Vocacional - Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil - OFM

Do Evangelho – Experiência de Deus: a identidade religiosa

03/03/2021

 

Aqui nessa exposição, ao refletirmos sobre a experiência de Deus, não queremos propriamente saber, o que sentimos, o que devemos sentir ou como deve ser o nosso viver cristão. Queremos, antes, examinar como é o modo de eu mesmo ser, para que da minha parte haja uma disposição elementar e prévia de acolhida de uma “realidade” como a da experiência e da experiência de Deus. Dito com outras palavras, queremos observar a nossa identidade religiosa.

Usualmente, identificamos a experiência de Deus com o que “vivenciamos” nas práticas religiosas, no empenho cotidiano por viver os valores cristãos e no convívio comunitário. Vivemos momentos de “falta de Fé”, isto é, momentos em que não mais “vivenciamos” Deus e sua causa. Tal ‘coisa’ se dá, principalmente, nos fracassos cotidianos, na luta por viver o que o Senhor nos ensinou, e nos momentos em que sentimos na nossa própria carne as deficiências do nosso convívio humano, pessoal e comunitário. Dizemos: nossa vida cristã vai mal, nossa comunidade não presta, não consigo viver o que o Evangelho exige…, não tenho mais a percepção da experiência de Deus.

Perguntemos: quem diz isso? Eu. A respeito de quê digo tudo isso? A respeito da vida cristã que está ali diante de mim como realidade da vida. Temos assim o “eu”, a saber, o sujeito da ação de dizer, de sentir, de pensar, de querer ou não querer esse “objeto” chamado experiência de Deus. Seja qual for o tipo de ação que eu exerça sobre esse objeto, trata-se de um relacionamento entre mim e essa realidade diante, ao redor e dentro de mim, chamada experiência de Deus. Fixemos bem este ponto: seja como for o modo de ser do objeto chamado experiência de Deus, trata-se de um relacionamento entre mim e essa realidade, e não somente isso, trata-se sempre de um modo de ser do meu relacionamento em referência a mim mesmo, à minha identidade, usualmente chamada religiosa.

Assim, na nossa reflexão, quando buscamos saber o que é experiência de Deus, não pensamos na experiência de Deus, entendida como o viver cristão já estabelecido enquanto objeto do meu sentir, agir, pensar, querer habituais, mas sim no modo de ser da minha identidade, que determina o meu relacionamento para com a realidade já existente, acima caracterizada como viver cristão já estabelecido. Talvez o que chamamos de experiência, e experiência de Deus, antes de tudo, antes de falar do viver cristão já estabelecido, tenha algo a dizer acerca de mim mesmo e do modo de ser bem próximo de mim mesmo.

       Para ilustrar esse ponto tomemos um exemplo.

Vou indo por uma estrada. De repente, atrás de uma curva, um obstáculo: Uma árvore caída a impedir-me a passagem. A árvore caída é uma realidade, um objeto-obstáculo diante de mim. O objeto-obstáculo não é a minha identidade. Eu não sou a árvore caída; não tenho culpa, nem mérito, em a árvore estar ali deitada. No entanto, pensando bem, o objeto-obstáculo diante de mim faz parte de mim mesmo, sou responsável por ele como algo que se refere à minha identidade. Em que sentido?

É que a situação em que me encontro é um relacionamento meu com a árvore caída, isto é, com o objeto-obstáculo. O modo de ser desse relacionamento diz respeito à minha identidade. Pois, posso ficar ali deitado diante do obstáculo e começar a me lamentar de tudo, posso ficar revoltado com a prefeitura, posso procurar uma passagem por cima do tronco ou um atalho através do mato. Em fazendo isso, posso fazê-lo resignado, revoltado ou com calma e inteligência, etc.

A situação da vida humana jamais tem o modo de ser da factualidade de uma coisa e jamais pode estar ali, simplesmente, como p.ex. árvore caída ou uma pedra. Não podemos compreender a realidade humana com a categoria da factualidade, pois ela é facticidade. Facticidade é o modo de ser próprio da existência humana de achar-se sempre já situada, isto é, aberta e constituída dentro e a partir de um ‘lance’ da possibilidade de uma pré-compreensão do ser, que se estrutura como um todo, denominado mundo[1]. Essa compreensão de ser não é algo teorético nem algo prático, mas sim sou eu próprio. Nós somos sempre já uma determinada compreensão do ser. Essa compreensão do ser é nossa história; é fruto do exercício de nossa responsabilidade. Isto significa: devemos assumir o que somos, ser o que somos.

O que diferencia o existir humano do ocorrer das coisas, dos vegetais e dos bichos é esse assumir. Isto quer dizer: nós somos sempre mais do que a nossa factualidade. Por exemplo, de manhã, no inverno, eu fico deitado na cama com preguiça de me levantar. Eu, porém, não posso ficar simplesmente deitado como o faria uma pedra ou um bicho. Pois sou colocado diante de uma decisão: de levantar-me, de continuar deitado, de não me decidir, de simplesmente deixar-me levar pela preguiça. Seja o que for, mesmo que nada sejamos, seja o que for que façamos, mesmo que nada se efetue, não somos simplesmente, não ocorremos apenas, pois temos que nos assumir a nós mesmos, também e sobretudo, o próprio não assumir, respondendo a nós mesmos. Somos, pois, responsáveis pelo nosso ser e fazer, pelo nosso não-ser e não fazer…

Aqui, ser responsável não precisa significar um assumir em atos cientes e conscientes. Pois, “fazemos” o nosso assumir ou não assumir sempre a partir do modo de ser que constitui a estruturação própria do ser que somos. Essa estrutura de responsabilidade pelo nosso ser aparece na nossa vida como busca do sentido de uma coisa, como a pergunta: por quê, para quê, o que é?

Isso tudo traz uma conseqüência embaraçosa: nós somos aquilo que damos a nós mesmos, mas o que damos a nós mesmos é o que somos! Isto significa: a pergunta “o que é, como é a experiência de Deus” não tem resposta, a não ser na forma de uma contra-pergunta provocativa que questiona: quanto é que você dá a ela? O que você faz dela? Dê você mesmo a medida do que seja a experiência de Deus, pois o que ela é depende da medida do seu coração (Cf. Lc 19, 22; Mt 6, 21; 7, 1).  Nesse sentido, portanto, a experiência de Deus não se refere primeiramente ao que sinto na prática religiosa, ao sucesso ou fracasso na minha luta pelos valores cristãos, ao bom ou mau convívio comunitário. Antes, diz respeito ao modo fundamental de ser de todo e qualquer relacionamento meu com Deus, pessoas, comunidades, idéias, acontecimentos, coisas, sim comigo mesmo. Em outras palavras, a experiência de Deus refere-se ao modo fundamental do meu relacionamento universal com a Vida e com tudo o que ela me apresenta.

Buscar a experiência de Deus é se dar como identidade a : acreditar, isto é, ser atingido por e abrir-se a uma possibilidade anterior, a uma realidade fundamental e mais profunda. A essa realidade, nós cristãos chamamos “Deus, revelado por e em Jesus Cristo”. Acreditar significa: entregar-se, dar voto de confiança, ter a urgência de fluir na “vontade” deste Deus; é ser atingido de antemão por um chamado, por uma predileção anterior a toda e qualquer iniciativa nossa, para além e para aquém de nossa competência e possibilidade. Trata-se, pois, da escolha livre que Deus fez de nós, escolha dele que nos amou primeiro e nos chamou à decisão de o buscarmos.

Deus não nos aparece como uma entidade, como aquele que ensina diretamente, informa ou dita normas, ordens e ensinamentos, visivelmente. Jamais aparece Ele mesmo, a não ser no humilde retraimento do Mistério da Encarnação, isto é, no ser e no agir de Jesus Cristo, que foi obediente ao Pai até a morte na cruz; nos aparece, também, em todo o ser e agir dos que viveram, vivem e viverão o seguimento de Jesus Cristo. Trata-se, pois, de uma imensa corrente de fluxo e refluxo universal da responsabilidade existencial dos seguidores de Cristo, dos cristãos. E não apenas um ‘relacionamento’ de um algo chamado eu e outro algo, chamado Deus. Trata-se de uma presença, imensa, profunda, onipresente em tudo, como aquele que nos chama, evoca, ensina, nos provoca, orienta, consola, sim, nos prova, em um imenso convite de Encontro com ele.

Essa onipresença se oculta, impregnando com o seu ser todos os entes do Universo, no tempo e espaço. A pregnância, a prenhez dos entes no ser dessa presença cheia de cuidado, em deixar ser o encontro com ela, não pode ser compreendida pelo sentido do ser que caracteriza a factualidade. Se a compreendermos como fatos e ocorrências, segundo o sentido do ser como do ser simplesmente dado como ‘coisas’, caímos numa crendice sem clarividência acerca do sentido do ser e da sua questão, a saber, numa mundividência denominada “panteísmo”. Se, porém, compreendermos essa onipresença como inter-esse do cuidado diligente a fazer “acontecer” o encontro com ela, como incessante, sempre nova ocasião de provocação, convocação, de Quem nos amou primeiro e nos gerou seus filhos, então os entes, sejam eles quais forem, de que setores, níveis e dimensões, – pedras, plantas, animais, imensidão do firmamento, oscilações do tempo e das estações; seres humanos, povos e nações, em diferentes raças e cores, suas culturas e civilizações; os acontecimentos e os eventos históricos, enfim, todos os fenômenos do Universo cósmico e humano; portanto, todos os entes atuais e possíveis no tempo e no espaço, – não são outra coisa do que apelos, chamamentos, convocações para conhecer e amar, experienciar a Deus. Portanto, todas as coisas a cada momento, de dia e de noite, sem exceção ou exclusão de nada, na graça e na desgraça, no bem e no mal, no belo e no hediondo, podem estar evocando a tarefa de crescer na experiência de Deus.

Costumamos dizer e repetir que o cerne da identidade religiosa, que quer fazer a experiência de Deus, é fazer a Vontade de Deus. E o fazer a Vontade do Pai é por nós representado como executar o que a vontade de um ente supremo, o que o nosso ‘chefe’ divino quer que nós façamos. Mas fazer a Vontade do Pai é muito mais do que isso, é mais exigente e mais do que execução da ordem ou desejo de alguém.

Fazer a Vontade de Deus significa fazer como Ele, na vontade, isto é, ter “ganas”, ter a dinâmica criadora do seu amor e da sua bondade difusiva de si, isto é, trabalhar com zelo e cordialidade em fazer a obra dessa dinâmica divina criadora. Da dinâmica divina criadora que enche o Universo, que cria um novo céu e uma nova terra, que envia o sol e a chuva a justos e a injustos, que varre o vale da morte e da sombra com o sopro vivificador da ressurreição, que desce até os abismos dos infernos e sobe a culminância dos céus, que cuida dos pardais e das flores do campo, que derruba os poderosos dos tronos e exalta os humildes. Ser uno com essa dinâmica do Bem difusivo de si, fluir no vigor restaurador dessa Misericórdia, pulsar no mesmo ritmo desse tempo de salvação, penetrar até os confins de todos os seres, impregnar o âmago de todas as coisas com essa força criadora e fazer crescer a participação e comunicação de todos os seres nessa dinâmica, estudar, captar, defender, ser essa Dinâmica: tudo isso é, pois fazer a Vontade do Pai.

De tudo isso resulta um enorme saber, uma profunda experiência e sabedoria e uma engenhosa habilidade e práxis, a ponto de todo esse saber poder contribuir, provocar, purificar, incentivar culturas e civilizações. É nesse sentido que o homem de Fé não despreza e nem rejeita nenhuma das culturas ou civilizações. Mas, busca em tudo, na sabedoria de todos os povos e de todas as nações, nas experiências de outras religiões e mundividências, as atuações da Dinâmica Divina da Vontade do Pai. Esta abertura a todas as épocas, a seus anseios, vitórias e frustrações, participa vivamente de todo o destinar-se da humanidade.

Se é assim, então a identidade religiosa cristã, isto é, o seguir a Jesus Cristo não é propriamente uma coisa da religião, coisa das vivências e dos comportamentos espiritualista-místicos, uma coisa, ou melhor, causa da ‘sacristia’ e das igrejas, causa de uma perfeição privativa, seja individual ou coletiva, mas sim antes de tudo e essencialmente um modo de ser universal, isto é, aberto ao universo que a Sagrada Escritura chama de “novo céu e nova terra”, portanto a uma “nova humanidade”.

Características da experiência de Deus

Essa “humanização” é a nossa identidade “religiosa”, o perfazer-se, isto é, a per-feição[2] dessa identidade. A tal ‘processo’, a tal via-gem no perfazer-se da identidade damos o nome de História. Assim, a experiência de Deus tem estrutura histórica, ou melhor, historial[3]. História aqui não deve ser entendida como, por exemplo, história do Brasil, mas como “história de uma alma”, isto é, como uma caminhada, na qual cresce em nós uma compreensão viva, bem experimentada, que nos transforma e se torna como que o corpo do meu próprio ser, a minha identidade ou minha “pessoa”.

Tal transformação pode aparecer mesmo num fenômeno banal, experimentado no cotidiano. Você lê no Evangelho que Deus é amor. Você entende a sentença; você tem uma vivência do que é amor, por exemplo, no amor de seus pais; você então imagina a Deus como amor de pai. Tendo esta imagem, você reza a ele, recorre a ele e tira dali a coragem de viver. Um dia acontece algo na sua vida muito dolorido. Você reza e pede que ele o sustente e o livre do sofrimento; você não recebe nenhuma resposta desse Deus de sua compreensão. Nessa situação você lê de novo e medita o Evangelho. De repente, descobre que a sua compreensão anterior era muito infantil; não era propriamente errada, mas limitada. Agora, nessa nova leitura você percebe novas dimensões do que é o Amor de Deus, antes não compreendidas; e começa a viver com novo vigor, a partir dessa nova e mais profunda compreensão do Amor de Deus. Assim, de retomada em retomada, cada vez se lhe revela nova profundidade e vastidão do Amor de Deus. Essa profundidade é uma experiência concreta, feita no próprio desenrolar da “história de sua alma”.

Esta caminhada de crescimento se dá nas vicissitudes de encontros, encontrões, sofrimentos, dores e alegrias, fracassos e vitórias, decisões, na morte e nas despedidas da vida. São momentos de crise, horas de decisão, de vocação, de conversão. É na medida em que vamos crescendo na identidade, através dessa caminhada, que vamos compreendendo a nós mesmos, os outros, o universo e, principalmente, o Mistério de Deus e os seus caminhos.

Nessa via-gem de crescimento na identidade religiosa, começamos, então, a perceber que essa caminhada possui exigência de aquisição bem concreta de certas atitudes nos comportamentos da nossa identidade.

Assim, a experiência de Deus é sempre “obediência”. Obediência[4] aqui significa a capacidade de ouvir, acolher e assumir o fio condutor, vestígio-manifestação de Deus, que aos poucos vem surgindo na minha situação. Exige-se, para isso, muita paciência, muita capacidade de esperar, mas com ouvidos e olhos colados à realidade. Exige-se também a coragem de não fugir com facilidade das fossas, substituindo a situação de dificuldade com outras situações que não levam ao crescimento, mas que só servem para adiar o problema.

A experiência de Deus é sempre um “não-saber” todo próprio. Temos um grande medo e repugnância do “não-saber”. Pois o saber para nós deve ser certo ou errado, deve ser instância da segurança. Segurança das normas e padrões que nos poupam e por fim impedem de sermos atingidos e afetados pela realidade diferente de nós, maior ou menor do que nós. Na experiência de Deus é, pois necessário se dispor a tornar-se uma “alma”, não sombria, não endurecida na ignorância que “não sabe que não sabe”, mas que gosta do recolhimento sob a sombra do abscôndito, que sabe à serenidade e ao silêncio do mistério.

Tornar-se “sombreado” na profundidade do conhecimento abscôndito é como entrar no recinto escuro da meditação num mosteiro. Você que vem da luz solar do meio dia, em cuja claridade cada coisa é o revérbero da ofuscação na claridade branca, isto é, das idéias claras e distintas, ao ser conduzido ao lugar semi-escuro da meditação e do recolhimento, nada distingue, nada enxerga, à primeira vista. É que você não experimenta a semi-escuridão do mosteiro aqui na sua interioridade, mas antes, a partir da luz lá de fora. Se o irmão porteiro que o conduz é preciso na experiência do recolhimento do mosteiro, ele não vai acender a luz-néon para você ver melhor, pois esse ver não é ‘ver’ a modo de semi-escuridão. Para entrar no mosteiro, o que importa é você adquirir um novo ver, diferente do ver à luz solar. Assim o irmão porteiro nada diz, fica quieto ao seu lado, pára, até que você se acalme e acolha a semi-escuridão. Aos poucos sua visão se transforma, começa a divisar nitidamente as coisas; e o que antes, ofuscado pela luz solar, era escuridão, aparece-lhe como uma paisagem cheia de nuances e distinções, no entendimento silencioso de uma visão que é mais forte do que a visão da claridade do dia. É a experiência de uma nova dimensão.

A experiência de Deus sempre começa, se dá e cresce, a partir do pouco. Este “pouco” é a minha situação aqui e agora. Na caminhada da experiência nada é acidental. Ela começa sempre como uma espécie de erro. Mas, este começo e sua caminhada exige todo o empenho do meu ser, naquilo que posso no momento. Nesse empenho, a minha situação deve ser experimentada em concreto. Não deve ser, portanto uma informação, mas sim intuição[5], uma vida de empenho contínuo, passo a passo na viagem para o interior. Este empenho não é, pois, uma vivência passageira.

A experiência de Deus é “trabalho” tenaz, sofrido e fiel, calmo e não angustiado, pois não há aumento da experiência sem o assumir a situação até que estejam consumidas e consumadas as suas possibilidades. Não há também aumento da experiência sem a decisão firme de ir até o fim no caminho começado. A atitude que diz: vamos experimentar, se não der certo há outra possibilidade; ou: agora é só provisório, mais tarde a gente toma a sério; ou: tanto faz essa situação ou aquela, é maneira de ser que jamais se torna capaz de se perfazer e crescer na experiência.

A experiência de Deus é sempre um caminho “pessoal” em que cada qual põe a si mesmo em risco, pois se trata de um caminho estreito, onde não há espaço de sobra para outra coisa do que o engajamento cordial, inteiriço e total em perfazer o caminho. Assim, a experiência de Deus não é uma coisa particular, individualista, mas singular, a qual costumamos dar o nome de pessoal. Pessoal, pois não deve ser confundido com individual ou particular ou privativo. O oposto do individual ou privativo é geral. Ao passo que o pessoal é quando uma pessoa ou mais pessoas, se doam toda e inteiramente a uma causa, numa luta corpo a corpo, onde tentam não desperdiçar nenhuma energia em vão, tornando-se inteiramente dis-postas e ex-postas ao que é anterior, maior, mais vasto e mais profundo que elas mesmas, e principalmente entregues, doadas ao apelo e a convocação de um Tu, de um Radical-outro, que no nosso caso de cristãos é o Deus revelado por Jesus Cristo e o seu Reino, isto é, a nova ordem, a nova humanidade do Evangelho. Pessoal é, pois a condição da possibilidade do universal, da comunidade e comunicação universal.

Nesse sentido, podemos dizer que o modo de ser da experiência de Deus é o mesmo em todos os homens; é, portanto, universal. Mas, em sendo o mesmo, dá-se cada vez como caminhada do crescimento de cada pessoa em singular, no sentido do engajamento total e generoso, sim necessário, ao perfazer-se corpo a corpo da possibilidade única, dada a cada pessoa. A existência humana só alcança o universal através da história consumada da experiência pessoal, cada vez singular, cada vez ‘concrescida’, numa situação bem determinada. Assim, da experiência como concreção singular, surge o universal concreto. Por exemplo, é do encontro histórico com nossos pais, concretos e únicos, que podemos compreender o amor de todos os pais. Esse “tipo” de conhecimento “histórico” não é nem informação nem um saber teorético ou prático no sentido usual, não é nem indução nem dedução, mas sim “con-senso”, sintonia que vem da mútua repercussão no mesmo, do qual todos, isto é, cada qual, participa, porque já antes esse o mesmo lhes foi dado como herança, como dom. Interessante é observar que essa herança, esse dom, só se torna herança e dom, se eu, em os assumindo como possibilidade única e chance inalienável, trabalhar bastante em e a mim mesmo.  É esta a estruturação da experiência que permite a verdadeira “comunicação” e unidade entre pessoas e grupos.

Mas, ao caminharmos assim na experiência, o que vem ao nosso encontro como “Experiência de Deus”? Esta pergunta não pode ser respondida fora do próprio caminhar da experiência. Isto significa que na experiência de Deus: toda e qualquer resposta sobre o conteúdo da experiência de Deus é uma ‘sinalização’ que convida, acena, indica, ou melhor, urge um caminhar da experiência. É na medida em que nós mesmos crescemos na experiência, que certas respostas começam a nos desvelar o verdadeiro sentido e a verdadeira riqueza nelas oculta. Assim é, se torna o “Deus feito Experiência”, em nós, na nossa história, isto é, na nossa vida.


[1]Mundo é o oposto do imundo. O terreno baldio, selvagem e caótico é não-mundo, a saber  imundo. Quando o homem habita a selva, abre ali clareira, e cria ambiente viável para moradia e cultivo da terra. Ele transformou o terreno baldio, imundo em mundo, em terreno cultivado.
[2]Perfeição na espiritualidade não é propriamente a excelência absoluta de quem alcança o primeiro posto no “ranking” do poder de competição, mas o perfazer-se de uma caminhada começada, perseverada, conservada até o fim. Nesse sentido perfeito é o que é feito per, isto é, de início até o fim atravessando todas as vicissitudes da ventura e aventura da caminhada arriscada. É uma palavra que diz o mesmo da experiência.
[3]Para o nosso uso nessa reflexão, histórico indica o modo de ser da História, já elaborada a partir do enfoque da ciência moderna hoje denominada historiografia. Trata-se de uma interpretação científica, para não dizer cientificista, da imensidão, profundidade e complexidade viva e abissal do ser do homem no seu perfazer-se no Tempo. Historial indica justamente participação concreta e imediata nas vicissitudes desse perfazer-se em diferentes níveis de extensão, profundidade e originariedade. O historial num nível bem ‘caseiro’ e até num modo um tanto “piegas” é o que costumamos chamar de “história de uma alma”.
[4]Oboedientia, em latim, vem do verbo oboedire: ob (aberto a modo de ausculta) + oe (=ae = au)dire =audire, portanto, obaudire = ouvir atento, aberto, a modo de ausculta.
[5]Intuição, intuir significa intus ire, isto é, ir para dentro, para o profundo.
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