Frei Jean Carlos Ajluni Oliveira
Damasco e os Franciscanos
Fui acolhido no Convento Franciscano São Paulo, a comunidade aqui é composta por quatro frades, três sírios e um palestino. Anexo ao Convento esta a paróquia dedicada à conversão de São Paulo. O trabalho dos frades é desenvolvido em torno a Paróquia, com diversas atividades e missas diárias que são bem frequentadas pelo povo. É interessante notar que a grande maioria dos fiéis que participam da missas são de outras Igrejas Cristãs, como Melkitas, Maronitas, Siríacos e Ortodoxos. Um ecumenismo que parte das bases e ignora as divisões históricas ou teológicas. Todos rezam juntos, cantam e comungam com a mesma fé que demonstram em suas próprias Igrejas. De fato, a impressão mais forte que tive até agora foi ver a fé deste povo, que mesmo sofrendo seis anos de guerra e perseguição não se deixaram abater, mas pelo contrário, o sofrimento os aproximou mais de Cristo e fortaleceu a comunidade.
No final do mês de maio foi muito bonito ver as expressões de fé e de devoção para com a Virgem Maria, visível no rosto e nos gestos de cada um dos fiéis que lotaram as Igrejas de Damasco. Algumas meninas e até mesmo senhoras vinham vestidas de túnica azul com um cordão branco, que lembra o de nosso hábito, o que elas chamam de “tob al Adhra”, em português, túnica de Nossa Senhora. No último dia do mês foi realizada uma grande procissão pelas ruas do bairro cristão de Baba Tuma com grande participação popular junto aos frades, acompanhado de banda de música e cantos marianos, enquanto se ouvia no fundo sons de disparos de canhões do exército que combatem rebeldes islâmicos na periferia de Damasco. Agora no mês de junho as atenções se voltam para o coração de Jesus. É louvável a sensibilidade dos frades que a partir da devoção popular evangelizam, reúnem e animam o Povo.
De fato, parece que os sírios, de modo especial, os cristãos que ainda vivem por aqui não se deixaram vencer pelo medo, apesar dos tristes relatos que diariamente escuto de gente que perdeu membros de sua família, sejam mortos na guerra ou porque partiram para outros países em busca de segurança. O esforço dos frades é de assistir de muitas maneiras a população que ainda permanece no país. São várias as atividades que desenvolvem, em especial com as crianças e jovens que quase diariamente se encontram nos espaços do convento para brincar, comer, ou para catequese e celebração eucarística. Segundo eles a casa dos freis é um lugar onde se sentem seguros, apesar de que neste mesmo convento, já foi atingido por cinco foguetes no ano passado, lançados pelos rebeldes que combatem contra o Governo.
Depois da intervenção russa na guerra, em Damasco a situação atualmente é bem mais calma, mas ainda se sente um clima de tensão e de medo e são muitas as barreiras militares espalhadas pela cidade que verificam carro por carro, bolsas, sacolas e documentos para tentar inibir ataques terroristas e a entrada de rebeldes, em especial nas áreas cristãs que são mais visadas pelos terroristas. Alguns bairros da periferia de Damasco onde os combates ainda são muito intensos, estão completamente isolados e ainda na mãos dos radicais islâmicos. É estranho pensar que a guerra esta tão próxima do centro da cidade e ver que as pessoas parecem viver do modo mais normal possível. Como eles mesmo dizem, apesar de tudo, a vida deve continuar.
Em outro convento franciscano, algumas quadras daqui, com a presença de apenas um frade, os quartos e espaços foram cedidos para acolher refugiados de outras partes da Síria onde os combates são mais intensos. Apenas na região de Damasco e Tartous, a vida ainda é possível, nas demais regiões tomadas pelos rebeldes islâmicos, é praticamente impossível para um cristão continuar morando.
Na segunda maior cidade da Síria, Aleppo, a situação é a pior possível e lá ainda permanecem cinco frades que cuidam do maior convento, escola e Igreja da Ordem na Síria, que se tornou ponto de refugio para muitas famílias.
Até agora a experiência tem sido muito edificante e desafiadora, e estar próximo de situações tão extremas e ouvir relatos tão fortes, faz com que nos sintamos muito impotentes e totalmente dependentes da providência divina e esperar em Deus como de fato a única segurança e proteção. Portanto, posso dizer que até agora, a maior experiência que tenho feito, tem sido a da fé.
No mais, um abraço dos confrades de Damasco, cidade da conversão de São Paulo, e peço vossas orações pela paz neste país e para este povo tão sofrido.