A verdadeira afeição, o “sentimento” e a “emoção” que nos toma conta quando amamos verdadeiramente e para valer não deve ser confundida com o que usualmente nós chamamos de sentimento, emoção, vivência, “eu adoro”, “amei”, “sou tão feliz”, “chorei”, sim “desmaiei”. Por isso, se na vida consagrada, e ali também no nível de relacionamento interpessoal com parentes, amigos, crianças que estão sob nossos cuidados, pessoas a que servimos como educadores, enfermeiros etc. etc., portanto a que fazemos “caridade”, aquilo que nós sentimos e vivenciamos como amor, pode estar embalado no gozo vivencial, emocional, sentimental que embora seja uma coisa muito boa, não deve ser confundido com o amor de Deus e o amor do próximo, nome esse com que Jesus expressa o princípio da Vida Fraterna.
O amor de Deus no seguimento de Jesus Cristo não pode ser comparado, nem compreendido a partir de umas vivências assim gerais e generalizadas do amor-sentimento-sentimentalismo. Por isso é que a Sagrada Escritura, quando fala do amor que se dá entre alma humana e Deus, usa o símbolo do Amor entre Mulher e Homem, no matrimônio, não de conveniência, não de um sentimento assim politicamente correto, mas sim de paixão, mais forte do que a morte, que nenhuma torrente de águas caudalosas pode apagar. Cf. O Cântico dos cânticos. (Cuidado: se eu, aqui, imagino um matrimônio a la novela Globo, assim a modo de um “fraternismo” universal de uma “família” feliz ou no nível de namoro “apaixonado” entre patricinhos e patricinhas, ou também, paixão de amor a la “pornografia” a modo de paixão carnal, sem eira nem beira, então não vai entender o que é o paixão de amor, forte como a morte, que nenhuma torrente de águas caudalosas pode apagar. Pois toda essa metáfora, só entende quem uma vez na vida começou a assumir, a encarar a vida humana em suas inúmeras manifestações como uma realidade existencial, que me atinge corpo, alma e espírito para uma busca. A vida cristã, a vida consagrada, a vocação religiosa pertence inteira e totalmente a uma tal compreensão e acolhimento dessa realidade existencial, i. é, o amor de Deus.
O que chamamos de primeira afeição na vocação de Seguimento (cf. Frei Dorvalino na sua explicação muito bem dada), portanto não deve ser confundida com a acima mencionada vivência, sentimento e sentimentalismo. Pois, trata-se de um toque que desperta o fundo da alma humana, toque que não vem da nossa subjetividade, do nosso eu, mas de uma força, de um amor maior, anterior aos desejos do nosso eu ou da necessidade vital. Esse toque se dá no fundo da nossa alma, onde se dá o encontro, o contato de Deus conosco, com cada um de nós, onde e donde nasce, cresce e se firma aquela paixão do amor acima mencionado no Cântico dos cânticos.
Esse toque de afeição deve ser cuidadosamente conservado e cultivado, fomentado. O que cuida e alimenta a afeição é o compreender e querer. A afeição primeira, sob o cuidado do compreender e querer, cresce e se firma como atitude, modo de ser que é por si uma grande e duradoura emoção. Essa emoção não é vivência a modo de reação, mas sim uma presença de clarividência e calor como uma ação básica, ação de fundo, ou melhor dinâmica, que brota e é sustentada por nosso ser amadurecido. É algo como o calor básico de um corpo sadio. Esse tipo de “sentimento” e “vivência” (experimente dizer por que aqui se usa palavra sentimento e vivência entre aspas “…”), que é no fundo emoção que brota do compreender e querer, faz com que cresça dentro de nós uma energia, um gosto e um jeito que não são passageiros, não são fogo de palha, mas sim algo como identidade bem assentada em nós. Essa energia e força, assim bem assentadas em nós, que cresceram do trabalho árduo do cuidado de compreender e querer, através de longos anos de exercício, são o que me capacita a amar, não com palavras, não com eflúvios de sentimentalismo que vem e logo passa, mas em verdade, aliás na linguagem de Jesus ao falar com a Samaritana: “em espírito e em verdade” i. é, para valer. É o que Jesus diz: amar de todo o coração, com toda a alma e com toda a mente. Esse tipo de amor é o fundamento e vigor da nossa virgindade consagrada que nos faz num sentido bem profundo e real “virgem e mãe” e do homem e da mulher unidos no sacramento do matrimônio cristão “pai e mãe”. As lutas e as dificuldades do caminho chamado virgindade consagrada na fraternidade, e do caminho chamado união matrimonial no vínculo sagrado é o mesmo. Pede de nós, consagrados ou casados, a mesma seriedade, cuidado e cultivo inteligente e bem empenhado da paixão do amor da necessidade livre: da Liberdade dos filhos e filhas de Deus. Não fiquemos infantis nesse assunto de maior importância. Tudo isso é mais do que somente “salvar a nossa alma” e garantir o céu depois da morte. É aprender a amar como Deus ama, até o último instante da nossa vida, e se sobrar um sopro ou uma gota de sangue da nossa existência, vender bem caro esse instante, essa porção da nossa vida, com cordialidade, gratuidade, i. é, a liberdade de quem está agradecido porque foi tão amado e pode amar. Portanto, com todo o ânimo e entusiasmo renovemos a nossa mente, joguemos os tantos pré-conceitos que acumulamos como sucatas velhas e inúteis da nossa compreensão “tradicionalista antiga” e “tradicionalista-progressista-moderna da vida, da vida religiosa e do próprio cristianismo e seus acréscimos acidentais. É nesse sentido que hoje dizemos, um tanto brincando, mas uma brincadeira séria, não ser tanto frade ou clérigo ou freira, para poder ser mais seriamente, mais profundamente, mais cristãmente consagrados, consagradas, sacerdotes, seguidores de Jesus Cristo. O que nada tem a ver com secularismo, nada a ver com adaptar-se exteriormente à época. Isso, mesmo que você não queira, vai acontecer por si mesmo, devido à mudança da época. O que vale é, realmente, originariamente ser consagrados, consagradas como seguidores de Jesus Cristo, na seu vigor fontal.