Vocacional - Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil - OFM

Observação sobre a diferença entre a terapia e a orientação espiritual através de um exemplo

25/03/2021

 

Digamos que estou abatido e desanimado porque gostaria de viver cordialmente o meu ideal de seguir a Jesus Cristo como o fizeram os santos, mas com qualquer contrariedade me descontrolo. P. ex. teria gostado de ir ao encontro de Araraquara, mas não posso, pois me sobreveio um improviso e jogou todo o meu plano água abaixo. Fico até deprimido por essa minha fraqueza e falta de cordialidade e serenidade diante de tal imprevisto. Vamos aproveitar essa dificuldade de não poder ir para o encontro, seja por impossibilidade física, ou por causa do compromisso em casa, ou por não ter recebido a permissão para refletir a mesma coisa que se der certo, a gente gostaria de refletir em Araraquara.

Como sempre de novo refletimos, o problema não está  no fato de eu ficar chateado. Posso ficar chateado quanto quiser. Para ser grande mulher, no caso de uma irmã menor, ou grande varão, no caso de um frade menor, não ajuda muito eu ficar cuidando, preocupado em não me chatear ou não me revoltar quando recebo um não, e isso sem explicação. Não ajuda porque essa chateação, que quando se torna grande, imensa vira idéia fixa e bloqueia o ânimo vocacional, repousa sobre um pre-conceito, i. é, uma compreensão já pressuposta, i. é, posto, fixo de ante mão, sem ser analisado,  que não me ilumina o caminho. Esse conceito não é uma idéia ou uma representação. É antes toda uma rede de conceitos, um mundo de compreensões. Por isso que demora a gente sair dessa toca. Talvez eu gostaria de ser alguém que não se chateie se recebe um não assim. Aqui, aceitar ou não aceitar, no fundo, é o mesmo, se continuo sobre ou dentro desse pre-conceito. E se nós temos diante de nós uma figura como a de São Francisco, Eckhart, Egídio, de Edith Stein, a saber, santa Benedita da Cruz, ou santa Clara, Santa Terezinha do Menino Jesus etc. que foram grandes, embora diferentes nos seus modos de ser, e sem mais aceitaram com um sim cordial um Não muito maior do que a chateação de não poder ir para um encontro; tudo isso não é porque também os santos sofreram, tiveram que exercitar-se muito etc. etc., mas é porque se desfizeram do tipo de preconceito e começaram a ver diferente a situação. Por isso no momento que começaram a ver diferente, sob essa nova luz começaram a se exercitar, não em agüentar, não em abaixar a cabeça, não em ser uma mulherzinha ou um homenzinho ‘humilde’, obediente, um santo, um cordial, um não sei o que, mas descobriram que SER GRANDE é bem outra coisa do que o ser grande no sentido usual, da espiritualidade, do ser cristão no qual estamos padronizados, por mais sublime e honroso que isto se nos pareça a partir de nós. O novo grande que aqui se nos apresenta, ao termos dificuldade de dizer sim cordial a um não assim, está em receber a contradição como tarefa de uma pesquisa.

Na espiritualidade usual, dizemos: vamos oferecer tudo isso a Deus, vamos suportar por amor de Deus, é a vontade de Deus etc. Nesse modo de se impostar na vida religiosa, estamos suportando, estamos nos sacrificando, mas não nos estamos esclarecendo sobre a vida religiosa.

A contradição que devemos acolher, ou melhor, receber para pesquisar  é exatamente essa minha pretensa fraqueza de querer o ideal, mas não conseguir vivê-lo. Essa contradição é a cruz que Deus encarnado fez sua e a transformou no caminho, verdade e vida aos que o seguem. Por isso, na cruz tem a direção vertical que é a do ideal, e horizontal que é a trave que impede de ir direto para o além-fraqueza-humana, para cima. É o mistério da Encarnação. E mistério não é o que está acima da nossa compreensão, mas sim aquilo que está tão no fundo da nossa compreensão que não a podemos captar, como objeto, pois não está diante de mim (ideal), mas atrás de mim como o fundamento, a partir do qual e dentro do qual posso ver diferente. É que na língua alemã Ge-heim ainda conserva a conotação do mistério como o que me é tão próximo que é mais próximo e íntimo do que eu a mim mesmo: Ge = recolhimento, concentração, heim = lar, em casa.

A psicologia e toda e qualquer terapia partem do princípio de que contradição é para ser superada, resolvida, eliminada para se viver feliz. A orientação espiritual (entendendo o espiritual como Espírito do Senhor e o seu santo modo de operar  = o que e como viveu Deus encarnado, Jesus Cristo) tem por princípio: contradição (a cruz) é para ser recebida e ser pesquisada até o fundo, e ali no fundo ser tocado por um renascimento “radical” (-da raiz-), operado pelo próprio Jesus Cristo e assim morrer com ele e com ele ressuscitar (texto do grão de trigo). Isso ouvido pela terapia, parece suicídio, masoquismo, resignação passiva, resignação ou entrega à sacrificação de si. É uma grande equivocação e preconceito. A essa equivocação e preconceito terapêutico não se pode limpar, a partir e no projeto da busca do ideal, pois o ideal em si não é outra coisa do que a projeção da minha concepção da vida, a partir e dentro do modo de ser que  pode ser descrito como o modo de ser das ciências positivas. A maneira adequada, própria de superação desse modo projetivo de interpelação produtiva não é abandonar tudo isso e ir morar num outro ideal, cujo modo de ser não difere do anterior, pois está ainda na estruturação do ideal objetivo, projetivo. Aqui, psicologicamente, se eu não agüento no momento certa concretização da vida, posso tranquilamente buscar outra concretização, na medida em que isso nos é possível dentro da nossa limitação humana histórica. E, na vida, e também na vida religiosa a maioria vive somente trocando de lugar, e não permanece na própria contradição, fraqueza e chateação como encruzilhada, onde seria necessário colocar os pés juntos e girar ali, até que se comece a afundar e ir para o fundo (cf. I Fioretti). Uma vez no fundo, pode mudar lugares na superfície ou ficar no mesmo lugar, está se avançando para uma nova dimensão. E isso me abre uma realização inaudita, que por quem não permaneceu com cuca legal na encruzilhada, não pode nem sequer ser imaginada. E no fundo tanto faz se a contradição vem de uma pessoa, do tempo, de um acidente, da maldade ou bondade de uma pessoa ou da comunidade. Tudo isso é só superfície. Nessa compreensão mais vasta e profunda do ser cristão, tudo que vem, seja de bom ou seja de ruim (segundo a minha avaliação), vem do desafio para aprendizagem de um único Mestre, Cristo que usa de todos os meios para me envolver na pesquisa do único caminho, verdade e vida de uma vocação (chamada) inaudita.

Experimente pensar nessa direção, até o seguinte encontro de reflexão.


(Esse texto e reflexão foram enviados para várias pessoas que queriam ir para o encontro, mas não o puderam por contradições de vários tipos. Quem de alguma forma entendeu essa reflexão chutada e meio confusa, é como se tivesse participado ou até mais, do encontro de Araraquara).

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