Vocacional - Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil - OFM

Da Formação – Formação e Auto-Formação

03/03/2021

 

O que segue é apenas uma reflexão de uso pessoal, feita por algumas pessoas que estão na tarefa da formação, e que querem, como exercício de auto-formação, examinar a própria compreensão que têm da formação. Não serve, pois, para ser aplicada no uso comum ou público. Trata-se apenas de um subsídio provisório para acionar o estudo.

Questionar o modo de colocar o questionamento da formação

A importância da formação foi sempre uma questão acentuada na fala de uma Ordem religiosa. Hoje essa fala se torna cada vez mais insistente. Preocupados com a exigência de um mundo novo e dos apelos duma Igreja nova, urgimos uma reforma radical e ampla na formação para a Vida Consagrada. Exigimos uma recolocação da questão da formação.

Aliás, tornou-se quase moda, recolocar a questão. Entendemos usualmente por recolocar a questão, uma espécie de renovação e inovação total e radical de tudo o que viemos fazendo até agora. Falamos, assim, na necessidade de mudar estruturas antigas, os conteúdos, as formas e métodos de formação, dar enfim, uma formação mais adequada para as necessidades, os anelos e as exigências do mundo e da Igreja de hoje.

Mas, as exigências de renovação e inovação, assim aventadas são tantas e tão variadas que, extrapolam toda e qualquer possibilidade de discussão séria, tanto no tempo como na capacidade físico-concreta de uma reunião, de um curso ou de um encontro. Assim, os nossos questionamentos se transformam numa espécie de agitação tempestuosa de idéias lançadas ao vento, sugestões mal colocadas, arrolamento de opiniões em moda, misturadas com queixas e reclamações, uma reunião sem rumo, sem concentração temática, sem a possibilidade real e finita de uma determinação que nos possa levar a uma ação, a um confronto de soluções reais. E, ao repetirmos, sempre de novo tais reuniões, aos poucos nos resignamos e começamos a crer que a formação hoje é muito complicada, uma tarefa quase impossível, por causa de tantas dificuldades, provenientes da sociedade de hoje, em que tudo flutua por ser um tempo de transição.

Mas, se observarmos atentamente as nossas colocações e os nossos questionamentos, percebemos que colocamos mil e mil diferentes temas, assuntos, propostas, problemas, isto é, conteúdos, mas, jamais examinamos o modo de colocar a questão. Perguntamos por isso: será que não é necessário, antes de tudo, recolocar o modo de questionar a formação, hoje? Mas em que sentido?

Questionar é buscar. Quando uma busca perde o rumo e se agita em diferentes colocações disparatadas, é uma busca que perdeu a cabeça e não mais está assentada na raiz do seu questionar. Toda a busca só é busca se for finita. Então é necessário se colocar, se assentar de novo numa busca mais finita, mais próxima de si mesma.

Mas o que significa uma busca mais finita, determinada, mais próxima de nós mesmos, em referência à formação?

Para percebermos o que é a busca mais finita, mais determinada, mais próxima de nós mesmos precisamos voltar a ser bem concretos e cotidianos, sim bem materiais e físicos, sem nos espraiarmos em representações universalistas e gerais, como é o caso, quando falamos sem pensar muito, no mundo de hoje, no século 21, da Igreja, da América Latina, do Franciscanismo atual, e assim por diante. Próximo, finito, bem determinado é a Ordem na qual estamos, em cuja obediência vivemos, a nossa Província, a nossa casa, o encargo que exercemos, a equipe de formação a que pertencemos, o período de votos temporários da nossa Província, com tais e tais pessoas, em tais e tais situações e problemas, em tais e tais limites de tempo.

Tentemos agarrar com duas mãos o finito, o determinado da formação assim entendido material e fisicamente, e façamos assentar a nossa busca ali dentro, colocando-a como uma busca séria, bem atenta, realista e eficaz. O que acontece?

Acontece que vem à tona, bem em concreto, materialmente, numa delimitação corporal e física, o que devemos fazer todos os dias na formação, sempre de novo como nossas preocupações, ocupações e obrigações, como nossos afazeres. Por mais diferentes que sejam as circunstâncias de países, nações e povos, por mais diversificadas que sejam as culturas, por mais diversos, diferenciados e até opostos que sejam os tipos, os lugares, os modos de nossa convivência, do nosso engajamento sócio-político, sempre de novo nos vêm de encontro essas coisas bem finitas da nossa cotidianidade rotineira da formação. A gente pode estar diante das exigências, as mais prementes do mundo de hoje que se possam imaginar, a gente pode achar que é essencial, de capital importância, para se estar preparado para o engajamento na Igreja hoje, tal e tal curso, tal e tal participação num movimento, tal e tal engajamento social, mas vire e revire, sempre de novo vai ter que se deparar e confrontar-se com um “quantum” bem corporal concreto de coisas que vai ter que fazer, adquirir, no qual vai ter que exercitar-se e formar-se, digamos em um, dois ou três anos, contando com o dia que não tem mais do que vinte e quatro horas, com a hora que não tem mais que sessenta minutos.

Formar franciscanos para o mundo de hoje, para estar à disposição da Igreja do século 21, para servir aos irmãos nas suas necessidades e nos seus anelos de um Mundo melhor, formação para a América Latina, formação para a África, para, para…

Falamos de tudo isso, porque é séria a nossa vontade de formar para a realidade. Esta nos convoca a sermos reais em assumir o trabalho árduo de prepararmo-nos para tudo isso, que falamos ser necessário, no dia de hoje. A realidade nos convoca, pois, a trabalharmos arduamente um fazer, a concretizarmos materialmente uma ação que se chama formar-se.

É importante conscientizar-se  que aqui se trata de um fazer todo próprio. Não é, pois, qualquer fazer, um fazer geral. Trata-se de um fazer à cuja seriedade não lhe é permitido se espraiar, vagar, se avoar pelo mundo a fora, como quem voa por cima das coisas, numa visão geral, universalista, panorâmica, sem se colocar duramente no cotidiano físico material da situação aqui, agora, dentro dessa Ordem, dessa Província, dentro dessa casa, nessa etapa de formação, chamada período dos votos temporários e assim por diante.

De repente, sentimos na carne a necessidade de nos concen­trarmos muito a sério, de apertarmos realmente o cinto do nosso fazer e do pensar sóbrio, de ajuntar todas as nossas forças disponíveis para aplicá-las num trabalho árduo de conquista: de conquista de um saber muito mais real, concreto, verdadeiro desse fazer todo próprio da formação. Sentimos com responsabilidade a premente necessidade de deixar de lado as agitações precipitadas, deixar de lado toda fala vazia, enfeitada, retórica, estético-romântica ou até dema­gógica, deixar de lado tentativas irresponsavelmente provisórias e chutadas, sintomas esses de uma busca imatura, mal colocada. Percebemos como decisivo para o êxito da formação que não mistu­remos as coisas superficialmente pensando que a formação é como qualquer outra ação que basta fazer para que tudo dê certo. Se a formação é um fazer todo próprio, é necessário saber bem que exi­gências ela tem a partir dela mesma. Nesse sentido, por exemplo, é bem diferente você fazer pastoral e você fazer uma ação chamada formar-se para a pastoral.

Recolocar a questão da formação acaba, assim, se transfor­mando numa coisa bem humilde, real e concreta, uma obrigação só­bria e necessária, como toda e qualquer ação real e eficiente, isto é, na obrigação de examinarmos no duro, se realmente estamos fazendo o que devemos fazer finita e concretamente na nossa formação, conforme o modo de ser próprio dessa ação chamada formação. Sem esse embasamento real, a formação é vã, por melhores que sejam as intenções, as idéias, os recursos pedagógicos e agencia­mentos. Talvez de tanto falar nas necessidades atuais, nas exi­gências prementes de hoje, estejamos nos alienando da humilde necessidade, terra à terra, de fazer o que devemos fazer no coti­diano do solo da formação. Para isso é necessário ter, ou melhor, recuperar o realismo nu e cru de quem faz e age a formação, cien­te de que a formação é uma ação toda própria e isso de tal manei­ra que não pode ser nivelada a outras modalidades de fazer.

Nós que estamos refletindo somos formadores. Formadores, formamos, na medida em que nos formamos. Na formação o que mais importa é, pois, auto-formação. Na auto-formação o que mais importa é a clarividência que temos acerca da ação toda própria chamada formação.

Examinemos: nós como formadores, temos conhecimento claro de que ação, de que fazer se trata, quando falamos de formação?

Na discussão acerca da formação é necessário evitar um questionismo vazio de identidade, reduzindo o essencial e o básico a mil diferentes pontos de vista de interpretações subjetivas

Para se colocar com precisão e eficácia a questão da formação precisamos de clareza e evidência desta ação toda própria chamada formação. Para isso é necessário evitar um questionamento vazio de identidade, reduzindo o essencial, o elementar e o bási­co a mil diferentes pontos de vista de interpretações subjetivas.

Numa discussão acerca da formação da Vida Consagrada, o que dá mais trabalho é a objeção: como entender o essencial da Vida Consagrada, se há tantas interpretações da essência da Vida Consagrada  hoje? O que é, pois, a Vida Consagrada  no mundo de hoje, diante de tantas exigências novas, novos apelos da humanidade em transformação, novas teologias, novas pastorais, novas fronteiras para todos os lados?

É necessário cada vez de novo checar essa objeção, pois, ela não pode passar de uma expressão de inquietações, angústias e perplexidades, nas quais estamos e caímos sempre de novo, diante da avalanche de novas teorias, novas exigências, novas situações, a que estamos expostos como religiosos. Pode também ser produto de uma contaminação, quase inconsciente, de opinião pública que com superficialidade coloca tudo em dúvida, dando um tom de ques­tionamentos profundos e importantes. Na maioria das vezes essas colocações não passam de receios, medos, perplexidades pela falta de identidade bem assentada ou expressão de uma superficialidade frívola, sem responsabilidade duma verdadeira busca. Se assim for, toda essa fala não é expressão de uma busca intensa, séria, engajada, já de há muito tempo exercida com empenho no estudo bem orientado e experimentado. As objeções que têm esse caráter de receios e perplexidades por falta ou fraqueza de identidade, não são propriamente questionamentos. Podem soar muito atuais e crí­ticos, impressionantes, angustiantes, mas, na realidade não são nem atuais, nem atuantes e nem críticos, pois não passam de agitações carregadas emocionalmente, ávidas de soluções imediatistas e miraculosas, sonhadoras de reforma sem trabalho tenaz, demorado e realmente assumido, incapazes de, com sangue frio, se assentar num questionamento de busca mais real, concreto, profundo e res­ponsabilizado, incapazes de assumir com decisão firme e inabalá­vel a tarefa de buscar dentro do possível, do concreto e finito, o que se pode e se deve fazer hoje e agora, para aos poucos ir construindo um futuro viável e real.

Na formação esse tipo pseudo-questionamento é um tóxico, uma droga alienante que mata o vigor elementar. Pois, contamina tudo com frustração, irritação, ressentimento e dúvida, condicio­nando uma existência sem dinâmica de busca. Impede pela raiz a possibilidade de juntos, unidos com boa cabeça e bom coração, buscarmos intensa e totalmente o essencial.

Se, porém, evitarmos esse tipo de questionamento debilitan­te, e formularmos a objeção, ela pode ser ouvida num sentido de busca real e bem responsável. Mas, se assim o fizermos, então haveremos de constatar uma coisa bem real e de muita urgência.

Haveremos de constatar que, na época em que se exige renovação e se exige busca de soluções alternativas, na época em que somos expostos a novas conquistas, novos apelos, novos horizontes, o que se faz necessário antes de tudo é aprofundar e firmar, ir até às raízes, no fundo de nossa própria identidade, para ali e dali renovar, realizar a dinâmica criadora de nossas e das novas pos­sibilidades. Com outras palavras, como a condição da possibilida­de, como o pré-requisito e como garantia da renovação, devemos ir às fontes de nossa inspiração, devemos aprofundar a verdadeira pertença à terra, à base da força de inspiração da nossa identi­dade cristã-franciscana.

A importância decisiva do elementar na formação

Toda e qualquer formação eficiente gasta um longo tempo e muita energia na aprendizagem e na assimilação do elementar, o qual é fundamento e base de todas as elaborações posteriores, mais complexas, mais sofisticadas, mais exigentes e especiais.

Quanto maiores as exigências de uma profissão, quanto mais difíceis e perigosas suas  tarefas, tanto mais se preparam os candidatos no domínio do que é elementar e básico, com muitos exercícios artificialmente simulados, com muito rigor e repetição, para que naquilo que sempre de novo entra em todas as ações e atividades como o seu elemento comum, o profissional tenha relativa facilidade, por tê-lo assimilado de tal modo que, o elementar se tenha tornado uma parte integrante do seu próprio ser.

Nenhum profissional seja de que área for, considera como tempo perdido essa demora caprichosa e bem trabalhada no elemen­tar. Pois, quanto melhor, mais firme, mais trabalhado o fundamen­to, tanto mais rápida, mais segura e eficiente a assimilação de todo o resto. E cada profissão, que sabe o que quer e o que faz tem bem claro quais os exercícios, quais as coisas que são con­sideradas como indispensáveis, por serem elementares e essenci­ais.

Exercícios elementares num esporte, por exemplo, são aqueles exercícios, os quais criam, desenvolvem e firmam no atleta habili­dade, vigor e disposição básicos que ele necessita para realizar toda e qualquer atividade esportiva de diferentes e variadas mo­dalidades. Assim, por exemplo, exercícios de flexibilidade lhe proporcionam a flexibilidade. Esta é então a habilidade, a força e disposição que entra em todos os movimentos que o atleta faz quando joga. Também na nossa vocação espiritual de religiosos existem exercícios elementares que nos dão habilidade, força e disposição elementares, necessárias e úteis para tudo quanto fazemos nas mais diferentes e variadas situações.

Experimente você mesmo dizer quais são essas habilidades elementares e como elas atuam em tudo que fazemos.

Um lutador, por exemplo, através de intenso exercí­cio, isto é, através de formas artificiais e simuladas de comba­te, adquire uma boa habilidade de se defender. Depois aos poucos, começa, com lutas mais reais, sem simulacro, a aperfeiçoar, in­tensificar os exercícios e faz crescer o que antes aprendeu. O elementar só cresce e se firma nesse gradual processo de aprendi­zagem.

Por isso, é uma completa falta de compreensão para com essa maneira artesanal e real de perfazer o vigor do ser num trabalho intenso e artificialmente concentrado, colocar o tempo, por exemplo, do noviciado como algo negativo e alienado por ser artificial, e opondo-se à vida real da sociedade e do público, cujo projeto tem bem outra finalidade e bem outro espírito. Artificial não é sinônimo de alienado, ir­real. Pelo contrário, significa bem bolado, a modo de artefato, para um desempenho melhor. Quem tem medo do artificial num trei­namento é alguém que está alienado do mundo dos projetos, e pensa que o real é o viver, é a vida espontânea, sem intervenção de um plano, projeto e determinação de um trabalho penoso e exigente, como se a vida de um operário, de uma faxineira não fosse artifi­cialmente conquistada num duro trabalho de aprendizagem. Uma ide­ologia espontaneista  não cria gente, cria sim, cogumelo, como diz Saint Exupéry ( O Pequeno Príncipe, pág. 29).

Nenhum bom profissional, seja de que área for, coloca o tempo de aprendizagem do elementar como inimigo ou alienação da práxis posterior. Antes pelo contrário, considera a aprendizagem do elementar em formas de exercícios no trabalho de concentração artificial, de treinamento através da simulação do real, como o momento decisivo para todas as outras alternativas posteriores.

Perguntas:

  1. a) Como e o que você pensa do tempo de formação elementar? Não desta ou daquela formação, mas da formação do elementar como tal?
  2. b) Na sua aprendizagem, de seja o que for, você já experimentou o que é formar-se no elementar?
  3. c) Você não é dessas pessoas espontaneistas que logo opõe tudo que é bem determinado, estruturado, planejado, finalizado para um projeto como sendo artificial, longe da realidade da vida? Mas nesse caso o que você entende quando diz vida real?
  4. d) Quais são para você os exercícios elementares indispensá­veis para a aquisição da habilidade para a Vida Consagrada?
  5. e) Quando com razão combatemos o “artificialismo” na formação, o que é que estamos combatendo afinal?
  6. f) Depois de você combater com razão o “artificialismo” na formação, experimente você mesmo dizer em concreto como seria realmente, em detalhes práticos a formação real para a Vida Real.

A importância do elementar para a unidade fundamental da formação para a Vida Consagrada, no tempo em que cada vez mais se tornam contrariantes as diferenças e alternativas da formação

O que chamamos de elementar na formação é fundamental, básico e anterior a toda e qualquer especificação posterior. E, como já foi dito, o elementar é a­quilo que entra em todas as diferentes variantes de um movimento, por mais diversificadas que elas sejam. Seria, pois, de uma grande impor­tância para a formação para a Vida Consagrada, conse­guir um consenso evidente acerca do que é elementar na formação para ser religioso. Deste modo, teríamos, por assim dizer, uma base comum, sobre a qual poderiam ser desenvolvidas diferentes variantes e alternativas da formação, conforme as ne­cessidades e exigências de cada região, cada povo, cada raça, cada tipo de pastoral, de diferentes situações e engajamentos.

O elementar é sempre um princípio, uma dinâmica de constituição de uma determinada ação, mas não coincide com esta ou a­quela ação. E, no entanto, está em cada uma das ações, por mais diferentes que elas sejam entre si, cada vez de outro modo, mas sempre como o mesmo.

É necessário ter um tato próprio para captar essa realidade elementar. Assim, estar sentado, estar correndo com a velocidade que minhas pernas me permitem, e estar deitado numa boa, são atividades inteiramente diferentes. Mas em todas essas ações, posso estar no modo elementar, chamado, por exemplo, sere­nidade. E para me exercitar no vigor da serenidade, eu posso fa­zer ora na corrida, ora me sentando, ora deitado, em diferentes situações, em diferentes circunstâncias, mas sempre visando o mesmo elementar.

Se tivermos claro na formação que é necessário, custe o que custar, adquirir por exemplo o vigor elementar chamado serenidade, então fazendo a formação desta ou daquela maneira, neste ou naquele lugar social, no ambiente tradicional ou no desafio inteiramente novo, haveríamos de nos concentrar, para realmente, em cada uma dessas situações, trabalhar bem, com muito empenho e exigência, na conquista deste uno e mesmo vigor elementar. E uma vez adqui­rido, por ser elementar, ele serviria em qualquer lugar, em qual­quer situação em que teríamos que viver mais tarde.

Quando examinamos as Fontes Franciscanas, percebemos que ali está presente um modo de formação, não  tematicamente expli­citado, mas sim operativamente atuante, como algo bem conhecido, em todas as ações dos irmãos. Um modo de formação que se anuncia em palavras e expressões como: “vencer-se a si mesmo, fazer fruto em si, bem operar, salvação da alma, de boa vontade, vícios e virtudes e muitas outras. São todos termos referentes à prática da vida interior. No entanto, na nossa maneira usual de falar, o que denominamos de vida interior do homem, as fontes franciscanas chamam de homem interior (Cf. LTC 8).

Provavelmente o que se denomina aqui de homem interior tem muita pouca coisa, para não dizer nenhuma, a ver com o que nós hoje entendemos quando dizemos a vida interior do homem. Pois usualmente entendemos por interior o homem o nosso eu e a sua vida íntima, o subjetivo em nós, o privativo, o particular. Mas nesses textos antigos, o homem interior significa o homem essen­cial, o fundamental, o básico no homem, aquela realidade primeira e originária, radical e universal de todos os homens, portanto, a realidade universal e essencial da humanidade, sobre a qual deve­riam se basear todas as variantes e alternativas possíveis do ser homem. Esses termos acima mencionados, usados pelas fontes, que no nosso preconceito moderno os entendemos como indicativos do subjetivo em nós, estariam antes indicando uma medida de ser, universal, forte, radical e imensa, sim elementar, sobre a qual deveríamos basear toda e qualquer formação, por mais diferencia­da, diferente e alternativa que ela seja no mundo de hoje.

Um antigo e sempre novo segredo da formação franciscana

Hoje, vivemos uma profunda crise de formação. Nessa crise, não sabemos mais que rumo tomar, o que fazer. Por não se saber bem que rumo tomar, não se tem mais uma orientação segura. Agitamo-nos em diferentes colocações disparatadas, nos debatemos em tentativas não muito clarividentes de solução.

Dissemos mais acima que é necessário nos assentarmos numa busca mais finita, determinada, mais próxima de nós mesmos. Com outras palavras, é necessário buscar a solução não longe, nas regiões alheias ao nosso projeto de vida, mas sim bem perto, em casa. Se tentarmos com muito empenho e seriedade vasculhar a nossa própria casa, a nossa proximidade chamada ser franciscano, descobriremos em casa um tesouro escondido, que se bem assimilado pode transformar-se num segredo antigo e sempre novo da nossa formação franciscana. De que tesouro se tra­ta? Trata-se de duas obras escritas: as Sagradas Escrituras ou Bíblia e os Escritos de São Francisco de Assis ou num sentido mais lato as Fontes Franciscanas.

Essas duas obras devemos ler.

Será que as Sagradas Escrituras e as Fontes Franciscanas, lidas, estu­dadas, meditadas, experimentadas, trabalhadas passo a passo, to­dos os dias, longamente por anos a fio, não poderiam se transformar no Manual originário e fundamental, de onde os formadores e os for­mandos de vida franciscana pudessem, sim devessem haurir todas as orientações e normas de sua formação?

Esse estudo que deve ser intenso e de grande volume de tra­balho, ser profundo e bem cuidadoso no rigor e na precisão da compreensão não coincide com “estudo edificante” e piedoso de vivências espirituais, ou melhor, espiritualistas. Não se trata, portanto, da leitura “espiritual” ou reflexão partilhada de tro­cas de opiniões subjetivas espiritualistas. Trata-se realmente de estudo, de intenso trabalho suado da busca e pesquisa da verdade. Trata-se de um estudo existencial, isto é, empenho no qual está em jogo o engajamento de toda uma existência humana. Trata-se, pois, de um estudo no estilo como São Francisco de Assis leu e assimilou as Sagradas Escrituras. São Francisco assimilou de tal forma as Sagradas Escrituras que em tudo que ele era, fazia, fa­lava, pensava, sentia, irradiava o Evangelho. Atrás de tal irradiação existe um imenso volume de trabalho, de estudo para a compreensão viva e dinâmica, de meditação, de assimilação.

       O que e como fez São Francisco de Assis?

A primeira coisa que ele fez, foi acreditar de todo o coração, com a absoluta e pura positividade discipular que as Sagra­das Escrituras eram o livro de Deus, o livro do Povo de Deus, onde estava guardado o arcano, o grande segredo escondido do vi­gor do Deus de Jesus Cristo. Ele acreditava, sim sabia que um livro assim está impregnado da experiência viva de todo um povo, todo especial e extraordinário, chamado Povo Cristão. Não é, pois, um livro qualquer. Tal crença não é crendice fanática. É an­tes uma experiência, experiência de quem, viva, concreta e inten­samente está enraizado, está unido na pertença real a uma grande comunidade chamada Povo Cristão, a Igreja. Trata-se, pois de uma experiência viva da participação simbiótica com a imensa e pro­funda experiência de milhares e milhares de pessoas, que desde Jesus Cristo até nos dias de hoje constituem essa família, raça, povo, chamado Povo Cristão.

Cada povo, cada religião possui tal livro arcano. Tal livro-arcano não se lê por princípio historicamente, nem exegeti­camente, nem sociologicamente, psicologicamente, literariamente. Todas estas abordagens de diferentes ciências não são erradas. Mas não atingem, não tocam o espírito, a essência desses livros. E se essas abordagens científicas de alguma maneira podem ser úteis para ler melhor os livros arcanos na sua essência, então somente para quem já antes através de um intenso empenho de con­fronto existencial com esses livros, está por dentro do espírito e essência de tais livros.

       Mas, como é esse estudo de leitura existencial?

  1. a) Pega-se o livro com duas mãos, isto é, com todo o ser, com grande reverência, sabendo que você ali tem nas mãos o vigor, a orientação, a evidência, a fé, vida de milhões e milhões de irmãs, irmãos, pais, mães, filhos e filhas, esposos e esposas, pa­rentes de sua raça, do seu povo, da sua família, de pessoas que desde Jesus Cristo vieram até hoje, pessoas altamente inteligen­tes, autênticas, cheias de boa vontade extraordinariamente disci­pular, todas elas sábias e experimentadas no Seguimento.
  2. b) E então começa-se a ler. Paciente, humildemente, com gratidão, cheio de interesse e atenção obediente. Mas, não usa o que ali está para defender a sua posição, por nobre que ela seja. Não usa o que lê para a sua própria satisfação, por nobre e sublime que seja a sua busca. Antes pelo contrário, se coloca desarmado, com coração vazio de todo o apego, preconceitos e prejuízos, in­teiramente concentrado, com plena atenção cuidadosa, para se abrir ao que as Sagradas Escrituras, e também a leitura das Fontes ao que as Fontes Franciscanas lhe ditam. Deixa-se questionar por elas. Purifica-se. Torna-se cada vez mais obediente, todo ouvido de ausculta dinâmica e atenta, uma ausculta cordial de discípulo.
  3. c) E na medida em que, nesse contínuo confronto, lhe vem de encontro uma compreensão, uma evidência, não subjetiva a partir do que você sabe, quer e pode, mas a partir do que as Sagradas Escrituras e as Fontes lhe dizem, começar a ver tudo, Deus, homem e Universo, os sofrimentos, as lutas, as adversidades, enfim tu­do, à luz dessa nova compreensão.

Tal estudo, seria ele o estudo, o mais direto, o mais próximo, que todos nós poderíamos realizar, sempre e em toda a parte, em todos os momentos e em todas as situações.

E tal estudo, concreto e possível a todos, poderia se tornar o nosso estudo profissional básico e elementar, a partir do qual tiraríamos todas as nossas orientações e diretrizes da formação.

A liberdade na formação e da formação deve seguir a liber­dade discipular do Seguimento de Jesus Cristo

A formação é essencialmente formação para a liberdade. Na Vida Consagrada, do postulantado ao noviciado, do noviciado ao tempo de profissão temporária, do tempo de profissão temporária à Vida Consagrada  de profissão perpétua vamos crescendo para a idade madura da plenitude de Cristo. Esse processo de amadurecimento é o perfazer-se da liberdade no Seguimento de Jesus Cristo.

A liberdade do discípulo de Jesus Cristo, na sua busca ri­gorosamente discipular, sabe nitidamente que, os compromissos do projeto de Vida Consagrada  são imperativos, a que ele se submete livre, cordial e diligentemente como a direitos e deveres sagra­dos da obrigação grata da sua vocação.

Hoje, numa época em que a sociedade de consumo, sempre de novo, insufla nos ouvidos jovens, a idéia de que toda e qualquer imposição é contra a liberdade humana, há nos candidatos à Vida Consagrada  a tendência muito enraizada de ver nas exigências de um projeto de vida uma espécie de imposições do autoritarismo.

Por mais que no noviciado se tenha decidido a abraçar de todo o coração o gênero de Vida Consagrada, essa tendência pode permanecer, por assim dizer atuando, escondida, debaixo das cinzas no tempo de posteriores etapas da nossa Vida Consagrada, numa es­pécie de resistência calcitrante contra o viver concreto e enga­jado a própria vida aqui e agora da Vida Consagrada, principalmen­te da formação. Essa resistência pode aparecer sob o disfarce de indiferença, de uma aceitação dissimulada, exterior de normas e deveres, ou em sintomas como um contínuo ressentimento e descon­tentamento diante de obrigações e deveres, ditados pela Regra, pelas Constituições ou uma atitude de crítica abstrata, azeda que toma ares de consciência superior, ofendida na sua autenticidade pelos defeitos da comunidade ou dos coordenadores.

Essa tendência impede o deslanchar-se no elã total da formação. Pois impede o religioso de abraçar com as duas mãos o tem­po de formação, para valer, e de corpo e alma perfazer cordial e assumidamente o que se iniciou no noviciado.

Por isso, na formação é de importância vital para o formando que, se evite da parte dos formadores o autoritarismo proveniente de seus próprios defeitos e da sua imaturidade ou ignorância, mas por outro lado é de importância maior ainda, extirpar na formação essa atitude de se ficar com um pé atrás, por confundir as exi­gências dos compromissos sagrados da nossa vocação com as imposições indevidas de um autoritarismo. Por isso, no tempo de formação para a Vida Consagrada, nunca é demais insistir na compreensão cada vez mais nítida e evidente acerca da necessidade de conquis­tar a pura e absoluta positividade da busca discipular, onde, em referência ao nosso projeto de Vida Consagrada, toda a nossa ati­tude, cada vez de novo e sempre deve ser um sim total, cordial, da ponta da cabeça até a sola dos pés, para todos os compromis­sos, obrigações, deveres e imposição dessa nossa profissão e vocação.

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