranciscano. Nossa apresentação do carisma franciscano ficaria incompleta se não se pudesse comunicar a Igreja local africana, como outros religiosos, homens e mulheres, como também tantos mosteiros de Franciscanas de vida contemplativa e Congregações de Irmãs da Ordem Terceira Regular e até de franciscanos seculares, vivem os ideais de São Francisco em seu estado concreto de vida. Naturalmente, dependerá muito dos voluntários que conseguirmos recrutar para esta iniciativa.

Entrevista com o presidente da FIMDA

A MISSÃO DO JOVEM PRESIDENTE DA FIMDA

Eleito o mais jovem presidente da Fundação Imaculada Mãe de Deus de Angola (FIMDA), no IV Capítulo da entidade, no final de maio último, Frei Antônio Boaventura Zovo Baza foi eleito presidente pela maioria dos 44 capitulares, para o próximo triênio. Tranquilo, em viagem a São Paulo na semana de 7 a 15 de setembro, quando participou da profissão solene de dois confrades da FIMDA em Petrópolis, Frei Antônio falou nesta entrevista sobre os desafios da Missão que está prestes a comemorar 30 anos e fez um pelo para que mais frades sejam missionários neste trabalho evangelizador da Província da Imaculada.

Filho de Maria Tereza Zovo e Eduardo Baza, Frei Antônio é natural de Cabinda, onde nasceu em 25 de setembro de 1976. Foi ordenado presbítero no dia 15 de janeiro de 2012, na Paróquia de Nossa Senhora de Fátima, em Subantando. Ele é o segundo frade a fazer a Profissão Solene na Missão de Angola. O primeiro foi Frei Afonso KatchekeleQuessongo. Os frades chegaram a Angola em 1990 e os dois frutos foram colhidos só depois de 21 anos. Hoje, a Fundação vive uma primavera vocacional e, por paradoxal que pareça, esse florescimento causa preocupação porque não há estrutura física e humana para acolher tantos candidatos, como diz Frei Antônio neste entrevista.

Hoje, a Fundação tem dez frades professos solenes, cinco sacerdotes e um diácono. No total, a Fundação tem hoje 44 frades, incluindo os noviços. No Postulantado, 29 jovens se preparam para ingressar no Noviciado em 2020. Em Angola, a Ordem Franciscana está presente com os Frades Menores e os Frades Capuchinhos. Os Conventuais já estiveram presentes em Angola até 1995.

Frei Antônio é presidente de uma Fundação que está presente em Malange, a primeira casa da Ordem dos Frades Menores em terras angolanas. Capital da Província de mesmo nome, localizada na região Centro-Norte do país, com população aproximada de 968 mil habitantes, (segundo o Censo de 2014) sendo que 486 mil pessoas vivem na região da capital. Em Malange, a presença dos frades se localiza no bairro chamado Katepa, onde estão duas fraternidades: São Damião e Seminário Monte Alverne. Sob os cuidados da Fraternidade São Damião, estão a Paróquia dos Santos Mártires de Uganda, a Missão em Kangandala e a assistência às Irmãs Clarissas.

Em Kibala (323 km de Luanda) está hoje a Casa de Noviciado. Foi a segunda presença franciscana em Angola, que foi interrompida pela guerra, de 1998 a 2009. Mesmo sendo uma casa de formação, os frades têm um envolvimento pastoral bastante intenso, com atuação efetiva na Missão Nossa Senhora das Dores e na Capela Santo Antônio.

A sede da Fundação está em Luanda, onde reside Frei Antônio na Fraternidade São Francisco de Assis. Nesta Fraternidade, os frades se dedicam ao atendimento da Paróquia São Lucas, ao acompanhamento dos frades professos temporários, ao atendimento do Santuário Quimbo São Francisco, às Irmãs Clarissas e ao projeto Nossos Miúdos. Em Palanca fica a residência que acolhe os frades estudantes do tempo de Filosofia. Na Fraternidade de Viana fica o Postulantado e Aspirantado da Fundação. Viana é a Fraternidade mais jovem da Missão e é município da Província de Luanda. Os frades dão atendimento à Paróquia Nossa Senhora de Fátima.

ACOMPANHE A ENTREVISTA

Comunicações – Como o sr. recebeu a eleição de seus confrades para este serviço?
Frei Antônio – A princípio foi uma surpresa. Embora eu tivesse o nome entre os possíveis candidatos, não esperava ser eleito. Até mesmo antes do Capítulo, na visita canônica, falei para o Frei César Külkamp, o Ministro Provincial, de uma certa insegurança de ter meu nome nas lista de candidatos. Depois, diante da confiança dos confrades, não tinha como dizer não, ainda mais quando tive na primeira votação a maioria absoluta. Foi um sinal da grande confiança dos confrades. Além do mais, não trabalhamos sozinhos, mas somos uma fraternidade. Quando há boa colaboração, o trabalho vai bem. Se Deus quis assim, estou aí para trabalhar pelo Reino dos Céus.

Comunicações – O sr. chegou a temer no momento da eleição? Deu aquele “friozinho” na barriga?
Frei Antônio – No início fiquei em “choque”, mas como Jesus diz no Evangelho “quem coloca a mão no arado não olha para trás”. Os desafios existem para serem enfrentados e, na caminhada, vamos superando aquilo que não é bom. A gente nunca nasce perfeito, mas vamos aprendendo no caminhar até conseguirmos acertar. As decisões não dependem somente do presidente da FIMDA mas há um Conselho para ser ouvido nas grandes decisões, porque se a gente decide sozinho, acaba estragando tudo. O ideal é analisar certos assuntos tendo a opinião da grande maioria.

Comunicações – Quase 30 anos depois, como o sr. vê a Fundação Imaculada Mãe de Deus?
Frei Antônio – A Fundação cresceu muito, basta olhar nossa realidade hoje. Temos cinco casas ou Fraternidades: duas em Luanda, duas em Malange, uma em Kibala, além de um terreno em Lubango, onde pensamos ser a sede da futura casa do Noviciado, porque lá está a maioria das casas de noviciados das congregações em toda Angola. Essa integração com outras congregações é muito boa e não podemos perder aquele espaço. A gente percebe que a Fundação ganhou vida e precisamos louvar a Deus por aqueles que tiveram a iniciativa de abrir a Missão em Angola. Sabemos que não é fácil. Em 30 anos, temos 5 sacerdotes, 1 diáconos e 10 professos solenes. Isso é motivo de grande alegria. Para se ter uma ideia, conhecemos congregações que, em 30 anos, não têm nem dois religiosos.
Claro, nem tudo são alegrias. Olhando um pouco a nossa realidade, podemos dizer que foi feito aquilo que devia ser feito, mas de algumas coisas se descuidou no início da Fundação, e hoje é um desafio para nós: buscar a auto-sustentabilidade. Com o crescimento, vem a questão: como sustentar tantos frades que chegam? O importante é que temos o Governo e o Definitório Provincial muito engajados no trabalho evangelizador de Angola. Aos poucos vamos encontrando caminhos para isso.

Comunicações – Quais os desafios para o novo conselho da FIMDA?
Frei Antônio – Além da sustentabilidade, temos outros desafios. A questão da legalização de nossos espaços é um deles, mas a vida formativa é o grande desafio, pois precisamos de

mais formadores. Preocupa bastante quando a gente olha, em Malange, 49 aspirantes e apenas dois formadores. E não só. Mesmo no campo da evangelização, nas Paróquias, precisamos de mais frades para que o trabalho flua melhor. Quando um frade assume três, quatro, cinco funções, vai acabar deixando alguma coisa para os outros.

Comunicações – Quando a Fundação terá condições de se tornar uma Custódia?
Frei Antônio – Podemos falar pela própria resposta dada pelo Ministro Geral, Frei Michael Perry. Somos apenas 10 professos solenes e precisamos de 15 para nos tornarmos Custódia. Acredito que daqui a uns quatro ou cinco anos haverá condições para isso. Não temos pressa porque somos da Província da Imaculada e nos sentimos bem. Aquilo que Deus nos proporcionar nos próximos, anos vamos acolher.

Comunicações – Que significado tem para Angola celebrar 30 anos de Missão Franciscana?
Frei Antônio – A princípio, podemos dizer que são 30 anos de uma vitória da Província da Imaculada, porque quando se começa um projeto, esperam-se sempre frutos. E esses frutos estão aparecendo, como nós estamos aqui. São frutos da evangelização da Província da Imaculada em Angola. Para o povo, é motivo de grande alegria desde quando a Província da Imaculada teve a iniciativa de abrir uma casa em Angola. Para nós, mesmo quando estivermos um dia independentes, nunca esqueceremos esse grande feito da Província da Imaculada.
Para a Igreja de Angola e para a Família Franciscana, incluindo a proximidade que temos com as Irmãs Clarissas, também é motivo de grande alegria. Nas visitas pastorais dos nosos bispos, vemos a alegria deles com a presença franciscana nos lugares onde estamos. Eles sempre nos encorajam! E isso é um ganho para todos e para a Igreja.

Comunicações – Qual a importância dos missionários nesse trabalho evangelizador?
Frei Antônio – Em primeiro lugar, o próprio testemunho de vida revela muita coisa. Por mais que peguemos a Bíblia e saiamos por ai pregando o que está escrito na Sagrada Escritura, o testemunho de cada missionário vai falar mais alto. O testemunho cristão e franciscano fala mais alto do que a própria palavra.
Por isso, louvo e agradeço a Deus o testemunho de quem está e esteve na Missão de Angola. Se não fossem os testemunhos desses frades, não sei se teríamos os frades angolanos. Então, é com base nos testemunhos deles que também nós somos missionários na nossa própria casa.

Comunicações – Como o sr. vê o Mês Missionário Extraordinário instituído pelo Papa Francisco?
Frei Antônio – O Papa Francisco, cada vez mais, vai surpreendendo o mundo com seu jeito muito fraterno e próximo do povo. Ou como ele diz: “O cristão é missionário da esperança”.

Comunicações – O sr. e Frei Afonso foram as primeiras vocações da Missão. Como foi a “solitária caminhada” de vocês por um bom tempo até surgirem novas vocações?
Frei Antônio – Não diria solitários, porque mesmo ao longo da caminhada apareceram outras turmas, que aos poucos também foram desistindo ou escolheram outros caminhos para sua vida. Nós fomos caminhando serenamente, confiantes que um dia chegaríamos à Profissão Solene, momento que sonhavámos como frades.

Comunicações – Como o sr. vê agora o grande número de vocações na FIMDA e mesmo na África?
Frei Antônio – Realmente é motivo de grande alegria. É sinal de que nosso testemunho está acontecendo. O que nos preocupa é o número de formadores. De que adianta receber 50 ou 60 candidatos e não dar uma formação adequada? A presença de tantos candidatos sempre é bem-vinda mas a grande dor é constatar que não temos condições de receber todos. Aliás, mesmo em se falando de espaços e acomodações. Este ano, não definimos quanto teremos condições de receber. É preciso ter um número que a gente consegue acompanhar. É difícil dizer isso para um candidato, que está ansioso por entrar, que não pode ser acolhido.

Comunicações – Como o religioso Frei António se define? Quem é António Baza?
Frei Antônio – Diria que é homem simples, capaz de compreender a situação de cada um, apesar de não ser um exercício fácil. Mas sou um homem fácil de conviver. Cada um de nós tem a sua personalidade. Suas ideias e costumes. Reconheço que sou até teimoso em algumas posições, mas, na medida do possível, procura-se chegar a um consenso. Facilmente faço amizade. Quem me vê à primeira vista pensa que sou fechado. Sisudo. Tem um provérbio lá na minha terra que diz “tungané” (viva com ele para o conhecer). Muitos que se tornaram meus amigos, me disseram isso. Nunca podemos julgar o livro pela capa.

Comunicações – Como se deu o seu discernimento vocacional e sua escolha pelos franciscanos?
Frei Antônio – A princípio, não queria ser franciscano. Me enamorei pela forma de vida dos Pobres Servos da Divina Providência. Em Cabinda, não existiam franciscanos e nunca tinha visto um frade de hábito. Mas, em contato com as Irmãs Catequistas Franciscanas, que nos davam formação, fiquei conhecendo os franciscanos. Num dos encontros vocacionais, a Ir. Maria Ramos da Cruz, da Congregação de São José, mostrou-me fotos de frades em uma revista – até hoje ando triste porque nunca mais vi essa revista – e eu não tive dúvida e disse para ela: “Irmã, eu gostaria de ser como esses frades!”. A maioria dos candidatos queria ser diocesano. Eu e mais um queríamos ser frades. Mas não sabíamos distinguir o que era Frade Menor e Capuchinho. Através das Irmãs Catequistas, cheguei aos Frades Menores. O outro candidato foi para os Capuchinhos. Fui recebido antes em Luanda por Frei Samuel Ferreira de Lima, onde conheci o saudoso Frei Hermenegildo Pereira, de feliz memória. Em Malange, encontramos o guardião da Fraternidade, Frei Genildo Provin, e Frei Odorico Decker. Tive como orientador Frei Antônio Mazzucco.

Comunicações – Como é a sua família?
Frei Antônio – Sou o segundo filho de Eduardo Baza e Maria Teresa Zovo. Somos em oito: dois rapazes e seis moças. Mas tenho outros irmãos por parte de pai, com os quais me dou muito bem. Minha família recebeu bem a minha decisão de ingressar no seminário. Desde pequeno sempre alimentei essa paixão. Brincava e fazia o papel de padre, cortando a banana em rodelas para imitar a hóstia. Me vestia, como diziam, como seminarista. Gostava de ternos. Um costume que vem de casa. Depois, cheguei a mudar um pouco esse meu hábito, que para alguns frades, não era bem visto. Mas é um costume e eu gosto de me vestir assim. Mas não é a veste que faz o monge. O vestir depende de cada um. O importante está no coração.

Comunicações – Que mensagem o sr. tem para os brasileiros que querem ser missionários na África?
Frei Antônio – Digo aos nossos confrades brasileiros, que desejam ser missionários, que as nossas portas estão abertas. Hoje estamos sobrecarregados de trabalhos e precisamos desse apoio. Faço apelo para que os frades não desistam de sair em missão para Angola. Quero encorajar aqueles que sentem medo de guerras ou ouviram algumas histórias que eram trazidas para cá, que façam uma experiência lá. Hoje, Angola mudou muito. Àqueles que quiserem escrever o nome no livro da Fundação como missionários, estamos abertos. Sabemos que a Província também está precisando, mas, com certeza, o Definitório, vendo que dois ou mais estão querendo ir para Angola, vai ajudar.
Espero que os confrades brasileiros sintam aquela vontade de servir àquela parcela da Igreja, em Angola.


Entrevista a Moacir Beggo

 

O carisma missionário

‘Se, pois, houver irmãos que quiserem ir para entre os sarracenos e outros infiéis, que vão com a licença de seu ministro e servo… E os irmãos que partirem poderão proceder de duas maneiras espiritualmente com os infiéis: O primeiro modo consiste em se absterem de rixas e disputas, submetendo-se “a todos os homens por causa do Senhor” e confessando serem cristãos. O outro modo é anunciarem a palavra de Deus quando o julgarem agradável ao Senhor’
(Regra Não Bulada 16,3 e 6-8).

São Francisco aspirou ser missionário. Santo Antônio fez-se franciscano a partir do testemunho e do martírio de alguns frades que tinham sido enviados em missão… Portanto, a missão é uma característica fundamental do carisma franciscano.

São Francisco mesmo é quem ensina como os seus irmãos devem ser missionários (veja texto acima).
Seguindo o Cristo, que colocou sua morada no mundo, os franciscanos são chamados a viver seu carisma entre todos os homens e estarem atentos aos sinais dos tempos como instrumentos de Justiça e Paz. (RFF, 32).

Fiéis à própria vocação, os franciscanos encarnam-se em situações concretas do povo com quem vivem, descobrem nele os diversos rosotos de Cristo e nele encontram a forma adequada de vida. (RFF, 33).

A família franciscana é em si missionária (*)

Costuma-se fazer distinção entre “institutos missionários”, dedicados exclusivamente à atividade missionária, fundados para este fim, e outros institutos que – além de suas tarefas pastorais ordinárias -, assumem também certas obras ou atividades missionárias. Esse tipo de distinção, porém, parece representar uma noção muito estreita do conceito “missão”, por ser aplicável unicamente àquelas atividades que se concentram em países longínquos, na tentativa de converter seguidores de outras religiões e crenças ao cristianismo.

É verdade que um engajamento missionário entre outros povos e outras culturas continua tendo o seu valor, mesmo se os tempos e a interpretação do sentido de  “missão” já tenham mudado de conteúdo.  Convém relembrar, todavia, que justamente, para Francisco, o sentido da missão era muito mais amplo, significando o fato de dar um testemunho de vida, tanto aqui como acolá; anunciando a Palavra – também tanto por perto quanto ao longe – se assim for agradável a Deus. Resumindo: o movimento franciscano é essencialmente  missionário por natureza.

Esta nova compreensão conciliar da missão, assumida por todos os ramos da família franciscana após o Vaticano II, se reflete igualmente nos mais recentes documentos missionários. Se, a seguir, iremos citar alguns trechos representativos destes documentos, é porque fazemos questão de frisar que se trata sempre do movimento franciscano em sua totalidade. Pois,  por causa da riqueza e quantidade de documentos significativos para mulheres e homens que pertencem aos mais variados ramos da  família franciscana, não é possível citar exaustivamente todas as contribuições valiosas que existem. Vejamos apenas alguns exemplos:  “Toda a nossa fraternidade é missionária, e todo irmão compartilha esta vocação missionária” (Medellín 1971, 2).

“Toda vocação franciscana é essencialmente missionária. O projeto de vida evangélica de Francisco contém uma dimensão apostólica, ultrapassando espontaneamente todas as fronteiras, pois o Evangelho também não reconhece fronteira alguma”(Mattli 1978, 10).

Como já dissemos, antes do Vaticano II, o conceito “missão” era aplicado – numa visão estreita – unicamente à atividade além-mar. Em conseqüência, as duas realidades, a da  missão e a da província-mãe (3), ficaram totalmente separadas e eram tratadas de modo diferente. Para os missionários, havia um “estatuto das missões”, contendo regras específicas e concedendo certas isenções da vida comum ordinária. Nas Constituições dos Capuchinhos, por exemplo, válidas para todos os irmãos, falava-se de missões somente no 12º capítulo, e com poucas palavras.

Na Igreja pré-conciliar, paralelamente, a missão era um assunto reservado aos missionários individualmente e não dizia respeito à Igreja do país de origem. Neste ponto, o Concílio Vaticano 2º trouxe uma mudança significativa. Definiu que a Igreja, como um todo, é missionária por natureza (Ad Gentes 2, Lúmen Gentium 1).

Essa convicção do Concílio resultou na elaboração de um Decreto especial para as missões, afirmando a definição missionária fundamental no documento principal sobre a Constituição da Igreja (Lúmen Gentium). Daqui por diante, ninguém mais pode dizer que o assunto das missões não lhe diz respeito. Em conseqüência, os capuchinhos suprimiram até o seu Estatuto de Missões, transferindo todas as referências ao assunto para as Constituições, fazendo-as valer para todos os membros da Ordem.

(Texto do Curso do Carisma Franciscano, publicado pela FFB)

Missionária: o DNA de nossa Província

Em 2014, quando o Papa Francisco escreveu sua carta aos consagrados por ocasião do Ano da Vida Consagrada, assim apresentou os objetivos daquele ano: “Olhar com gratidão o passado, viver com paixão o presente, abraçar com esperança o futuro”. Com estes objetivos, o Papa Francisco não apresentava apenas uma indicação para aquele ano, mas recordava uma dinâmica própria da Vida religiosa, formada por religiosos e religiosas que carregam consigo uma bela história, a qual podem olhar com gratidão e que os motiva a viver o presente com paixão e os impulsiona a abraçar o futuro com esperança. Uma dinâmica capaz de assegurar o sentido e a atualidade da vida consagrada, motivada a viver com fidelidade a sua missão, conforme cada um dos carismas.

Em cada testemunho dos frades missionários, encontra-se um homem aberto à ação do Espírito que, superando os limites geográficos, vai ao encontro dos irmãos que se encontram distantes. Destaca-se nos testemunhos uma vivência missionária que não apenas revela um missionário que se tornou servo dos pobres, mas um missionário que se tornou discípulo dos pobres, deixando-se evangelizar por estes.

Nossos confrades testemunham que a missão é o encontro de dois pobres. Um que acolhe o anúncio do Evangelho para compreender melhor as manifestações de Deus que o circundam e outro pobre, o missionário, que vai se tornando capaz de confiar a sua espiritualidade e a sua vida à sabedoria dos pobres que as acolhem e as iluminam.

Há, nestes testemunhos, uma profunda experiência vocacional semelhante às bíblicas que incluem a referência missionária. Encontra-se, também nestes testemunhos, o amplo campo da missão que vai desde o silêncio ou da simples presença até à denúncia profética ou à militância audaciosa. Todos chamados a uma finalidade e enviados em favor de alguém ou de alguma coisa.

Assim, lembrava nosso ex-Ministro Geral Giacomo Bini: “A missão do discípulo não é pois a de levar a salvação que já está presente, mas simplesmente e pobremente, de maneira transparente, anunciar a presença de Deus: que os homens vejam e creiam. Ao missionário cabe usar de sinais adequados, recordando sempre que o trabalho é de Deus: sua é a messe, seu é o envio, seu é o trabalho de tocar o coração do homem. Também quando todos dormem… a semente cresce… não são os homens que dão força à Palavra” (Madagascar, 13/07/04).

Olhar para a história desta Província leva a perceber que ela é filha de pais missionários, desde o fundador da Ordem, Francisco, passando pelos frades que participaram da restauração em 1891, chegando aos atuais filhos que continuam colocando em prática o que receberam de seus pais, tonando-se testemunhos missionários nos dias de hoje e pais de novos missionários.

Nossa Província traz consigo, desde sua origem, esta marca missionária. É-nos possível, desta maneira, recordar com gratidão o testemunho de nossos confrades missionários, vivermos o presente com paixão pela missão e abraçarmos o futuro com esperança, na certeza de que, se nossa Província deixar de ser missionária, perde seu DNA.

Frei Robson Luiz Scudela
Coordenador da Frente das Missões

Depoimento de Frei Vitório

Frei Vitório Mazzuco, OFM

Aterrissei em Angola no dia 6 fevereiro para uma visita curta, mas intensa; aliás, pisar aquele chão africano é viver tudo com intensidade. Ali, uma longa e lenta guerra civil destruiu, dispersou, matou, mutilou, desalojou, perseguiu um povo. Vi tanta coisa pelo chão, mas uma coisa a guerra não pôde derrubar: a beleza da raça daquele povo, sua esperança, sua Fé. Um povo luzente e carente que acredita num futuro. Vi o país como um grande hospital, onde cada detalhe vai convalescendo em seu leito de dor e sonhos desta longa agonia pós-guerra civil.

Fui ver meus confrades missionários, encontrei heróis resistentes. Eles me ensinaram o sentido da Missio… que não é apenas envio, mas é pura convivência, é o bem-estar de uma presença afetiva, espiritual, efetiva. O bem-estar de uma presença que ajuda a buscar o material mínimo para uma existência. Existe a voz do povo, mas o missionário é o eco, a ressonância, a amplificação do grito de um povo pobre. E o povo pobre não está só nas aldeias, está em Luanda e seus bairros, sua periferia plena de contradições, onde beleza e lixo convivem, onde limpeza e poeira formam uma eterna manutenção. Não podemos falar de organização, mas podemos ver ruínas do período colonial português, o trânsito insano, o comércio livre formando um camelódromo cósmico.

Meus confrades missionários me levaram para ver… e eu ali só bobo de tanto espanto, de tanto maravilhamento, de tantos detalhes de lugares onde existe ainda a alegria, o gesto lindo de responder um bom dia ou um aceno com o mágico: “Obrigado!” Há lugar para a música, para o colorido dos panos, para a multiplicidade de tribos e línguas, umbundo, kibumdo, português com acento lusitano e muita criança! Muitos jovens, mulheres e crianças! Se Luanda instala-se numa baía… o que existe ali é um mar de gente! Um oceano de crianças, o único tesouro dos pobres! Que vontade de aprender, de estudar, de ter sala da aula ou sala de explicação, de ter um diploma, de ter conhecimento. Quantas crianças! Vestidas ou nuas, mas sempre e eternamente a beleza das ruas!

frei-vitorioVi também muitos soldados armados, amados ou não, os “fazedores da guerra”, hoje desempregados ou beneficiando-se dos espólios. Vi mulheres, milhares de mulheres pelas ruas, pelas estradas, pelos becos, bosques, praças e aldeias… todas andando, andando, vendendo, batalhando a única refeição do dia de um povo que não tem comida suficiente. Aliás, a guerra fez o banquete só de alguns. Falta alimento, mas tem fartura de mutilados, vítimas das minas, das bombas, dos tanques, dos canhões, dos fuzis e suas balas. Tem os sem-pernas, tem os sem-braços, os sem-mãos e os sem nada para fazer. Tem falta de energia elétrica… mas este povo tem Luz própria! Mesmo fazendo os “gatos” para iluminar suas casas ou suas clandestinas ligações para jorrar água…, este povo não perde a energia, o sonho, a vontade…. E quando você pergunta: E a vida? A resposta é uníssona: “Está boa!”

O governo que inventou esta guerra fratricida e cruel nacionalizou os bens das Igrejas e das Missões… Muita coisa foi destruída ou ocupada; mas o verdadeiro missionário não fugiu ou mudou de lugar; ficou firme vivendo junto com um povo martirizado, que não tinha bem nenhum para ir deixando para trás. Aprendi que ser missionário é não mudar de lugar, isto é, permanecer lá onde está a subnutrição, as doenças que surgem por falta de vacinas, por falta de cuidado e higiene, por causa de remédios falsos que entram em Angola.

Ser missionário é ficar pensando dia e noite o que fazer por este povo! Mas é muito bom ver as igrejas e as escolas renascendo das ruínas, mesmo que a saúde, o ensino e a fé se arrastem… vale a pena lutar por isso! Vi meus confrades heróis levando a paz, a justiça, os direitos humanos, a não-corrupção, a presença… tudo segundo o Evangelho. Ah! Como nosso Pai Francisco está orgulhoso deles! Eles são instrumentos de paz, pois ajudam com a solidariedade a combater a miséria e não precisam de armas nas mãos. E o governo que inventou a guerra agora inventa um jeito de devolver as ruínas! A fala do Crucifixo de São Damião é concreta, é real: “Reconstrói a minha Casa!” E os meus confrades estão lá, junto com famílias missionárias de tantas congregações masculinas e femininas de todo o mundo, mostrando que a fé e as práticas que brotam dela realizam o milagre de colocar tudo novamente em pé!

Antes eu não sabia bem o que é solidariedade, agora eles me ensinaram que é uma Caridade Incansável e Criativa; que quando não se tem o que se quer, é preciso querer o que se tem e trabalhar com o mínimo necessário para não faltar nada para ninguém. A solidariedade provoca os dramas da humanidade, mas mostra, que pouco a pouco, pacientemente, pode se construir um mundo de saciedade, de equilíbrio e de fraternidade. Ser missionário franciscano lá em Angola é estar junto na Força, na Festa, na Fraternidade, na Fé e no Futuro! Tudo isso em oposição à preguiça, à estagnação, ao desânimo, à violência, à gatunagem, à imoralidade e à falta de perspectiva para o amanhã. Entendi o que é escutar o grito dos excluídos, só grita quem precisa muito mesmo; e a guerra não matou a voz daquele povo, nem sua razão de viver.

Em Luanda, Viana, Palanka, Malange e Katepa percebi que tudo é plural: as alegrias e esperanças; as tristezas e as angústias; é plural ser cristão, ser Evangelho pleno de Ternura e Libertação: “Estamos juntos!” é uma saudação nacional! Vive-se no plural de ter ou não ter… mas ali aparece nítida a convocação da Senhora Dama Pobreza: “É preciso ter tudo em comum! Estamos juntos?” Há tudo num processo de Reconstrução: desde a auto-estima das pessoas até a mínima necessidade material; fazer que a paz não traga a acomodação, e assim reconstruir o trabalho, a educação, a disciplina, a aceitação das etnias, erradicar o espírito de retaliação e vingança, o desarmamento.

É preciso reconstruir as vítimas das injustiças sociais, as famílias destroçadas pelos ataques, a juventude sem uma referência moral, a criança abandonada, o analfabetismo crescente, a falta de documentação, os aleijados, os refugiados, os deslocados, os contaminados, os que precisam de re-inserção social. É preciso alertar contra a feitiçaria, contra a proliferação de seitas oportunistas, contra a falta de respeito aos direitos humanos, e contra alguns costumes já defasados como na obituária tradição de arrumar um inocente-culpado pela morte; e através de uma pseudo-justiça popular eliminar as pessoas com envenenamento.

Andei rumo ao interior do país; saracoteei buracos, saltei feito peão-de-boiadeiro na boléia de uma Land Cruiser em estradas sem a mínima condição. Mas nada impede, nada detém a força missionária de meus confrades em dar formação humana, cristã, franciscana; em dar formação profissional e intercâmbio de bens, dons e cultura.Nada atrapalha o grande apoio aos doentes, às famílias, à juventude, aos grupos sociais marginalizados e escondidos nos fins de mundo das aldeias. Aprendi que ser missionário é ajudar concretamente na Reconstrução Nacional, o novo nome da Paz! É a cristianização da vida com o nome de saúde moral, o instaurar o Reino, a salvação!

Vi muitos umbuzeiros, os baobás, as borboletas, a mandioca, os pilões para a farinha, os tanques de guerra abandonados, as cercas , as minas, o milho, mulheres carregando tudo na cabeça: lenha, carvão, comida! É a primeira vez que vi um país carregado nas costas por mulheres! Elas trabalham muito, andam muito, lutam muito… e fiquei até envergonhado, porque aqui no meu país nós colocamos os filhos em depósito de crianças… e lá elas levam as crianças bem acomodadas nas costas. Trabalham, varrem, lavam roupa, vendem produtos da terra e das mãos, mas não largam a cria! Não largam os filhos por nada! As crianças dormem grudadas na pele da mãe enquanto elas vertem o suor da busca da sobrevivência.

Vi as casas feitas de adobe, cobertas de palha, vi rios, vi peixes, vi frutas… mas vi uma economia rastejante e bens de primeira necessidade apenas nas mãos de uns poucos oportunistas considerados vencedores da guerra. Vi a candonga, vi a zungueira, vi um povo, que apesar de tudo transpira alegria por todos os poros. Vi um país rico em petróleo e diamantes vivendo na miséria. O petróleo e o diamante hoje pagam as armas da guerra vendidas pelos EUA, pela Rússia, Cuba e África do Sul… uma dívida longa de uma guerra que desuniu e complicou a vida de um país. Vi resquícios de dois partidos: O MPLA e a UNITA, que em vez de terem criado um programa político só voltado para o bem humano… criaram um descomunal desnível social, criaram o medo e o ódio, criaram as mineradoras e as empresas que levam tudo para fora.

Mais do que dinheiro, Angola precisa de valores, consciência e razões para viver! Angola agora sabe que não resolve expulsar invasores com catanas, nem criar guerra para enriquecer os outros; Angola agora sabe que político não serve o povo, mas serve-se dele. Políticos que ensinaram a máxima: com guerra e sem Deus! A política missionária é gritar a ordem contrária: sem guerra e com Deus!

Vi a esperança e o pavor do povo na perspectiva de próximas eleições: um partido único não pode ser o único dono de uma nação. Vi um povo que sabe que palavras que não toquem a vida cotidiana não interessam. Vi a realidade de uma guerra que acabou, mas começou outra batalha: a luta pela sobrevivência, pela reorganização, pela reconstrução em todos os níveis de vida; pelo saneamento básico, e pela denúncia profética. Como pode não ter paz, não ter hospital, não ter pão, não ter emprego, não ter escola, não ter transporte, não ter segurança… e nunca faltar dinheiro para as armas? Pode Freud? Como pode uns poucos enriquecerem e mais de 10 milhões de angolanos passarem ao lado do desenvolvimento e progresso ?

Mas chegou o momento de agradecer! Eu queria muito agradecer os meus confrades pela grande entrega, pela generosa entrega, pela mais bela oferenda da vida. Agradecer por serem esta presença de Fé, Esperança e Reconciliação no meio de poeira, calor, mosquitos, paludismo, febre tifóide, violência, ódio e desrespeito pelos direitos. Agradecer porque vocês incutem valores humanos, cristãos e franciscanos, com suor e sangue… O Lotário está enterrado aí e o Valdir foi metralhado em 1998. Parabéns por acreditar num futuro de justiça e de paz; parabéns pela intensa comunhão com a Ordem, com a Província, com a Igreja Local… e esta fantástica amizade e entreajuda com todas as famílias missionárias masculinas e femininas. Que testemunho visível este da união entre as famílias missionárias!

Quero agradecer a paciência e a segurança que vocês têm em dialogar com as outras igrejas, com outras culturas e outras forças políticas;sempre em nome da Verdade, mesmo com todos os riscos que isto comporta. Que exemplo a disponibilidade de vocês para a mobilidade, para as contínuas mudanças, a atenção profunda com o povo, a situação precária que vocês viveram e vivem em muitos momentos. Como vocês conseguem unir-se ao povo na falta de médicos, de enfermeiros, de laboratórios, de medicamentos, de hospitais, de socorro rápido… como vocês se adequam à falta de luz, de água, de peças de reposição… mas não se acomodam e lutam para consertar, para funcionar geradores, tratorar as lavras, construir escolas e sanatórios!

Quero agradecer à Evangelização… o deslocamento para as aldeias longínquas, o atendimento no santuário, na paróquia, no seminário, no ambulatório, nas Clarissas, na Conferência dos Religiosos, no cuidadoso trabalho com os nossos Formandos Angolanos, o nosso amanhã nestas terras. Quero agradecer às liturgias vividas, cantadas, dançadas, coloridas, vibrantes, plenas de Deus e de Mistério. Quero agradecer a pemba, o bubú, a Senhora Negra, Coração de Mãe, a formação dos Catequistas e a escuta sábia dos Sobas. Quero agradecer a acolhida que tive aí… tenham certeza, não voltei o mesmo! Quero agradecer a atenção que vocês dão ao povo sem descriminação, o trabalho com os meninos abandonados, a padaria, as bênçãos, os sacramentos e a vontade de falar a mesma língua.

Mas chegou também o momento de pedir perdão! Perdão porque eu achava que Missões eram o que estavam nas Comunicações; porque eu tinha uma retrógada mentalidade de que não precisávamos sair daqui para fazer aí. Perdão por rezar pouco por vocês, por fazer pouco por vocês, por arrecadar pouco por vocês e pelo povo de vocês. Perdão por achar que Angola era a degola de um tal Plano de Evangelização. Perdão pelas ironias e pelo pessimismo, pelo maldito clichê de achar que todo africano é um excluído. Perdão pelos falsos conceitos e preconceitos… até de achar que eu não ia me acostumar com o fungi, aquele angu de fubá e mandioca… Eu queria pedir perdão por pensar como a burguesia acomodada do meu país… que reclama comendo o filé, mas não sabe o que é roer o osso! Vocês sabem sentar-se à mesa com um Povo! “Estamos juntos!”

Depoimento de Frei Samuel

No livro “A África nos chama”, Frei Atílio Abati lembrava que em 1995, a situação do povo era muito difícil no pós-guerra: preços altos, faltava ajuda internacional (mantimentos e remédios) e crescia a violência. “Havia grande intranquilidade por causa do grupo de soldados que, à noite, invadia as hortas para roubar. Os soldados “pediam” produtos ao povo com a arma apontada e facas encostadas no pescoço. Em toda parte existiam ainda campos minados, que volta e meia, tolhiam as vidas de inocentes”, descreve Frei Atílio. Nesse quadro, é inaugurado no dia 14 de junho de 1996, o Mosteiro das Clarissas, em Luanda, dedicado ao Sagrado Coração de Jesus. A fundação, que contou com 14 irmãs vindas do Mosteiro de Malange, era um desejo do Cardeal D. Alexandre de ter uma comunidade contemplativa em Luanda.

É neste cenário que Frei Samuel Ferreira de Lima, recém-ordenado presbítero, chega para ser capelão das Clarissas e trabalhar como formador no Aspirantado, inaugurado em janeiro de 1996, com a admissão dos quatro primeiros jovens angolanos vocacionados: Domingos, Nélson, Cândido e Adão. Nesta entrevista, Frei Samuel conta como foi esta primeira experiência como neo-sacerdote e missionário. Acompanhe!
Moacir Beggo

Site Franciscanos – Como foi a chegada e o início do trabalho missionário?

01Frei Samuel Ferreira de Lima – O início foi muito desafiador e exigente, pois quando viajei para Angola só sabia que seria capelão das Irmãs Clarissas. Não tinha noção de onde moraria e de como seria a nossa fraternidade. Eu estava saindo de uma fraternidade de 70 frades em Petrópolis, para uma de dois; eu e mais um em Luanda. A própria viagem de ida foi tensa já no voo, pois muitos passageiros eram soldados brasileiros que iriam participar da UNAVEM III da ONU.  Cheio de incertezas e apreensões, marinheiro de primeira viagem a caminho de uma terra desconhecida e em guerra civil, eu e uma irmã clarissa convalescente de cirurgia, frágil e deslocada de seu mundo. Dentro do avião dava para sentir no ar a apreensão de todos e, para piorar, o ar condicionado não funcionava. O calor era insuportável. Eu ficava imaginando se todo aquele calor era por que estávamos próximos do Continente Africano. Nunca havia feito uma viagem internacional. Chegando a Luanda, no dia 28 de junho de 1996, a paisagem era cinzenta, o aeroporto cheio de sucatas de aviões por todo o lado. Havia apenas um ônibus para levar os passageiros do avião até o desembarque. Já na abertura da porta do avião, uma jovem que viera ao Brasil comprar seu enxoval de casamento, recebeu a notícia de que seu noivo havia falecido. Os gritos de desespero nos deixaram estarrecidos. Perguntávamo-nos o que estaria acontecendo? Passado o primeiro susto, eu e a irmã ficamos por último para fugirmos do tumulto que se formou na entrada do ônibus. Só fomos na quinta viagem, e ao chegar no desembarque, o irmão da irmã Clarissa, que era funcionário da migração, pegou nossos passaportes e resolveu todos os trâmites. Frei Dílson A. Geremias e Frei Genildo Provin nos esperavam. Foi uma alegria vê-los. No caminho para o Mosteiro, cenas desoladoras de um país agonizante, cheio de sucatas, montanhas de lixo, esgoto a céu aberto, veículos sucateados andando sem porta, para-brisa, poucas pessoas na rua. Quanto mais próximos de nossa nova morada, mais aterradora ficava a paisagem. Finalmente chegamos ao Mosteiro do Sagrado Coração de Jesus. O sorriso contagiante das irmãs era um elixir para o nosso coração apavorado e desconcertado diante da nova realidade. Nunca em minha vida havia sentido uma mistura tão grande de sentimentos ao mesmo tempo: medo, angústia, vazio, incerteza, dúvida etc. Na minha mente vinha apenas uma frase: “Agora somos eu e Deus. Seja feita a sua Vontade!”.

Eu, recém-ordenado, nem sabia o que seria ser capelão de Clarissas. A minha primeira Missa no Mosteiro foi na Solenidade de São Pedro e São Paulo. Os cantos, as danças, a celebração, tudo foi magnífico e de uma alegria indescritível. Aos poucos, as celebrações que presidia, os momentos de oração, as aulas de espiritualidade clariana e franciscna davam um suporte interior e me enchia da alegria do Cristo, ajudando a me equilibrar diante de toda aquela situação social e conjuntural. Nosso principal trabalho era ser apoio logístico para as duas missões no interior do país, a saber: Malange e Kibala. Correr atrás de mantimentos, documentação, materiais diversos. Era um peregrinar durante o dia inteiro para tentar resolver as necessidades de nossas fraternidades no interior. Logo fui convidado a ajudar no Seminário Maior de Luanda, ministrando aulas de História da Filosofia para os seminaristas do primeiro e segundo anos. O povo do bairro que participava das missas com as Clarissas passou a me chamar para visitar os doentes. Assim fui me inserindo na realidade sofrida daqueles irmãos na fé. A alegria deles era contagiante e, mesmo diante de tantas dificuldades, o sorriso meigo confortava e animava a nossa caminhada.

Site Franciscanos – Quanto tempo você ficou lá?

Frei Samuel – Fiquei um ano em Luanda e nove anos e cinco meses em Malange, até o meu retorno ao Brasil. De Junho de 96 a dezembro de 2006.

Site Franciscanos – Por que escolheu fazer parte do grupo dos missionários?

Frei Samuel – Eu não escolhi. Fui convidado pelo Frei Johannes Bahlmann, hoje Bispo de Óbidos, PA, que era na época o Moderador da Evangelização Missionária. Ele fez o convite se eu estaria disposto a ir para a Missão em Angola.  Respondi prontamente que sim, pois sempre desejei estar junto dos que fazem a experiência concreta do leproso, como o fez nosso Seráfico Pai São Francisco.

Site Franciscanos  – Como o povo angolano recebeu os missionários?

Frei Samuel – Com muito carinho e alegria. Via o quanto fazia para, mesmo tempo pouco, nos oferecer o melhor que tinha. O cuidado, a preocupação com a nossa segurança e bem-estar. As pessoas estavam sempre atentas para nos ajudar em nossas dificuldades e preocupações. Quando cheguei a Malange, me comoveu ver as mamás dançando e cantando, fazendo uma roda em torno da gente e oferecendo os produtos da terra que elas produziram com tanto esforço e sacrifício. Eu me sentia um membro da família.

Site Franciscanos – Quais os desafios que viveram naquela época?

Frei Samuel – O principal desafio era ser, junto àquele povo sofrido e apavorado com os constantes ataques e raptos de seus filhos para serem soldados, uma presença de fé, esperança e solidariedade. Havia muita fome, carência de quase tudo: medicamentos, roupas, sapatos, livros, médicos, etc. Éramos na missão a única centelha de esperança e de apoio para o povo: celebrar a Eucaristia, ministrar os sacramentos, dar catequese e formação para os catequistas, organizar junto com a Cáritas diocesana e a PAM-ONU as cozinhas comunitárias para alimentar as crianças e idosos. Com a cooperação das Irmãs Franciscanas de São José, fazíamos o atendimento médico e, com as Irmãs Franciscanas de Missionárias de Maria, o atendimento educacional através da escolinha da missão. Também íamos às aldeias para dar o atendimento religioso, recursos básicos de sobrevivência, atendimento ambulatorial e medicamentos. Fazia-se o que era possível. De tudo um pouco. Em determinados momentos, éramos requisitados para transportar um doente ao hospital, em outro, para buscar um falecido do hospital e levá-lo para uma aldeia.

As viagens eram verdadeiras epopeias: seja ir de Malange à capital Luanda buscar mantimentos e materiais diversos para a missão, pelos riscos e constantes de ataques na estrada, seja enfrentar caminhos esburacados, com atoleiros, rios sem pontes ou pontes improvisadas com troncos para chegarmos a aldeias distantes onde ninguém havia ido.

Depois, com a intensificação do conflito, dos bombardeios à cidade, a cidade de Malange ficou cercada por sete meses, de onde só se saia em comboios escoltados. As coisas tornaram-se muito mais difíceis e desafiadoras para, em meio a todo este contexto, formar jovens angolanos que desejavam abraçar o caminho da vida religiosa franciscana, assim como construir as primeiras casas de formação. Tudo era um grande desafio e exigia de nós uma intensa vida de oração, comunhão fraterna e solidariedade com as outras congregações, ONU e Ong’s. No mútuo apoio, fortalecíamos a certeza de lutar pela paz e pelo bem de todos.

Site Franciscanos – Que Mensagem você deixaria para quem quer ser um missionário em Angola?

Frei Samuel – Primeiro e acima de tudo, ir por causa de Deus. Despojar-se de qualquer expectativa de ser “salvador da Pátria”, mas colocar-se na dinâmica do discipulado, de quem vai para aprender, para fazer penitência, para estar e ser junto do povo angolano, um homem de Deus, um servo amigo e um irmão de todos.

Depoimento de Frei Marco Antonio

Deixem-se tocar por esta que é a nossa missão

Os desígnios de Deus. Em 2013, Deus me surpreendeu com a graça de uma experiência de vida junto à nossa Fraternidade de Angola. Aqui permaneci por um mês, onde pude visitar e participar, mesmo que brevemente, da vida dos nossos confrades, formandos, Clarissas e do nosso povo nas comunidades de fé.

Terminado meu tempo, retornei para o Brasil e, desde então, uma inquietude tomou conta de minha alma, ou seja, retornar e dar um tempo de minha vida como religioso nesta missão. Como pode Deus me provocar quando estou vivendo um tempo bom e tranquilo de minha vida? Como pode me desafiar quando tudo parece caminhar bem e estou feliz e assentado no exercício de meu ministério como frade? Por qual motivo desestabilizar-me, tirar o meu “sossego” agora? São questões que me instigaram neste tempo de discernimento. Mas Deus é insistente e não posso compreendê-lo à luz de minha lógica e própria vontade. Então, abri-me ao seu discernimento e, em 2014, falei e escrevi ao Provincial manifestando a minha inquietude e colocando-me em suas mãos, isto na esperança de que, sendo esta a vontade de Deus e tendo o parecer positivo do Definitório, minha alma pudesse serenar novamente e, de coração aberto, pudesse então vir para esta experiência de missão, livre e solícito para aprender e partilhar do meu aprendizado.

Se o Senhor te chamou, se o Senhor te escolheu, não olhe para trás… A graça de viver e estar em nossa missão de Angola se firma no fato de abrir-me para a realidade que aqui vivo cotidianamente e, esta, de livre e espontânea vontade. E também porque, por vocação somos itinerantes. Firma-se, igualmente, quando me deixo tocar pela realidade de vida e de fé deste povo e, ao mesmo tempo, toco a sua realidade de coração aberto. Então, sem ter como explicar, sou como que tomado por uma forte e intensa experiência de amor e de fé e, às vezes, de impotencialidade, fato este que me faz sempre de novo aprender que não sou Deus, mas seu filho e servo no exercício deste ministério.

A minha missão aqui está no acompanhamento formativo de nossos jovens para a vida franciscana. No momento, acompanho mais diretamente nossos noviços. Junto ao povo participamos da Missão Nossa Senhora das Dores, onde temos uma grande área de apostolado, sobretudo junto ao povo que vive na área rural. A convivência simples e fraterna em meio ao povo é muito gratificante. Em nossas comunidades de fé há um grande número de crianças e idosos que necessitam de atenção e cuidados. Neles, nos seus sorrisos e acolhimento para conosco, está o toque simples e humilde de Deus. É pura gratuidade a nos fortalecer. Há muitos jovens que necessitam de apoio e estímulo, de um discernimento que os motive e impulsione e, assim, não venham a se perder, mas, a “buscar horizontes amplos, ousar mais, ter vontade de conquistar o mundo, ser capaz de aceitar propostas desafiadoras e desejar contribuir com o melhor de si mesmos para construir algo superior”, como diz o Papa Francisco aos jovens. Há um povo sedento de Deus, da sua palavra, da nossa presença simples, acolhedora e aberta para compreendê-lo na sua alegria e tristeza. É um povo forte e firme na fé, que (nas diversas realidades que aqui temos) caminham por dias, se preciso for, e dormem no chão, se necessário for, para participarem da Eucaristia e receberem os sacramentos, para celebrarem as grandes festas da Igreja e vivenciarem os momentos formativos, permanecendo assim na fidelidade a Deus. Um povo que espera com alegria e caridade a nossa presença de frades menores, irmãos na vida e na fé, irmãos que estão juntos na alegria, na tristeza, na saúde e na doença porque, livres de si mesmos, só têm por caminho e vocação o seguimento e discipulado de Nosso Senhor Jesus Cristo.

“Como hei de agradecer a tamanha graça que o Senhor nos concedeu. Oh! Meu Deus! Meu Deus! Como hei de agradecer?” Nesta nossa realidade, existem fragilidades, existem limitações, existem horas em que, o que mais queremos, é pensar em dar um passo atrás, tudo fruto da nossa condição humana… Entre o povo que nos acolhe, existem irmãos e irmãs que são bons, mas que também têm suas fragilidades; por vezes, encontram-se fechados na cultura que conhecem e na qual cresceram, e você para eles pode ser tão somente um estrangeiro… Mas, acima de tudo, existe Deus e o Evangelho que une todas as culturas, raças e nações num só povo pela fé. Por isso, nos escreve e exorta o Papa Francisco: “Missão é amor pelo Cristo e pelo seu povo”. Portanto, é preciso desapropriar-se, para, como escreve Santa Clara: “…sentires, tu mesma(o), o que sentem os amigos, degustando a doçura escondida que o próprio Deus reservou, desde o início, para os que Ele ama” (3CtIn, 14).

Por tudo sou grato a Deus! E exorto os meus irmãos a se deixarem tocar por esta que é a nossa missão enquanto Província. Implantar a nossa Ordem nesta terra abençoada é um chamado de Deus para cada um de nós! Feliz aquele que, na sua experiência, tem para dar; abençoado aquele que, em dando, sabe acolher com gratuidade o tempo e a experiência que Deus, por amor, está lhe concedendo e, acima de tudo, feliz o povo que tem a graça de acolher este irmão que de coração aberto se dispôs a vir para esta experiência de missão, livre e solícito para aprender e partilhar do seu aprendizado.

Em São Francisco e Santa Clara, paz e bem!

Frei Marco Antonio dos Santos

Depoimento de Frei Laurindo Lauro

Missão ad gentes em Angola: campo fértil de ação missionária

No mês de outubro, a Igreja procura despertar os fiéis para uma maior consciência da missão ad gentes e retomar com mais vigor a transformação missionária da vida e da pastoral. Isso a impele à oração, à reflexão e principalmente à ação concreta de todo cristão batizado.

Ao compreender que o Sumo Pontífice deseja requalificar a ação da missão, seria de bom tom aderir à obra da Igreja com alegria e disponibilidade, na liberdade e na verdade, sem conceitos pré-estabelecidos mediante o convite “vinde e vede” (Cf. Jo 1, 39a). A Igreja, desde sempre, tem uma natural índole missionária, pois a todo cristão é incumbido o dever de disseminar a fé dentro da catolicidade, no sentido de adaptação às mentalidades e às tradições dos povos, conforme o prescrito na Sacrossanctum Concilium.

A missão ad gentes é um terreno pastoral muito fértil, sem falar das vocações que surgem cada vez mais através de valorosos testemunhos missionários de homens e mulheres que não medem esforços para edificar o Reino de Deus em terras distantes, por vezes ultramarinas, viver o Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo como estrangeiros, peregrinos, viandantes e, acima de tudo, valorizar a cruz que cravou em solo sagrado de missão.

A missão pressupõe daquele que se põe a caminho um espírito despojado e pronto a acolher a diversidade cultural de povos que, num mesmo país, têm certas peculiaridades que distinguem a sua identidade. Por isso, conceitos previamente estabelecidos não são bem vindos, pois impedem fazer uma experiência genuinamente evangélica e a chance de compreender certos valores procedentes da inculturação. Por vezes, é necessário aculturar-se, mudar o registro, a
fim de encontrar êxito missionário e pastoral. Há a necessidade de deixar de lado o ponto de vista bairrista e mesquinho, com o intuito de abrir a mente e o coração para as variadas formas de evangelizar um povo heterogênico, sem perder a sacralidade da missão.

Na bela história da Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil também exigiu-se que frades germânicos pudessem intervir com o intuito de dar um novo impulso à Ordem Franciscana em terras tupiniquins. Irmãos deram a sua vida pela missão, sem medir esforços, e nem sequer eram brasileiros. Em celebração desse fato, a mesma Província retribui o impulso restaurador que obteve, através da ação missionária em Angola, com o sentimento de gratidão que, segundo o Papa Francisco, é o mais belo dos exageros.

O leque pastoral da missão em terras angolanas é um exemplo de desacomodação, ternura e coragem para pôr em prática todo ardor missionário que impõe a qualidade de bom cristão. Aqui, em Angola, o campo de ação pastoral é amplo. Muitas congregações de carismas diversificados alargam as pastorais nas missões em um vasto e terno servir, seja na saúde, na educação ou nas diversas paróquias e santuários.

Ultimamente há uma verdadeira primavera vocacional como há muito não se via. A realidade angolana é favorável ao crescimento da nossa missão, mas esses que tornam numeroso o corpo da Fundação da Imaculada Mãe de Deus de Angola, ainda estão em formação inicial, o que torna as nossas estruturas físicas limitadas e, por vezes, precisamos dispensar um grande contingente de candidatos à vida religiosa. Angola ainda nos chama. Precisa de religiosos que tenham a coragem de desacomodar-se e servir com ternura e ousadia no que tange ao que é próprio da nossa vocação de batizados.

O incentivo do Santo Padre e a imensidão de belos testemunhos missionários que se encontram nestas terras convidam a todos a viver de maneira plena esse mês missionário através do que de melhor possam oferecer. Orações são importantes, ações concretas são fundamentais.

As consequências de tudo isso não poderia ser outra: apaixonar-se pelo ideal de Jesus Cristo e simultaneamente pelo seu povo. Paz e bem!

Frei Laurindo Lauro da S. Júnior

Depoimento de Frei Laerte

Vocação de Discípulos Missionários

“Os nossos padres vieram de longe nos trazer a Palavra de Deus”. É cativante os sorrisos e os cantos com que somos recebidos nas Comunidades que visitamos em nosso trabalho pastoral. Pergunto-me sempre se temos tanto para dar diante de tamanha expectativa. Mas o trabalho missionário é iniciativa de Deus. Ele nos concede a graça que nos faz acolher os que encontramos e de ler os sinais de sua presença em nossa vida missionária, na realidade eclesial, e na realidade social que visitamos.

Trabalho na Missão Santa Teresinha do Menino Jesus, de Cangandala, desde 2016. A Sede da Missão está a 28 quilômetros da nossa Casa na Katepa. Temos hoje 57 comunidades com catequistas. Algumas com grandes dificuldades pastorais, outras bem promissoras. Atendemos comunidades que estão a cerca de 100 quilômetros da sede da Missão onde só se chega de moto. A maioria das comunidades só conseguimos atender uma ou duas vezes no ano. Mas, no ano passado, algumas não tiveram sequer uma visita, pois não conseguimos lá chegar. É a dificuldade que provém do número baixo de missionários. “A messe é grande e os operários são poucos” (Lc 10,1-9).

Mas não desanimamos. Pelo Batismo, nos tornamos discípulos missionários de Cristo (EG 120). Continuamos a obra e missão de Cristo ao modo de Francisco de Assis e de nossos confrades que no decorrer destes 30 anos de Missão em Angola deram suas vidas por amor ao Evangelho. Tenho sempre presente o grande missionário Frei Simão Laginski, que me motivou a também ser missionário quando passou no Seminário de Agudos, em 1993, e contou-nos de seu trabalho missionário na África. Nos anos mais difíceis, no início da Missão, lembro-me, ainda, de ler um relato de um confrade, quando questionou se o confrade missionário não deveria deixar aquele local onde se encontrava com grande dificuldade e este disse, não exatamente com estas palavras, mas neste sentido, “um missionário não tira o pé de onde plantou a Cruz de Cristo”. Motiva-nos chegar a Aldeias tão distantes e o povo lembrar dos confrades que marcaram suas vidas nos momentos difíceis do período de guerra e mesmo depois.

Cultivamos nossa vocação missionária à medida em que retomamos o que vimos, o que ouvimos e o que sentimos em nosso trabalho evangelizador e colocamos diante de Deus. Ele nos aponta o caminho a seguir. Deste modo, o trabalho não é apenas cansaço, mas fonte de energia para continuar. “Os presbíteros atingem a santidade pelo próprio exercício do seu ministério, realizado sincera e infatigavelmente no espírito de Cristo” (P0 13).

Que Maria, “modelo eclesial para a evangelização” (EG 288), nos ajude a viver nossa vocação de discípulos missionários com a disponibilidade e o compromisso de trabalhar pela realização do Projeto de Vida anunciado, revelado e realizado entre nós por Jesus, o Missionário do Pai. Que os confrades, em suas diversas frentes evangelizadoras, possam, sem esquecer de seu próprio trabalho missionário, lembrem-se dos confrades que estão em missão em Angola.

Que o Espírito possa despertar mais vocações para nossa missão em Angola. Que o Senhor seja nossa força!

Frei Laerte de Farias dos Santos

Depoimento do leigo Adávio Afonso

“Até hoje sirvo à missão de Angola”

Quando eu me aposentei, resolvi entrar para a Ordem Franciscana Secular. Fiz um trabalho voluntário no Sefras, com moradores de rua, em 2000. Deixei de assumir uma oferta de emprego para fazer esta experiência missionária, pois desejava servir o próximo. A missão é um chamado de Deus, e precisamos estar atentos para ouvi-lo. Este chamado nunca é aquilo que desejamos. É Deus quem chama e Ele é quem designa aquilo que vamos fazer. Você tem vontade de fazer algo, mas não tem clareza do que é. Deus dá o caminho.

Fui para Angola em 2008. A princípio, era para ir a Malange, consertar um caminhão. Fiz alguns serviços em Lubango, no Sul de Angola, depois fiquei em Quibala para ajudar na reconstrução do convento, onde hoje é o noviciado. Morei um ano em Viana, durante o conserto do caminhão e no meio deste tempo ia para as aldeias, ajudava nas celebrações, ajudava os padres da missão, acompanhava as irmãs vicentinas nas aldeias, pois elas eram enfermeiras e precisavam ir até o povo. Fazia tudo isso. Fui duas vezes para Angola para morar em Malange e nunca morei lá. Fui fazer alguns serviços, mas meu trabalho mesmo foi em Quibala. Parece que Deus tem seus caminhos.

Você não pode ir para uma missão e dizer: “Vou fazer aquilo que quero e gosto”. Você tem que ir para fazer aquilo que é para fazer. Os missionários são uma equipe, e quando formamos uma equipe, o grupo é quem decide qual o serviço necessário e quando tem que ser feito. Fui para arrumar o caminhão, mas fiz um serviço missionário muito diferente do que estava previsto. O caminhão ficou mais de um ano encostado. No fim, fui fazer um outro trabalho que me designaram, que foi a reconstrução de Quibala. Quando chegamos lá, as coisas estavam muito ruins. O Ministro Provincial na época, Frei Augusto Koenig, ficou assustado quando chegou. Ele disse: “Não quero que meus frades fiquem no meio de um campo como este”. Mas aquilo que é difícil, é prazeroso. Estávamos Frei Valdir, Frei Laerte e eu. Fizemos aquilo com sacrifício. Com o dinheiro que era para comprar comida, comprávamos material de construção. E nosso alimento vinha da providência divina. Quando os freis celebravam, vinham pequenas ofertas: banana, galo, porco, espiga de milho. Com aquilo que ganhávamos íamos comendo e vivendo, sem precisar mexer no dinheiro que vinha para comprarmos comida. É uma experiência que não podemos calcular, viver exclusivamente da providência divina!

Fizemos a viagem para Quibala com o caminhão quebrado. Esse caminhão tinha um problema no motor, gastava muito óleo e quando ele esquentava, não ligava. Saímos um dia de Luanda com o caminhão carregado de coisas: camas, armários, comida. E mais uma caminhonete quebrada. Essa caminhonete era para ser usada num trajeto de 2 km, da missão até uma cidade próxima. Mas como era pós-guerra, a cidade ainda estava no início da reconstrução, não tinha quase nada. Por isso, tínhamos que ir a Luanda, a 350 km. Com essa caminhonete quebrada, fizemos 29 viagens a Luanda. Deus operou um milagre até que conseguíssemos arranjar outro carro. Eu não acreditava naquilo, foi um grande milagre. Íamos com cuidado, andávamos no horário mais frio, dirigindo devagar.

Em Quibala, construímos o primeiro barraco com dois containers. Fizemos uma cozinha com dispensa, um banheiro, três quartos para nós e um quarto para visitantes. No meio, ficava a sala de jantar. Aquilo nos dava muita alegria! Cada vez que terminávamos uma etapa era uma festa! A cozinha era muito pequena, bem simples. Como uma cozinha de sítio do interior, só que bem mais pobre. Um dia – não sei como – falaram na comunidade que os freis estavam passando necessidade. Fizeram uma tâmbula, um ofertório, e reuniram gasosa, arroz, macarrão. E os catequistas vieram nos trazer. Aquilo foi muito bonito! A partilha da comunidade com os frades. Conseguimos viver a pobreza e a perfeita alegria!

Pela graça de Deus, nunca faltou nada, foi uma experiência maravilhosa. Só tenho alegria! Nada foi mais gratificante do que aquela missão em Angola. Quando o frei me chamou para ir para a missão, já havia professado na Ordem Franciscana Secular. Professei em 2006 e em 2007 o Frei André Gurzynski me chamou para a missão de Angola. Na época, ele disse que a Província não tinha como financiar a minha passagem. Então eu vendi o carro que tinha, um santana, para comprar a passagem de ida. Para a volta, juntaria o salário da aposentadoria. E assim foi feito. Vendi o carro, nunca me fez falta. Com o dinheiro daquele carro, fui para Angola.

Depois, em 2011, era para ir a Jerusalém, mas não consegui o visto, pois o consulado estava em reforma. Acabei indo novamente para Angola em 2012. Em março de 2013, adoeci, com pedra na vesícula. Fui para o hospital e achei que não voltaria mais. Se tivesse morrido na missão, teria sido algo fantástico! Ninguém fica feliz por morrer, mas não sentia tristeza, preocupação. Me sentia em paz! Na quinta-feira, o Padre Lelo – dos Pobres Servos – foi me visitar e pediu para me levarem a Eucaristia. Quase não consegui comungar, de tanta dificuldade que sentia. O tio Pedro, pai de um padre angolano, estava no hospital e um amigo enfermeiro que foi visitá-lo me passou um remédio. No outro dia cedo, na sexta-feira, levantei, tomei banho, comi tudo o que tinha no quarto – bolacha, banana – e fui para a Missa rezada dentro do hospital. Isso para mim foi o milagre da Eucaristia. Deus mandou aquele homem para salvar a minha vida.

Hoje, quando vejo os rumos que a missão em Angola tomou, sinto gratidão. Espero que ela seja uma Custódia, uma Província no futuro. Meu conselho para quem deseja ser missionário é o de se preparar bem. Escutar as experiências dos frades, dos estudantes. Cada um vive uma experiência diferente. É preciso estar atento aos desígnios de Deus. Ele é quem vai dizer o que vamos fazer. Quando a pessoa vai para uma missão, precisa ir aberto a qualquer coisa. Não adianta ir e reclamar das coisas. É preciso servir o Senhor com alegria! E quando chegar, é preciso dar testemunho de Nosso Senhor Jesus Cristo.

Adávio Afonso Ribeiro