Marcos: “A alma é, de certa maneira, tudo”. Agente pode falar do homem como um “isto”, como sendo objeto. Então, apontamos para nós mesmos e dizemos: “aqui está o homem”. Contudo, desde o início, alertamos que não podemos falar da alma como um “isto”, como um objeto, porque nós, no fundo, não somos um objeto, mas presença divina. E este modo de ser presença significa ser um ponto de salto, onde tudo vem à luz. Por isso, trouxemos aquele conto de Guimarães sobre o menino, que cada vez, na alegria, na tristeza, na opacidade dessa indiferença… cada vez que se dá no nada da alma … é estruturação de tudo. Então, esse nada da alma a gente chamaria de passagem. Essa abertura da passagem… Aqui a gente recorda a poesia do Hebel que compara o homem a uma árvore. A árvore é como abertura da passagem da seiva. Queiramos ou não somos árvores e só quando lançamos raízes nas profundezas obscuras da terra é que podemos nos abrir para a clareza onde nós estamos. Então, quando falamos do escuro, da pedra na arte…, estamos insistindo no fato de que o homem é cidadão de dois reinos. É na medida em que ele reconhece essa pertença ao escuro, ao velado é que ele se abre para a claridade, para o desvelado. Ser esta abertura, esta passagem é ser alma.
Cláudio: Este não é um modo ateu de se referir à alma?
Marcos: Este ateísmo guarda aquele silêncio que evita falar de Deus como de uma “coisa”. Há um texto de Heidegger chamado “Caminho do Campo”, no qual ele fala Deus, a alma, o mundo? Ele diz: “Como dizia Eckhart, com quem aprendemos a pensar e a viver, é no seu não dito que Deus diz”. Eckhart quando tem uma questão de raiz onde ele mostra que Deus não é. Dizendo que Deus não é, ele não está sendo ateu afirmando que Deus não existe. É que dizer que Deus É, este é nós sempre o referimos à criatura. A compreensão que temos do ser, do “é” sempre parte de alguma maneira da criatura. Tentamos sempre compreender a Não-Criatura a partir da criatura. Então, Deus aparece como Silêncio do Nada. Mas no fundo desse silencio do Nada é que tudo é gerado como Palavra. E somente na medida em que tudo se torna Palavra, intelecto, é que Deus passa a ser…
HH: Antes do início da execução de uma sinfonia, há burburinho, conversas abafadas, os músicos afinando instrumentos. Aos poucos a platéia se prepara para o início da sinfonia. E reina então o silêncio. Silencio ali é como caixa de ressonância onde toa todo o leque de som. A fala de alguém como Heidegger quando fala do nada, o nada é como caixa de ressonância. Então, quem não está nessa sensibilidade, quando escuta “não é” diz: “negou”, se escuta dizer “Nada”, escuta a negação de tudo.
Marcos: Para Eckhart, nada é pura recepção de tudo ou pura geração de tudo. Alma e Deus são iguais por ser ambos esse nada. É disso que estamos buscando partir. E o sentir e pensar é ressonância, essa repercussão receptiva da alma enquanto nada criado em que o mundo inteiro repercute como sinfonia a partir da alma.
HH: …alma é modo de ser todo próprio…