A seguinte reflexão sobre o Ser Fraterno e São Francisco é de cunho filosófico teorético. Só que na Filosofia teoria significa algo diferente do seu uso na vida cotidiana e nas de mais ciências, hoje.
Teoria, teorético aqui na nossa reflexão não se referem à figura mental, abstrata, ideal que para ser real deve ser aplicada na prática, à realidade concreta. Teoria, teorético se referem ao empenho e desempenho do homem em se habilitar para ver com maior clareza de discernimento de que se trata quando ele fala de uma coisa.[1]
Vamos, pois, tentar ver o que significa ser fraterno, fraternal, fraternidade, fraternismo a) no sentido estrito e b) no sentido lato.
- Ser fraterno no sentdo estrito
Termos como fraternidade, fraternismo, fraternal, fraterno contem a palavra frater.[2] Frater é latim e significa irmão. Irmãos, irmãs dizem respeito às pessoas que nasceram dos mesmos pais: pai e mãe. São pessoas que estão unidos pelo mesmo sangue que possuem dos pais e com eles formam uma família, célula-máter da humanidade.
Pais, filhos, filhas, irmãos, irmãs, mesmo sangue, uma família indicam todos eles um fenômeno humano.
Fenômeno é como claridade, como o vir à luz, o aparecer do ser, da essência da coisa: nos mostra cada vez de novo e novo o próprio, o típico de uma realidade viva, livre e própria que é especificamente humana, antes de toda e qualquer impostações, provenientes das ciências positivas, sejam elas naturais ou humanas..
Se mantivermos limpo a mira para intuir essa claridade e distinção do fenômeno humano, a definição “irmãos são pessoas unidos no mesmo sangue, recebido dos pais, formando uma família” nos conduz, como que em círculos concêntricos, para o centro a partir e dentro do qual surgiu e se irradia a vida humana, seja físico-corporal, seja psíco-anímico, seja espiritual, centro esse denominado amor. Assim, no sentido usual concreto da palavra, a fraternidade, o fraternal, o fraterno nos remetem à palavra, não somente à palavra, mas muito mais à experiência do amor que jorra do e pulsa no seio do ser humano.
Segundo a grande tradição do espírito ocidental, o amor como centro vital da dinâmica da Humanidade é a tese capital do cristianismo, cuja mundividência constitui o momento confessional de AFESBJ, portanto, fonte da dinâmica da instituição em todas as suas ações no ensino, na formação, na pesquisa e atuação social. Por isso, para compreender o amor assim, bem compreendido, como fonte, princípio da estruturação constitucional da Humanidade é necessário nos adentrarmos na tarefa de esclarecer e ver o fenômeno amor como ele é mostrado na cristidade, i. é, na essência do cristianismo. O que faremos, mais tarde, se o tempo nos permitir.
- Ser fraterno no sentido lato ampliado
Nos livrarmos da opinião pública tão usual de que amor é coisa de sentimento particular, de instinto e elã vital, de paixão e vivência do âmbito privativo pessoal.
Que não seja apenas sentimento e vivência particular pessoal, mas sim mobilização e projeto de todo o ser humano e sua transformação no que é o próprio e o mais precioso dele nos mostra o assim chamado Grande Mandamento e o Novo Mandamento que perfazem a força de base, o fundamento da mundividência chamada cristã, à qual Bom Jesus pertence enquanto escola de cunho confessional.
Diz o princípio fundamental da concepção cristã da constituição do universo: Amar a Deus de todo o teu coração (kardía), de toda a tua alma (psyché) e de todo o teu entendimento (diánoia)…e o teu próximo como a ti mesmo. (Mt 22, 37-40).
E esse princípio levado à sua máxima excelência” se radicaliza[3] e se torna Novo Mandamento: “Dou vos um mandamento novo que vos ameis uns aos outros. Como eu vos amei, amai-vos uns aos outros (Cfr. João …).
Coração aqui kardía significa a totalidade do vigor vital físico corporal; alma, a psiché indica toda a força psico-anímica à qual pertencem as emoções e sentimentos, e o entendimento, a diánoia, toda a atuação da potência de penetração, abrangência e criatividade do compreender e querer e sentir do espírito. De todo o coração, de toda a alma e de todo o entendimento significa, portanto, com toda a plenitude do ser humano, com tudo que ele tem de mais precioso. Amar a Deus aqui significa querer ser como Deus no amar, de tal sorte que ser assim imagem e semelhança de Deus no amar é se realizar, sendo seu filho (a). E querer um tal destino para si é amar a si, e por assim ser como Deus no amor, amar ao próximo é querer também o mesmo destino para ele. Disso resulta que o supremo projeto da humanidade é amar a Deus como Pai, e no amor ser imagem e semelhança dele, e assim ser filhos e filhas do mesmo Pai, e amarmos mutuamente uns aos outros como ele nos amou e formar tal humanidade em que todos somos irmãos. Assim, o Grande Mandamento se radicaliza como Novo Mandamento de amarmo-nos uns aos outros como Deus, feito homem, Cristo nos amou. Esse é o vigor interior que sustenta, fomenta e une a nós todos que pertencemos ao Bom Jesus, o amamos e nele trabalhamos, fazendo nos relacionar uns aos outros como irmãos no mesmo espírito.
São Francisco de Assis ao fundar a sua Ordem colocou a vigência desse amor fraterno, como princípio vitalizador, coordenador e gerenciador de todas as ações e estruturações institucionais da sua comunidade. E chamou a todos de irmãos e sócios ou companheiros da mesma busca: a nova humanidade na “Ternura e Vigor” da Boa Nova de um Deus cujo amor o fez humano e habitou entre nós. Se, denominamos esse princípio de cristão ou não, de franciscano ou não, o que importa é que o assimilemos, o gostemos, e o realizemos, cada qual no seu determinado posto e trabalho, juntamente com todos que sob diferentes denominações e diferentes mundividências se empenham em transformar essa fonte do ser humano em lições, a saber, tarefas de ensino e aprendizagem da Vida.