Vocacional - Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil - OFM

PSICO-TER-A-PIA, Jaraguá-Paulista, 2007 – Parte I

25/03/2021

 

Marcos: O nosso propósito neste encontro é transformar aquilo que a gente supõe saber em perguntas e nossas perguntas se concentram numa pergunta a respeito da alma. E a partir disso tentar ver numa psicologia antiga, medieval (do Mestre Eckhart), como isso aparece, como o tema sentir e pensar é abordado, é posto.

Começaremos de uma indicação: falar da alma a partir da própria alma. A alma não é um objeto sobre o qual podemos falar. Ela é o próprio fundo de nós mesmos, da nossa vida, da nossa existência. Então, falar da alma só é possível à medida que fazemos essa viagem para esse fundo de nós mesmos, a partir do momento em que aprendemos a conhecer a nós mesmos. Esse conhecer a nós mesmos não é tanto uma introspecção subjetiva nem é uma problematização objetiva. Conhecer a si mesmo é co-nascer com o próprio mundo no qual nós somos. Então nós partimos da fala de Aristóteles de que “a alma é, de certo modo, tudo”, é todas as coisas. Estamos tentando entender esse dito que está na base de toda a psicologia medieval, seja de Eckhart, seja dos outros pensadores do medievo cristão. “A alma é, de certa forma, todas as coisas”. Então, no texto que  HH escreveu, para este encontro, havia uma frase que achei muito importante para a gente puxar a interpretação desse dito de Aristóteles:

“Trata-se, antes, do ponto nevrálgico da estruturação do ser do homem como batente da passagem da possibilidade de ser; como a toada da percussão do toque do ser como repercussão ‘syntônica’ constitutiva do mundo”.

Para tentar entender isso que está sendo dito: “A alma é, de certa forma, todas as coisas” nos recorremos a três exercícios, primeiro: aquela parábola da carta cifrada. Alguém desconhecido escreve uma carta e esta carta é toda em cifras. Pessoas recebem aquela carta e são desafiadas a decifrar a carta, a achar um código, segundo o qual aquela carta se torna inteligível, recebe um sentido. Uma pessoa encontra um código. De repente, outra pessoa encontra outro código. E ao encontrar outro código esta mesma carta pode ser lida com outra inteligibilidade, com outro sentido. E assim vários sentidos ou várias inteligibilidades se tornam possíveis.

A gente procurava acenar para o fato de que nós somos sempre em o mundo, no mundo e o mundo é sempre uma tessitura, sempre um texto. Texto significa algo que é tecido. O mundo é um texto e o sentido desse texto cada um precisa aprender a decifrar, encontrando o seu código, com o qual ele dá sentido a sua própria vida, a sua própria existência.

Esse ato de interpretar o texto do mundo, de compreender o sentido do real, o sentido do ser do que é, de tudo quanto é, isto é o primeiro aceno que nós tivemos de que a alma é de certa maneira todas as coisas. Esta é compreensão do ser de tudo quanto é, e é nesta compreensão do ser que nós sempre somos, sempre existimos. Estamos sempre procurando encontrar um sentido e dar um sentido a tudo quanto constitui o nosso mundo, a nossa vida, a nossa existência. Ou se quisermos, somos sempre cada vez em o mundo, somos sempre cada vez num determinado contexto de sentido, de significações.

Ontem, vimos que a palavra mundo em grego é kosmos e kosmos no início não significava propriamente universo, no sentido como hoje entendemos universo, isto é, como espaço-tempo simplesmente, fisicamente compreendido. Mas Kosmos significava uma ordenação de sentido. A palavra kosmos significava, no início, algo assim como boas maneiras, não, porém, como etiqueta, estética do comportamento social, mas boas maneiras entendido como modo adequado de estar dentro de uma estruturação da vida, quer dizer, para quem vai a um estádio de futebol, boas maneiras num estádio de futebol é bem diferente de boas maneiras numa celebração religiosa, por exemplo, quer dizer, uma celebração religiosa é uma estruturação de sentido, é uma estruturação da vida, ali o comportamento do homem é bem diferenciado do comportamento dessa outra estruturação de sentido chamada futebol, esporte, jogo… Assim, nós sempre somos e estamos cada vez em determinados contextos, em determinadas estruturações  de sentido de vida, somos e estamos cada vez em um mundo. Mundo aqui não significa então simplesmente mundo físico, mas mundo aqui é essa tessitura da vida na qual a gente está vivendo sempre de novo. Essa tecitura que estamos tecendo sempre de novo. O texto da tessitura da vida estamos tecendo sempre de novo  através das nossas compreensões

  1. Mamede: a gente pode co-nascer com tudo justamente porque a alma é de uma certa maneira tudo. Se a alma não fosse de certa maneira tudo ….não teria como co-nascer. O que seria esta vida se a alma não fosse tudo?!?

Marcos: esta imagem do tecer, tecelagem tem muito a ver com pensar, porque, em latim, pensum é fio que a fiadeira estende a partir do qual ela vai entrelaçando os fios de um tecido. Então pensar, em latim, é o gesto de estender este fio, e em torno desse fio ir tecendo o destino, um gesto que exige sensibilidade e habilidade ao mesmo tempo. Tanto é que, em português, a palavra pensar pode ser usada também no sentido de pensar uma ferida. Pensar uma ferida, é tratar da ferida, curá-la, fazer o curativo na ferida. Este pensar a ferida significa cuidar de tal modo que o tecido da carne possa se reconstituir. Então pensar é, inicialmente, cuidar para que o tecido da vida, ele mesmo se reconstitua sempre de novo.

No mito grego, esta figura do tecer aparece na personagem Penélope, a esposa de Ulisses. Ulisses está fora da sua pátria, por anos e anos a fio, ele foi guerrear na Tróia, e de lá ele não consegue mais encontrar o caminho de retorno para cãs. Ela, Penélope, no entanto guarda a casa, espera a volta de Ulisses, ela a cada dia vai tecendo um manto para Ulisses. Mas são muitos os pretendentes na sua casa, pedindo sua mão. Ela adia a decisão de aceitar a mão dos pretendentes porque ainda  espera o retorno de Ulisses. E os anos vão se passando, Ulisses não retorna, e ela sempre de novo, adiando a decisão de aceitar a mão de seus pretendentes, tecendo, tecendo, tecendo de dia o manto, de noite desfazendo o que ela de dia teceu. Neste tecer e destecer está a imagem do sentir e pensar porque o pensar é o sentimento, o mais delicado e árduo. Pois o pensar é esta recepção do sentido  das coisas  no qual nós vamos tecendo o significado da nossa existência.

Geraldo: Eu achei interessante este texto do código, dado que o código pode ser interpretado de maneiras diferenciadas. Você gera seu próprio código, mas a coisa em si não tem relativismo. Vamos supor que eu escreva algo e escreva em alemão, para isso que a gente aqui chama de abóbora. Eu chamei de abóbora, outro de abacaxi. As coisas em si mesmas que eu não decifrei no código original diferenciadas dão uma informação. No código original eu estabeleço as mesmas relações que qualquer outra pessoa faria com outro código que eu chamei de abacaxi, outro chamou de laranja, ou outra coisa, mas na hora compara entre si. É o relativismo, ou seja, o código é criado, eu volto ao texto original e o código volta ao texto original. As coisas se mantêm relativas a si mesmas interpretadas erradas, erradas em relação ao original.

Marcos: Digamos que nos momentos desse todo são sempre relativos, mas cada vez momentos de um todo que subsiste em si mesmo, quer dizer, que é absoluto, que é solto em si mesmo

HH: No caso do código, abacaxi, etc. não entendi muito do que Geraldo falou antes. E isto, não porque Geraldo é hermético e difícil de ser interpretado, mas porque eu entendo ainda a relação como se fosse um ponto ligado a outro ponto e assim por diante.  Agora, no pensar a ferida, por exemplo, na Ásia o tratamento terapêutico se chama tocar com a mão, mas tocar colocando a mão bem suavemente a modo de encobrir, proteger. Como quando uma criança bateu uma parte do corpo e vem chorando, a mãe põe a mão sobre a parte onde dói. Esse pôr a mão, no fundo, é dar espaço de calor e liberdade para a área machucada começar a se expandir. Então pensar significa acolher os ductos que vão expandindo, fazer com que eles comecem a seguir a si mesmos, a suas medidas adequadas. Então, pensar é esse tocar. Nesse toque, quem toca tem que estar todo inteiro colado, mas não para ficar colado aí, mas para receber, isto é, nem se quer receber, mas deixar ser. Isto é o que está atrás ou na palavra pensar. No livro que na Ásia serve de orientação para crescer na sabedoria se chama Tao The Khin; esse khin  é livro. O ideograma chinês khin significa tecido.

Então, quando é código, posso usar qualquer palavra, mas no uso do código palavra, escrita e vocalizada, está reduzida à composição de sinais, seja gráficos ou vocais. Entender o conjunto como composição ou como tessitura, acho que já é diferente. E quando a tessitura é do nível de uma pintura, como no caso do ideograma, usar qualquer palavra para qualquer significado como uma cifra e acolher uma palavra como tecido, dá bem diferentes fenômenos. No caso da palavra tecido  a própria palavra já é estrutura de tessitura. Por isso, é bem diferente a mãe de xhw, coca-cola ou Dona Maria, ‘oi você aí’. Eu não posso, na filosofia, usar a palavra Coca-cola para o ser. Coca-cola é do gênero da sigla. Ser, Deus, Tu etc., não.  Voltar à significação original da palavra significa deixar o uso da palavra como indicação, como sigla para retomá-la como nome da coisa ela mesma, ou até, como a casa da coisa ela mesma. Eu posso fazer combinar com outros o uso padronizado de uma palavra como sigla em função apenas de indicação, mas nesse uso, a palavra deixa de ser palavra como casa da coisa ela mesma. Há numa anedota que conta: Um caboclo apareceu na sacristia e pediu ao pároco para batizar a criança recém-nascida. Queria que ela se chamasse Café Aspirina. O caboclo dizia que Café Aspirina soa tão bem. O pároco aconselhou-o a dar à criança outro nome mais viável, p. ex. o nome de Maria. Exclamou o caboclo indignado: ‘Para minha filha, nome de bolacha não!’ Esse caboclo ainda não tinha perdido a noção da significação da palavra. Por isso não dá para explicar com dicionário uma poesia de Guimarães Rosa. Para ler uma palavra da poesia é necessário acolher a palavra e tomar a postura, i. é, ajustar todo o seu ser corpo e alma, e isso, corpo a corpo, de quem com cuidado pensa a ferida.

Marcos: João Cabral de Melo Neto tem um poema chamado O Discurso-rio.  Porque dis-curso significa algo que é um curso que se desdobra. Curso é de correr. Discurso é um discorrer. O rio discorre. Então ele diz: “O rio é um discurso”. Esses rios que secam no Nordeste são discursos que se calam e ficam as poças. As poças dos rios são palavras-dicionárias. Porque palavra não é uma poça, não é uma coisa que significa isto ou aquilo em si mesmo. A palavra só tem vida no discurso, na fluência da fala e na fluência da fala que a palavra toma, a cada vez, o seu sentido de modo que as palavras têm muitos sentidos porque eles podem se dar em muitos discursos diferentes.

Geraldo: mesmo no código errado Coca-cola, a gente vai no dicionário primeiro, existe a coisa lá, mas na hora do fluir do elo das coisas vai acabar descobrindo que esta coca-cola neste contexto tem um sentido diferente, mesmo que chame algo erroneamente, ou seja, você vai a  várias poças, dá nome às poças, mas quando o rio flui, ao juntar todas essas coisas, elas necessariamente… mesmo de maneira errada…  no fluir das coisas você é arremessado…

HH: Só que hoje, quando a gente fala da linguagem, a interpretação da linguagem como meio de comunicação já está pressuposta, ao fazer o dicionário, então na compreensão do que sejam as palavras não há distinção entre a Palavra e palavras. Assim, interpretamos todas as palavras como se fossem sinais, sinais que indicam, apontam a coisa. Então, combina-se usar tais sinais para indicar tais coisas e assim surge a possibilidade de usar a linguagem do código. Só quem conhece essa convenção é que intui. Mas existem Palavras que não são meios de comunicação. São como que as próprias coisas, elas mesmas, se desdobrando. Essas são palavras fundamentais e quando a gente interpreta estas palavras fundamentais como se fossem sinais de coisa ela mesma, a gente não consegue penetrar o todo.

Marcos: Talvez o essencial da linguagem não é apontar para isso ou para aquilo. Perguntaram, uma vez, para Adélia Prado: “O que a senhora quis dizer com esta poesia?” Ela disse: “Uma poesia não quer dizer nada”. Quer dizer, poesia é o próprio brotar da palavra como abertura do mundo. Então, a poesia não é um meio de comunicação que o poeta se utiliza dele para expressar seus sentimentos, expor suas idéias. Quando nós lemos uma poesia desse jeito, a gente está entendendo poesia como meio de comunicação, como se fosse dicionário.

Então o que chamamos de linguagem é também essa abertura da alma, sintonia do mundo. A linguagem não é que existe o mundo e depois nós damos nome às coisas do mundo. É que o mundo só surge como mundo através da nossa palavra.

HH: por isso, Palavra de Deus, essa Palavra de Deus tem outro som, se você se coloca nesse modo de ver.

Marcos: Por isso, quando Deus diz o mundo se faz. Deus diz: “Faça-se!” e o mundo se faz. A palavra é geradora do Mundo, criadora do mundo.

Fábia: Ação. Palavra é ação!

Marcos: Quando a gente fala ação ali, a gente já entende ativo e passivo, não é? Talvez seja anterior a ativo e passivo.

Corniatti: É que a gente entende ação como executar algo. Aí, aparecem o ativo e o passivo. Aí não dá não é? Quer dizer… deixar ser… todo seu trabalho é como que um empenho para que a vida aconteça, deixar ser…

Geraldo: É assim? Aristóteles diz: ‘estou querendo agora falar da alma’. Então imagina que olha para poesia, um código junção de palavras. A alma da poesia seria o que ela me traz.

Marcos: A alma da poesia é a própria linguagem. A Poesia é ritmo, mas o ritmo do fluir da linguagem como rio que corre.

HH: Uma pergunta para os psicólogos: quando psicólogos interpretam símbolos nos sonhos, como é que entendem? É a mesma coisa como com sinais-palavras?

Débora: Acho que é como a alma que interpreta como no caso da poesia, linguagem da psicologia… você vai fazer uma projeção do seu conteúdo, ou seja, da sua alma, este conteúdo, essa alma da coisa vai fazer um sentido para mim, vai fazer um sentido para ele, para ela, para outros, mas vai fazer um sentido diferente para mim porque aquilo vai ressoar com que eu projetei naquela poesia, aquilo que ela fala pra mim. Por isso que é subjetiva a poesia. Alma aqui significa, pois, o âmago de mim mesmo que é projetado p.ex. na poesia.

Marcos: Mas, quando, por exemplo, eu sonho: no sonho aparecem muitos, muitas figuras da linguagem do sonho, naturalmente, porque os sonhos falam, não é? Então, estas figuras da linguagem dos sonhos, se eu as tomo como, por exemplo, leão significa “isso”, castelo significa “aquilo”?!

Débora: se você falou que para você significa isso, vou perguntar o  que significa leão para você? Você pode responder: Meu cachorro de estimação.

   HH: Nesse caso, leão não tem como conteúdo, como a alma da palavra, aquele bicho grandioso e terrível que usualmente denominamos de leão, o rei das selvas, mas o cachorro fofinho da família de Débora.

Marcos: Se alguém pega dicionário, interpreta a modo do dicionário ‘Isso significa aquilo’, isso é ‘segundo o modo da palavra-dicionário. Isto quer dizer: o discurso da palavra-dicionário não é o discurso do sonho, não é? Porque cada palavra do sonho vai ter sentido dentro do discurso do sonho.

O sonho fala até o que você não quer escutar … Então, não é você que dá sentido ao sonho, mas o sonho que dá o sentido a você.

HH: Mas como é que o psicólogo faz? Por exemplo, a gente tem sonhos… vem aquelas figuras, não é? Então, como é que pega o sonho falando?

Débora: Investigando a pessoa que está contando o sonho e saber para ela o sentido que tem. Ela pode não ver o sentido…

Marcos: Pois é, essa pergunta: “que sentido o sonho tem para ela?”, não deixa a fala do sonho ser a fala do sonho, não?

Corniatti: Dr. Leon Bonaventure dizia: “Ninguém sonha dos outros nem para os outros. A pessoa sonha de si para si mesma. Então, diante de todas as imagens que vêm à tona nos sonhos, você tem que silenciar e deixar-se envolver por elas. Então, as próprias imagens vão te dizendo aos poucos…

HH: Mas então, Corniatti, me explique o que você entende nessa situação por silenciar. Portanto, Dr. Leon que lhe disse aquela frase, e você ao ouvi-lo, o que é que você e ele fazem com esse ter dito e ouvido? O que ajuda ao outro aqui é silenciar? Ficam quietos, mudos, sem fazer nada? Não conversam?

Débora: Como o padre faz eu acho. Por que era isso?  O que é “A pessoa tem que refletir sobre o sonho e refletindo, se perguntar “O que é o leão” para mim? Acho que é alguém que me perseguia?” O psicólogo pergunta, “por que alguém te perseguia?”, mas essa pergunta no fundo é a pessoa clinicada que pergunta a si mesma e responde ela mesma e assim ela vai contando e vai falando e aí vai se encontrando a fala dela mesma.

HH: Mas, aqui, nessa sua explicação de como o psicólogo faz consigo mesmo diante do clinicado, para que ele mesmo se encontre a fala dele mesmo etc. Pelo que pude compreender, o psicólogo vai silenciando cada vez mais a si mesmo para que o clinicado ouça a voz dele mesmo e ele mesmo possa falar e ouvir essa própria fala dele mesmo. Esse silenciar é algo como não saber mais nada o que fazer, o que pensar, é estar na completa perplexidade, diante de mim, diante da minha profissão de psicólogo, de não saber mais nada do que aprendi anos a fio com grande esforço e empenho, esquecer o meu passado, minha família, minha raça, meu sexo, minha religião, é silenciar tudo, principalmente a minha psicologia? Silencio-me totalmente, para de modo algum influenciar com minhas medidas, meu saber, minha mundividência, minha ideologia o meu cliente.

Por exemplo, ontem alguém perguntou: e o inconsciente coletivo, e todas as mensagens do inconsciente coletivo, o que é isso? Alguém respondeu: se se trata de inconsciente coletivo para valer, se é do arquétipo em si, e não enquanto a nós, nós não as percebemos. O inconsciente coletivo é tão fundo, tão fundo que não pode aparecer consciente. Na medida em que aparece já é uma espécie de consciente. Com tal princípio como a gente faz terapia?

Débora: Aqui podemos recorrer à simbologia; … mesmo sendo arquétipos que são palavras-chaves básicas, algumas simbologias são básicas para nos ajudar a esclarecer e levar a terapia adiante. Quando alguém, por exemplo, tem simbologia e a descobre na palavra como p. ex. Pai. O símbolo Pai está carregado, prenhe de acenos e significações. Por exemplo, pode ser Deus, algo bondoso,  algo autoritário, mas não é fechado em si mesmo; sendo arquétipo, vai depender do sentimento da pessoa.

HH: Tudo isso não nos está a dizer que os arquétipos e simbologias não são sinais visíveis que apontam para uma realidade inacessível e invisível, mas que são como que anúncios, acenos de pré-jacência vital imensa, profunda, insondável e inesgotável da vida, que cintilam ora terríveis, suáveis, ora com rigor, ora com inominável ternura, irrigando, alimentando o ânimo de fundo da consciência na sua grandeza e profundidade.

 Débora: Arquétipo é pessoal. Mesmo ele tendo a simbologia em si mesmo, assim mesmo ele é pessoal.

Marcos: Acho que a interpretação da gente melhor, porque no texto que a gente produz, um texto que você escreve, ele não diz só aquilo que você quis dizer. Ele diz muito mais do que aquilo que você quis dizer, se o texto for bom. Se for bom mesmo, vai dizer até o contrário daquilo que você quis dizer. Apesar do que a gente diz, o texto é bom! Aliás, é dogma em ambientes, de que a linguagem é expressão e comunicação do sujeito de si para si. E aí você coloca o sonho como linguagem. Esse dogma da opinião pública precisa ser mais examinado.

HH: Por exemplo, ao inconsciente coletivo, não se pode ter acesso. Ele pode ter acesso a nós. Mas não dizemos continuamente que ele não faz esse papel?

Débora: Realmente, ela não faz esse papel.

HH: Quem sabe? Não sei se o exemplo aqui negat paritatem (nega a validade da referência), como diziam os romanos, quando um exemplo ou um argumento não tinha nada a ver com o que estava sendo discutido, por estar muito mal colocado. Mas talvez seja viável. Não sei mais o seu nome, mas é um episódio, acontecido com o junguiano que introduziu a psicologia de Jung no Japão. Ele declarou numa entrevista, a uma revista católica japonesa, que depois de quase 50 anos de ensino, práxis e terapia da psicologia analítica de Jung, não sabia mais nada, sentia-se tão sem poder e saber que ao fazer terapia tinha má consciência e vergonha de receber a gratificação por seu trabalho, que aliás era elogiado e considerado excelente, a ponto de ele ter fama de curar pacientes de casos incuráveis. Quando ele voltou de Zurique, diplomado, doutorado, apesar da insegurança de quem estava iniciando, possuía segurança de conhecimento, de tal sorte que quando recebia pacientes, conforme sintoma e reação do paciente, ele sabia sempre de certo modo como encaminhar a terapia. E assim trabalhou por muito tempo, crescendo cada vez mais na experiência e no saber. Mas, agora, depois de ter formado a maioria dos terapeutas junguianos do Japão, depois de ter tratado tantas pessoas, de ter escrito livros, feito conferências e ensinado nas universidades, começou a entender que, no fundo, o terapeuta não faz nada a não ser silenciar diante do paciente e o ouvir. No começo da carreira, quando entrava no seu consultório, um jovem angustiado e deprimido que ameaçava a se suicidar, ele ao escutá-lo, de alguma forma lançava sobre o paciente projetos de tratamento, buscava ao mesmo tempo em que o escutava tentativas de solução. Mas, agora, se acontecer que alguém invade o seu consultório e ameaça se suicidar, ele fica todo temeroso, atrapalhado. E se ele não fala, não reage logo, isto não é tática para se acalmar, mas é assim que realmente não sabe o que fazer, o que pensar. Assim, o seu silenciar não é mais artificial, conscientemente planejado, é simplesmente e imediatamente perplexidade. Esse modo de ser do silenciar-se atônito o acompanha, mesmo depois que ele começa a falar e tomar algumas providências como médico e faz alguma coisa. Esse médico faz milagre de curar certos doentes tidos como incuráveis. Esse silenciar perplexo e nada fazer, não é afundar para dentro do apriori ali pré-jacente da vida que na realidade tudo faz?

Marcos: Ali a terapia não é mais técnica, ela é co-nascimento. Ela é pensamento. O deixar ser. Ontem, vocês confirmaram que, na terapia, acontece esse co-nascer. A minha pergunta é: se terapeuta co-nasce, na terapia, em outras palavras: Se o pensar acontece, se o terapeuta pensa. Pensa significa, se ele co-nasce com a situação da vida, nesse não saber, nesse vazio do não saber.

HH: Alguém de vocês ficou sabendo ou se lembra, que há muitos anos, um diretor do Instituto Jung de Zurique, um americano, escreveu um livro sobre o suicídio, onde defendia uma tese terapêutica que foi muito criticada pelos terapeutas, educadores e sacerdotes de diferentes igrejas confessionais. Ele defendia que um terapeuta deveria ou poderia comparticipar de tal modo do sofrimento e da tendência de suicidar-se do paciente em questão que o acompanha até o ponto crucial de se matar, mas no último instante o puxa para a vida. Pois no desejo de suicidar-se há um momento de transformação da alma que morre para renascer, mas essa transformação da alma, o paciente doente interpreta mal e a confunde com a morte do corpo. Ele assim defendeu a “técnica” – entre aspas – de ir com o paciente até o momento de quase suicidar-se, mas no último momento, dar um pulo, para mostrar que no suicídio do corpo, o paciente está enganado no endereço. Ele está dando grande passo para uma transformação da alma nele, como se fosse uma morte de tudo o que tinha. Só que ele interpreta errado, pega o corpo e faz dele uma vítima. Aí a terapia, ainda é uma espécie de poder, mas se aproxima um pouco disso.

Débora: Eu acho que ele arriscou, não é? O paciente poderia não recuar.

HH: Terapeutas, psicólogos são pessoas de grandes capacidades, que estudam, não é? Que mentalidade tem aí dentro em referencia a seu saber?

  1. Mamede: No último encontro, alguém perguntou assim: a educação de criança, a instituição chamada escola, os movimentos sociais, ações e empreendimentos de grupos ideológicos, religiosos, políticos etc., etc., fazem isso ou aquilo, o fazem bem ou mal, são honestos, corruptos, medíocres, excelentes, por um tempo, mas depois decaem etc., etc., tem boa vontade, carecem de boa vontade etc., etc. Se, porém, olharmos mais a fundo e perguntamos o que realmente fazem, e o que resolveram de problemas, constatamos que é muito pouco, é quase nada o que foi feito, diante dos problemas que se multiplicam quase em proporções geométricas. O que de segurança e solução provisório a criança tem, corpo a corpo, real imediato é estar colada à mãe. Essa situação de uma força finita, que para nós é como impotência, fraqueza, não é a mesma do caso do junguiano japonês acima mencionada?

Marcos: Porque a técnica é uma forma de poder. Mesmo quando a gente diz que abre mão do poder como dominação do outro, mas ainda é forma de poder. Não que por ter poder fosse ruim, mas o problema é se esse poder não se deixa conduzir para não poder, algo como uma força diferente, na fraqueza?

HH: Alguns ou muitos alunos de teologia pastoral, padres e freiras, freis, agentes pastorais, quando estudam e usam psicologia, os psicólogos, pedagogos, os filósofos principalmente de cunho humanista, religioso dizem que a técnica é poder, não é? E a gente também está dizendo isso, e com razão. Mas então, como é que nós nos atracamos com o problema do relacionamento com o poder e a técnica, de não usar poder? Porque há uma fala e tendência entre nós, pessoas de bem,  que fala e toma posição contra o poder e assim, porque técnica e saber é poder, não estuda, nem usa técnica. Entre nossos estudantes têm muito disso. Assim, tendo-se toda possibilidade de fazer curso bom, porque é poder não se faz. Essa maneira de reagir diante do poder é inteligente? Para onde será que leva esse tipo de pensamento?

Fábia: Leva à libertinagem, não à liberdade!

HH: Talvez possamos detalhar mais essa questão? Há entre os que estudam, em diferentes níveis de graduação escolar, acadêmica, os que estudam na desobriga, outros que estudam para realmente aprender e crescer no saber e no poder das ciências que estudam, os que consideram os estudos uma necessidade, outros que os consideram como hobby, outros que os odeiam, outros que estudam por amor, buscando excelência profissional e vocacional, outros que em tudo isso, através do saber buscam sabedoria e verdade, etc., etc. E ali podemos distinguir pessoas aplicadas, assíduas, trabalhadeiras e responsáveis no aprender e assimilar o saber, outras que são preguiçosas, avoadas, irresponsáveis. Há pessoas que consideram o saber um bem, valor que a humanidade deve apreciar e buscar, outras que procuram o saber como meio instrumental para autopromoção, meio para ter um status social maior, para ter salário melhor etc.

Quando aqui, entre nós que somos estudados e estudiosos, muitos de nós profissionais no mundo do saber, discutimos, num encontro de 3 ou mais dias, vindo de longe, e discutimos entre outras coisas a questão hoje cada vez mais angustiante do saber como poder, técnica como poder, discutimos esses temas que nos tocam, porque na concepção do que é o saber e o estudo, e na praxe exercitada longa e assiduamente sabemos que saber e técnica é aquisição da humanidade, hoje. Isto significa que nós somos, embora não os graúdos, não os maiorais do poder chamado saber e técnica, os participantes, os consumidores, os usufruidores, os usuários do saber e da técnica, do seu  poder.

Dorvalino: Porque o saber é poder e por isso não estuda? Não entendi.

Débora: É como se as pessoas imaginassem o espiritual como ajuda do Espírito Santo. Eu sou uma psicóloga, como psicóloga devo saber determinadas coisas para poder me responsabilizar por minha profissão e meu serviço aos outros. Se achar que Espírito Santo vai tomar conta de mim e eu vou  atuar em favor dele, não sou responsável pelo meu trabalho.

HH … e pelo seus pacientes, no sentido da cura entendida por Débora psicóloga como valor humano, em favor da saúde corporal, anímica e espiritual. Pois, usar o meu saber psicológico e a minha piedade que acho que vem da Fé, como um instrumento da cura, é na realidade considerar o saber, e o crer como poder mágico. Magia é quando considero o físico material como supremo valor de consumo, para o qual devem estar em função todas outras dimensões do ser humano.

Fabia: Mas isso não está acontecendo só com o psicólogo e o religioso. Está acontecendo com a sociedade em geral. Se você falar para a criança: “você tem que fazer isso!”, como meu pai falava, esse “você tem” já é impositivo. Aí você manera e diz: “olha, meu filho, minha filha, aquilo seria bom para você”. Se é alguém mais crescido: “Diante das tuas características, aquilo seria mais interessante, pensa…” Porque se você falar: “olha isso aqui é melhor para você dentro da sociedade de hoje”, as crianças não fazem. Você tem que orientá-las com muito tato para entrar na sociedade. Eu sinto isso, que mudou. A gente era mais respeitada. Eles acham que os pais não têm mais o domínio do melhor computador que já sabem mexer. A experiência de vida com o tempo não tem mais valor para elas.

HH: Tenho comigo mesmo dificuldade, quando estou diante de um problema como esse da Fábia. Talvez porque não tenho experiência de lidar com crianças. Vou arriscar expor o que penso, aqui nesses assuntos. Fábia diz: se, você falar para criança “Você tem que fazer isso!”, como meu pai falava… Gostaria de perguntar aqui: você não fala como seu pai falava, porque a sua filha ou seu filho não a ouve? Se agora, eu adulto, pai ou mãe de vários filhos, tivesse um pai vivo que fala comigo assim “você tem que fazer isso!” eu me sentiria feliz com isso? E se quem assim lhe comanda for estranho, pessoa antipática, um mendigo. Aqui é só um exemplo, e no caso da Fábia, ela poderia estar tão acostumada com o seu pai que até goste desse tom. Mas esse tom é dela, do pai dela, é particular. Não posso achar que isso ali deva ser geral, comum a todos. E sabemos disso. E na sociedade em que circulamos, não é assim que tomamos um cuidado danado para não ofender o padrão de vida, a qualificação do status social, do título, do encargo, da família etc. etc.? Agora, cada um de nós tem sua formação acadêmica, profissional… um é psicólogo, outro pensador, outro professor, outro padre. E sabemos o que seja terapeuta, seja filósofo, psicólogo, sacerdote… todo mundo está cozinhando com água, lidando com o corpo a corpo de problemas. E aqui surge uma pergunta: Como é que eu me responsabilizo pelo que estudo? Não é assim que considero ciência, sua especialização, o ensino e aprendizagem nas ciências e técnicas como uma coisa ali já feita, colocada pela sociedade, de tal sorte que estudar, ter empenho e bom desempenho no saber é funcionar bem conforme o padrão ali estabelecido e que a tarefa de pensar mais a fundo a matéria que sei e o domino, eu a terceirizo, deixo ao encargo dos especialistas etc.,? Nós todos que estudamos e somos diplomados em respectivo saber acadêmico e sua técnica, pelo fato de entrarmos nesse sistema de ensino e aprendizagem acadêmico-técnico, estamos entrando dentro dessa grande busca da humanidade de hoje, e nos responsabilizando pela verdade e sentido dessa busca.

Cláudio: Acho que o homem precisa de valores. Por exemplo: se nós estivermos conversando na hora do almoço, eu vou olhar para você de uma forma, na hora que você coloca toda aquela vestimenta de sacerdote, está lá no altar eu vou olhar para vc. diferente. Por que o juiz usa toga? Tem toda uma simbologia em volta. Então quando um paciente entra num consultório tem todo um contexto de valores…

Fábia: Mas o problema é que os mais novos não respeitam os mais velhos.

Cláudio: Até pouco tempo atrás a referência eram os pais, porque nós vivíamos em família, não havia televisão, à noite, nossos pais contavam os seus causos… eles eram nossas referências. Hoje, a criança tem internet, tem televisão, tem vizinho, ou seja, tem múltiplas referências, o que não sabe… que essas referências são conflitantes entre si

Fábia: Está-se perguntando, nós como profissionais, como resolvemos a situação. Na minha casa resolvi assim: eu estudei muito, eu acho que assim é a melhor maneira de fazer. Vc vai olhar para mim: eu vou fazer assim. Então se vc olha e se achar bom vc faz, se vc não achar bom, vc vai ver outra maneira. Eu passo o que eu faço, não o que eu falo, porque falar, orientar não adianta. Então que ser na vida, na experiência: eu vou fazer assim, assim… Vc está vendo que estou bem, estou calma, tranqüila? Vc vai querer também entrar nessa. Se vc está vendo que este estilo de vida não está bom. Está havendo uma brigaiada dentro de casa, que nós não estamos nos entendendo, vc não vai querer participar. Então nós vamos num paralelo: eu sou um ser vivente e vc é um ser vivente que viveu menos. É assim que eu faço, eu não oriento pela vivência e eles ficam analisando como é que estou.

HH: só que minha pergunta é a seguinte: Cláudio respondeu como ele fez, vc. está dizendo como faz em casa, não é? Mas não estou pedindo para dizer o que você faz. A pergunta não questiona o que e como você faz isso e aquilo. Pois, em dizendo o que você faz e como faz, você está transmitindo como você resolve o seu problema. Quando perguntamos como nos responsabilizamos pelo que estudamos, não se está perguntando como você resolve um problema, dentro do que você estuda.

A pergunta é: se e o que pensa da questão.

Definamos o problema como sendo: Problema é dificuldade que encontramos dentro de um campo temático aberto, cujas coordenadas estão fixadas como posições básicas para uma construção sistemática.

Problemas nós os encontramos, nos afazeres da vida cotidiana, como também nas ciências. Nos problemas científicos o modo de ser da dificuldade acima mencionada aparece com maior nitidez, ao passo que nos problemas dos afazeres da vida cotidiana o modo de ser da dificuldade parece ser mais difuso, opaco e ao mesmo tempo indeterminado, ou mais concreto, corpo a corpo e imediato, sem exibir uma estrutura interna própria. Mas tanto num caso como no outro, as dificuldades querem ser resolvidas, e isso acontece dentro de um determinado âmbito de colocação já pressuposto. Nos problemas o nosso interesse é de buscar a solução, e eliminar ou amenizar a dificuldade. Denominamos tal trend da nossa vida de necessidade vital. Nosso compreender e querer aqui estão movidos pelo sentido do ser livre de.

Convenhamos chamar de questão, distinguindo-a do problema, a ação de uma busca, na qual o interesse não é tanto de resolver dificuldades dentro de uma determinada colocação já posta, mas de colocar-se para dentro de uma busca que renovadamente sempre de novo lança para dentro da questão as pressuposições postas ali como posições básicas de um saber positivo, e isso não tanto para saber mais e mais dentro do horizonte a partir donde e onde as colocações estão já pressupostas, mas numa trabalhosa e trabalhadora disposição livre, sim paixão em clarear de que se trata. E isto cada vez mais, anelando estar na proximidade, junto da coisa ela mesma, a partir dela e nela mesma. Nas questões, o nosso interesse é o de nos colocarmos sempre de novo e cada vez mais na busca, tornando densa a inquietação da saudade de estar em casa em toda a parte na evidência do descobrimento de todas as coisas. Denominamos a tal intencionalidade presente na nossa vida de necessidade livre. Aqui o nosso compreender e querer estão movidos pelo sentido do ser livre para.

Fábia: Acho que não é preciso ser psicólogo formador para compartilhar… quando vc vai orientar um novo técnico, um novo engenheiro… Vc só pode saber isso fazendo, demonstrando, entendeu?

HH: Isto não é só fazer. Ele estudou engenharia todo o tempo. E assim sabe fazer, sabe resolver problemas e sabe ensinar, sabe ensinar ao outro resolver problemas da sua profissão. Mas ele coloca a questão e se coloca nela, i. é, na busca do sentido humano do ser engenheiro? Do ser médico? Do ser sacerdote? Do ser lixeiro? Do ser chinês? Branco, negro, homem, mulher, criança, adulto, velho, doente, moribundo, ser mãe?  Tudo isso é somente um problema para você ou é uma questão?

Claudio: Fui chefe durante minha vida toda e aprendi muito com meus subordinados. Talvez mais do que eles tenham aprendido comigo, mas o que dentro das áreas especializadas, das técnicas, todo profissional precisa ser motivado para e nós precisamos estar motivados para. Então eu acho que o papel do terapeuta, do administrador, do educador, ele precisa sim, estudar para saber… uma dona de casa só pode orientar uma empregada se ela souber fazer bem aquilo que a empregada vai fazer e melhor. Caso contrário, ela nunca vai ser uma dona de casa orientadora da sua empregada. E na vida profissional … também sou especialista numa área … cargo de chefia e trabalhava com outros especialistas. Eu não dominava a especialidade de cada um deles, mas eu precisava fazer uso disso, e se estas pessoas não tivessem um desafio comum, se não for colocado com clareza para onde o grupo tem que ir, nada se resolve… precisa dominar sua área para poder orientar, eu acho que o sacerdote, tudo isso que a gente está, é mesma coisa se vc. …

HH: Não estou discutindo isso. Estou discutindo: uma vez que a pessoa faz isso, qual a responsabilidade tem para a tarefa de buscar o sentido do seu fazer, e não somente resolver o problema que acontece dentro dos padrões que se têm já fixados dentro da profissão.

Cláudio: Eu acho que nossa responsabilidade, independentemente do que a gente possa pensar dessa relação ela é, por exemplo…

HH: Ser pai?!!…

Cláudio: Não, não. É o comportamento. É o que vc sabe. Como vc age no seu dia-a-dia, ser coerente…

HH: Coerente com o que? Quando um junguiano diz arquétipo, inconciente coletivo; um físico, quanta; economista diz valor; sacerdote, vontade de Deus, o que está pensando?

Marcos: Poder mais. Todos nós somos desafiados a poder mais. O pai a poder mais como pai, a mãe como mãe, o terapeuta como terapeuta, educador com educador, o sacerdote como quem tem poder e autoridade do sacerdócio. Esse poder mais não vai na direção simplesmente do dominar, do oprimir… o que causa ojeriza… E esse mais não é simplesmente continuação e escalação do que está fixo como medida ali dada. Quando Jesus em lavando os pés dos apóstolos,  disse que o discípulo não é maior do que o mestre, ele estava mostrando o que é esse mais no poder, de tal modo que ele definiu para nós em que consiste a onipotência divina: servir como escravo.

Dom Mamede: é como dizer: quem quiser ser santo abra o Evangelho e faça o que está escrito lá …

Marcos: Esse poder mais é ser mais na disposição da capacidade de exercer aquela possibilidade.

Débora: Mas esse poder mais vai cair na mesma, não vai? Qual a diferença do mais?

HH: Essa diferença é mais ou menos quando eu sei e por isso digo que Débpra é uma grande mãe, meu primo que é só alfaiate e só pensa em ser alfaiate para lucrar, pergunta: quantos metros ela tem? Não está se preocupando, não está se responsabilizando pelo que está entendendo por grande. Ele já sabe. Não é essa a mesma situação de um estudante frade que diz amar a pobreza e por isso não quer o estudo, porque saber é poder? Num sermão de Eckhart, ele diz: não estou falando para pecadores. Estou falando para cristãos bons que se sacrificam por Deus.

Cláudio: …essa relação de poder… Então, chega uma pessoa aqui, vc está todo vestido de padre de bispo … lá no altar etc., etc. … Esta relação do poder… consciente ou não, é.

  1. HH. O que o senhor nessa pressuposição faz para resolver o problema? O que está entendendo aí por poder?

Claudio: Todo o poder que o outro, que a pessoa imagina dele… ele não precisa exercer.

HH: nessa colocação, o que significa poder, no fundo, não lhe preocupa, já sabe.

Cláudio: Então, não estou conseguindo chegar lá.

HH: … não estamos discutindo visão de cada um. Estamos discutindo qual é a intenção do nosso encontro.

Cláudio: Exercer a relação com responsabilidade no sentido de que tem que haver uma solução…. Se vc não tiver um espírito cristão por trás de todas as suas ações, mesmo vc estando no consultório…, Vc só vai empregar técnica e aí a relação de poder fica perigosa.

Débora: Jung fala que se vc não tiver um relacionamento com o seu paciente de consciente para consciente, de inconsciente para inconsciente, de pessoa para pessoa, não adianta nada a terapia, porque aí ela vai cair na técnica.  Aí, vc está fazendo um bate papo. A gente pode falar até de alma pra alma… Talvez seja isso o poder mais, o chegar mais no fundo… não é?

Marcos: Porque alguém pode ser bom administrador, e nesse caso do bom administrador o que é poder mais como administrador? Porque o administrador está a serviço da administração.

Se ele chega como autoridade que manda e desmanda, ele não pode muito como administrador.

Eu sou um grande paizão, aqui é democracia, todo mundo decide fazer o que bem entender… também não vai conseguir administrar. Então administração tem um rigor próprio, administrador, para poder mais como administrador, vai ter que pensar mais essa administração.

Claudio: Alguém me disse, um dia: “o exemplo é uma pregação muda”. Se isto é verdade, todos nós estamos sendo observados, todos nós somos exemplos para alguém, consciente ou inconscientemente. Como vc. está vivendo, com ele está vivendo…

HH: Um médico protestante que depois se tornou sacerdote católico, lá pelos séc. 17, apelidado Angelus Silesius, ao falar desse modo cristão da pregação muda disse: “A rosa é sem porquê, floresce por florescer. Não atende se alguém a vê”.

Corniatti: Vamos falar do poder mais como sacerdote? É que sou padre…

HH: Mas antes fiquemos um pouco mais com o exemplo do administrador?

Corniatti: Falando a Claudio, administrador, não se poderia dizer que o empenho que vc faz usando todos os recursos que vc tem para cada vez mais se dispor para ser pego pela verdade do administrar é o mais poder como administrador?

Marcos: Zen. Isso passa como zen o que é poder mais … Talvez uma estória zen: Disse o mestre ao discípulo noviço: Limpa o jardim. O noviço varreu cuidadosamente o jardim. Disse o mestre: Não basta! Espanou folha por folha todas as plantas do jardim. Disse o mestre: Não basta!! Lavou e enxugou uma por uma as folhas do jardim. Disse o mestre: Não basta!!! Disse o discípulo noviço ao mestre: Mestre tudo que sabia, tudo que podia, tudo que devia fazer para limpar o jardim executei. O que resta ainda mais a saber, mais a poder, mais a dever, mais a fazer, para que o jardim seja limpo? O mestre se abraçou a um alto arbusto cheio de folhas outonais e o sacudiu: suavemente caíram as folhas e se espalharam sobre o jardim. Disse o mestre: limpar é deixar ser.

Dá para perceber que todo o empenho e desempenho de resolver os problemas da limpeza do jardim eram empenho e desempenho de uma aprendizagem para adentrar uma questão, i.é, uma busca toda própria do deixar ser o jardim a partir dele e nele mesmo? Como alguém que pensa uma ferida?

Leila: Fui trabalhar como psicóloga, para pensar a ferida de um supermercado, para levantar e o nível de produção. Para isso devia ser algo como terapeuta da administração do supermercado. No supermercado tinha 10 chefes para um remador. Todo mundo queria que um remador produziasse mais, melhor. E, no entanto, faltava tudo, no ânimo, na organização, na administração, na compreensão do que seja um empreendimento comercial, tudo….

Eu falava… falava…, falava…mas pouco adiantava. E realmente era assim, porque ali eu não sabia nada. Tive que aprender e reaprender tudo. Aprender a ser líder, ser pessoa, a ser empregada, a comandar, a obedecer, a ser mercadoria, a ser usuário do mercado etc. Porque ali, era o caos. Eu não sabia o que fazer. Tive que fazer fazendo, corpo a corpo, de corpo e alma.

Marcos: … e assim, pensar, quer dizer, esse poder mais vai se abrindo para um poder maior que é a própria dinâmica da vida das pessoas.

HH: …  esse pensar não é calculo.

Dorvalino: Aquele exemplo do Velho e o Mar … pescou peixe grande… Ele voltava para casa … grande objetivo dele era ser considerado o maior pescador da aldeia. De repente, os tubarões começaram a comer a pesca dele. Então pega o remo e começa a espantar os tubarões. O remo quebra e com o resto do remo ele persiste na luta, mas o peixe vai sendo comido até no fim sobrar só o esqueleto. O velho pega aquele esqueleto e desfila pela vila como que mostrando até o fim a pesca dele. Só que ele perdeu tudo, em termos de pesca lucrativa… do fruto da pesca não sobrou nada, mas ele saiu… no poder da pesca,  só com o esqueleto? Não, com mais do que a pesca!

Marcos: Em que sentido essa luta corpo a corpo é pensar? Por que dominar a técnica é importante à técnica, nesse sentido de poder mais, não o é? A técnica é um saber e um saber que é poder, mas ao mesmo tempo, só a técnica ainda não é poder suficiente, quer dizer, esse corpo a corpo torna o poder aberto a esta grandeza da vida que a gente embate com outras possibilidades como a máxima possibilidade. Muitas vezes é nesse embate com o que não podemos e é ali que surge outro tipo de poder que a gente chama de graça.

Cláudio: Agora, consegui pegar o espírito da coisa… Quando eu estudava vivi várias situações dessas. Aliás, a vida toda, não é? Precisa-se resolver isso até amanhã às 8 da manhã. Aí, vc expõe o problema com clareza, perguntando: o que vc pensa, vc chega à conclusão, fica com pepino na mão, fica numa solidão e vc vai pra casa: o que é que faço? … Então, essa hora, digo-lhes: é terrível… aí vc pede ajuda… não só ajuda, vc vai estudar. Pois vc sabe que tomar uma decisão, a mais correta possível. A sabedoria que passa pelo seu coração e de repente se vc tem sorte ou se vc tem merecimento, vc descobre uma variável fundamental. E, então vc chega no dia seguinte, reúne a equipe, e diz: acho que nós nos esquecemos desse ponto da variável “A”, que é fundamental. Então nós vamos para o “A”… é isso?

HH: Mais ou menos! Então digamos que o senhor vai lá e faz a sua colocação: sabedoria, digamos, que é nosso Deus. Teve-se uma iluminação e eu coloco a proposta de uma solução que é aprovada pela equipe. Mas, depois de um mês se viu que aquela idéia não era boa, e que o resultado foi péssimo. De quem foi a culpa?

Cláudio: Aí, vc tem que assumir! Completamente!

HH: O que significa assumir? Em geral, entendemos assumir o erro. Isso de responsabilizar-se pelo erro cada um tem, mas um cristão olha para o Senhor e pede-lhe  para ajudá-lo, não pediu ajuda para ser iluminado? Mas, o Senhor não me ajudou! Mas Ele diz: “Sim, eu te ajudei, ajudei a cair fora dessa maneira de entender ajuda. Então, a próxima vez que vc entrar nessa situação, antes de vc pedir ajuda, não peça ajuda para isso, aquilo…; eu não estou aí para esse tipo de ajuda; vocês se lembram daquela passagem do Evangelho, em que alguém vem a Jesus  para resolver problema sobre herança? Ele diz: “não vim pra resolver esse tipo de problema”… Então digo com meus botões: Ah! Agora sim, estou começando a entender: eu sou filho de Deus; e ser filho de Deus é o tesouro do meu coração. Para consegui-lo vendo tudo, pois aqui se trata da minha plena realização.  E ser filho de Deus não é ser filhotinho, mas é ser adulto, adulto como Ele. Então, da próxima vez, vou pensar mais… de repente percebo que no passado, eu pedia muito a Deus, tratando-o como deus ex machina … Então, você intui e diz: “Puxa! Meu cristianismo não era bom, pois, como diz Mestre Eckhart num de seus sermões alemães, eu enxergava Deus como se Ele fosse uma vaca, porque cada vez que vejo uma vaca penso no leite dela.

Claudio: Vc está colocando as coisas no extremo. Mas posso dizer que, estatisticamente, todos esses momentos que vivi eu acertei 90 por cento. Isto significa o que? Que eu não transferi o problema… Então, não estou entendendo…

Dom Mamede: … é que você  tem que garantir o leite…

Corniatti: Na colocação do Mestre Eckhart, é virar pura exposição à graça.

Fábia: Isto que é co-nascer?

Marcos: Platão tinha dito que pensar é aprender alguma coisa, é uma aprendizagem… será que isso que estamos chamando de embate da vida a gente faz sempre o que pode, mas nesse fazer o que pode, embater-se no que não pode, a gente sempre de novo se abre para a imensidão do fundo de todas as possibilidades e impossibilidades, e, nesse abismo, a gente se dispõe… se torna límpida acepção da vida, como ela acontece …como fatos da vida vão acontecendo… isso é ter alma, não é? Será que a gente pode colocar assim?

Dorvalino: Será que não é a última palavra de nosso Senhor na cruz que diz assim: “Pai nas tuas mãos entrego o meu Espírito”. Em geral, nós entendemos: “Bom, morreu! Acabou!” Mas, talvez, é o salto da verdadeira existência… que a vida agora começa…

Marcos: Espírito ali é esta disposição de estar exposto.

Dorvalino: Ali é que ele começa como Redentor do Mundo.

HH: Existe uma figura, se não me engano da Idade Média, de Cristo crucificado, na qual no rosto do Crucificado de modo subtil apenas como que insinuando, as sobrancelhas são asas abertas da pomba, rugas da testa de Cristo, a cauda do pássaro, o nariz de Cristo o corpo, cabeça e bico da pomba, como a descer; a ponta do nariz de Cristo que sugere a cabeça e bico da pomba, toca por assim dizer, na boca de Cristo que com bochecha cheia de ar, lábios fechados e apertados, como que prestes a soprar o ar, portanto o Espírito Santo. São Francisco não fazia coincidir a morte Crucificada com Ressureição como nessa figura medieval?

Marcos: S. João não diz que: “Até então não havia o Espírito”!

HH: ….Evangelho, a Boa-nova…Não  é assim que Jesus Cristo nos adquiriu o ser Filhos de Deus, de tal sorte que não precisamos conquistá-lo, mas recebê-lo em Jesus Cristo?

Dorvalino: “O Reino de Deus já está no meio de vós”.

Cláudio: Ele está! Mas eu vejo? Ela vê? Talvez ele veja. Mas quantos de nós vemos? Se alguém sai na rua afirmando que esse mundo é maravilhoso é taxado de louco… Estou dizendo que quem atinge este estado é difícil de comunicá-lo…

HH: … mas este estado maravilhoso de Cláudio já tem uma construção… Quando diz maravilhoso, entende maravilhoso na nossa construção…, mas acho que não é isso. Esse mundo como está, com toda mixórdia que tem, é como Deus quer. Quando você pergunta: “Como é que Ele pode querer uma coisa dessas?, você não sabe o que é o querer dele. Então se eu disser assim: “Eu não sei, mas me entrego”, Ele  dirá: “Eu não quero um aluno assim, que diga: ‘Ah! Vc é professor, você sabe: eu me entrego. Eu quero um aluno que queira ser como eu. Eu quero ensinar”. Aí começo a me adentrar nessa paisagem ali pré-jacente e, no fim, digo: “Uai! Não tinha visto isto”. Então, outro pode dizer: “Você está sofrendo que nem um cão”, e eu digo: “isso mesmo. Mas, eu sou filho de Deus… e se me perguntam: “Mas vc não sofre? Sim eu sofro uma experiência que  me deu como o grande tesouro da vida, a saber: eu sou igual a Ele. Não seria este o  Evangelho, a boa nova?

Marcos: No relato da Paixão não tem drama. É um relato sóbrio. Não tem o dramático da subjetividade, de um homem que fracassa ou de um herói ou de um mártir que testemunha a verdade. Jesus não aparece como mártir, como herói… aparece só ele nu, exposto…

HH: Na Paixão! Como Filho Amado do Pai.

Marcos: Então isso é alma, não é? Essa abertura, essa exposição, essa liberdade é que é a alma.

Dorvalino: Podemos dizer que sentir e pensar é padecer?

Marcos: … é nessa linha que nosso texto vai. Sentir e pensar é padecer. Mas o que é padecer? Aí, nós já vamos ter o pensar e sentir.

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