Marcos: Chamar alguém de professor é designar alguém por aquilo que ela faz, não por aquilo que é. Com frequência nos referimos às pessoas por aquilo que elas fazem. Mesmo aqui no nosso encontro dizemos: o psicólogo, o padre, o bispo, o físico e etc. No entanto, a alma ela mesma, na sua natureza, na atuação da sua essência é inominável, assim como Deus é inominável. Deus não tem um nome. Quando usamos a palavra Deus, usamos uma palavra imprópria. É uma palavra que não diz a essência d’Aquele a quem nos referimos com esta palavra. A palavra Deus seria até um substantivo comum: os deuses, por exemplo.
No AT, quando se pergunta o nome do Deus que envia Moisés, quando este pergunta qual é o seu nome, a resposta é que o seu nome não pode ser dito. Mesmo quando se traduz, eu sou quem sou, esta tradução não diz quem ele é. Quando nomeamos alguma coisa, nós definimos, nós delimitamos aquela coisa, nós distinguimos. Ora, Deus não é uma coisa entre outras coisas. Nem a alma é uma coisa entre outras coisas. Por isso, estávamos sempre nos referindo à alma como um nada a partir do qual emerge tudo. Então, Deus e alma tem um parentesco primeiramente neste abismo do seu próprio ser. Nunca pode ser dito. Nunca pode ser nomeado.
HH: Você está falando que a alma é aceno. Poderíamos examinar quando a alma é aceno e que estrutura tem esse aceno. Porque você está sempre dizendo, não é, não é… Isto poderia ser o que se chama de teologia negativa. Porque teologia negativa diz que tudo podemos dizer de Deus é o que ele não é. Ele não é montanha, não é cachorro e etc. Mas, dizer o que ele é, isto não podemos.
Então, alguém poderia dizer: É muito bonito isto: dizer o que Deus não é, podemos, mas dizer o que Ele é, não podemos. Mas está falando de quê? A alma é aceno. Como é lidar com este aceno?
Marcos: O aceno é um modo de ser que não está afirmando nem negando.
Geraldo: … é um aceno de quê?
Marcos: Para os lógicos a linguagem por excelência é a linguagem científica, porque é objetiva, se refere a fatos. A linguagem que se refere aos fatos é uma linguagem clara. Mas, o problema é que isso é muito pouco. Com a linguagem científica não tocamos nem um pouquinho das questões da vida. Pois no âmbito da ética, da arte, da religião ou simplesmente do pensamento a nossa linguagem não pode ser simplesmente apontar para fatos. Então, o que pode ser dito é mínimo, é uma ilha num oceano do que não pode ser dito no modo da linguagem objetiva (objetivante). Daí surge um problema porque quando falamos da linguagem mesmo, a nossa fala também não é uma fala sobre fatos.
Corniatti: Eu imagino “aceno” assim: o “aceno” aponta para alguma coisa, para uma experiência, mas esta experiência acontece com o tempo. O Aceno é um convite para uma experiência que você só tem quando tem encontro.
Claudio: Se a alma é o fundamento que é, ao mesmo tempo, tudo e nada, como é que as ciências, por exemplo, a psicologia, estão montando um arcabouço de fundamentos de uma base desconhecida?
Marcos: É que a gente supunha antigamente que a ciência era construída sobre uma base sólida, uma construção sobre um terreno sólido. Aos poucos, fomos nos dando conta de que este terreno é um pântano. Hoje, este terreno nem pântano é. É mais uma plataforma de extração de petróleo. Por exemplo, tomando a fala da psicologia sobre o inconsciente, a fala sobre o inconsciente tem a ver com o que estamos falando aqui, porque em si “inconsciente” é um conceito que parte do “consciente”. O conceito de inconsciente já é definido a partir do consciente. Mas, se o inconsciente é “outro” do consciente, tudo o que a gente fala do inconsciente, falamos a partir do consciente. Mas, no que falamos tem indícios. Tais indícios aparecem, por exemplo, no ato falho, nos sonhos… Enfim: há certas manifestações. Então, a gente cria o esquema das manifestações. O que é, a gente não sabe, mas há manifestações. Manifestação é algo que não se mostra, mas se anuncia por meio de algo que se mostra. Conceitos como “insciente” na psicologia, são conceitos que não estão afirmando nada nem estão negando nada. Mas, são conceitos que estão acenando para um “outro”.
HH: … “aceno” não é propriamente indicação. Se fosse indicação, já de antemão, se deveria saber a direção para onde indica.
Fábia: Não é assim como: eu tenho uma cadeira e digo: a cadeira é confortável, azul, amarela… é uma jóia. E a pessoa não entende…
Marcos: Você está indicando…
Fábia: … não é indicar!
Marcos: … a indicação é direta e unívoca. É clara e não deixa margem a interpretações. Enquanto o “aceno” é mais sutil.
HH: O aceno é receptivo.
Marcos: O aceno não diz é “isto”, “olha aqui”. Como as parábolas do Evangelho. Elas não são indicações, mas acenos.
HH: Digamos que você se perde numa floresta e alguém lhe diz que nela há uma terrível onça. Você está lá, quieto, com medo da onça. E, de repente, você ouve um barulho “crik”, e, de novo, atrás de você, outro barulho idêntico. Como você faz numa situação assim? Em geral, agente fecha o olho, para escutar. O índio, por exemplo, sabe que quando a fera vem pegar o primeiro que o pega é o bafo dela. Então, quando o bafo dela o pega, ele salta de lado. Isto parece bobagem, mas é o princípio da esgrima japonesa. Então, o cego, quando é bom mesmo, ninguém o consegue pegar. Não é isso o SEMEION da Sagrada Escritura? Há quem pense assim: Jesus fez milagres que nenhum ser humano consegue fazer. Portanto, deve ser Deus. Esse tipo de conclusão não deve ser SEMEION, não é, frei Aloísio?
Aloisio: Inclusive no Evangelho de S. João, na passagem da multiplicação dos pães, depois do gesto Jesus se retirou para um lugar deserto. E as pessoas, que haviam comido dos pães multiplicados, foram atrás de Jesus e lhe perguntaram: “quando vieste para cá?” E Jesus lhes responde: “Vós me procurais não porque entendestes o sinal, mas porque comeram pão e ficastes satisfeitos”. Isto é, aquelas pessoas não entenderam o SEMEION, o aceno daquele gesto de Jesus.
Geraldo: O aceno para “onde” é uma indicação.
Cláudio: Jesus disse: “Não só de pão vive o homem”, qual é o outro alimento de que Jesus fala?