Vida Cristã - Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil - OFM

A vinha do Senhor e a ecologia dos dois Franciscos, o Santo e o Papa, na inspiração de Mt 21,33-43

02/10/2020

Frei Jacir de Freitas Faria [1]

Quatro de outubro é o dia de São Francisco! Para falar de São Francisco, quero partir uma passagem do evangelho de Mateus, mais precisamente Mt 21,33-43, a parábola dos vinhateiros, cunhado erroneamente, por alguns tradutores da Bíblia, de homicidas, assassinos. A vinha da parábola e a ecologia de São Francisco têm algo em comum com as queimadas no Pantanal e na Amazônia? O que Francisco, o papa, que escolheu esse nome para seu pontificado por causa do amor de São Francisco pelos pobres e pela natureza, tem a nos dizer? Vejamos! Comecemos pela parábola.

Permita-me fazer referência a essa parábola do evangelho apócrifo de Tomé.[2] Nele, o leitor não é induzido a interpretar a parábola de forma cristológica, isto é, ter Cristo como o centro da narrativa. Isso fica claro com o acréscimo que o evangelho de Mateus fez do Sl 118, que fala da pedra rejeitada. Aliás, não é assim a tradicional interpretação desse evangelho? Jesus é a pedra rejeitada pelos judeus; o Filho amado de Deus será morto fora da vinha; os vinhateiros são os líderes judeus e os sacerdotes do templo que perseguem os cristãos. Pois bem, no evangelho de Tomé, a memória mais antiga dessa parábola, escrita por volta do ano 50, há um grupo de trabalhadores que, sentindo-se explorado pelos romanos que haviam tomado suas terras férteis da Galileia, age de forma violenta para não entregar o fruto de seu trabalho ao dono da vinha. A vinha, em Tomé, tem a função social da pregação do reino. Os vinhateiros não são homicidas, assassinos, mas agem em defesa da igualdade social.

Há ainda outra interpretação clássica dessa parábola, a alegórica, isto é, a parábola fala de alguma coisa para dizer outra. No caso, Jesus, ao contar essa parábola, teria em mente uma síntese da história da salvação, da seguinte forma: o Senhor da vinha:  é Deus que propõe uma aliança; a vinha: é a aliança que Deus fez com o seu povo; os vinhateiros: são os israelitas que formam o povo de Israel; os servos: são os profetas e os sábios enviados por Deus para recolher os frutos;  o  filho amado é Jesus, que acabou sendo morto; os outros servos: são a Igreja Católica, à qual Deus decide entregar a vinha. Interpretação válida no seu tempo, mas prefiro a interpretação mais contextualizada, que considera o social e sua relação com o Sagrado.

Para atualizar da parábola dos vinhateiros, permita-me, como filho de São Francisco, apresentar-lhe a visão desse homem em relação à natureza. Ah! Faltou dizer que a vinha e o vinho eram importantíssimos para o judeu da época de Jesus. A vinha era símbolo da Toráh, a Lei de justiça. A falta de vinho era sinal de que a Toráh não estava sendo cumprida.

Nascido no ano de 1182, na bucólica Assis, na úmbria italiana, Francisco foi um homem que esteve além do seu tempo, ao cantar o amor pela natureza. Atribuído a ele, é conhecido o Cântico do Irmão Sol. Escolhido como patrono da Itália e da Ecologia, por João Paulo II, em 1979, São Francisco é lembrado como o homem da “Paz e do Bem” e por proclamar que a natureza é a mais alta glorificação do Criador, e que nela somos todos irmãos. O olhar de São Francisco é ecológico e não romantizado, como querem alguns. Para ele, o ser humano não vale mais que os outros animais, as aves, os peixes e as flores. Não somos superiores a eles. Veja que estupendo, um homem medieval intuir que a vida merece respeito na sua diversidade, que somos parte da cadeia evolutiva da vida e não somos os atores principais, no máximo regentes. E quando não agimos assim, a natureza dá seu recado. Basta ver o grande ator do nosso tempo, um minúsculo vírus, chamado de corona, que evidencia o desequilíbrio ambiental, bem como a recente onda de gafanhotos. São Francisco foi um profeta ecológico.

Para terminar a nossa reflexão, quero retomar a intuição evangelizadora do Papa Francisco para a vinha e vinhateiros de nosso tempo, nos passos de São Francisco. O papa fala de conversão ecológica. O que é isso? Na verdade, estamos diante de duas crises, a socioambiental e a antropológica. Será que, para ser feliz, o ser humano precisa ser um explorador, um tirano que queima, devasta o Pantanal, a Amazônia, que ‘passa a boiada’ revogando leis que protegem o manguezal e as restingas do litoral brasileiro, em nome do agronegócio ou do frenético lucro das mineradoras?

A defesa da vinha do Senhor é questão ecológica, de cidadania, econômica, política e de fé. O lixo que jogo nas ruas cai no rio, o rio morre, e eu também. Trata-se, portanto, de uma relação com o outro. Recentemente, na abertura da assembleia da ONU, o Papa Francisco afirmou: “Penso na perigosa situação da Amazônia e dos povos indígenas que vivem lá. Isso nos lembra que a crise ambiental é intimamente ligada à crise social e que o cuidado com o ambiente exige uma abordagem abrangente para lidar com a pobreza e combater a exclusão”. Ele disse ainda: “A crise relacionada à pandemia de Covid-19 nos mostrou que não podemos viver uns sem os outros”.

Portanto, partindo do simbolismo da vinha de Israel, da intuição de São Francisco e da fé do Papa Francisco, esforcemo-nos para viver em fraternidade universal, no respeito à diversidade das criaturas de Deus, denunciando, com uma fé cristã libertadora, não conservadora, os modelos econômicos que degradam a natureza, sendo gratos a Deus que nela se manifesta. Com São Francisco digamos: “Louvado sejas meu Senhor com todas as tuas criaturas”… Não percamos a esperança! Um mundo novo é possível. Depende de mim, depende de você, depende de nossa conversão ecológica. Assim seja!


[1] Doutor em Teologia Bíblica pela Faje (BH). Mestre em Ciências Bíblicas (Exegese) pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma. Professor de Exegese Bíblica no Instituto Santo Tomás de Aquino (ISTA-BH). É membro da Associação Brasileira de Pesquisa Bíblica (ABIB). Sacerdote Franciscano. Autor de dez livros e coautor de quatorze.


[2] Para um estudo das parábolas em Tomé, confira o nosso livro: FARIA, Jacir de Freitas. As origens apócrifas do cristianismo: comentário aos evangelhos d e Maria Madalena e Tomé. 2 ed., São Paulo: Paulinas, 2003. p. 98-118.

Download WordPress Themes
Download Best WordPress Themes Free Download
Free Download WordPress Themes
Download WordPress Themes Free
free download udemy paid course
download redmi firmware
Download Nulled WordPress Themes
udemy course download free