Vocacional - Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil - OFM

Relatório do colóquio brasiliense

23/03/2021

 

Relatório do colóquio brasiliense de 31 de janeiro – 04 de fevereiro 2008

Participantes:

Dom frei Leonardo (Ulrich) Steiner (bispo franciscano da prelazia de São Felix de Araguaia MT.
Geraldo José da Silva (Professor da Universidade Federal de Brasília, titular na cadeira da Física nuclear).
Eliana Borges da Silva (Professora de Filosofia no IFITEG, Instituto filosófico e teológico de Goiás, Goiânia).
Crystiane Meneses de Sena (Professora e supervisora pedagógica do ensino religioso do Colégio Santo Antônio de Brasília).
Frei Marcos Aurélio (Diretor do Colégio Santo Antônio de Brasília e professor de Filosofia no IFITEG, Goiânia)
Frei Jaime Spengler (Vice-presidente da AFESBJ; Professor de Filosofia da UNIFAE)
Frei Vagner Sassi (Professor de Filosofia da UNIFAE.).
Frei Hermógenes

Texto-guia:

O problema de um pensar e dizer não objetivantes na teologia atual, de Martin Heidegger

Horário:

7:30 hs: …………..Café
8:15 hs: …………..Colóquio
12 hs: ……………..Almoço
14:30 hs: …………Colóquio
18 hs:………………Eucaristia
17 hs:…………………..Jantar

NB: Cada qual ficou convocado a fazer um relatório que propriamente não é relatório.  Nesse nosso encontro, relatório significa transmitir, cada qual do seu jeito, o que e como entendeu e anotou, e em formulações do jeito que a gente sabe dizer, sem se preocupar se está certo ou errado, o partilhar com os outros, se quiser. Nesse nosso ‘relatório’, por isso, os assuntos tratados nos dias do encontro, embora distribuídos entre os dias, na realidade foram discutidos em dias diferentes. E foram acrescentadas muitas coisas que não foram ditas literalmente nas discussões, mas que poderiam ilustrar melhor o que foi discutido.


Dia 31 de janeiro (18-19,30hs)

Como início do nosso colóquio, frei Marcos Aurélio nos propôs falarmos, de modo ainda incoativo e bastante geral, acerca do que vamos fazer do dia 31 de janeiro até o dia 04 de fevereiro. O termo para indicar o que vamos fazer é colóquio[1].

Colóquio é um fazer que cuida em criar (deixar surgir, aumentar e se consumar) proximidades e afinidades de falar e escutar (i.e, de ver) uns com os outros, a partir e acerca do que se refere ao inter-esse dos participantes no colóquio. Para manter-nos numa determinação concreta (leia-se: concrescida) e não nos perdermos em falatórios dispersos in-finitos e nos concentrarmos na finitude bem tempestiva de uma conversa oportuna e operosa, tomamos como o fio condutor da nossa conversa a carta de Martin Heidegger escrita em 11/03/1964, enviada para o Colóquio, realizado em Drew University, Madison, USA (9-11 de abril de 1964), intitulado “O problema de um pensar e dizer não objetivantes na teologia atual.

Hoje, o termo colóquio indica um evento cultural-acadêmico, no qual se reúnem pessoas peritas e especializadas num determinado saber. Tal encontro conota representação, empáfia oficial e exigência de excelência padronizada, com ares de um gigantismo inflacionário do saber, entendido como poder. A dominância da oficialização, publicidade e inflação do saber como poder, não consegue ver com bons olhos o exercício e a compreensão de colóquio de-finida, posto na finitude do cuidado de uma labuta corpo a corpo, artesanal, de elaboração da compreensão familiar, mais junta de si, virada para a unidade interior de si, i.e, essencial, portanto, da compreensão mais uni-versal (uni-verso, virado ao uno), mais vigorosamente comum.

Compreensão comum não é compreensão geral. Compreensão finita, concreta e familiarizada não é privativa, particular, individual individualista, mas sim com-preensão bem elaborada, trabalhada, bem assentada, real. A palavra comum vem do latim communis. Communis é composta de cum (com) + munus, -eris que significa carga, encargo, o que pesa sobre os ombros, tarefa, responsabilidade, e também, ornato (que originariamente não significa acessórios, enfeites e arranjos, mas o vir à fala, o aparecer do que é o próprio da pessoa, a oferta sagrada). Comum seria então o que cada qual traz conjuntamente como oferta livre e cordial do que é o melhor de si, bem elaborado e bem assentado na realização da pertença a um inter-esse que ajunta pessoas, unindo as numa causa nobre, boa e decisiva. Communis é o que faz surgir, crescer e perfazer um povo. Comunidade nesse sentido é popularidade[2].

O perfazer-se da liberdade humana e sua cordialidade para concreção per-feita do mundo, do surgir, crescer e consumar-se da possibilidade de ser é o trabalho do colóquio.

Esse trabalho de se perfazer no surgir, crescer e consumar-se na perfeição da realização da possibilidade de ser, na cordial responsabilização de se tornar doação comum de ser a dinâmica da co-pertença e colaboração da comunidade humana qualificada como povo, nação, em grego polis, tem o modo de ser da excelência humana denominada em grego de Andréa (ânimo e coragem de ser varonil; cf. anér, -dros), em latim de virtus (vir, -i), em português virtude. Virtude é vigência humana, cujo vigor no surgir, crescer e se consumar se move na intensificação reduplicativa circular, na qual cada qual ao se doar no que é o melhor e o mais próprio de si à causa da humanidade comum ou da popularidade, não perde a força, a modo de desgaste de si em se esvaindo na ‘sacrificação’ de si ao objetivo da sua doação. Na dinâmica da virtude, a força que sai de si como oferta do que é o melhor e o mais próprio de si, em se dando, recebe na mesma in-stância da ação de se dar, o crescimento de si, de tal modo que quanto mais é comum, tanto mais é pessoa ela mesma, e quanto mais singular na densidade da unicidade da doação, tanto mais é comum.

Essa vigência da dinâmica reduplicativa de si não é outra coisa do que a formação, a constituição do ser humano na sua maturação do gênero (gênese) humano como ‘anér’, como ‘vir’, como varão. Considerar a vigência da maturação da geração, i.é, do gênero humano como ‘varão’ não deve ser entendido como dominação do poder do masculino, do machismo, que considera o masculino superior ao feminino, mas sim como capacidade de poder ver a possibilidade, i.e, o poder da essência humana, i.é, do ser do humano a partir e dentro do domínio de uma realidade anterior, mais vasta, mais profunda e mais criativa e livre do que a fixação da perspectiva já defasada e posterior a partir e dentro do binômio ‘masculino’ e ‘feminino’, e muito menos do binômio ‘macho’ e fêmea’. Portanto, não entender o aner, encaixando-o na compreensão do masculino-feminino, do macho-fêmea, mas reconduzir esses binômios à vigência do sentido mais próprio da vitalidade humana como do vivente atinente na pertença cordial e livre a lógos (tò zóon logon échon), que mais tarde foi traduzido como definição clássica do homem como animal rationale, que por sua vez se tornou inteiramente defasada da sua compreensão original numa interpretação como bicho racionalista, como bicho que possui a capacidade de se expressar e se comunicar por meio de língua, gestos, sinais  etc.

Assim, já numa consideração preliminar das nossas reflexões, começamos a vislumbrar com que implicações está emaranhado o título do texto que serve como fio condutor das nossas discussões: O problema de um pensar e dizer não objetivantes na teologia atual.

Frei Vagner chamou atenção para o fato de que é de interesse decisivo para o nosso encontro que, de tudo isso que foi dito a respeito do ser do homem nesse primeiro dia do encontro, o que hoje mais está no foco das considerações da publicidade acadêmica é a determinação do ser do homem como animal (leia-se bicho, bruto) racional (leia-se racionalista, de cálculo, cerebral) e político (leia-se politiqueiro, na busca do poder de dominação). Assim, nessa defasagem racional virou cerebral; animal (leia-se ânimo, coragem de ser) virou bruto, bicho; e no bom sentido mas já dentro da defasagem cabra da peste.


Dia 01 de fevereiro

Iniciamos o encontro de hoje com a leitura do texto de Heidegger, nos demorando em alguns termos do título: Einige Hinweise auf Hauptgesichtspunkte fuer das theologische Gespraech ueber “Das Problem eines nicht objektivierenden Denkens und Sprechens in der heutigen Theologie. (Algumas indicações sobre principais pontos de vista para o diálogo teológico sobre “O problema de um pensar e dizer não objetivantes na teologia atual, de Martin Heidegger”).

Frei Marcos Aurélio colocou uma pergunta: Como traduzir o termo alemão Hinweise, se indicação ou aceno? E propôs examinar o termo alemão no seu componente Hin + weise. Hin indica no movimento de ir, a sua orientação, apontando para lá, em direção a (®). Weise, vem do verbo weisen que significa mostrar. Weise significa também modo, o como (wie), modulação. Sem entrar numa explicação filológica científica, mas apenas num modo de explicar, digamos a olho nu, pré-científico[3], weisen, Weise seria mostrar, mostração cujo modo de se abrir, em sendo, é modulação, i. é, de diferentes modos e em variegados ‘comos’, a coisa ela mesma se apresentando, a partir de si e nela mesma, em se-e-videnciando. O deixar-se ser como a mira (hin- ) se afinando na afinação, i. é, em ser afim a en-tonação desse vir à fala da coisa (causa) ela mesma no seu surgir, crescer e se consumar, é o ver simples e imediato da fenomenologia. As variações de hin-weisen são p.ex., aus-weisen (mostrar para fora, mostrar a carteira de identidade); her-weisen (mostrar a partir de, de lá dentro para cá fora); er-weisen (demonstrar; <er = forma moderna de ur que indica o arcano, o mistério da origem> mostrar de modo respeitoso o nosso apreço ao quem nos fascina, nos atrai; be-weisen (incoar a mostração, provar, mais no sentido de tomar uma amostra p. ex. de vinho) etc. Esse modo de perceber (percipere) (deixar-ser o weisen, a mostração), o modo de receber, de início até o fim, a mostração, i.e, ex-per-iência, é o ver, intuir (intus ire), i.é, ir para dentro do âmago da mostração, na formulação fenomenológica ver simples e imediato[4].

Outro ponto, onde nos demoramos na reflexão foi o termo alemão Hauptgesichtspunkte.

Haupt significa cabeça, o principal. Gesichtspunkt (e) ponto de vista. Usualmente por ponto de vista entendemos o enfoque do ocular de um olhar. Esse ponto se localiza bem atrás do olho, de tal modo que o olho não pode olhar para o seu ponto de vista, pois é a partir dele e nele que o olho olha as coisas que aparecem à luz do enfoque desse ponto de vista, diante de si. Esse modo de entender o ponto de vista pode ser grafado assim: •< . Outro modo usual de entender o ponto de vista é o ponto ob-jectivo de uma finalização como projeção: >• ou melhor → •. Esse último → • aparentemente é diferente de >• . E → • e >• diferente de •<. No entanto o ponto de vista, seja ele considerado como a partir de ou como em direção a, para frente, não é outra coisa do que o ponto de salto do surgir, crescer e consumar-se de uma determinada possibilidade sob o toque do sentido do ser. Como tal, o ponto não é ponto no sentido de um pingo estático ali pronto, mas como que o tinir de densificação da possibilidade de ser ou a imensidão aberta na amplidão abissal da possibilidade de ser. Assim, as figurações acima insinuadas podem ser resumidas numa só:

<↔> ou melhor (↔). Imaginemos ( ) como insinuando círculo em diferentes tamanhos de circunferências, a modo de círculos concêntricos: centrípeta e centrífuga. E imaginemos esse movimento centrípeto e centrifugo, não como linear nem como circular, mas como espiral. A dinâmica da vigência de expansão e a dinâmica da vigência de contração está em cada momento da espiral, que compreendida de modo defasada e estática se descasca em fôrmas congeladas, chatas de ponto, linha, plano, círculo, cubo, esfera. No entanto, na vigência da espiral, cada momento do movimento, uma vez fixado como parado, aparece como coisas diferentes, mas que na realidade da vigência, na realização, é sempre o mesmo, sempre e cada vez a seu modo a repetição simultânea centrípeta e centrífuga da expansão e recolhimento da possibilidade (leia-se potência) de ser. Se designarmos as fôrmas hipostatizadas da vigência da dinâmica espiral com o termo ente, então cada ente em sendo, no seu ser, é ser no ente e ente no ser. O ponto abissal é ponto de furacão da tempestade do tempo do recolhimento ou retraimento, e a amplidão aberta ao perder-se no infinito é ponto de difusão generosa desse mesmo recolhimento.


Dia 02 de fevereiro

É a Cristidade que decide a possível forma da cientificidade da teologia. Pois, teologia é ciência positiva da Cristidade. Cristidade é a Fé Cristã; Surge a pergunta: o que significa, porém, fé cristã?

Frei Marcos nos propôs lermos o texto de Heidegger, para nos concentrarmos na compreensão do que seja a em contraste com Ciência (Razão). Essa proposta, porém, já estava dentro de uma perspectiva, que vinha do texto de Heidegger que examina o relacionamento entre a Teologia (leia-se cristã: ) e Fenomenologia (leia-se Filosofia, inclusive Ciências: Razão). O relacionamento entre Fé e Razão, portanto o saber da Fé (Teologia) e o saber da Razão (Filosofia e ciências) aqui, é enfocado na perspectiva de que:

Tanto teologia como filosofia são ciências. Aqui, portanto, a pré-compreensão da teologia e filosofia e também das outras ciências como mundividências fundamentadas ora na Fé (teologia), ora na Razão (Filosofia e outras ciências) é descartada como sendo defasada, pois enquanto mundividência, tanto a Fé como Razão são tidas como crenças e opiniões, colocadas uma ao lado da outra, não suficientemente aclaradas na sua propriedade essencial. Com outras palavras, tanto teologia como filosofia e outras ciências, se enfocadas não como mundividências, mas como ciências nos proporcionariam um melhor acesso de aproximação para dentro delas mesmas; nos dariam uma abertura, qual janela ou fenda que nos conduziria a mira para dentro da claridade de fundo de cada uma delas,  mostrando-nos a clareza e a evidência fundamentais, a partir de onde e em cuja luz, cada qual delas nos tocariam com a sua verdade.

Nesse sentido diz Heidegger na conferência Fenomenologia e Teologia que para nós, nessa nossa reflexão, Teologia é ciência positiva. Todas outras ciências, sejam elas ciências naturais ou humanas, são também ciências positivas. Mas, a Filosofia é ciência, mas não é positiva, pois ela é ciência ontológica.

Essa classificação e divisão das ciências positivas entre si e classificação e divisão das ciências como ciência positiva e ciência ontológica, se a entendemos como classificação e divisão entre o conceito geral e específico, e entre o conceito específico e individual da ciência, não nos dá a compreensão clara e distinta de que se trata, quando diferenciamos entre a compreensão da ciência como ente e ente (diferença entre ente e ente) e compreensão da ciência como ontológica (diferença entre ente e ser). Aquela entre ciência e ciência se chama diferença ôntica e esta, se chama diferença ontológica.

Quando entendo teologia e matemática (ou outras ciências positivas tanto naturais como humanas) sob o aspecto da diferença ôntica, teologia e matemática estão mais próximas entre si do que filosofia e teologia. Pois filosofia quando é ciência, quando ela é própria, não é positiva, mas sim ontológica; com outras palavras, se considera a si mesma como tendo por tema a diferença ontológica. Isto significa que a Filosofia não considera a si, a teologia e outras ciências como diferenciando enquanto ente e ente, mas como investigação das ciências, inclusive de si mesma, enquanto lhes interroga acerca do seu ser enquanto ente posto como ciência. Este modo de interrogar investigativo se chama construção ideal das ideias (Ideen) das ciências: a saber, a fixação da ideia (Idee) da ciência como tal. Esta determinação do ser da ciência como tal se chama definição formal da ciência.

Formal, aqui, não deve ser entendido como abstrato e geral, mas como a modo de forma. Forma, e não fôrma. Por fôrma se entende o contorno a modo de uma cerca que apenas dá a configuração vazia de conteúdo. Forma da definição formal se entende mais no sentido de ideia (Idee), como o vislumbre do todo num instante, como a captação da possibilidade do todo como con-tenção plena do ser da totalidade. Essa contenção como totalidade-plenitude em estruturação cada vez sua em diferentes camadas e níveis do perfazer-se recebe o nome de mundo. A plenitude do vir à fala do mundo, portanto o surgir, crescer e consumar-se do perfazer-se do mundo se processa como percussão da entoação: a) como tonância (Grund-Stimmung, composição das subseqüentes Stimmungen = compreensão operativa), b) como formalização das tonâncias na dinâmica das concepções (definições formais = compreensão temática) e c) o tinir da presença como o ser aí (Da-sein) como liberdade, como pura soltura do ter que ser em sendo ser-no-mundo. Seguir a gênese, o aumento e a consumação do ente, do em sendo como mundo, e vislumbrar possibilidades de ser e o abismo do ser da possibilidade e tornar-se em assim “pensando” cada vez de novo a necessidade da soltura da responsabilidade livre de ser é a busca do sentido do ser, a questão do sentido do ser: o ontológico. A forma do ontológico por isso não é abstraída, esvaziada de conteúdo para se ficar somente com o esqueleto do ser, mas é o tinir da contenção do em sendo, do ente no seu ser. Se pensar é deixar ser o em sendo, o ente no seu ser, então ser e pensar é o mesmo.

A filosofia que é ciência ontológica no sentido acima descrito se chama fenomenologia. Assim, fenomenologia se não se entende como ciência ontológica, está defasada na sua autocompreensão e ou aparece apenas como cultura ou mundividência e perde o mordente do rigor de ser a questão pelo sentido do ser ou se traveste de ciência positiva: p. ex. psicologia, antropologia, lógica formal, teoria de conhecimento, método descritivo etc. Quando se costuma dizer que filosofia (ciência ontológica) não é uma ciência, deve se entender esse ‘ciência’ como saber a modo de ciência positiva ou a modo de crença ou a modo de mundividência cientificista (cf. em Husserl, naturalismo, psicologismo, historicismo, biologismo, cientificismo; cf. o problema atual na espiritualidade de buscar substituir o espírito, pretensamente racionalista de mais, para vitalizá-lo com psicologia, sabedoria da Vida, misticismo e espiritualismo).

Quando na reflexão desse dia 02 de fevereiro se examinou a definição formal da Fé dada por Heidegger como: “Chamamos de cristã a Fé. A sua essência deixa-se de-finir formalmente assim: a Fé é um modo da existência do Dasein humano. Modo esse que, segundo o próprio testemunho – o qual por sua vez pertencente essencialmente a esse modo da existência, – é temporalizado, não a partir do Dasein e não através dele, de participações livres, mas a partir daquilo que em e com esse modo da existência se torna aberto, a partir do crido. O primário para a Fé e somente a ela aberto e como a aberta, o ente que antes de tudo temporaliza  a Fé, é para a Fé “cristã” Cristo, o Deus crucificado”. Frei Vagner fez uma objeção muito importante, a saber, se essa definição da Fé não é um saber filosófico, um pensar e falar da teologia sobre a Fé e portanto sobre a Teologia cristã. Essa pergunta nos despertou para uma questão acerca do ser da filosofia, aqui da fenomenologia, enquanto ciência ontológica.

Poder-se-ia interpretar essa objeção como uma interrogação sobre a validez de uma definição formal feita a partir da filosofia, sobre o que está fora da sua competência, a saber, sobre ciência positiva da Fé; e essa objeção não se estenderia também sobre outras ciências positivas, já que a filosofia é ciência sim, mas ontológica e não positiva?

Se, porém, o próprio do ontológico é acolher (légein) o ente no seu ser, é deixar ser o em sendo no seu ser, então quanto mais deixa ser, tanto mais deixa de se ser, tanto mais se  nadifica. Em assim sendo, o saber ontológico sabe a não saber, a silêncio ressonante. Se denominarmos o saber ontológico de pensar, então ser e pensar é o mesmo. O que usualmente denominamos de ente, no momento em que o entendemos como em sendo, está indicando esse o mesmo que é anterior à divisão do binômio pensar e ser. Ao em sendo chegamos sempre, cada vez novo e de novo, atrasados. Esse jamais chegar a tempo da temporalização do ente no ser e ser no ente e sempre de novo cada vez na responsabilização do ter que ser do ser-aí, o Da, a existência da essência humana se chamou também de espera do inesperado.

A partir dessa nadidade da filosofia, que é bem diferente na sua tonância da nihilização do ‘nihilismo européu’ (inclusive a interpretação defasada e metafísica do nihilismo clássico, pensado por Nietzsche e do nirvana budista, transmitido pelo zelo religioso dos missionários pastoraristas-cristãos), é que devemos abordar o tema da positividade da teológica, que é ciência positiva da Fé. Por isso a Fé é abordada pela filosofia como sendo: um modo de ser da existência do Dasein humano. Mas, se é assim, tudo o que a filosofia como ciência ontológica ‘toca’ não é colocado como modo de ser da existência humana? Sim, mas é exatamente esse toque que entoa a compreensão da expressão modo de ser da existência humana não em generalização formalista-lógica, mas na toada da intu-ição formal, da ‘fixação para dentro do pique cordial e vislumbre pleno do cada vez meu (Jemeinigkeit) e cada vez rítmico (Jeweiligkeit), cada vez o próprio (Eigentlichkeit) do acontecer da facticidade única, singular e uni-versal do ser da temporalidade: da finitude agraciada. O scintilar dessa mira no seio de cada em sendo é o Da-sein do ser e ser do Da-sein: a ‘História’, o e-vento, a saber, Ereignis, i. é, Ur-äugen.

No que se refere ao modo de ser da filosofia, enquanto se realiza como ‘ciência ontológica’ ou ‘espera do inesperado’, podemos dizer que esse modo é o pensar. Recordou-se que, segundo Heidegger, são três as dimensões ou modos de ser do Dasein humano originariamente criativos: pensar, poetar e crer. Do próprio do pensar, Heidegger diz que o ameaçam três perigos. Diz Heidegger no Aus der Erfahrung des Denkens (Da experiência do pensar), Günther Neske, Pfullingen, 1954, p. 15:

Três perigos ameaçam o pensar. O bom perigo e por isso salutar é a cercania do poeta cantante. O mau perigo e por isso o mais agudo é o próprio pensar ele mesmo. Ele deve pensar contra si mesmo, o que ele apenas pode raramente.  O péssimo perigo e por isso o mais confuso é o filosofar.

A indeterminação altamente predeterminada das nossas discussões em suas pré-compreensões mostravam esse péssimo perigo que é o filosofar. Frei Marcos nos mostrou então um trecho da carta de Heidegger enviada a Karl Löwith que parecia dizer algo semelhante ao que estávamos refletindo. Aqui, a reprodução da fala de frei Marcos:

“A idéia de uma intuição hermenêutica da vida não nos permite falar sobre a vida, mas somente a partir dela. É o que, desde cedo, foi compreendido por Heidegger como tarefa do pensar fenomenológico. Em uma carta a Karl Löwith, datada de 19 de agosto de 1921, ele faz uma espécie de “confissão” das motivações mais profundas de sua existência filosófica: “Carece dizer que eu não sou um filósofo. Não posso fazer algo que possa ser, ao menos, comparado a isto. Algo assim, não está, absolutamente, nas minhas intenções. Eu simplesmente faço aquilo que devo e que considero necessário. E o faço como posso: não acomodo o meu trabalho filosófico às tarefas culturais de um “hoje universal”. E não tenho nem mesmo a tendência de Kierkegaard. Eu trabalho de maneira concretamente fáctica, a partir do meu “eu sou” – da minha proveniência espiritual de fato, do meu milieu, dos meus contextos vitais, daquilo que me é acessível como experiência viva, em que vivo. Esta facticidade, enquanto existenciária, não é um mero ‘cego estar ali’; encontra-se na existência, junto com ela, e isto quer dizer, eu vivo o que ‘eu devo’, do que não se fala; encontra-se na existência, junto com ela, e isto quer dizer, eu vivo o que ‘eu devo’, do que não se fala. Junto a esta facticidade do ser-assim, junto ao histórico, encrespa-se o exisitir, quer dizer, eu vivo as obrigações íntimas da minha facticidade, e isto, de modo tão radical quanto o compreendo. – A esta minha facticidade pertence que – dito brevemente – eu sou um ‘teólogo cristão’. Nisto reside uma determinada, radical, preocupação consigo mesmo, uma determinada, radical cientificidade – rigorosa objetividade na facticidade; aqui se encontra a consciência histórica da ‘história do espírito’ – e eu sou assim no contexto de vida da universidade”. Esta carta, junto com mais outras duas endereçadas a K. Löwith, encontram-se em: D. Papenfuss-Pöggeler (aos cuidados de), Zur philosophischen Aktualität Heideggers, 3 volumes, Klostermann, Frankfurt a.M., 1990-1991, vol.2, p. 28-29”.

Na apreciação desse texto, entre várias colocações, houve estranhamento sobre o uso da palavra ‘teólogo cristão’ da parte de Heidegger. Foi observado que a expressão ‘teólogo cristão’ está entre aspas e que a palavra teólogo está grafada teólogo. Ao se perguntar se essa grafia é de Heidegger ou um erro de imprensa ou coisa semelhante, não se pode responder, pois só se dispunha de tradução, e não o original alemão.

Foi dito também que esse texto, usualmente na interpretação historiográfica dos textos de Heidegger é interpretado como sendo da época inicial da Filosofia de Heidegger, quando ele estava na ambigüidade religiosa católico-protestante, com a tarefa de fazer uma fenomenologia das vivências religiosas.

Como nas nossas discussões surgia sempre de novo a diferença de interpretação acerca dos textos de Heidegger existente entre os filósofos historiográficos e os fenomenólogos, nos propusemos estudar o conceito fenomenológico da História no seguinte encontro brasiliense do ano que vem.


Dia 03 de fevereiro

Motivados pelas discussões do dia anterior, nos concentramos em aclarar mais o que significa ter fé. Para isso, nos utilizamos de um relatório feito nas discussões do encontro de Piracicaba sobre a leitura da Bíblia (Pira-biblia) ( ). A seguir reprodução de uma parte das reflexões[5] como excurso.

“No método historiográfico existe um saber ao lado do saber da averiguação empírico-imediata do testemunho ocular que pode ser confundido com a fé, no sentido de ser um saber baseado no testemunho empírico-imediato ocular de um relator que relata ou oral ou por escrito o que ele mesmo averiguou diretamente. Eu mesmo não sei, por que eu mesmo não vi nem averigüei, mas eu aceito como válido, certo e digno de aceitação, o relato de outro, pois averiguei através de vários modos, a credibilidade desse relator. O saber da fé nesse sentido é acreditar no que outro me relata, confiando na autenticidade do seu relato, na sua credibilidade, que, se não me dá certeza apodítica, me dá certeza de bom senso, certeza de grande probabilidade. Essa confiabilidade, porém, não é propriamente o sentimento de confiança ou emoção, mas a presença de exatidão e integridade da averiguação da confiabilidade, no exame das circunstâncias que caracterizam a hombridade do testemunho e a autenticidade do seu relato. Como nesse acreditar, nesse saber através do testemunho ocular, há um momento de confiança, a fé é considerada como confiança. E se carrego a confiança como um ato não racional, de densidade emocional e de sentimento, então se deixa de lado o caráter do saber ou conhecimento adquirido através de conclusão, de ilação, ao lado do saber ou conhecimento através da averiguação imediato-empírica, e aos poucos a fé se transforma num ato irracional de total confiança e entrega ao outro.

Numa outra definição da fé, proposta na discussão, se disse que a fé é adesão de identificação com a outra pessoa. Como no caso anterior da fé como um tipo de conhecimento ou saber na confiabilidade da credibilidade do testemunho, ao falar da confiança, poder-se-ia se esquecer de que se trata de conhecimento ou saber e carregar a confiabilidade com o aspecto de emoção e sentimento de confiar-se, de entregar-se ao outro, tentamos distinguir entre fé de confiança-emocional e a nova proposta da definição de fé como adesão. E em vez de adesão usamos também de preferência o termo pertença. E dissemos: a fé é um saber ou conhecimento todo próprio no seu ser que tem a sua evidência a partir da experiência da pertença.

Tentamos então a seguir deixar bem nítida a compreensão dessa definição, para não ser confundida com outras compreensões da fé no sentido acima mencionadas.

Trata-se de:

  1. Saber ou conhecimento todo próprio no seu ser a partir da experiência. Usualmente quando falamos dos atos de conhecimento ou de saber logo os classificamos no rol da razão ou do racional, distinguindo-os dos atos da volição e do sentimento. No fundo desse modo de impostar o problema, está pressuposto um ajuizamento. Esse ajuizamento já colocou um posicionamento da compreensão do ser-homem com sendo: homem como sujeito-eu (nós) agenciador de suas faculdades (razão, vontade e sentimento) que age (agente) através ou por meio dessas faculdades, conhecendo, querendo e sentindo sobre um objeto. Esse esquema mental pré-suposto acerca do homem está expresso no slogan muito usado nas nossas reuniões pastorais: ver-julgar-agir. Sem entrarmos em pormenores desse esquema e dessa pressuposição antropológica que domina todos os nossos atos, é decisivo percebermos que essa pré-suposição bitola e delimita a nossa percepção, excluindo todos os atos que não sejam juízos, que não sejam julgar, como sendo inexatos, imperfeitos, incertos, não científicos, digamos irracionais. E isso de tal modo que o próprio ver é considerado a partir do julgar, como um modo de saber e conhecer racional ainda não suficientemente elaborado para ter a excelência dos juízos. Assim, surge uma imensa área de ‘realidades’ e ‘modos de ser’, assim chamada pré-científica ou pré-predicativa, que é apenas domínio das opiniões, mas não da verdade, entendida como da certeza de controle e cálculo fundamentado na asseguração do agenciar-se do sujeito-eu (nós). Seria um dos trabalhos dos nossos encontros do tipo da ‘Pira-bíblia’ examinar se uma pressuposição como a acima insinuada não está no fundo de todos os nossos saberes do tipo científico, sejam das ciências naturais, sejam das ciências humanas.
  2. Isso significa que, a imensa área da ‘realidade’ pré-científica que num modo geral e vago denominamos de cotidiano, de popular, de irracional, de sentimental, de religiosa, espiritual, de prática etc. etc., não é vista no seu modo próprio de ser, e o homem educado, treinado, sim adestrado para esse modo de bitola perde aos poucos o sensorial para realmente ver e perceber, de modo que não mais consegue co-nascer (conhecimento, conaître) com as realizações da realidade, não mais consegue ser pensar, a saber, estar na suspensão atônito da ad-miração e do cuidado do deixar ser o ente no seu ser e “pensar” (na acepção do aquecer, colocando a mão quente sobre as feridas) as defasagens e os desvios de um nascer, crescer e perfazer-se do desvelamento do ser. Com outras palavras, a imensa área da assim chamada realidade pré-científica tem o seu modo de ser e de se perfazer, de se mostrar ela mesma como a própria revelação do ser, e o homem é o pastor, aquele que cuida de e fomenta, alimenta a possibilidade desse aparecer da realidade concreta e ‘per-fazida’ (perfeita) na plenitude do seu ser, na sua totalidade chamada imensidão, profundidade e liberdade de ser. A grande Tradição do Ocidente chamou essa abertura própria do Homem em diferentes eclosões de épocas, de espírito (nõus, logos (gregos); ratio, animus, spiritus, intellectus, mens (medievais); cogitatio, penso, logo, sou (Descartes), ésprit de géometrie e ésprit de finesse (Pascal), Handlung, Tat, Wissenschaft, Geist (idealistas alemães), Vontade para o poder (Nietzsche); trabalho (Marx) (modernos) etc., sempre de novo em diferentes níveis de amplidão e profundidade e também de defasagens de fixações e bitolamentos. E o cristianismo chamou essa abertura própria do Homem no seu ser e deixar ser de amor (Charitas): (cf. O Grande Mandamento do amor e o Novo mandamento dado na última ceia). O cristianismo entendeu o amor não como um dos atos do sujeito e agente Homem, no agenciamento de suas faculdades ‘razão, vontade e sentimento”, mas como a aberta do homem, como o privilégio do ser chamado humano, imagem e semelhança de Deus-encarnado, que não é outra coisa do que a fonte, o princípio da eclosão de todo um mundo inteiramente novo, do novo céu e de nova terra.
  3. Nas discussões da tarde do dia 22 tentou-se, embora a trancos e a barrancos, intuir, i. é ir para dentro de uma compreensão dessa abertura denominada pelo cristianismo de amor de Deus e do próximo (Deus charitas est et qui manet in charitate, manet in Deo et Deus in eo: liturgia dos lava-pés), que eclode na sua expressão a mais completa e plena no hino ao amor de São Paulo na sua epístola a Coríntios. Nessas discussões chegamos a definir o amor, falando a partir e dentro da perspectiva da compreensão usual, na qual separamos razão, volição, sentimento e agir como três elementos distintos e separados, muitas vezes em contraposição entre si (chega de tanto saber racional, é necessário antes sentir e agir etc.), como sendo ao mesmo tempo: “compreender; querer o que se compreende; e fazer o que se compreendeu e se quis” = amar. Amar aqui não é um dos atos humanos, relacionado à faculdade de sentimento e de volição, mas sim primordial e primeiramente o ato do ser humano, a vigência da sua essência, i. é do seu ser: amar é o mesmo que pensar, querer, agir, i. é ser humano.
  4. Ao definirmos, no primeiro dia do encontro, a fé como um conhecimento ou um saber todo próprio que tem a sua evidência a partir da experiência da pertença, tentamos acentuar que a fé é um conhecimento (leia-se: com-nascimento), um saber leia-se: sabor, sabedoria) todo próprio, cuja evidência não vem do projeto de um sujeito, dentro e a partir do inter-esse de agenciamento do autoasseguramento do seu eu, mas a partir da evidência da experiência da pertença. Tentamos esclarecer melhor os termos como evidência, experiência e pertença, contrastando-os com os termos experimentação ou experimento das ciências.
  5. Evidência vem do verbo latino Compõe-se de e + videri. E ou ex significa: saindo de dentro para fora, vindo de dentro, a partir do seu fundo originário, a partir de si e no médium do próprio de si, limpidamente. Videri é infinitivo da voz passiva do videre, ver. Essa forma da voz passiva, no entanto esconde aquela voz que nos verbos gregos não era nem ativa nem passiva, mas se denominava medial, e que em português se formula com reflexivo, se ver. Na voz ativa, a ação passa para o objeto da ação, atingindo-o. Na voz passiva, se recebe a ação do outro, sendo atingido e afetado. Tanto no ativo como no passivo, a ação do verbo transita para o objeto. Quando o verbo, na sua atuação, não tem o modo de ser de uma ação que transita para o objeto da sua ação, quer ativa quer passivamente, temos uma ‘ação’ intransitiva, a ação contém a sua dinâmica nela mesma, se adensa sem sair de si, tornando-se cada vez mais ela mesma, ela própria, tornando ela mesma médium, meio ambiente de si mesma: é a voz medial. Assim, videri no sentido da voz medial não significa ser visto nem se ver, mas incandescer, mostrar-se no seu próprio, manifestar-se a partir de si e no médium do seu esplendor.  Esse modo de ser da manifestação, da evidenciação, do esplender, do transluzir é o próprio do saber originário, do com-nascimento.  ´Deixar ser esse vir à luz, esse vir à fala a partir de si, nele mesmo, de cada ente nele mesmo é o que denominamos de experiência.
  6. Experiência: a palavra vem do verbo latino experiri que se compõe de ex + Quanto ao ex e à voz medial, cf. n. 5 acima. Periri significa: pôr-se à prova, tentar, expor-se ao perigo, arriscar, aprender a conhecer, estar em plena atenção. No periri o per conota através de, ir através de, do início até o fim, atravessando; penetrar ao fundo até o fundo abissal, ser todo atenção na ausculta do que der e vier, na espera do inesperado, sem nenhuma pré-tensão de uma expectativa preestabelecida, inteiramente na aberta, tinindo no inter-esse da recepção obediente. Um modo de caminhar e se encaminhar assim nesse modo se chama em alemão Er-fahren, onde Er significa: originário, e fahren, ir, caminhar, viajar. Trata-se do modo de ser de uma caminhada, na qual na medida em que se caminha, na decisão de perfazer-se e crescer e se tornar na caminhada, se vai assimilando como momentos de transformação e crescimento tudo que vem ao encontro, abrindo-se para um ser que é o conascimento na realização da realidade, enquanto se vai. É o modo de ser da dinâmica do destinar-se ao próprio do seu ser, que denominamos de História. É nesse modo de se encaminhar e se perfazer no destinar-se do seu ser que surge, cresce e se consuma o que bem no início do nosso encontro denominamos de povo. Esse modo de ser é bem diferente do do experimento, experimentação, o experimental, do que nas ciências, principalmente nas ciências naturais, denominamos de método ou meio instrumento da aquisição do saber exato e objetivo. Aqui, o homem se faz sujeito e agente de suas ações como regente do agenciamento do seu inter-esse e lança sobre a ‘realidade’ as condições da possibilidade do ser e do aparecer dos entes como objetos do projeto, enquanto processados para se tornarem afins a esse enquadramento, como comprovação e verificação da validade do projeto lançado. Fazer experimento significa então averiguar se a hipótese lançada a partir de um inter-esse como projeto é confirmada ou negada em contacto com ‘realidade’.

Percebemos sem mais que aqui se trata de dois modos diferentes da abordagem da realidade.

  1. Pertença: pertencer aqui não significa aquele tipo de pertença, que as ideologias costumam programar e propagar sob o slogan: Vista a camisa do nosso partido etc. Aqui na definição da fé acima colocada, pertença é o que nasce, cresce e se consuma como uma obra ‘perfazida’, i. é per-feita de uma longa caminhada a modo da história, acima explicitada.

Assim, a definição formal da Fé ao redor da qual nos concentramos nesse nosso encontro de Brasília, tendo o que acima foi reproduzido do encontro Pira-bíblia no fundo, embora nos permaneçam vários pontos obscuros, defasados e contraditórios, recebe uma plasticidade maior.

Assim, o que foi dito da Fé como conhecimento-conascimento, com outras palavras visão visionária, em contraposição com ato irracional (sentimento, crença); da Fé como experiência, evidência em contraposição ao experimento, ao abstrato lógico; da Fé como a fidelidade do vigor e ternura do Amor de Deus, i. é, que é o próprio Deus no seu ser: doação que se nos deu por primeiro; que se fez Crucificado para testemunhar o seu amor, na terminologia do Mestre Eckhart Minne (amor esponsal); da Fé como Encontro, e tudo isso não como isso ou aquilo, mas como a essência, como o ser, como o ontologicum, i.é, modo de ser da existência do Dasein como Ereignis, deve ser entendido como momentos estruturantes do Positum da teologia cristã: Do Cristo, o Crucificado.


Dia 04 de fevereiro

Depois desse exame do Positum da Teologia, ciência positiva da Fé, nos dirigimos de novo ao texto, já lido por todos nós anteriormente, da Carta de Heidegger endereçada ao Colóquio. Ali, Heidegger menciona três temas que devem ser pensados a fundo: 1. O que é Fé? 2. O que é objetivar? E do 3º  tema diz Heidegger: “Importa decidir até que ponto o problema de um pensar  e de um dizer  não objetivante é como tal autêntico problema, se num tal problema não se questiona algo que, para se questionar, deixa passar ao largo o que está em causa, desviando-se do tema da teologia e confundindo-o sem necessidade. Nesse caso, a presente conversa teológica assumiria a tarefa de tornar claro que, com respeito a esse problema, ela se encontra num caminho que não leva a parte alguma (Holzweg). Este seria aparentemente um resultado negativo dessa conversa. Pois, Na verdade, a inevitável conseqüência seria que a teologia tornar-se-ia por fim e decisivamente clara acerca da necessidade de sua principal tarefa, a saber, de não tomar  emprestado da filosofia e das ciências as categorias de seu pensar e o modo de seu dizer, mas sim de pensar e dizer com toda a realidade a partir da fé, para fé. Se essa fé, segundo sua convicção, toca o homem enquanto homem na sua essência, então o pensar e o dizer autenticamente teológicos não precisam de nenhum aparato especial para alcançar os homens e para neles descobrir escuta, obediência (o itálico, negrito e sublinhado é nosso).

Depois de nos termos demorado acerca do que aqui estava sendo dito, tentamos resumi-lo, fazendo observações sobre dois advérbios que ali estavam de modo aparentemente banal e inocente, mas que nos poderiam colocar com mais rigor a questão: são eles por fim e decisivamente (endlich und entschieden).

Por fim e decisivamente se entende usualmente assim: depois de muitas dúvidas e hesitações, depois de longo tempo sem escolher e definir o que se deve fazer, a vontade  humana, depois de acurado exame de diversas possibilidades, dirige a sua vontade para uma opção por uma dessas possibilidades. Decisão é tida aqui como escolha, opção do homem como sujeito e agente de suas ações. Tentou-se na interpretação desses advérbios auscultar o sentido de fundo, talvez também presente nesse texto de Heidegger, o seguinte:

Finalmente é tradução de endlich. Endlich que implica no termo Ende, fim, e significa finalmente, e é compreendido usualmente como finalmente, por fim. Ende, porém, tem também a conotação do finito, endlich, de finitamente. Trata-se portanto de referência à finitude fenomenológica, à plenitude da facticidade, como foi explicitada bem acima. E decididamente, em alemão ent+schieden (ent = movimento de surgimento, de aparecimento; schieden = de scheiden = separar, dividir, partir, diferenciar) poderia insinuar o vir à fala, o aparecer do ente na nitidez da identidade da sua diferença, destacada naquilo que é próprio dele mesmo a partir dele mesmo. Trata-se, pois, da diferença ontológica e não apenas de um estado e momento dentro do processo do devir de um ente.


[1] Termos afins ao colóquio são: encontro, diálogo, conversação.

[2] Hoje entendemos o ser povo a partir da publicidade política: populismo. Por isso, o termo popularidade significa entre nós quem tem aceitação na opinião pública. Aqui, entendemos o termo popularidade no sentido da essência do vigor e do caráter de se perfazer um povo, uma nação.

[3] A exatidão científica rejeita uma explicação ‘a olho nú’, a saber, pré-científica como sendo ‘chutação’ subjetiva, mas para se ver o fenômeno, tais chutações podem servir de indicação, se quem usa a indicação, como indicação se deixa conduzir pelo ‘ductus’ da indicação. Nesse sentido podemos parafrasear um dito asiático: não fixes o teu olhar no dedo, quando ele apenas quer apontar a lua.

[4] Não confundir esse ver simples e imediato com olhar sem mais nem menos, assim com o olhar da ‘espontanedidade’ imediatista simplista, que na maioria dos casos e em geral, “vê” isto e aquilo, assim, ali presente de modo inegável e material-físico. Esse olhar, no fundo, não é um ver simples e imediato, mas sim um ‘julgar, ajuizar, um posicionar” de há muito tempo endurecido e bitolado, preestabelecido, que não se vê. Para que aconteça, se dê o ver simples e imediato da fenomenologia, é necessário trabalhar muito e longo tempo na de-construção e na liquidificação dos ajuizamentos e dos pré-conceitos congelados acerca de uma coisa.

[5] O que segue, como foi tirado de outro contexto, deve ser usado, agora referido ao que estávamos discutindo acerca da definição formal da Fé no encontro de Brasília. No texto da parte do relatório do Pira-bíblia estão expostos vários problemas que foram ventilados também no encontro de Brasília. Mas no Pira-bíblia o que está colocado de modo um tanto vago, se torna mais claro e rigoroso enquanto determinação essencial.

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