A noite da Vigília Pascal é a maior celebração do calendário litúrgico cristão, porque nela se celebra o mistério central da salvação a ressurreição de Cristo. A grandeza desse mistério que abraça toda a história da salvação faz recordar o que disse um místico franciscano, Frei Egídio, o quarto irmão a seguir São Francisco de Assis. Diz ele: “Todos os sábios e santos do passado, do presente e do futuro que falaram ou falarão de Deus não disseram, nem jamais dirão, o que Deus realmente é nem tanto quanto a ponta de uma agulha é em relação à terra e ao céu.”

Se os sábios e santos são comparados a uma ponta de agulha em relação à terra e ao céu, a reflexão que aqui segue é um puro nada e não alcança a essência do mistério que celebramos na noite santa da Vigília Pascal. No entanto, as pessoas de fé intuem e, ao celebrar, participam desse mistério de Deus. Sabemos que nesta noite se celebra a passagem de Jesus Cristo da morte para a vida – daí chamar-se pascal; e se chama vigília, porque a Igreja convida os seus filhos/as para se reunirem em vigília e oração para celebrar a ressurreição de Cristo que acontece no transcorrer desta noite qual um grão de trigo que cai na terra e morre, mas germina e produz muito fruto (cf. Jo 12,24).

A Vigília Pascal nos fala de “passagem”. São as passagens operadas por Deus na história da salvação. A palavra de Deus mostra isso nas leituras que ocorrem nesta noite. A primeira leitura, do livro do Gênesis, cap. 1, fala da criação do mundo e do ser humano. Neste relato aparece o ato criador de Deus, fazendo passar do nada à existência, tudo o que foi criado. Na leitura de Ex 14, vemos a passagem pelo meio do mar a pé enxuto. Em Is 55, temos o convite à passagem de uma vida errada para a procura de Deus: “Abandone o ímpio seu caminho, e o homem injusto, suas maquinações; volte para o Senhor” (v.7). Em Ez 36, a passagem se dá na mudança de coração: “Eu vos darei um coração novo e porei um espírito novo dentro de vós. Arrancarei do vosso corpo o coração de pedra e vos darei um coração de carne” (v.26). Entrando no Novo Testamento, em Rm 6, 3-11, vemos a passagem, através do batismo, de uma natureza pecadora para uma vida nova em Cristo: “…considerai-vos mortos para o pecado e vivos para Deus, em Jesus Cristo”(v.11). Mas, é no evangelho de Lucas 24, 1-12, lido nesta noite, que a maior de todas as passagens acontece – a passagem da morte para a vida: “Por que estais procurando entre os mortos aquele que está vivo? Ele não está aqui. Ressuscitou!” (vv. 5-6).

A grandeza desta noite vem expressa no cântico intitulado Proclamação da Páscoa, recordando passagens essenciais da libertação do povo de Deus na história da salvação e prorrompendo num cântico de alegria ao dizer: Ó noite de alegria verdadeira, / que prostra o faraó e ergue os hebreus, / que une de novo ao céu a terra inteira, / pondo na treva humana a luz de Deus.

A grande celebração desta noite leva-nos a alegria de sermos novas criaturas que participam da Páscoa “passagem”, com Cristo ressuscitado. É a alegria de fazer passagem de uma vida de pecado para a vida da graça, porque o Ressuscitado põe na treva humana a luz de Deus. Então, ao celebrar esta noite santa, deveríamos ser criaturas novas que ressurgem com outros valores morais, outros valores éticos, outros valores familiares, outros valores religiosos, valores cristãos, valores que nascem da fé, valores que nascem de Deus e que vêm para iluminar este mundo de crises em que vivemos. Morrer para o mundo do pecado e nascer para a luz de Deus é o convite que nos faz S. Paulo na Carta aos Romanos lida hoje: “…como Cristo ressuscitou dos mortos pela glória do Pai, assim também nós levemos uma vida nova. (…) considerai-vos mortos para o pecado e vivos para Deus, em Jesus Cristo” (Rm 6,4.11).