Vocacional - Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil - OFM

Anotações sobre os ditos de Frei Egídio

16/04/2021

 

Hoje em dia quase não se usa mais a palavra virtude; em seu lugar usa-se a palavra valor do reino e valor do mundo. O valor é relativo. Pode depender de cada um que avalia; vale também enquanto sustenta aquele que avalia. Ex: A bolsa de valores hoje está em alta, mas amanhã pode cair.

Embora não falemos mais de virtudes, essas têm um valor diferente de valor. Nós, os pobres, precisamos defender o nosso valor. No lugar de valor, usamos a palavra dignidade, seu oposto. Virtude não pertence a essas duas palavras.

O que é virtude para S. Francisco e F. Egídio?

Virtude: vigor, força própria, peso próprio, o que importa, o que pesa, transparência. Ex: é como um rio. Desde a sua nascente, passa por entre montanhas, lamas, pedras, cidades e depois chega a seu destino, calmo e sereno com toda a sua transparência. A sua força não está na violência, mas na sua constância e transparência.

Força da alma: Força de vida que está em todas as coisas: nos animais, nas plantas, nas pedras, nas estrelas; gerando a vida também em nós. Expressão usada pelos medievais. Força da alma, que se sustenta em si mesma.

Virtudes e graças: E momento do empenho do trabalho e do dom. Quando buscamos tudo o que nos faz crescer, usando a nossa vontade, isso não é virtude. Só é virtude quando há o empenho de receber a graça. Precisamos criar abertura para receber a graça; Com a humildade, a paciência, a simplicidade. O e é esse empenho que fazemos de receber a graça.

Virtudes e graça: Terra e céu se encontrando.

Virtude: terra – Graça: céu = E: o homem

Graças são virtudes mas são de Deus. Virtude pertence antes de tudo a Deus. Se a pobreza é virtude, é porque Deus é pobre; se a simplicidade é virtude, é porque Deus é simples etc.

Só podemos ser bons, porque Deus é bom. Quanto mais nos tornamos bons, mais nos aproximamos de Deus. Ex: A terra é receptiva. Acolhe o sol e a chuva, que faz germinar a semente, que a seu tempo dá o fruto. Todo trabalho do homem é de receber da melhor maneira possível o dom da terra e do céu, que são as virtudes e as graças. E isto não é uma atitude passiva; não é ficar de braços cruzados, mas é estar aberto para receber.

E: Todo esse empenho humano. Esse e é mais importante de tudo, pois faz a unidade do homem com Deus. O infinito e o finito se conjugando. Isso acontece porque Deus se fez carne, para o homem ser deus.

E seus efeitos: efeito é o que foi feito; todo empenho de uma obra desde o início até o fim. É o resultado de uma obra. Ele não pertence à coisa que produz, mas por causa do trabalho.

E, per verso, de vícios:

Per-verter: Ir contra a lei natural das coisas; transformar-se no seu avesso. Ex: o leite estragado. Ele se transformou, mas foi para pior. Per-versão é o contrário de conversão. Conversão é também uma transformação, mas para melhor. É uma mudança de dentro para fora. É como a borboleta que primeiramente é um verme feio, depois se transforma totalmente.

Na vida espiritual, quanto mais adiantado está no grau de perfeição, maior o perigo de cair; não de voltar a ser o que era, mas de tudo que conseguiu vir a ser o contrário. Quanto mais cresce na vida espiritual, maior a tentação. E tudo que for graça se transforma em vício. A humildade pode se transformar em soberba. É perigoso estar na farsa da virtude e cair no vício. É preciso ter discernimento.

Vício é a perversão das virtudes, mas sempre deseja ser uma virtude. O oposto de virtude é vício. O oposto de graça é pecado.

Existem dois tipos de oposição: Contrário: Mas que podem viver juntos. Ex: pedra e água. Contraditório: não podem viver juntos. Ex: fogo e água. O mais forte à oposição é o contraditório, pois a existência de um implica na destruição do outro.

É preciso haver harmonia de opostos, nunca só luz, nunca só trevas. Esta harmonia se dá no contrário; no contraditório não existe harmonia.

Vícios e virtudes são contraditórios. Houve em S. Francisco uma transformação, a conversão: Do pecado para a graça, do homem velho para a criatura nova. Deu-se no contraditório, pois o vício foi destruído pela virtude.

Conversão: somos atingidos de tal modo que não podemos ser os mesmos. Deus nos pega pelo ponto forte e o transforma em ponto fraco, para poder vencê-lo. Francisco nos toca em nosso ponto forte: o eu, para desarmá-lo.

Quando Francisco disse que estava em pecado e o Senhor o tocou, isso não quer dizer que vivia pecando. Ele era gentil, cortês, caridoso, vaidoso, procurava realização pessoal, era sensível. E tudo isso que é altamente positivo, para Francisco, é estar em pecado; Tudo que faço está em função do meu próprio eu, centrado em mim. Isto não é egoísmo. Todos estamos instalados em nós mesmos.

Pecado não é conhecer o outro que está anterior ao meu eu. Esse outro é tão maior do que experimentamos, ou do que podemos ser, que o chamam de não outro.

Esse outro toca a Francisco com seu dedo suave; o afeiçoa tanto que ele vai em busca desse outro. Já não está mais centrado em si mesmo, mas em busca do outro, o grande EU SOU. Francisco dirá: eu não sou. Eu só sou junto daquele que é. E desde então Francisco está em graça. Mas isso não significa que não se peca. Aqui não se fala de pecado moral.

Pecado é o estado em que vivemos para nós mesmos e não para Deus. Graça é um modo de viver, uma outra existência. Quando existimos a partir daquele que nos amou.

A virtude que não está em sintonia com a graça é pecado. Porque vivem apenas a partir do horizonte humano, postura humana, ideal de realização humana, a ética. Não é um pecado moral, mas apenas a partir da experiência religiosa geral.

O religioso supõe uma vida de graça e virtude, a partir do encontro com Jesus Cristo.

Estética: vive em função do prazer, doçura, desde as ações mais nobres.

Ética: busca do bem moral: justiça, solidariedade…

Experiência religiosa: desejo do encontro com o tu. Pecado e vício são a alienação desta experiência religiosa. É a contraditoriedade.

Subir ao céu e descer ao inferno – subir exige luta, é algo sereno, é um processo de ascender. Do alto vêm todas as coisas. Descer é algo brusco. Imaginemos um terremoto em que de repente a terra se abre, e o chão embaixo de nossos pés já não existe; vemos somente o vazio. Esta é a experiência de descer ao inferno.

Virtude é subir ao céu. Vício é descer ao inferno, é ir se afundando nas trevas, alienação absoluta do mistério de Deus.

Via e escada

Via: O caminho vai sendo feito passo a passo. O caminho que não pode ser caminhado, aquele que nós mesmos precisamos fazer, este é caminho. Ex: quando estamos numa mata, caminhando num trilheiro, se quisermos chegar. Começamos então a ver paisagens até então desconhecidas, que não tínhamos notado, e de repente sem perceber chegamos em casa. Esta chegada tem o sabor diferente, um novo sabor. Esta é a via que difere de qualquer caminho, porque nós mesmos, passo a passo, o fazemos.

Escada: Quanto mais, tanto mais. São como degraus. Quanto mais próximo de Deus, tanto mais sou bom.

Vícios e pecado – tóxico: a alma é vida; o vício faz com que ela vá perdendo a saúde. Na vida religiosa corremos o risco de deteriorar se não vivemos bem. Pode-se perder a transparência, embaçar. Pode acontecer com qualquer um; depende de como encaminhamos nossa vida. Devemos dirigi-la para a virtude e a graça.

Virtude e a dinâmica em que se vai crescendo no ser livre. Por isso, deve-se concentrar mais no trabalho das virtudes do que no combate aos vícios. Enquanto isso, devemos nos confrontar com nossas próprias toxinas. Para chegar à cura é preciso assumir a própria doença. Por isso, não se assustar quando aparecer a angústia e a tristeza, o medo etc. É o processo da cura.

Virtudes e boas obras são teriaca – A preocupação não é tanto de evitar o pecado, o vício, mas trabalhar nas virtudes. Se cair nas fraquezas, não se desesperar, mas ir crescendo neste trabalho.

Se desanimarmos, dizendo que não há jeito para nós, acabamos por nos debruçar sobre nós mesmos e dá a carência; esta mostra que não estamos na plenitude da doação. E vai se esvaindo todo o vigor, toda a energia. Há religiosos que se anulam não em função de uma vida plena. Na ascese se preocupam tanto em podar o negativo! Para-se no negativismo, e não há vida. Vive-se numa atitude punitiva; a se rebaixar, a se condenar. Rigor consigo mesmo e automaticamente, com os outros. Há também atitudes de “deixar para lá, tudo está bom”; não vou lutar pois são sentimentos que vêm de dentro, não é de preocupar. Isso também não é atitude de busca da virtude. É um entregar ao afeto.

Hoje em dia, existem esses dois extremos: o reprimido e o frouxo. Mas a vida religiosa tem seu aspecto de cura.

Graça atrai graça e vício puxa outro vício. – Uma virtude nunca está sozinha. São mãe e filhas, senhoras e guardiãs. São como gerações, uma vai gerando outra, trazendo-a à sua luz. É um atrair suavemente para si.

O vício arrasta, vai atraindo e traindo. É um puxão brusco de alguém que vê o outro distraído e lhe arrebata algo das mãos. É traição sobre traição.

Graça: virtude na pureza absoluta, vigor no espírito de Deus.

Virtudes e boas obras

Obra – é o fruto, a consumação de um trabalho artesanal.

Virtude – vai dando o ponto bom para surgir a obra. Força criativa que está atuando na sua plenitude. Se há algo que precisa dar o ponto exato, este pode passar ou faltar. Temos de pegar a fluência do trabalho, ver o ponto exato. Esta é a virtude. O que fazemos não é para nós mesmos ver, não olhar para nós e o que estamos fazendo, mas estar numa atitude de discípulo, de aprendiz, que quer realmente aprender. Temos que acertar o ponto. Quando batemos um prego por exemplo, não podemos colocar muita força e nem deixar de colocar força; temos de bater de tal modo que ele pregue sem danificar a ele ou o objeto. Deve ser o ponto certo. E este ponto certo não tem uma medida-padrão, mas aprender fazendo.

Graça não deseja ser louvada, o vício não suporta ser desprezado = Não querendo ser louvada, a graça deseja ser desprezada. Ela está na busca do desprezo. Podemos compreender que a graça não queira ser louvada, mas que deseje ser desprezada, é outra coisa. Graça é o modo de ser de Jesus Cristo. Há também um querer ser desprezado que é chamar a atenção sobre si. Isso é querer ser louvado, consequentemente não é graça.

O querer ser desprezado de Jesus Cristo; o que move o modo de ser de Deus é o amor. Este amor é muito maior onde não é reconhecido, onde não é acolhido. Ele ama mesmo quando é rejeitado, desprezado, ignorado, incompreendido. E isto aconteceu na cruz.

Como o dono da vinha que mandou trabalhadores para ela e foram assassinados; ele quis mandar seu filho. Sabia porém que também ele seria assassinado. Pensava que agindo assim, talvez, os assassinos se convertessem. Assim também Deus quis que seu filho viesse e morresse numa cruz, demonstrando a plenitude de seu amor, não para ser reconhecido pelos homens mas porque ele é amor. E os homens, vendo o amor tão desprezado sem querer

reconhecimento, com isso, talvez a dureza de seus corações pudesse ser quebrada. Nenhum amor foi tão grande e radical como foi o seu amor pelo mundo, o mesmo que o rejeitou. Seu amor é inteiramente gratuito, sem interesse. Apesar da nossa ingratidão, ele simplesmente ama.

Esse modo de ser na busca do amor gratuito é a cruz. É o modo de ser de Jesus Cristo. É como se eu fosse inacessível. Deus não pode fazer com que eu o ame, com que eu o aceite. Então ele se entrega completamente em nossas mãos, como fez na cruz, na eucaristia, tentando nos cativar, esperando que o amemos. Ele ama simplesmente, gratuitamente, por causa de si mesmo.

Só o amor pode despertar o amor. Só o amor pode fazer amar. Isso é experiência de encontro; se há correspondência de amor, esta é livre. Assim como Deus é inacessível a nós, porque não podemos comprar o seu amor, assim também nós o somos. Por isso, ele se entrega a nós. Deus é inacessível e nós o somos também porque ele nos criou à sua imagem. Ele espera de nós o amor e reconhecimento gratuito, apesar de não precisar dele. Simplesmente porque ama.

Vício não suporta ser desprezado – o vício sempre busca reconhecimento. A soberba quer ser a humildade. O não querer ser desprezado é próprio dos demônios. Devemos fazer como os anjos bons: tirar a nossa espada e dizer: Quem como Deus? Se Deus decidiu se rebaixar até morrer numa cruz, ele sabe o que faz, e é este Deus que eu quero servir. O amor desprezado, o crucificado. O modo de ser do homem é de não querer ser desprezado. O horizonte humano é de lutar contra o mal, a doença.

O cristão acredita que é nesses doentes, nesses idiotas, nesses inúteis que Deus salva o mundo. Pois seu filho foi um deles. É o horizonte da fé.

O homem gracioso e a graça – Homem gracioso é cheio de graça, e graça é o modo de ser de Deus de Jesus Cristo. Deus é o bem que se difunde, que não se contém em si; em tudo que faz faz bem. Só Deus é bom. Ele é o sumo bem. Toda criatura é boa, à medida que participa da bondade de Deus. Deus é esta presença do bem em tudo. Esse modo de ser é graça, é liberdade. Amar por causa do amor.

Os medievais chamam a esse modo de ser de a se: só Deus é plenamente total- criador. Ab alio: existimos a partir de outro, deve seu próprio ser a outro. Criaturas. Nós somos nós mesmos, à medida que nos tornamos mais Deus. Diz Agostinho: A alma do homem é todas as coisas. Podemos ser mineral: pedra preciosa: elaboração humana altamente sensível, pedra qualquer, dura inacessível (negat). Podemos ser vegetal: vida vegetativa (negat). O nosso crescimento é parecido com o da planta. Subimos para o céu à medida que as raízes se aprofundam (posit). Podemos ser animal: agir como bestas. Os demônios eram sempre pintados com forças humanas e expressões animalescas (negat).

Energia de vida altamente elaborada, espiritual. Podemos ser racionalidade (posit). Somos intelecto quando abrimos para um ver puro. Esse movimento ascende do básico para o cume, é participar. O movimento de cima para baixo é comunicação. Como uma luz do algo. Se a olharmos do alto para baixo, vemos que ela se difunde. Se a olharmos de baixo para cima, vemos que ela se concentra em um lugar.

Deus nos comunica a sua graça e o homem participa desta graça. O homem gracioso é aquele que se assemelha cada vez mais ao Deus de Jesus Cristo, que faz nascer o sol tanto sobre os maus como sobre os bons. O homem vicioso é o que se aliena ao Deus de Jesus Cristo. A soberba é o pior vício que existe, é o avesso a Deus. O Homem que busca as virtudes aceita as repreensões, não importa como venham; pois vê em tudo a oportunidade de melhora, crescimento.

São quatro as atitudes que podem ser tomadas ao sermos repreendidos:

1. Justamente: não aceito. Ainda busco a mim mesmo.
2. Justamente: aceito. Quero melhorar, crescer.
3. injustamente: não aceito. Não sou obrigado a pagar por um mal que não fiz.
4. injustamente: aceito. Segredo de salvação. Isto é o que todos sabem. Aceitar repreensão injusta é próprio de quem quer ser desprezado; próprio dos que aprenderam a inocência de Jesus Cristo. Inocente é quem não tem nada a temer, pois já se entregou completamente nas mãos de Deus.

A mente repousa na humildade – não tem nenhuma defesa, nenhuma proteção. Está sereno, firme sobre si mesmo; está na receptividade plena, seja para o que for. Recebe tudo como um bem para sua almas. O que é mau, transforma em bem e o que é bem torna-se mais bem ainda.

Por isso, quem está seguindo Jesus Cristo deve segui-lo em tudo: na tribulação, na perseguição…

A mente quer dizer toda a pessoa. Humildade é essa pequenez, é o modo de ser de Deus.

A paciência é sua filha – Paciência – vigor que nos sustenta para receber o peso daquilo que é colocado em nossos ombros. Suportar, carregar, sustentar todas as coisas. A humildade gera a paciência e esta é a cara da humildade. Quem é humilde é paciente, pois aceita principalmente o mais difícil como graça.

A pureza de coração vê Deus – Ninguém jamais viu a Deus; portanto para ver a Deus é preciso ter transparência. Somente o filho que o viu e o revela para nós. Poucos porém viram o filho. Muitos viram o filho do carpinteiro que morava em Nazaré. Mas poucos viram o puro que assumiu toda a mancha da humanidade. Ele é a pureza de coração; é ele quem vai nos mostrar o Pai. Puro de coração não é quem está constantemente com escrúpulos, mas de tudo que vê não se escandaliza, não julga. Puro de coração é o modo de ver a Deus, mas também de Deus ver.

A devoção o manduca – Deus quer ser comida, não só alimento, mas comida. É como um pobre, um peregrino no deserto que está com fome e sede, e quando encontra algo de comer come como se fosse a melhor comida do mundo. Isso é manducar. Quando temos fome e sede daquele que nos criou e nos redimiu, caminhamos com ele; comemos desta comida que é Deus. Isto é devoção; comer a carne de Deus com fome e sede é manducar. Devoção não é aquela coisa piedosa, mas a fome de Deus que nos esquenta por dentro, que nos renova.

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