Se eu fosse você, não me deixaria vencer pelo desânimo e pela chateação. Isso porque esse desânimo não me dá o vigor de reflexão. O treino da reflexão, você o pode fazer da melhor maneira, justamente lá onde você recebe pouco incentivo de fora. Pois, ali, você mesmo deve lutar e trabalhar por própria iniciativa para criar dentro de você, e a partir de você mesmo, um ouvido, um olho que consegue captar e ampliar as ondas informativas que vêm de fora.
Sem esse ouvido de amplificador, você jamais conseguirá ver, nem ouvir com vigor reflexivo. Viverá sempre na dependência da didática do professor. Peço tomar muito cuidado com esse colonialismo intelectual ou paternalismo intelectual. Se você quiser aprender a refletir; deve acabar pela raiz com essa dependência. Isto não inclui naturalmente que você critique as aulas. Pode fazer e deve fazer essas críticas. Mas o pior para a sua vida é desanimar, resignar-se e não ver a chance de reflexão, lá onde ela se apresenta sob a máscara de chateação, dificuldades.
O importante é você aprender a ouvir uma conferência. A nossa tendência é pôr toda a esperança no conferencista. Se ele é bom, você aproveita. Se é ruim, você se frustra. Com isso você fica dependendo das circunstâncias. Torna-se fraco, é como um organismo que só cresce lá onde tem uma estufa quente e agradável. Assim, você vai ficando intelectualmente uma pessoa que não consegue mais respirar o ar frio e seco do deserto. E o mundo moderno exige alguém que consiga respirar até o ar do Sahara. Aliás, lá é quente…
Esquecemos assim, por completo, que o que entra pelo nosso ouvido é escutado através do modo como a gente escuta. Ouvir não é só ficar passivo e deixar-se empolgar ou se chatear com o que o conferencista diz. Isto seria escutar música. Uma conferência não é valsa de Strauss. Ouvir é um trabalho operário ativo de questionamento. É necessário fazer surgir dentro da cuca perguntas e mais perguntas. O importante não é você receber respostas do professor. Muitas perguntas que fazemos ao professor, ele não consegue responder. O importante é que você se treine e consiga colocar para você mesmo perguntas. Isso porque o vigor da reflexão está 90% em você saber colocar perguntas. Nisto consiste a vivacidade da inteligência. Em geral, a nossa cuca é preguiçosa. Experimente usar as aulas chatas para por em movimento o miolo precioso que você tem. O problema é só de treinamento. Mas o treinamento é um trabalho, diria braçal. Trabalho-operário, duro. Não fique pois resignado, desanimado porque a coisa não funciona agradável e facilmente. Como crescer no vigor, se em vez de você arregaçar as mangas, fica triste e sentado no seu desânimo?
Com isso, não estou justificando a falta de animação das aulas. Mas a minha função no curso é de ser-lhe útil para que você consiga dinamizar reflexivamente o seu miolo. E, para isso, a didática, o agradável de aulas de um professor é verdadeiramente secundário. Portanto, se ando dizendo essas besteiras, é porque pela minha própria experiência (muito pequena aliás…) a reflexão tem seu método próprio, que não deve incomodar-se como o agradável.
Uma sugestão de como a gente abre o campo de ressonância dentro da cuca para poder ouvir melhor as aulas. À mão de um exemplo, começo a matutar com meus botões:
- Na aula ouço a afirmação de que a Ordem toda está unida sob um só ministro geral? Então começo a maturar com meus botões: Será que é união? Ou não será antes uma centralização e dominação do centro, abafando os carismas da periferia? Donde vem essa mania de unificar? Para evitar desordens? Mas a desordem não é também um sinal de vitalidade? Mas também pode ser um sinal de confusão. Como será que estava a Ordem naquele tempo? Na desordem do carisma? Do vigor? Ou na anarquia da confusão que é sinal de fraqueza? Será que Frei Pedro falou disso? Onde é que encontro algo sobre isso? Se tiver tempo hoje de tarde, vou examinar um pouco esse ponto interessante que pode ser muito atual hoje.
Aliás, como é que a gente distingue união e uniformidade? Existe um tipo de união que liberta. É a união no ideal, união no amor, união no carisma. Mas mesmo essa união não é harmonia romântica? Há muita luta e conflitos. Mas há também vigor e um núcleo vivo. Mas será que essa união viva pode ser alcançada através de organização uniformizada? Botar todo mundo sob o uni-forme da lei? Sem leis e organização, porém, uma sociedade não funciona. Como, pois, conciliar a liberdade com a organização? Pensando bem, esse negócio é justamente o problema que hoje sinto na minha congregação. Vou ficar de olho na história, para ver como é que eles, os antigos resolveram esse diabo-de-problema. Ou será que eu nem sinto o problema? Mas por quê?
- “A Ordem transformou-se em poucos decênios de laical em clerical. Aha! Aqui tem dente de coelho! Como é que uma idéia originária de São Francisco pode ser transformada em alguns decênios? O que será que aconteceu? Como é que, de uma fraternidade onde não havia distinção de títulos, graus, ofícios e precedências, surgiu uma ordem dividida em estados sociais: leigos e clérigos? Será que não interpretaram mal o respeito que São Francisco tinha pelos sacerdotes? Vai ver que o problema é dos estudados e não estudados.
Os não estudados têm muita piedade e carisma. Mas essa piedade, se não for acompanhada de um duro trabalho intenso de cuca, da reflexão, acaba num fanatismo ingênuo e cego. Ou será que os que sabiam teologia fizeram de seu saber um poder de dominação e promoção, em vez de ficarem mais humildes e transparentes para a verdadeira sabedoria? Parece que nesse negócio dos espirituais há alguma coisa nesse sentido. Vou ficar de olho no que diz o Frei Titon, para ver se encontro alguns fios nessa linha.
Ou pode ser que a Igreja quis usar os frades para o seu apostolado. Como o leigo não tinha vez, era ignorante, fez questão de que a Ordem fosse clerical para poder dispor dela melhor. Será que obedecer à Igreja nesse caso é fazer a vontade de Deus? Vamos ver, como é que os antigos se adaptaram a tudo isso. Será que havia naquele tempo alguém que considerou um caso de adaptação assim com olhos críticos?
A questão é aliás muito atual para nós também. Hoje em dia, há uma onda de ajornamento e entrosamento no mundo. É a tendência da Igreja. Mas nós, franciscanos, em que sentido devemos nos adaptar a essa tendência da Igreja? Não pode acontecer o que aconteceu naquele tempo, que a Ordem se “clericalizou” pela adaptação? Estamos indo hoje na onda de um triunfalismo camuflado, e esquecemos o nosso carisma fundamental? Como devo entender a obediência de São Francisco e da Ordem à Igreja, que nem sempre acerta com a vontade de Deus. Aqui tem algo sobre a obediência. Vou conversar com quem tem esse tema. Também vou conversar com que tem o tema sobre carisma e instituição. Vou ver se eles perceberam que na aula se tratou do problema de seus temas etc. etc.
- Ou, por exemplo: Joaquinismo. Que palavrão é esse? Não sei o que é. Vou perguntar. Tenho vergonha? Uai, não saber não é uma vergonha. É vergonha a gente guardar como diamante a própria ignorância, por medo de perguntar. E se o Frei Titon não me explicar direito, vou insistir. E se ainda não compreender, vou ver hoje à tarde na biblioteca, se encontro algo no dicionário ou no lexicon.
Em todo caso, meus comilitones, cabeça erguida! Nada de desânimo. Que negócio é esse? Ninguém de nós queremos ser grandes. Mas todos devemos ser pioneiros e ter a “gana”, a “coragem” e “iniciativa” dos pioneiros. Pois ser menor é ser dentro de sua cuca pioneiro. Pioneiro é o proletário, que arregaça as mangas e suja as mãos no barro do desagradável. Vamos dar um jeito? Em louvor de Cristo. Amém.