LTC 8,25-29 – Término do processo de conversão: nasce o
1Cel 9,21-22 – “ESTILO FRANCISCANO” de Seguimento de NSJC
10,23-25 – O HÁBITO em forma de cruz
24.02 ou 9-14.04 de 1208 – O “ESPÍRITO” QUE ANIMA FRANCISCO ANIMA
3º ano de sua conversão A OUTROS.
QUE NÃO LEVASSEM PELO CAMINHO NEM OURO, NEM PRATA, NEM SACOLA… Qual o sentido desse nem… nem… nem… Tudo o que o discípulo tinha vai tirando: é o Jesus Cristo nu, pobre e humilde. O vigor que começou em São Damião tem uma energia nuclear que é do Deus de Jesus Cristo: tudo o que não coincide com este vigor não tem valor. Francisco achava que já havia-se despojado de tudo, mas agora vê mais e melhor: sua única força deve ser Jesus Cristo crucificado, por isso joga fora tudo o que é recurso, para estar na simplicidade daquele vigor original. É como se um cavaleiro tivesse dentro de si uma fonte de força hiper” que, lhe dissesse: “O que está fazendo com escudo, espada, couraça? Joga fora! Fique simples. Por que ter uma espada na mão, se sua mão é melhor e mais forte do que a espada?!”. E Francisco joga fora tudo!
Não é pelo fato de largar que se tem o simples-originário-nuclear, mas é pelo fato de ter o simples-originário-nuclear que se larga tudo: antes está a experiência do nuclear e a partir deste se larga tudo. Lembrar disso na formação é muito importante. É o tema do Fioretto do Lobo de Gubbio. O primeiro passo para ser simples é fazer tudo o que se pode, para ser mais corpo a corpo com o real.
É ISSO QUE EU QUERO CUMPRIR COM TODAS AS MINHAS FORÇAS. Francisco ouve, pede explicações ao padre, compreende com maior clareza e diz: “É isso!”. Deste processo surgiu uma claridade. Francisco não foi se informando, não diz: “O vigário disse…”, mas a coisa mesma se clareou.
O que Francisco intuiu quando diz: “É isso que eu quero!”? Que compreensão do mundo, da vida, da santidade, de Deus, há nisso? Desabrocha a forma final, depois das etapas de iluminação anteriores, etapas que porém não mostravam claro para onde se encaminhavam.
FEZ UMA TÚNICA BEM DESPREZÍVEL E RÚSTICA. O Crucifixo de S. Damião foi um estalo que ficou cada vez mais claro. E isso se traduz no hábito. Para medieval, e também para Francisco, veste tem uma significação muito grande. Na Bíblia também se fala, por exemplo, de vestir o homem novo. Na atualidade, vestir acabou virando a mesma coisa que “trocar de roupa”. Há gente que nunca está vestida: de manhã cedo tem uma roupa, a meio dia e à tarde outra e de noite outra ainda; para cada momento, em cada situação veste coisa nova. Isso acontece porque perdeu-se o significado profundo do vestir.
Vestir significa deixar-se impregnar existencialmente, significa renovar-se desde o fundo de todo o coração. É por isso que quando se começa a Vida Religiosa há a cerimônia de vestição. Começar significa iniciar alguma coisa; iniciar, o primeiro salto é sempre muito importante. O início é aquele salto que todo dia, sempre de novo, cada vez mais e cada vez mais intenso tem que ser dado. Este salto é sempre uma retomada do passado. Nunca se salta cada vez toda a existência. Para se dar a existência religiosa tem que se ter uma maneira toda especial que é esta: carregar todo dia sua cruz. Aquele que num salto, entusiasmado por um ideal, larga tudo para correr, para pular, tem que carregar a sua cruz todo dia. Carregar sua cruz não é carregar o “peso” da cruz. Carregar a cruz significa antes carregar uma bandeira. Carregar a cruz não é como muitas vezes imaginamos, especialmente na Via Sacra, Jesus carregando a cruz. Ao dizer: “Carregar todo dia a cruz”, Jesus entende carregar o símbolo, o essencial da vida cristã, coo uma bandeira. Carregar uma bandeira significa um ânimo, aquele ânimo de vitória.
Mas para fazer isso tem que fazer uma coisa importante: renunciar a si mesmo, porque toda a nossa maneira de ser e querer é ficar cômodo, é ter preguiça, ter medo de lançar-se cada vez de novo na boa vontade. Por isso temos que fazer todo dia o nosso dia de vestição; nós fazemos um propósito, tomamos a decisão de fazer este trabalho todos os dias, até que durar nossa vida. Votos, devotamento significa esta atitude.
COMEÇOU, POR DIVINA INSPIRAÇÃO, A EXISTIR COMO ANUNCIADOR DA PERFEIÇÃO EVANGÉLICA. Quando a inspiração vem de fora é inspiração, mas quando vem de dentro ela é “faro” da pessoa sobre as coisas de Deus; podemos assim recuperar a palavra “instinto” que usualmente ficou restrita à área animal. O que é inabitação de Deus em nós? Como quando se diz na lê Admoestação “Do corpo do Senhor”: é o espírito do Senhor que habita nos corações que enxerga o corpo do Senhor na Eucaristia. Como no nível animal temos instintos assim em nível espiritual temos. Como no nível humano-animal “perdemos” o instinto pelo desuso, assim no nível humano-espiritual perdemos, se não usamos. No itinerário religioso é importante cultivar este instinto porque dá “firmeza”. Qual seria o proprium do instinto acerca das coisas divinas?
SUAS PALAVRAS NÃO ERAM VAZIAS NEM DIGNAS DE RISO. Francisco quando saiu da caverna era risível, pelo menos na aparência. Riso significa aqui algo frouxo, vão, vazio. Quando alguém está engajado, toda a fala dele tem peso, tem credibilidade: é o simples.
PAZ E BEM, PAZ E BEM. Que coisa é essa de colocar este cara que, como precursor, anda pregando: “Paz e Bem”? Um historiador diria que isso é recurso literário, clichê, anacronismo… E talvez o seja mesmo! O historiador diria ainda que foi para dizer que Francisco era outro Cristo. E fica nisso. Mas em fazendo isso o autor o que queria dizer? É um anúncio misterioso, um toque arquetípico: o medieval é mestre nisso. Por que o hagiógrafo coloca na boca deste precursor “Paz e Bem”? Será que foi ilusão, foi uma pessoa ou o próprio Deus? No fundo tanto faz, desde que se perceba que isso evidencia o essencial humano-divino transparecendo em Francisco. Se por exemplo você estivesse num momento difícil e o telefonema de um amigo surpreendesse você e tirasse fora, você poderia explicar, mas permaneceria sempre um “quê” ambíguo e inexplicável. No fundo a vida está cheia destes fatos ambíguos! A experiência religiosa pouco se interessa se aquele fato carregado de ambiguidade é Deus ou não, se existiu, se foi real ou não, pois “sabe” que “aquilo” foi “real”.
O medieval pensa que todo e qualquer encontro é encontro com Deus. Para o discípulo tudo é encontro com o Mestre, mas o mestre mesmo nunca aparece. O itinerário como o de Francisco cresce na expectativa do inesperado; para ele tudo é encontro e estes textos mostram Francisco sempre acordado. O encontro de “outros” jamais pode ser explicado de antemão e mesmo depois: é o segredo mais íntimo das pessoas, mas a partir do estranhamento somos convocados a compreender: aí vira encontro nosso.
Nossas perguntas são perguntas “sobre”, por exemplo: como é o encontro com Deus num massacre de preso? O preso massacrado, no massacre tem o “seu” encontro com Deus. No horror diante do massacre começa o “nosso” encontro com Deus. Mas é necessário pensar com fé absoluta que por trás de tudo há algo maior escondido, capaz de sentido. Isso não é resignar-se, mas é nossa força, é o original do cristianismo. Quando São Francisco diz: “O amor não é amado”, está dizendo: todo mundo está caluniando a Deus. Quando diante de uma criança morta alguém diz: “Como Deus permite isso?”, está caluniando a Deus. Não se trata de indiferença perante o sofrimento, mas diante do sofrimento perguntarmos: como entender o amor divino no sofrimento? A postura normal é a eliminação. A teologia moderna diz que é o mal que produz o sofrimento; mas o sofrimento tem um alcance muito maior. O sofrimento sempre põe e repõe o problema: qual o seu sentido? O cristianismo é o único que tem resposta para essa pergunta. Toda “explicação” que damos usualmente ao sofrimento no fundo é tapeação, ilusão, porque o problema torna-se real só quando você está no sofrimento e ali o sofrimento tem o sentido que você dá. A fé é a força mais social que há, capaz de fazer com que uma criança enfrente o martírio. Aí quando um pastoralista em sua luta joga fora Deus, está jogando fora a força mais forte de suas lutas, capaz de levá-lo até a dar a vida por sua luta de libertação social. Não é por causa do esquecimento dessa força que no clero atual há certo desanimo?! Em São Francisco se vê nítida uma caminhada alternativa de libertação, que tem outro estilo.
CERTOS HOMENS COMEÇARAM A SE ANIMAR. O texto mostra que este estilo de vida não é propriedade privativa de Francisco. De fato atinge e conquista a outros e começa a ser comunitário. Uma nova possibilidade humana foi aberta e dela surge um estilo, uma escola. A atração não é obra de Francisco. É problema de Vocação. Cada época tem o que lhe é próprio; esta foi agraciada com este espírito que criou grandes pessoas, que produziu um grande rastro na história.
FREI BERNARDO, DE SANTA MEMÓRIA. É santa memória de Bernardo ou relembra outra memória? Fazei isso em memória de mim. Memória é arquivo da consciência ou outra coisa? O que é memória de uma coisa boa? Yung diz que criança gosta de ter um talismã, por exemplo, uma pedra dentro de uma caixa; quando está em alguma dificuldade corre lá: um apego secreto que só ele sabe, de longa data.
A pessoa humana precisa de um interior secreto onde possa se assentar. Todo itinerário humano tem uma “feliz memória”, uma fonte de energia à qual sempre recorre. Memória é isso e frei Bernardo pertence a este momento secreto no qual está escondida a energia do grupo. Memória é então o tesouro onde está o coração. Em português se diz “recordação”: fonte, raiz, fundamento.
ERA HOMEM DE GRANDE EDIFICAÇÃO. Nós entendemos que era homem piedoso, mas edificante significa que tem a competência-fluência do construtor. Bernardo descobriu que Francisco era bom construtor e quer fazer uma construção melhor do que aquela que está fazendo; por isso foi pedir ajuda a Francisco e se tornou seu discípulo. Homem de edificação é homem que tem faro para o fundamento em cima do qual pode-se construir grande construção. Para 0 itinerário religioso é importante entender que quem não tem faro de bom construtor, não consegue caminhar; pessoa cheia de idealismo, mas avoada, não avança.
NO DIA SEGUINTE MUITO CEDO. No pique da manhã vão para a igreja. Toda a tradição de fazer de noite certas coisas como por exemplo a celebração da missa de manhã bem cedo, não vem por acaso. Será que acontecia porque eram primitivos, rurais…? Ou não será porque a natureza humana tende ao ritmo mais originário? Os hábitos-tradição guardam o que não mais lembramos. A simplicidade não tem a que ver muito com o pique da manhã?
TOMANDO O LIBRO FECHADO. A maneira de abrir o livro tem a estrutura do oráculo. Sempre a humanidade usou o “oráculo”, que depois virou magia, superstição. Oráculo é coisa muito séria. Há uma diferença muito grande entre superstição de abrir o livro e a “consulta oracular”. Mas como distinguir entre os dois? Oráculo-resposta depende muito da disposição da pergunta. Em Francisco deu-se uma reviravolta pela qual ele começa a ser fluência-identidade de Deus e por isso o perguntante e o perguntado acabam sendo a mesma realidade; é por isso que a resposta é certeira! Bem o contrário da magia que usa as coisas sagradas para buscar o interesse próprio; aí vem uma resposta “besta”. A diferença entre magia e oráculo está no “como” da pergunta e no “quem” da pergunta: se tudo acontece em torno do eu, a resposta sai furada, mas se é total doação e comunhão, aí funciona: quem pergunta recebe a resposta que merece!
Nós classificamos toda a experiência humana entre subjetivo e objetivo; o que usualmente se busca em situações como a descrita pelo texto é a relação causa-efeito, mas há uma grande área de experiência humana que escapa dessa classificação; de fato Francisco está na dimensão em que essa relação não existe, só existe Deus “criador”.
Considerar (do latim sidera que significa estrelas), consultar a Deus (oráculo) é um modo de conhecer todo próprio, cujo modo de ser deve ser estudado com precisão na vida espiritual. Em geral o que vemos a partir de fora desse processo de conhecimento é só uma parcelazinha, por exemplo, o ato de abrir o evangelho para ler o que ali está dito. Se assim, a partir de fora, só vemos este ato, o que ali se faz parece ser um ato subjetivo, casual e arbitrário. Na leitura dos textos-fontes, no entanto, é necessário intuir atrás do in-stante do ato a totalidade do processo, o antes, o durante e o depois. Se assim analisarmos por exemplo o ato de abrir o evangelho “por acaso” e assim consultar a “vontade” do Senhor, descobriremos que há um longo trabalho muito preciso de preparar a capacidade de captar o que ultrapassa a capacidade usual humana de conhecer: livrar-se de preconceitos, exercitar longamente na capacidade de plena atenção, toda uma decisão bem assentada de, custe o que custar, obedecer à inspiração, uma vigilância constante de si mesmo de não fazer, nem sentir, nem querer os seus caprichos subjetivos etc. etc. Se assim examinarmos bem as estruturas essenciais desse tipo de conhecer todo próprio da religião (oráculo), descobriremos que este modo de conhecer, se bem exercido, tem um rigor e uma precisão mais exigente e mais diferenciada do que o nosso conhecimento científico.