Vocacional - Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil - OFM

Vida fraterna, uma questão?

05/03/2021

 

A seguir, vamos fazer de modo avulso, algumas reflexões acerca da Vida fraterna na vida religiosa consagrada. Trata-se apenas de sugestões para reflexões maiores e mais bem feitas por quem acha que as breves sugestões reflexivas seguintes têm algo a ver com o que está experimentando. O estilo da fala é de exagero. Algo como caricatura que exagera os traços. Assim os termos, certamente exacerbados, que indicam certas defasagens na nossa vida religiosa devem ser escutados com moderação, conforme cada qual experimenta no real os problemas da vida fraterna. O estilo caricatural é só para provocar a reflexão.

►O título pergunta, “vida fraterna, uma questão?” Geralmente não distinguimos no uso cotidiano da linguagem entre questão e problema. Todo mundo admite hoje que na vida fraterna há problemas. Mas será que todos percebemos que a vida fraterna é uma questão? Aqui entre nós nas reflexões vamos usar os termos questão e problema distintamente como designativos de diferentes significações.

O termo problema designa tudo que dentro de uma determinada posição tomada na vida, dentro de uma colocação, dificulta o seu adequado funcionamento, quer o incomodando, quer o impedindo, ou bloqueando, quer o impossibilitando. Os problemas e as suas dificuldades ocorrem a partir e dentro de uma colocação prévia, que é tomada como base, como plataforma sobre a qual se dão as atuações e realizações da colocação. Se você não quer ou não pode abandonar a posição, se quer manter-se na colocação ou pré-suposição tomada, os problemas devem ser resolvidos, dissolvidos a partir e dentro da posição prévia, conforme seus princípios, suas exigências e condições.

O termo questão que vem do verbo latino quaerere (quaero, quaesivi, quaestum ou quaesitum, quaerere) não indica propriamente dificuldades, mas a ação de busca do sentido. É que em latim quaerere significa buscar, procurar. Mas, na questão, o que se procura? Na questão não se busca resolver, dissolver problemas. Procura, busca o que? Busca por à luz, procura trazer à fala o sentido que está pressuposto na posição que serve de base, de plataforma sobre a qual se debatem os problemas. P.ex. numa comunidade de frades se discute sobre o modo de ser do convívio. Um grupo acha que o modo de ser do convívio é frio, racional, apenas intelectual. Portanto, é necessário cultivar mais o aspecto do calor humano, mais afetivo emocional. Até alguém se expressa dizendo que à comunidade falta a presença do toque feminino. A partir dali se desencadeia uma veemente discussão sobre elemento masculino e elemento feminino associado à dominação da razão, do intelecto, sim da cabeça no modo de ser e pensar da comunidade, em detrimento do cultivo também do afeto, sentimento, do coração no modo de ser do convívio fraterno. Depois de muita discussão se chega ao acordo de tentar resolver esse problema, contratando uma psicóloga para quinzenalmente reunir a comunidade e efetivar uma espécie de terapia grupal para equilibrar a atuação da “cabeça” e “coração” da comunidade dos frades. O interesse da questão não está tanto em resolver esses problemas. Aliás, mais que tenha a boa vontade de colaborar na solução desses problemas não consegue nada, pois se acha inteiramente confusa por causa de tantas pressuposições já colocadas como a coisa, a mais conhecida do mundo. E fica como que um radar, tentando captar o sentido de tantos objetos avoantes desconhecidos: o que se quer dizer com intelecto? Cabeça? Coração? E tudo isso ligado com o feminino, masculino? De que se trata quando se diz falta do toque feminino? Em que consiste a impostação, o posicionamento prévio, dado como óbvio, quando se entra a discutir esses aspectos psicológicos problemáticos de uma comunidade de frades? A partir de onde e em que sentido os frades se reúnem em comunidade e querem viver a vida fraterna? De que se trata quando se quer ser irmãos dentro do projeto de vida de uma vocação escatológica do seguimento? Todas essas buscas, questões, ação de procura do sentido do ser da comunidade fraternal na sua importância e decisão específica parecem estar já tudo resolvidos, algo em que não é mais necessário tocar, por ser todas essas coisas de fundo, já sabido e conhecido demais. A questão não resolve nem tenta eliminar problemas. Não consegue, pois está demasiadamente preocupada em entender, em sondar o sentido do que ali pré-jaz e não é nem sequer mencionado como pressuposição obvia. As nossas reflexões que seguem apenas tentam ser questão, embora mal colocada, crente de ulteriores melhorias da colocação.

►A nossa tarefa é refletir sobre a vida fraterna. Na reflexão tomamos a sério a ação de voltar-se sobre nós para pensar. E só pensar e nada mais. Pensar é deixar livre o nosso olhar na plena atenção da sua capacidade nasciva (como recebemos ao nascer da mão de Deus) de captar, discernir e avaliar a situação em que nos achamos. É,  pois, ver. Portanto, muita atenção! Não é censurar-se, angustiar-se, corrigir-se (como pode se corrigir, se nem sequer consegue se ver?), não é sentir-se, ter-se em vivência, seja de que tipo for.  É olhar-se e se ver. É só isso. Na reflexão, todo o empenho é trabalhar para olhar-se e se ver. Insistamos: o olhar-se e se ver somente é de decisiva importância, não para se censurar, para se corrigir, sentir-se, buscar vivências, mas para com atenção, com empenho, com boa vontade firme e cordial, concentrar-se para apreender a própria realidade da nossa situação. No nosso caso: situação da vida fraterna. Porque se trata de trabalho é que devemos nos concentrar. Sim, aprender a nos concentrar. Aprender a  trabalhar no árduo e dificílimo trabalho de olhar-nos e nos ver. É estranho que não consideremos a “vida espiritual” como trabalho. Achamos que definir a vida espiritual como trabalho é banalizar uma coisa tão íntima, sublime. P. ex. dizemos usualmente que o retiro é tempo forte de oração e de união com Deus. Deus nos livre de considerar coisas tão pessoais e vivenciais como trabalho! Mas por que será que o que vivenciamos no ponto alto das nossas vivências não vinga, nem dura um mês, nada transforma realmente? E surge então a pergunta: se o retiro é tempo forte de oração e de união com Deus, o cotidiano, os dias, todos os dias, o cada momento da minha vida não é tempo de oração nem de intimidade com Deus. Querer recuperar o que não trabalha na maior parte do nosso viver, numa semana só com o esforço de vivenciar, de se sentir con-vertido é parecido com o doente, que não cuida em tomar todos os dias o seu remédio e fazer o seu exercício recomendado, e querer aprender a fazer isso, internando-se num hospital. É como um estudante que não estuda, nem se empenha nas aulas do semestre, e se mata para numa semana se empenhar e se concentrar para passar de exame, e depois que passou, continua não estudando a querer entender que o estudo, o trabalho não é sentir, vivenciar, converter-se, chorar que não fez bem, vibrar que teve umas experiências momentâneas, mas levar mais a sério e com senso de responsabilidade o que por profissão, por vocação dizemos ser nossa tarefa. É que, há anos, fazemos retiro, rezamos todos os dias, e continuamente ficamos a nos censurar que não fazemos bem, porque não temos gosto, nem entusiasmo, nem sentimos, nem vivenciamos a oração, a vida fraterna etc. Por que a gente, sempre de novo repete a mesma maneira de agir? Faz retiro, “se converte” para no máximo permanecer na conversão por 15 dias?  E não olhamos, nem vemos a nós mesmos que a maneira de nos trabalhar, a maneira de nos empenhar no trabalho do nosso crescimento, da nossa maturação na vida religiosa é mal feita. Ou nem se quer nos damos conta de que o nosso modo de olhar-nos e nos ver e o nosso modo de trabalhar e compreender de que tipo de trabalho é esse, o da vida religiosa, sob esse aspecto de olhar-nos e nos ver é bastante, para não dizer inteiramente infantil. Sim infantil e adolescente. (As pessoas que estão na infância e na adolescência, estão no tempo oportuno natural do seu crescimento e da sua maturação. E é exatamente nesse tempo que deve se exercitar muito, pois tem muita vitalidade, para aprender  a olhar-se e se ver).

Vamos dar um exemplo que é de todos nós. Em nossa vida religiosa, dizemos que queremos ser santos. Se uma adolescente diz que quer ser top-model, uma bailarina,  uma psicóloga, ou um adolescente, piloto de fórmula 1, um negociante de sucesso, um esportista, se decide a aprender a profissão que escolheu, faz devidos passos obrigatórios, não por desobriga, mas realmente se testando, se deixando examinar no seu crescimento e na averiguação da aprendizagem, porque quer ser pessoa competente e responsável naquela profissão que escolheu. Aqui, a mente, o olhar dessas pessoas, não vê no empenho e no trabalho de crescer naquilo que escolheu sacrificação de si, judiação de si, tudo aquilo não é desobriga, mas o que a pessoa quer. E isso não somente nos veteranos, nos que já estão dentro da profissão, mas nos que começam, nos iniciantes. Porque tudo isso que acontece no mundo secular que com a nossa superioridade espiritual religiosa chamamos de “mundo”, não acontece conosco, e se acontece é na minoria? Falta de boa vontade e de tempo marcado para exercícios? Boa vontade é mato na nossa vida religiosa. O tempo de exercício é muitas vezes muito maior do que nas pessoas que estão na profissão secular. Porque a coisa não vai, com maior cordialidade, com maior satisfação, com maior resultado real e duradouro?

A minha proposta nessa reflexão é de nos olharmos e nos vermos, com a desconfiança de que no nosso modo de ver e olhar a nós mesmos, a vida religiosa, e principalmente a existência humana, nós todos, novos e velhos, da formação inicial  e da formação permanente, súditos e superiores, estudados e analfabetos, todos, i. é, cada um, é ainda bastante infantil no olhar-se e se ver, como um decisivo e sério trabalho de aprendizagem que nunca assumimos, por desconhecê-lo. Nós nos esforçamos, nos angustiamos para ser bons, piedosos, “sobre-naturais”, para sentir, buscar sentir e fazer os outros sentirem amigos, fraternais, e gastamos a maior parte da energia nesse tipo de esforço, mas  antes de tudo, e como exercício elementar, primeiro trabalhar arduamente na capacidade de olhar-nos e nos ver, a isso não damos a mínima importância, pois achamos que tudo isso já sabemos fazer espontânea e naturalmente.

O grande segredo e o grande móvel da vida fraterna na vida religiosa está dito todo e inteiro no Grande Mandamento do Amor no Antigo Mandamento e no Novo Mandamento de Jesus Cristo, dado na última-ceia. Angustiamo-nos, censuramo-nos, que não vivemos tudo isso e desanimamos e nos  resignamos. Angustiar-nos, censurar-nos, desanimarmos rápida e frequentes vezes é sinal, é sintoma de que não estamos trabalhando com empenho, cuidado e diligência a capacidade de ver. Quem não vê de que se trata na sua profissão é cego, se debate que nem barata tonta, repete sempre sem aprender os mesmos erros. Experimentemos nessa reflexão ver se algo disso não está acontecendo conosco na vida religiosa. Não esperemos sair da reflexão, resolvendo ou melhorado a nossa vida fraterna. Antes, se sairmos com o desejo e decisão de querer saber mais e mais seriamente que somos infantis no ver, apesar de na piedade, na gestão, nas informações acadêmicas, na prática de certos trabalhos sejamos adultos, cobras e muito competentes; se sairmos com o desejo de continuar no cotidiano, fazendo pesquisas a esse respeito, para que comecemos a nos exercitar nesse trabalho, então fizemos uma reflexão prática.

►Há dois modos de ser, duas forças que estão bem no fundo do nosso ser humano, a assim chamada necessidade vital e necessidade livre. Necessidade vital se refere às necessidades que temos como exigências espontaneamente sentidas, vindas da sobrevivência humano-natural. P. ex., fome, sede, sexo, realização afetiva, realização de desejos, honra, fama, reconhecimento social, desenvolvimento cultural, intelectual etc. etc. A necessidade vital eu não preciso despertar, nem fazer esforço para sentir, pois ela se impõe por si natural e espontaneamente. A necessidade livre se refere ao modo de ser que se acha bem fundo na raiz do ser humano, onde entra em jogo a liberdade, assumida, exercitada, e levada à consumação no compreender e querer, com outra palavra: no amar. Aqui nada é espontâneo-natural, aqui tudo deve ser buscado, conquistado, “per-fazido” (formulação inexistente e errada do verbo perfazer) como de uma conquista. Aqui o próprio despertar da necessidade deve ser buscado, trabalhado com o empenho e desempenho do compreender e querer, i.é, do amar. Quem se viciou em representar o amor como ímpeto apaixonado espontâneo a modo de uma necessidade vital jamais compreenderá que amar é o empenho e desempenho assumido e bem trabalhado do compreender e querer como amar, a máxima expressão da  liberdade humana. O compreender e querer da necessidade livre podem cordialmente sacrificar a necessidade vital, por causa da sua necessidade de doação de si. P. ex., se num naufrágio, aos sobre-viventes falta comida, quem só está na necessidade vital, seguindo o seu impulso natural se sente no direito e dever de sobreviver, mesmo roubando o outro que tem comida e até o matando, se for necessário. Quem está tomado da necessidade livre, trabalhada e conquistada numa longa e fiel busca, oferece ao outro o que é do seu direito, para tentar fazer com que o outro viva.

A vida da comunidade consagrada, aliás, toda a vida a partir e dentro da vida de Vocação cristã, e a fortiori da vida consagrada, é a realização do projeto e vida que livremente busca e se consuma no vigor da necessidade livre. Por isso, se alguém que é vocacionado ao Seguimento não tem nesse ponto clareza e bom exercício bem orientado, com o tempo entra numa grande confusão e começa a misturar necessidade vital com necessidade livre, ou em apelando para palavras que indicam a necessidade livre, se entrega cega e totalmente à necessidade vital.

No que chamamos de  amor a si e ao próximo, na fraternidade podemos examinar os níveis do amor a si em seguintes esquemas, na perspectiva do que expusemos como necessidade vital e necessidade livre.

  • cuidar da saúde, do seu corpo, da harmonia e saúde psíquica, higiene pessoal físico-psíquica, vestir-se, arrumar-se,  fazer esporte, alimentar-se, limpar e enfeitar o seu    quarto, passear, fazer férias.
  • Limpar o toalete comum, varrer, arrumar o salão da conferência,   cozinhar para toda a comunidade, organizar e coordenar um passeio escolar, cuidar da festa junina no colégio, dar aulas no jardim da infância, na escola de enfermagem, na universidade,  trabalhar na catequese, na pastoral paroquial, na inserção, trabalhar como lixeiro, funcionário público.
  • fazer curso e estudos de anos para se habilitar e ser útil   como professor, por exemplo, como enfermeiro, médico, policial.
  • ser sacerdote, religioso, ser mãe, pai, médico, educador, assistente social, artista, cientista, missionário por vocação.

Examinar como são de diferentes estilos de vida e de atitude, do modo de dispor-se, da energia de engajamento, conforme o móvel em que você se coloca: necessidade vital ou necessidade livre?

Jesus diz: Amarás. Ele não está impondo lei de obrigação escrava. Amar não é imposição, cuja sanção é castigo. Amarás está no nível de necessidade muito mais forte, muito mais comprometida, muito mais assumida livremente de boa vontade como uma busca existencial de um relacionamento profundo, venturoso e aventureiro de pessoa para pessoa, onde tudo deve ser compreendido, sentido e querido na nobreza e no amor-gratidão que me faz dizer: muito obrigado, a “nobreza obriga”, como diziam os cavaleiros e as damas da antiga nobreza francesa. Assim, quando Jesus diz: Amarás, ou amai-vos, ele está se dirigido, ele está apelando para a minha liberdade da necessidade livre, para o meu compreender, sentir e querer, mas na minha dimensão humana mais profunda, mais séria, onde vigora, onde nasce, cresce e se torna perfeito o amor da necessidade livre.

Por isso, quando Jesus diz: de todo o coração, com toda a alma e toda a mente ou todo entendimento, está mostrando os diferentes níveis do amor: de todo o coração, i. é, de toda a “cardia”: (corpo = necessidade vital = sentimento); de toda a alma, i. é, com toda a psique (vida anímica como necessidade vital = vontade); de toda a mente, i. é, com toda a diánoia (metánoia), i. é, espírito (vida do entendimento-vontade ou vontade-entendimento = necessidade livre: de corpo e alma e espírito onde o espírito impregna a alma e alma o corpo): atenção cf. São Francisco de Assis, Admoestações, cap. 1: do Corpo do Senhor = Espírito é Deus e não Deus é espírito: Espírito = amor-humildade, ternura e vigor do Deus feito Homem, mistério da SS Trindade na Encarnação: Jesus Cristo, Crucificado, a Senhora Pobreza.

►Isto significa: Amarás a ti mesmo é uma questão, i. é, busca decisiva: qual a tua busca? Que nível de amor buscas para a tua identidade? Capacidade de amar    (viver!) no nível do eu corcunda, ensimesmado no amor necessidade vital pensando que amar é esse sentimento e busca ego-centrada no ensimesmamento do eu-corpo. Ou capacidade de amar no nível do eu-prenhe do amor-necessidade livre: Amai-vos uns aos outros como eu vos amei: isto é o princípio, o registro central da Vida Fraterna = amor da necessidade livre.

►Como é que vamos resolver os problemas pequenos e grandes da nossa assim chamada vida fraterna, se nem sequer sabemos que a nossa vocação é Seguimento de Jesus Cristo no sentido de pertencer a um grupo de pessoas livres, dispostos, desde a sua adolescência, da sua juventude, a tornar-se adultos e anciões, numa única busca, onde se livra de tudo, para se tornar livre para, i. é, capaz de, i. é, adquirir compreensão clara e profunda, uma vontade boa, bem exercitada para querer, i. é, gostar, amar, e agir com disposição o amor-necessidade-livre de um Deus que se fez homem, para dizer e testemunhar com seu sangue que somos filhas e filhos de um tal Deus? Dentro de um tal projeto humano-social-comunitário que criou as instituições religiosas das ordens e congregações, a nossa maneira de ver a vida religiosa e o seu chamado é bastante defasada, pouquissimamente pensada, e assumida sabendo de que se trata. Para esse nosso Deus, todos os sacrifícios, trabalhos e esforços que irmãs e frades, principalmente os mais idosos que sacrificaram suas vidas para congregação e ordens, para a Igreja, são preciosos e Ele há de recompensar em 100tuplo com o céu, num grau bem alto. Mas a compreensão e explicações que tinham da vida religiosa consagrada estavam certamente defasadas, e com raríssimas exceções cunharam e formaram religiosos e religiosas que fossem arautos da liberdade encarnada dos filhos do Deus de Jesus Cristo, Deus encarnado; mas ao menos exteriormente uma espécie de campeões num cristianismo de devoção e piedade no espiritualismo que com facilidade confunde a Vocação cristã de Chamamento com a vida de piedade. Tudo isso, todo esse modo de entender o cristianismo e sua “religiosidade” pode ser altamente útil para sociedade, e pode no nível humano-social ter produzido santos e santas, i. é, personalidades marcantes e admiráveis. Mas a maneira de ver e sentir  a essência do cristianismo, pode ter estado bastante defasada. Não é assim que essas pessoas do passado tenham sido alienadas da época. Pelo contrário, os nossos fundadores p. ex. eram as pessoas, as mais engajadas e adaptadas à época em que viveram. Por isso, não se trata de adaptar para a sociedade moderna as suas concepções que eram avançadas etc., como gostam de argumentar as pessoas que fazem tese de mestrado ou doutorado, aproveitando a Vida de um santo ou de uma santa. Mas o que vale, hoje, é o carisma que aparece neles, através das cascas da época que não devem ser assumidas como Tradição, mas que devem ser deixadas para trás como coisas que passam, e salvar aprofundando a fonte que ali pulsava, como vigor da necessidade livre de um Deus Encarnado, portanto fonte do seguimento de Jesus Cristo. E o que dizemos que hoje devemos nos adaptar à época moderna e às suas necessidades, se eu não uso a mim mesmo, a minha cabeça e não penso, sou capaz de me empanturrar das coisas, dos apegos, dos modos de ser da necessidade vital da nossa época (consumo) e achar que estou bem preparado para poder ser útil à sociedade de hoje. Se você tem uma compreensão  assim nesse nível de ser religioso hoje, seria bom rapidinho, tomar mais sério a tarefa de ser útil e tarefa de se preparar de corpo e alma para o terceiro milênio, pois lá onde devemos com muito mais empenho e trabalho nos adequar à nossa época, é a busca que vem da necessidade livre, pulsante no subterrâneo da nossa história atual e da nossa humanidade hodierna.

►A verdadeira afeição,  o “sentimento”  e a “emoção”  que nos toma conta quando amamos verdadeiramente e para valer não devem ser confundidos com o que usualmente nós chamamos de sentimento, emoção, vivência, “eu adoro”, “amei”, “sou tão feliz”, “chorei”, sim “desmaiei”. Por isso, se na vida consagrada, e ali também no nível de relacionamento inter-pessoal com parentes, amigos, crianças que estão sob nossos cuidados, pessoas a que servimos como educadores, enfermeiros etc. etc., portanto a que fazemos “caridade”, aquilo que nós sentimos e vivenciamos como amor, pode estar embalado no gozo vivencial, emocional, sentimental que embora seja uma coisa muito boa, não deve ser confundido com o amor de Deus e o amor do próximo, nome esse com que Jesus expressa o princípio da Vida Fraterna.

►O amor de Deus no seguimento de Jesus Cristo não pode ser comparado, nem compreendido  a partir de umas vivências assim gerais e generalizadas do amor-sentimento-sentimentalismo. Por isso é que a Sagrada Escritura, quando fala  do amor que se dá entre alma humana e Deus, usa  o símbolo do Amor entre Mulher e Homem, no matrimônio, não de conveniência, não de um sentimento assim politicamente correto, mas sim de paixão, mais forte do que a morte, que nenhuma torrente de águas caudalosas pode apagar. Cf. O Cântico dos cânticos. (Cuidado: se eu aqui, imagino um matrimônio à la novela Globo, assim a modo de um “fraternismo” universal de uma “família” feliz ou no nível de namoro “apaixonado”  entre patricinhos e patricinhas, ou também, paixão de amor à la “pornografia” a modo de paixão carnal, sem eira nem beira, então não vai entender o que é a paixão de amor, forte como a morte, que nenhuma torrente de águas caudalosas pode apagar. Pois toda essa metáfora, só entende, quem uma vez na vida, começou a assumir, a encarar a vida humana em suas inúmeras manifestações como uma realidade existencial, que me atinge corpo, alma e espírito para uma busca. A vida cristã, a vida consagrada, a vocação religiosa pertence inteira e totalmente a uma tal compreensão e acolhimento dessa realidade existencial, i. é, o amor de Deus.

►O que chamamos de primeira afeição na vocação de seguimento, portanto não deve ser confundida com a acima mencionada vivência, sentimento e sentimentalismo. Pois trata-se de um toque que desperta o fundo da alma humana, toque que não vem da nossa subjetividade, do nosso eu, mas de uma força, de um amor maior, anterior aos desejos do nosso eu ou da necessidade vital. Esse toque se dá no fundo da nossa alma, onde se dá o encontro, o contato de Deus conosco, com cada um de nós, onde e donde nasce, cresce e se firma aquela paixão do amor acima mencionado no Cântico dos cânticos.

►Esse toque de afeição deve ser cuidadosamente conservado, cultivado e fomentado. O que cuida e alimenta a afeição é o compreender e querer. A afeição primeira sob o cuidado do compreender e querer, cresce e se firma como atitude, modo de ser que é por si uma grande e duradoura emoção. Essa emoção não é vivência a modo de reação, mas sim uma presença de clarividência e calor como uma ação básica, ação de fundo, ou melhor, dinâmica que brota e é sustentada por nosso ser amadurecido. É algo como o calor básico de um corpo sadio. Esse tipo de “sentimento” e “vivência” (experimente dizer por que aqui se usa palavra sentimento e vivência entre aspas “…”) que é no fundo emoção que brota do compreender e querer faz com que cresça dentro de nós uma energia, um gosto e um jeito que não são passageiros, fogo de palha, mas sim algo como identidade bem assentada em nós. Essa energia e força assim bem assentada em nós que cresceu do trabalho árduo do cuidado de compreender e querer através de longos anos de exercício, é o que me capacita a amar, não com palavras, não com eflúvios de sentimentalismo que vem e logo passa, mas em verdade, aliás na linguagem de Jesus ao falar com a Samaritana: “em espírito e em verdade” i. é, para valer. É o que Jesus diz: amar de todo o coração, com toda a alma e com toda a mente. Esse tipo de amor é o fundamento e vigor da nossa virgindade consagrada que nos faz num sentido bem profundo e real “virgem e mãe” e também é o fundamento e vigor do homem e da mulher unidos no sacramento do matrimônio cristão “pai e mãe”. As lutas e as dificuldades do caminho chamado virgidade consagrada na fraternidade e do caminho chamado união matrimonial no vínculo sagrado é o mesmo. Pede de nós, consagrados ou casados, a mesma seriedade, cuidado e cultivo inteligente e bem empenhado da paixão do amor da necessidade livre: da Liberdade dos filhos e filhas de Deus. Não fiquemos infantis nesse assunto de maior importância. Tudo isso é mais do que somente “salvar a nossa alma” e garantir o céu depois da morte.  É aprender a amar como Deus ama, até o último instante da nossa vida, e se sobrar um sopro ou uma gota de sangue da nossa existência, vender bem caro esse instante, essa porção da nossa vida, com cordialidade, gratuidade, i. é, a liberdade de quem está agradecido porque foi tão amado e pode amar. Portanto, com todo o animo e entusiasmo renovemos a nossa mente, joguemos os tantos pre-conceitos que acumulamos como sucatas velhas e inúteis da nossa compreensão “tradicionalista antiga” e “tradicionalista-progressista-moderna” da vida, da vida religiosa e do próprio cristianismo e seus acréscimos acidentais. É nesse sentido que hoje dizemos, um tanto brincando, mas numa brincadeira séria, não ser tanto frade ou clérigo ou freira, para poder ser mais seriamente, mais profundamente, mais cristãmente consagrados, consagradas, sacerdotes, seguidores de Jesus Cristo. O que nada tem a ver com secularismo, nada tem a ver com adaptar-se exteriormente à época. Isso, mesmo que você não queira, vai acontecer por si mesmo, devido à mudança da época. O que vale é, realmente, originariamente ser consagrados, consagradas como seguidores de Jesus Cristo, na seu vigor fontal.

►Todos nós queremos uma vida fraterna que nos faça feliz. Que nos realize afetivamente. Que seja apoio e consolo nas nossas dificuldades e sofrimentos. Que seja amparo na velhice. Que seja uma acolhida e lugar de crescimento e progresso espiritual para os que estão entrando na congregação. Que os que já anos rezam todos os dias, assistem ao menos duas missas por semana, que fazem retiro todos os anos, que festejam bodas, que trabalharam anos nas diferentes obras da congregação, sejam quais forem os trabalhos que fizeram, que foram um dia postulantes, noviços, junioristas, que foram superiores, conselheiros, provinciais, gerais, que foram mestres de noviços, de junioristas, que foram um dia religiosos saídos do forno da profissão perpétua, jubilandos de 25 anos de profissão, de 50, de 70, de 80, de 100 anos de profissão (e se não cuidarmos depois da morte para o céu a dentro), os que fizeram cursos, estudos especiais de graduação, de mestrado e até de doutorado,  portanto todos nós ….

[atenção, interrompemos a reflexão para dar um aviso importante para a vida fraterna: eu, sim eu, vou agora olhar para dentro de mim e perguntar a mim mesmo, sincera e seriamente: quando li há pouco todos nós pensei em quem, em primeiro lugar? Em congregação? Nos que estão agora entrando na congregação? Se sou alguém que tem o serviço de coordenar, de comando, de ser responsável sobre outros, pensei nos que me estão confiados e que me dão dor de cabeça?; se sou alguém que tenho sobre mim pessoas responsáveis que antigamente se chamavam superiores, neles? Etc. etc. Portanto, ao ler há pouco as palavras todos nós, pensei em primeiro lugar em quem??? Nos outros? Ou somente em você, isto é, leu as palavras todos nós no seu sentido real e verdadeiro como cada um, i. é, eu, todos pensando em primeiro lugar em si mesmo, todos no sentido de cada um, ou leu assim no sentido vago, indeterminado: nos outros, fulano de tal, sicrano de tal, num grupo de religiosos, em toda a congregação, no conselho e seu geral, ou em todo mundo em geral? E se eu sou alguém que em primeiro lugar pensei em mim mesmo, não pensou em si, porque eu tenho o vício de não pensar, mas sim de  com escrúpulos visto carapuça a cada hora e me culpo, ou se faz de humilde e submisso e em vez de analisar a si, de olhar-se e se ver, tenho um outro vício de se culpar, se censurar, de, antes de saber de que se trata, querer  me corrigir, etc. etc. etc.? Portanto vamos sempre de novo de não nos esquecermos de eu, sem medo, sem ficar-me enrolando em sentimentos de que tipo for, olhar-me e me ver, para captar em que situação me acho para me estudar, para me exercitar em preparar-me, para me conhecer melhor e então com calma, sem dar bolas para sentimentos de angústia, de medo, de raiva, de o que quer que seja, começar eu mesmo, seja com ajuda dos outros ou sem eles, bolar, cranear, matutar o que posso começar a fazer para dar um jeito de eu, ao menos eu, e não o outro, não fulano, não sicrano, melhorar, não de uma vez para sempre, não logo imediatamente, mas aos poucos, mas, mas, mas realmente, e não apenas no desejo e sentimento] … repetindo, portanto todos nós, i. é, eu, o que fiz de real em mim, para que fossemos, não tanto, ou não exclusivamente consumidor, usufruidor do que desejamos como vida fraterna, i. é, quanto tempo, com que consciência, treinei só comigo ou com a ajuda dos outros o meu corpo, a minha alma, a minha mente para realmente ser construtor, trabalhador operário, para entrar na luta, na briga sim, na espera, no estudo criativo, na observação longo e paciente de mim e dos outros etc.? Não é assim que a minha mentalidade no fundo é de buscar, buscar, (e nisso eu tenho razão e direito) a felicidade na vida fraterna, mas como consumidor, como quem carente quer receber da comunidade, uma vida fraterna que realmente é de paz, harmonia, compreensão mútua etc, e mesmo que eu tenha da minha parte me ter esforçado, me sacrificado para isso, no passado e ainda agora, eu não percebi que antes de tudo, para tudo isso, e principalmente para ser feliz e criar uma vida fraterna satisfatória, eu devo p. ex. aprender a construir a minha vida, não em cima de sentir, vivenciar, de usufruir, de me animar porque gozo o que desejo, mas sim de olhar-me e ver e exercitar com mais ambição, desejo de crescer, a capacidade de compreender e querer, capacidade de ver atrás das  mixórdias que se ajuntam no cotidiano da vida fraterna, uma realidade mais complexa, difícil de mudar sem mais sem menos, mas que muda, se começo a me mudar nessa parte da comunidade que sou eu mesmo.

►Se você é uma pessoa que, mesmo com todas as suas habilidades, e com todos os seus saberes, informações e agilidade de raciocínio, não se exercitou muito no pensar, é capaz de aparentemente com razão estar dizendo com seus botões: mas por que eu, por que eu, por que só eu devo me trabalhar… e os outros? É revoltante que só de mim exigem que mude, trabalhe, me exercite. Por que também não exigem dos outros. Por que não diz direto e com mais coragem os responsáveis pela província, pela congregação: fulano de tal, que és superior, que és alguém que tem debaixo de si súditos (como se dizia antigamente, numa linguagem horrível de classe), o Sr. deve mudar, deve trabalhar a si muito mais, deve corrigir certos vícios e manias que nem se quer percebe que tem etc. etc.??? Por que só pegam as pessoas mais humildes, os que estão mais abaixo, e ali exigem que corrija, que se trabalhe a si mesmo etc. etc.? Por que eu, por que eu? E os outros? Principalmente  os que estão em cima e por cima? ►Atenção: Esse é o problema que reina em toda a vida fraterna, na vida religiosa. Isso, na proporção pode ser sentido de diferentes modos e peso conforme se a comunidade fraterna é pequena, média ou grande, mas esse problema, essa queixa existe para a regional, para a província, para congregação toda. E isso em todas as congregações e ordens, tanto masculinos como femininos. E mesmo nas congregações que você acha legais, formidáveis, com gente estudada, com gente de cursos de espiritualidades, de psicólogos, diretores de colégios e de universidades etc. etc. tudo é por dentro, para quem está vivendo dentro o cotidiano, é tudo a mesma coisa. Aqui vale o ditado alemão que diz: seja rico, seja pobre, todo mundo cozinha com água. Mas vejamos, olhemos: quando assim nos queixamos, de que é que estamos falando? Estamos apontando o fato de o outro não fazer, de o outro dever também colaborar, de constatar que não adianta só eu fazer, se o outro também não colabora, a coisa não vai para frente, que a comunidade, a regional, a província, a ordem, sim a Igreja, o mundo não muda. Essa constatação é importante, aliás disso todo mundo sabe. Não é propriamente nem é uma constatação. É um princípio. Princípio que diz: se há um grupo que se ajuntou para buscar um fim, um bem, um ideal comum, se a maioria não busca o fim para o qual foi feito o grupo, o grupo não tem sentido, é um grupo que está ali  aparentemente, mas na realidade ele não existe. Se você está num grupo assim, que na realidade não existe, mas faz de conta que existe, e pior, cada qual acusando o outro de não pertencer ao grupo, como se o grupo em si existisse sem a participação de cada um, portanto, se eu constato isso realmente, então somente há três desfechos – e não soluções –: a saber: eu digo tchau para a congregação e vou buscar um grupo onde a maioria busca o fim proposto pela congregação e não fica ali se lamuriando e se queixando mutuamente, um acusando o outro ou os outros ou muitas vezes a si mesmo que não faz. Ou fico, porque tenho medo de sair, porque sair custa muito mais do que ficar dentro, tendo o status de religioso, tendo cama e mesa asseguradas. Ou fica, mas então fica para que, por que, fica buscando o quê?

►Por que toda essa grotesca e maciça moralização? Só para olhar-nos e ver que não estamos abordando, enfrentando a partir da questão, os problemas da vida fraterna, buscando a boa compreensão  e buscando realmente o compreender e querer para ver e assumir; mas que, sem perceber, estamos impulsionados, carregados de sentimentos de diversos tipos, pela necessidade mal analisada dentro de nós, pela necessidade que é do direito da gente buscar, mas que não serve de princípio e de móvel essencial para a vida fraterna para um grupo de pessoas que querem seguir Jesus Cristo e serem operários, criadores, e construtores do reino dos céus; que querem não dizer tchau ao grupo, que querem ficar, não porque é mais cômodo ficar, mas porque querem lá onde já estão, não só apesar de toda a mixórdia, mas, atenção, justamente por causa da mixórdia, permanecer, se incentivar, se converter, a seguir Jesus Cristo, por onde e para onde ele vai. Se eu acordar para esse modo de ser da necessidade livre, então eu não digo: por que só eu, por que só eu, e não também os outros, mas eu sei que eu, que em me convertendo assim para o seguimento, entendendo a essência da vida religiosa que não é isso ou aquilo como muitas vezes imaginamos, desejamos e sonhamos, mas que é o Seguimento de Jesus Cristo; – portanto, repetindo: eu sei que eu, que aparentemente pareço estar só ao assim começar a ver e a me animar a trabalhar, sou comunidade, transformada na vida fraternal. Se você entender isso, então percebe que dizer: por que só eu, e não os outros, é sintoma de que ainda não entendi de que se trata, quando digo vida fraterna, na vida fraterna consagrada.

►As dificuldades da vida fraterna são inumeráveis. São em grande parte resultados de várias causas.   P. ex. antipatia entre pessoas; diferenças de idade, de culturas, raças e educação, descontentamentos acumulados no decorrer dos tempos, heranças psicossomáticas recebidas dos pais, condições atuais climáticas etc. etc. etc. Mas, se com atenção eu observo a mim mesmo e aos outros por um bom espaço de tempo, percebo que no fundo o que fazem todas essas diferenças e contrastes e contrariedades se tornarem insuportáveis são os defeitos, os vícios, as má-vontades, carências não esclarecidas e assumidas, total ausência de autoeducação e autocontrole de si mesmo das pessoas que compõem  a fraternidade, seja quem for etc. etc. E se eu examino ainda mais com atenção todas essas falhas que chamamos p. ex. de má-vontades, maldades etc. etc., nas pessoas que na vida consagrada convivem conosco, e inclusive, percebemos que essas pessoas nas quais estão essas “maldades” são na realidade pessoas boas, até boas de mais no sentido de sentimentais que choram por nada, ficam com pena das outras pessoas que sofrem, na medida do gosto e da disposição da hora que muitas vezes é de lua, se doam aos outros etc. etc., mas que no fundo ainda não cresceram, são bastante infantis por dentro: são “bebês”, buscando e dando e recebendo a felicidade vital da qual continuamente estamos carentes. Tudo isso é natural, é até charmoso, ou melhor, bonitinho, se as pessoas são bebês mesmo, fisicamente, indefesos, carentes, necessitando dos cuidados etc. etc., mas já imaginou, se com esse modo de ser carente do bebê bonitinho, a pessoa em questão tiver cabelos compridos, cheio de pose de madame e senhor feudal a chamar continuamente atenção sobre si em voz alta e gargalhada estridente e se for homem, com barba, voz grossa de um coronel em comando, contando vantagens das suas escapadas amorosas, como um adolescente querendo mostrar que é um machão etc. etc., a situação p. ex. no matrimônio se torna insuportável. Por que no bebê é bonitinho e muitas vezes também, quando a pessoa fica velhinha e gagá, e no adulto, no barbado, tudo isso se torna insuportável? É porque uma tal pessoa ficou parada no nível da necessidade vital; não cresceu por dentro, no compreender e querer assumir-se a si, capacitando-se a olhar-se, ver-se e ir assumindo a sua própria educação, na sabedoria e na disciplina de alguém que se responsabiliza do seu destino e da sua história, da sua existência humana. Essa defasagem é o que está muitas vezes ou quase sempre atrás das nossas desavenças, choros e ranger de dentes, desânimos e depressões, mesquinharias, explosões incontroladas, alfinetadas covardes, julgamentos quase irracionais da situação etc. etc. Aqui não se trata de pecados, nem de falhas morais. Essa imaturidade, nem sequer chega a ser má no sentido de uma responsabilidade moral e de pecado, pois responsabilidade moral e pecado só pode ser atribuída à pessoa que pensa, quer, sabe e quer mesmo o que diz e faz. É por isso que na sociedade, hoje, provavelmente também antigamente, as pessoas que são más mesmo, e conscientemente criam e seguem um projeto de vida de poder e de exploração, de um reino do “mal”, entre elas mesmas se ajudam, se querem, se conhecem mutuamente, treinam continuamente para trabalhar unidas numa equipe, são disciplinadas, obedecem prontamente e com inteligência, responsabilizando-se das suas tarefas como se fossem elas mesmas as interessadas como sua causa, a saber, Cosa nostra, vestem a camisa da sua equipe etc. etc. Ora, o que denominamos Vida Consagrada está estruturado, está feito para levantar todo um exército de pessoas de boa vontade, dispostas, cordiais, buscando a grande realização  de seguir a Jesus Cristo, amando-o e a sua causa com profundo amor e doação pessoal numa consciência e num querer bem trabalhado de uma autonomia e liberdade para, portanto, na necessidade livre, considerando esse educar-se a si mesmo para a disciplina (dinâmica da aprendizagem), precisão, para a paixão de realizar, em si e nos outros, o desejo, o plano, o projeto de um novo céu e de uma nova terra como a sua causa, como o seu interesse, como a sua realização. Ver a vida humana em todas as suas manifestações, encarar e estudar, assumir as dificuldades e as agruras do nascer, crescer e se aperfeiçoar desse caminho de realização para um tal serviço como tarefa, dever e trabalho que eu quero, que eu compreendo e que nele me exercito sempre de novo, para me aperfeiçoar  e assim poder servir, e ser capaz disso, isso é a FELICIDADE E REALIZAÇÃO  da vida consagrada. Isso é sair do cueiro da necessidade vital para o ser adulto da necessidade livre. Não se trata aqui de ficar lamuriando, se queixando que por causa disso e daquilo eu não consigo, tenho dificuldade. Não se trata de fazer um exame de consciência para confessar e se livrar da má consciência de se comportar dessa ou daquela maneira, ou ficar perguntando sem compreender muito de que se trata se é ou não vontade de Deus. Antes de todas essas coisas “religiosas” que quase sempre embrulhamos com “sentimentos” de amor e paz, de submissão humilhada, é de, independentemente de se consigo ou não, se estou fazendo ou não, se sou fraco, iletrado, estudado, forte ou não, antes de tudo isso é de eu me perguntar a mim mesmo, se uma tal atitude humana, se uma tal visão da vida, é algo que eu quero assumir, quero entrar nessa, se eu gosto, quero amar e então quero caminhar para valer na aquisição de habilitação e qualificação para um tal projeto de vida. É nessa perspectiva que se deve colocar a tarefa da Vida fraterna, a  tarefa de construir uma tal consciência dentro de mim, bem exercitada, calcada, firmada e participar da equipe, do grupo, da comunidade de pessoas que se movem, se animam, lutam e se aperfeiçoam nesse ideal, nesse projeto de vida chamada cristã, ou vida consagrada de Seguimento de Jesus Cristo.

Em geral, diante de uma tal colocação do sentido da vida religiosa consagrada, é nosso costume dizer: isso é exagerado, isso é radical, isso é fanatismo. Ora, se a gente examinar bem esse tipo de consideração do bom senso, sempre de novo ele desvia o foco de atenção, de pesquisa e de exame para um outro lugar. Nem se trata de ficar em dúvida, se eu consigo uma tal caminhada ou não. Se é Deus que quer isso ou não. Mas sim, antes de todas essas perguntas é  uma única pergunta: Se eu quero, eu quero buscar, se eu quero comprar um tal campo onde está oculto esse tipo de tesouro precioso. Ninguém é menos gente, é inferior, é menos responsável se digo: não, assim eu não quero, eu quero coisa mais  do meu gosto, onde não preciso fazer-me tanto esforço. Eu não vim a este mundo só para trabalhar, para buscar, buscar, seguir, seguir, seguir um caminho cheio de vicissitudes, subidas e descidas etc. etc. Eu quero, sim quero uma vida também de folga e bem estar a meu gosto. Ora, se é isto que eu quero, tenho todo o direito de escolher esse modo de ver e pensar a vida e a sua realização. É pois procurar realizar esse tipo de projeto para mim. E se não encontro esse tipo de projeto e vida, modo de ver e interpretar a realização, num determinado grupo, numa instituição, etc. eu digo tranqüila e rapidamente tchau, e sem ressentimento, sem saudades sentimentais, começo a buscar o caminho de felicidade que eu quero, quis e hei de querer. Não fazer essa decisão e permanecer num outro tipo, num outro estilo de caminho que no fundo eu não quero, e querer transformar ou adaptar um outro tipo de caminho ao modo do caminho como gosto e desejo é muitas vezes o motivo porque surgem tantas confusões na vida fraterna quer na comunidade pequena, quer na regional quer em toda a província e ordem.

►Não pensemos que esse modo de colocar-se na vida, seja soft, seja hard, é uma especialidade da vida religiosa consagrada. Esse impasse, essa necessidade de me confrontar com a minha escolha e minha decisão, é de todo e qualquer caminho da existência humana, mesmo o de dolce far niente (o doce não fazer nada é um estilo de vida que uma pessoa assume). Nesse sentido, o poeta e escritor cristão, jornalista inglês Gilbert Keith Chesterton (escreveu um livro interessantíssimo sobre a vida de São Francisco intitulado São Francisco de Assis, existe tradução portuguesa) diz num outro livro mais ou menos o seguinte pensamento: Se de manhã eu estou com tamanha preguiça, a ponto de não querer me levantar e fico deitado, ficar deitado assim é gostoso e não preciso me esforçar. Mas se num dia de feriado, eu me decido a ficar o dia todo deitado na cama, eu necessito me esforçar para continuar decidido a assumir essa postura. Uma pedra pode sem esforço ficar deitado eternamente. O ser humano, porque o seu ser é vida, não somente no sentido da necessidade vital, mas sim no sentido da necessidade livre, não pode natural e espontaneamente ficar ali deitado como uma pedra horas a fio. Para isso devo me decidir. Seja no matrimônio, seja na vida titia ou titio de uma solteirona ou de um solteirão que não conseguiu casar por falta de parceiro ou parceira, seja numa profissão, mesmo de um lixeiro, seja dentro de um estilo de vida ou de uma profissão nessa dificuldade, naquela dificuldade, seja onde e como for, na vida, na existência humana, você, cedo ou tarde vai estar na encruzilhada de ter que se assumir, se decidir, seja para o que e como for. Uma tal coisa você não consegue fazer, se sempre se alimentou e se impregnou e se motivou a sua vida só em sentir, vivenciar o momento, como vem, como vai a vida, sem fazer, compreender e querer um projeto de vida.

►Os nossos estudantes frades, inclusive e principalmente eu, que não consigo crescer para além de um certo grau de maturidade, portanto é melhor dizer nós frades, que muitas vezes dizem mas não fazem, gostam de caçoar do confrade que fica lamuriando muito das suas dificuldades, usando figura caricatural das freiras da congregação do Sagrado Coração de Jesus da França e cantam: Ninguém me ama, ninguém me quer, quero ser freira do Sacra Coeur. Talvez, as irmãs que em vários aspectos são muito mais claras, decididas em assumir o seu projeto de vida do que nós barbados e des-barbados frades, possam caçoar de nós cantando: Ninguém me ama, ninguém me quis, quero ser frade de São Francisco de Assis? Bem, é brincadeira, mas tudo isso não vai. Que tal se todos nós, antes de ser freira e frade, fossemos mais sadiamente, mais elementalmente, sim mais diretamente religiosos e religiosas, i. é, seguidores de Jesus Cristo, seja em que etapa da formação, i. é, do caminho da Liberdade ou da Autonomia estivermos, seja na formação inicial ou na permanente?

►Experimente agora, depois dessa reflexão, ler o texto do capítulo X da admoestação de São Francisco de Assis. Não é isso tudo que São Francisco está a nos dizer?

g Quando eu começo a me viciar em me aconchegar num ninho quente e bem acolhedor, posso começar a criar um sensorial, uma maneira de ver, julgar e re-agir à realidade, a si e aos outros, criar um sensorial, que tem o modo de ser e re-agir ninhal, i. é do ninho. E um dia sai ou cai do ninho  para um ambiente diferente do ninho, posso achar, sentir, vivenciar esse ambiente usual, natural e normal para as pessoas que ali vivem, como terrivelmente frio, duro, áspero, desumano.  E quem já saiu muito tempo do ninho, e está acostumado e gostando de um campo aberto ou cimo da montanha, o calor morno e enjoativo do ninho pode se tornar insuportável. Se uns frades ninhais e uns frades ventais (do ar dos pampas) ou glaciais (das montanhas nevadas) começam a viver juntos, cada grupo, cada um, deve poder sentir o ambiente que vive, também a partir do ponto de estadia e de vista de cada um, na sua diferença. Como se aprende a fazer isso? Um carregando o fardo do outro, como diz São Paulo. Mas, se esse exercício de carregar um o fardo do outro, for praticado, fazendo sacrifício, digamos por “caridade”, este começará numa tal fraternidade cheio de boa vontade mas também continuamente preocupado demasiadamente em ter a consciência limpa, serena, em criar o ambiente fraternal de paz e amor, sentido, vivenciado, um artificialismo afetado, dengoso, e crescente irritação abafada e insatisfação que começam a sufocar um relacionamento mais sadio e natural entre as pessoas, cheio de cuidado, medo, melindro entre as pessoas, mutuamente, até que a gente fica saturado de tudo isso, e começa a se tornar ou indiferente, ou individualista enclausurado em si mesmo como a dizer, deixa-me em paz ou cada qual para si, ou agressivo, debochado, zangado, descontente consigo e com todos. Provavelmente tanto os frades ninhais, como ventais e glaciais no fundo não estão construindo a sua existência humana no compreender e querer, num assumir não soft, mas sim hard da responsabilidade de crescer e se realizar no estilo do Seguimento.  Aqui, cada qual deveria perceber que é sempre ninhal, seja hard ou soft, se se aninhar seja no deserto, seja nas montanhas, seja nos vales, seja nas montanhas nevadas, seja no calor de uma praia amena, cheia de encanto e beleza, portanto seja onde e como for que seja. É necessário buscar como realização um estilo de vida a ponto de conseguir ser cada vez de novo, buscando, lutando e se consumando a experimentar cada situação, seja ninhal, vental ou glacial como lugar para se exercitar no compreender e amar, i. é, querer.

►Uma senhora velha tinha 10 galinhas. As galinhas começaram a ficar pestiadas. Foi a um sábio monge, lá na periferia, o que fazer para as galinhas não morressem. O monge mandou das às galinhas grãos de arroz com casca. A mulher obedeceu. Mas morreram  duas galinhas. Foi consultar de novo o monge. Este mandou dar arroz descascado. Morreram mais duas.  O monge mandou dar metade do grão de arroz descascado. Morreram mais duas. Decepcionada, irritada a mulher interpelou o monge e disse: Até quando o Sr.  vai ficar prescrevendo arroz a minhas galinhas? Quando é que me livro desse sofrimento e preocupação em ter que ver as minhas galinhas morrerem? Disse o monge: Enquanto a Sra. tiver galinhas. Qual é a moral da estória, para quem leu o capítulo X das Admoestação de São Francisco de Assis?

►Um homem poderoso e rico, Senhor de muitas terras tinha uma garrafa, feita de material preciosíssimo chamado jade (é pedra preciosa), garrafa belíssima, lembrança da sua falecida mãe. Um dia encontrou um pequenino filhotinho de dragão, belíssimo, cheio de escamas multicores que brilhava como ouro. Guardou o filhotinho de dragão na garrafa preciosa. Mas o dragão cresceu e ficou entalado na garrafa. O gargalo da garrafa era estreito de mais para que o dragão em crescimento pudesse sair. Foi falar com um velho sábio das montanhas que era desdentado, tão velho que era. E perguntou: Mestre, como faço para tirar o precioso dragão da garrafa preciosa, sem quebrar a garrafa ou matar o dragão? O velho mestre abriu a boca desdentado bem à vontade, deu uma gargalhada e respondeu: Meu filho, nunca metas um dragão, por menor que seja, numa garrafa!

Qual a moral dessa estória, para nós que estamos fazendo retiro sobre a Vida Fraterna, á mão dos textos de São Francisco?

►Nós estamos refletindo sobre a Vida fraterna porque queremos que ela seja melhor. No percurso de nossas reflexões vimos que uma meta como essa, se realmente queremos melhorar, não basta lançar-se a agir simplesmente mexendo nisso e naquilo. É necessário, antes examinar bem para captar onde é que devo aplicar os meus esforços (pois no que diz respeito à energia humana, todos nós humanos, não somos capitalistas e milionários, mas temos a nossa economia bem delimitada para podermos sobreviver às fadigas e aos trabalhos de todos os dias). A nossa intenção de querer e os esforços para melhorar a vida fraterna podem vir de vários interesses. Em geral é assim que um dos interesses mais comuns e urgentes para nós é eliminar os obstáculos para que o bem estar  da nossa fraternidade melhore em vários sentidos, conforme a necessidade nossa, aqui e agora. Há assim, uma intenção e esforços bem imediatos para melhorar a vida fraterna. Nessa perspectiva já fazemos bastante ou não somos de modo algum negligentes ou omissos. P. ex. melhoria na moradia, tentativa de criar um bom ambiente, tanto físico, psíquico e espiritual. Esse trabalho todos nós fazemos e devemos fazer, de imediato, todos os dias, cada dia. Mas se só ficamos nesse nível de trabalho da melhoria, com o tempo vamos perceber que a coisa não funciona realmente e em muitos casos, piora, pois aumenta cada vez mais exigências e buscas para sofisticar, aumentar a melhoria. Assim,  boa intenção e sincero esforço de melhorar a vida fraterna p. ex.  no aspecto de ambientação físico-psíquico, porque estava péssima, aos poucos se transforma em ânsia e desejo cada vez maior de uma melhoria em sentido que nos leve a buscar sempre mais, digamos o tipo de ambientação rica, sofisticada a ponto de físico-psiquicamente nos tornarmos cada vez mais exigentes, mas cada vez menos resistentes, fracos e facilitados. Isso pode acontecer não somente no nível físico-psíquico, mas também no espiritual. P. ex. precisamos de muitos estímulos, muito ambiente, muita preparação, para podermos nos concentrar. Ficamos em todos os sentidos, exceto fisicamente, pois hoje há muito bom esforço para isso, cheios de banha, lerdos, pouco acordados, pouco resistentes. É que na dimensão psíquica e espiritual há também alta pressão arterial, aumento do nível de colesterol ruim, astenia, diminuição de massa muscular, amolecimento e endurecimento dos ossos, da coluna etc. etc. Quando o estado da saúde da Vida fraterna começa a se tornar assim periclitante, então na nossa boa vontade de melhorar podemos e devemos perceber que a melhoria imediata de uma vida fraterna que é uma realidade comunitária, digamos social, portanto, pertencente a uma totalidade maior, para além do simples indivíduo, portanto à congregação ou à ordem, só tem resultado real e duradouro e crescente, se examinarmos cada qual pessoalmente (i. é, nesse trabalho ninguém me pode substituir, nem Deus) o que há com a minha inserção (real inter-esse, o estar dentro), consciência (saber de que se trata) e vontade de fazer “minha causa”, a intenção e o objetivo do grupo humano a que pertenço, intenção e objetivo que por sua vez estão enraizados numa realidade de profundidade, que denominamos fonte, princípio, fundamento etc., donde tiram as suas forças e para onde convergem os seus esforços. Um exemplo concreto: Se eu pertenço a um instituto de pesquisa na medicina, e no ambiente onde trabalho, há goteiras, tento de imediato dar um jeito, provisória ou permanentemente, para que não precise abrir guarda chuva no nosso lugar de trabalho. Pois isso é importantíssimo para que eu possa realmente trabalhar para a melhoria, progresso da intenção e meta, objetivo do instituto de pesquisa da medicina. Digamos que no instituto trabalham 10 pessoas com diferentes funções. Digamos que desses 10, 8 pessoas não se interessam de melhorar  o ambiente e ajudar a dar um jeito em acabar com goteiras. Em vez disso cada qual dessas 8 pessoas tira o corpo fora, dando vários motivos reais ou virtuais ou falsos, e se queixam e ficam abatidas que a coisa não vai, e ameaçam não mais vir trabalhar. Mas vem, tristes, cabisbaixas, para aturar o ambiente de goteiras, porque querem sobreviver no sentido de necessitar do salário. O exemplo não é lá muito adequado, pois no caso do instituto de pesquisa, há instâncias maiores, na gestão e na coordenação, e a crítica e o exame das causas porque não se cuida da goteira devem ser dirigidos para lá em cima nos andares superiores do instituto. Mas imaginemos que nos andares superiores também há situação semelhante. E digamos que com raríssimas exceções as pessoas que se comportam como aquelas 8 pessoas, não tem muito gosto, nem entusiasmo de arregaçar as mangas e na medida do possível trabalhar para ao menos ir trocando de hora a hora, as bacias que ficam cheio de água das goteiras. E por dentro estão indignadas com a negligência dos chefões dos andares superiores, mas ficam quietinhos, pois com razão, se criticar, vão ser despachados. E adeus o salário mensal. Ninguém pode acusar essas 8 pessoas de serem preguiçosas, egoístas, de maus funcionários, sem primeiro acusar os funcionários dos andares superiores. Mas digamos que 3 dessas 8 pessoas são pesquisadores e estão ali no instituto  porque sabem que o instituo na sua pesquisa e o que ela já fez até agora é muito boa, eficiente. Pois há institutos onde no aspecto de prédios, maquinários etc. são excelentes, mas na excelência da pesquisa são medíocres e de pouca eficiência, embora na propaganda tudo pareça excelente. Digamos que as 2 pessoas que não pertencem ao grupo daquelas 8 pessoas que tiram o corpo fora do trabalho de acabar com as goteiras, são faxineiras. Mas são pessoas muito espertas e clarividentes e sabem que na pesquisa, o instituo cujas dependências elas limpam é muito útil, e já até salvou um dos seus filhos. Com todas aquelas vicissitudes de perder o salário se criticar, da chateação de cada hora precisar esvaziar as bacias de água da chuva, com queixumes, desânimos etc. etc. que  podem tomar conta do grupo, uma coisa parece ser certa: se de alguma forma vier um movimento real, clarividente de uma reforma que pode não se dar imediatamente, esse movimento virá daquelas duas faxineiras e daqueles 3 pesquisadores (se estes mudarem sua postura em referência a sua vocação e missão de pesquisadores), pois esses 5 sabem, para além das aparências miseráveis dos prédios com goteiras, de que se trata, no que diz respeito à intenção, meta e projeto do Instituto a que pertencem.

►O instituto, o grupo a que pertencemos é grupo da vida consagrada. A intenção e o objetivo desse grupo é o Seguimento de Jesus Cristo. A intenção e o projeto dessa pessoa excelente que dizemos nós todos os dias na nossa fala “litúrgica” cantando (nós damos todos os dias muitas cantadas… mas para quem?) que ele é divino e humano de excelente qualidade e de uma boa vontade fora de série, estão empacotados, codificados no Grande mandamento do Amor e do Novo Mandamento, cujo sentido tentamos nesse retiro colocar como fonte e princípio do vigor da Vida Fraterna. Perguntemos se toda nossa congregação fosse comparada às 10 pessoas daquele Instituto com goteiras, pertencemos ao grupo das duas faxineiras, ao grupo dos três pesquisadores, ou ao dos restantes 5? Atenção, por favor, a moral da estória não é moral dessas pessoas. O pivô dessa parábola está nesse ponto: que as  2 faxineiras (de excelente moral) e os 3 pesquisadores (de moral ambígua, fraca ou confusa) tinham suas mentes claras em referência ao Instituto no que ele tem de essencial e fundamental. As restantes 5 poderiam ser de moral bastante boa, ou talvez também não; mas eram totalmente ignorantes no que diz respeito ao essencial e fundamental do instituto onde trabalhavam. No fundamento, na fonte, na raiz não estavam bem colocadas. Por isso, mesmo que se “convertessem” e começassem a participar do trabalho de acabar com as goteiras, seus esforços, enquanto não recuperassem uma cuca legal a respeito da intenção e do objetivo do Instituto, recairiam de novo na indiferença, desânimo e revolta desgastante, e  permaneceriam na indeterminação e confusão mentais, i. é, não teriam luz suficiente para não andar às tontas.

►Como dizem os alemães, seja quem for, como for, cozinha com água. Água aqui da cozinha é a nossa finitude, a nossa existência humana. E a existência humana finita é sagrada. Pois é o dom precioso, o Tesouro precioso do Evangelho, i. é, da intenção e objetivo, projeto de vida, de nada menos do que de um Deus, que é o Deus de Jesus Cristo, de um Deus feito homem, no duro, para valer, porque se apaixonou doidamente da nossa humanidade mortal. Não falemos mal portanto das nossas tripas. As agruras, as boas digestões e más digestões, as vicissitudes das nossas tripas psíquico-espirituais pertencentes ao insumo da nossa produção espiritual-cristã. Tentemos usá-las com inteligência e com bom pulso da realidade  terra-a-terra da Terra dos Homens (Cf., livro Terra dos Homens de Antoine de Saint Éxupéry). Na reflexão falamos avulsamente, muito mal, aparentemente, do sentimento, do sentir, das vivências à la sentimentalismo. Para que não fique um equívoco de mal entendido tentemos melhorar a fala dessa reflexão de que os sentimentos cultivados e tidos como o máximo da experiência do amor e caridade cristã e mesmo caridade no sentido usual humanitário, é o que chamamos de interpretação um tanto defasada que vem do sentimentalismo, misticismo e espiritualismo da granfinagem no trabalho do cultivo do Espírito do Senhor e do seu modo real de operar. É algo como uma comida, na qual a dosagem de açúcar é demais. É pois necessário não construir a existência humana num tipo de doce assim. Principalmente de comida açucarada com o açúcar das fábricas de refinação espiritual do “espiritualismo” do consumo “capitalista” hodierno. É que há perigo na vida consagrada da doença chique denominada diabete espiritual. O gosto salgado, amargo, azedo para a saúde do espírito é também de grande importância. Mas no fundo do sentimentalismo, do muito consumo da vida cheia de doçura açucarada, existe na sua raiz, na sua fonte, a verdadeira afeição que nada tem a ver com sentimentalismo, mas sim com o Amor de Deus, com a Presença de Deus que é o Amor. E essa doçura, sadia, autêntica da verdadeira afeição a gente percebe no fundo, grande, imenso e profundo de muitas pessoas simples. Só que se não trabalhar melhor e com mais cuidado tudo isso no compreender e querer, tudo isso pode se transformar na super dose de açúcar refinado, e isso para o engajamento na vida consagrada pode nos trazer muita confusão, sofrimento e “galhos”, como o faz aquela doença chamada diabete.

Por isso, no fim dessa reflexão comecemos a tarefa de trabalhar com aplicação no fundo elementar do nosso viver consagrado,  em voltando para a vida ativa de todos os dias, agora mais sóbrios, mais concentrados, menos angustiados, com mais sangue frio, de um trabalhador que com calma, mas com muita boa vontade inicia o labutar básico de firmar, afundar o fundamento da nossa vida consagrada. Mas como no início de um trabalho a gente deve se concentrar para não dispersar nossas forças, vamos moralizar, dessa vez bem forte, pois a verdadeira moral não é moralização barata, fácil, geral e sem clareza de que se trata, mas sim seriedade de disposição e decisão de agarrar com duas mãos o trabalho da construção do reino de Deus: Vamos tomar a sério, sim numa seriedade mortal de quem, sem angústia, sem precipitação, sem confusão mental, vai à um combate mortal, i. é, de vida e morte para a vida consagrada, o nosso, o teu, o meu relacionamento com Jesus Cristo. E isto não só, ou melhor, menos no nível de devoção, piedade, de rezas, de “intimidade” ensimesmada espiritualista, mas sim no compreender e querer, no saber de que se trata, quando entramos para valer nesse estilo da existência cristã chamada vida consagrada; Relacionamento que é muito mais real e existencial e engajado do que a paixão físico-anímico-espiritual de duas pessoas, uma masculina, outra feminina, no matrimônio, não de conveniência, não de imposição alheia, mas sim de uma opção livre, clara, do amor que sabe de que se trata e quer o que sabe de todo o coração, de toda a alma e de toda a mente, para toda a vida, num laçar a si total e absolutamente para dentro de uma aventura e ventura daquilo que a Grande Tradição do Povo de Deus denominou de Vida consagrada, i. é, existência do Seguimento de Jesus Cristo. E não caiamos na confusão de achar que uma tal busca apaixonada de relacionamento com Jesus Cristo é algo subjetivo, particular, para o ensimesmamento à la santificação e perfeição da alma na interpretação defasada de um espiritualismo alienado, mas sim da doação cordial, livre, total e absoluta das e dos que querem a todo custo, usando tudo que está ao seu redor, dentro de si, do seu passado, da sua herança genética, ser não esposas-madames-grã-finas, mas sim companheiras e companheiros de Jesus Cristo, no ser e no trabalho, pessoas livres que querem entrar na intimidade de Jesus Cristo, assumindo todo o Seu ser e agir, unir-se a Ele, tornando-se como Ele, fazendo seu todo o projeto de vida e projeto da transformação encarnada da humanidade, para a realização do Novo Céu e da Nova Terra, e isso, não lá em cima das montanhas, lá nas alturas, nas nuvens dos céus, não na avoação de planos grandiosos e espetaculares, mas cada qual como trabalhadores conscientes nos buracos cavados no subterrâneo da Terra dos Homens, i. é,  aqui e agora, ali onde estamos, no encargo, na comunidade fraternal, na idade, no corpo doente ou sadio que temos, como trabalhadores, como camponeses que por fora suave, terno, benigno e por dentro ardendo no fogo de uma paixão divina, valente, intrépido, pois o nosso Deus é Deus de Amor, desse Amor vivido e anunciado por Jesus Cristo, amor que é um incêndio de fogo devorador, mais duro do que a morte (diamante é duro porque foi forjado pelo fogo), o qual nenhuma torrente de águas caudalosas podem apagar. Que tal se desde o postulantado, cada qual de nós se decidisse a mandar brasa numa caminhada de vida inteira, sem ficar ali querendo evitar dificuldades e perigos, incertezas do futuro, mas decididos a sempre de novo renovar o trabalho de decidir de novo, de se firmar na decisão, e assim viver a nossa vida, e ir até o fim, como aquelas árvores do cerrado, do sertão que ficam velhas, mas ficam cada vez com maior animação,  em pé, e morrem de e em pé, louvando o Senhor. Ora Jesus Cristo foi o protótipo dessa valentia humana sertaneja, e por isso, se começo a me enamorar de uma tal caminhada, com ele, por ele, dele e para ele, pensa você que ele vai ficar indiferente a uma tal afeição? Nessa perspectiva, não fique ali a pedir uma tal graça, pois quem está doido para dar e estar junto da gente para caminhar com a gente é Ele.

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