Ontem falamos de dois modos de ser, duas forças que estão bem no fundo de nossa alma, a assim chamada necessidade vital e necessidade livre. Se alguém não entendeu bem de que se trata, favor insistir em me perguntar. No que chamamos de amor a si e ao próximo, na fraternidade podemos examinar os níveis do amor a si nos seguintes esquemas:
1 Cuidar da saúde, do seu corpo, da harmonia e saúde psíquica, higiene pessoal físico-psíquico, vestir-se, arrumar-se, fazer esporte, alimentar-se, limpar e enfeitar o seu quarto, passear, fazer férias.
2 Limpar o toalete comum, varrer, arrumar o salão da conferência, cozinhar para toda a comunidade, organizar e coordenar um passeio escolar, cuidar da festa junina no colégio, dar aulas no jardim da infância, na escola de enfermagem, na universidade, trabalhar na catequese, na pastoral paroquial, na inserção, trabalhar como lixeiro, funcionário público.
3 Fazer curso e estudos de anos para se habilitar e ser útil como p. ex. professor, enfermeiro, médico, policial.
4 Ser sacerdote, religioso, ser mãe, pai, médico, educador, assistente social, artista, cientista, missionário por vocação.
Examinar como são de diferentes estilos de vida e de atitude, do modo de dispor-se, da energia de engajamento, conforme o móvel em que você se coloca.
Jesus diz: Amarás. Ele não está impondo lei de obrigação escrava. Amar não é imposição, cuja sanção é castigo. Amarás está no nível de necessidade muito mais forte, muito mais comprometida, muito mais assumida livremente de boa vontade como uma busca existencial de um relacionamento profundo, venturoso e aventureiro de pessoa para pessoa, onde tudo deve ser compreendido, sentido e querido na nobreza e no amor-gratidão que me faz dizer: muito obrigado, a “nobreza obriga”, como diziam os cavaleiros e as damas da antiga nobreza francesa. Assim, quando Jesus diz: Amarás, ou Amai-vos, ele está se dirigido, ele está apelando para a minha liberdade da necessidade livre, para o meu compreender, sentir e querer, mas na minha dimensão humana mais profunda, mais séria, onde vigora, onde nasce, cresce e se torna perfeito o amor da necessidade livre.
Por isso, quando Jesus diz: de todo o coração, com toda a alma e toda a mente ou todo entendimento, Jesus está mostrando os diferentes níveis do amor: de todo o coração, i. é, de toda a “cardia”: (corpo = necessidade vital = sentimento); de toda a alma, i. é, com toda a psiqué (vida anímica como necessidade vital = vontade); de toda a mente, i. é, com toda a diánoia (metánoia), i. é, espírito (vida do entendimento-vontade ou vontade-entendimento = necessidade livre: de corpo e alma e espírito, onde o espírito impregna a alma e alma o corpo): atenção cf. São Francisco de Assis, Admoestações, cap. 1: do Corpo do Senhor = Espírito é Deus e não Deus é espírito: Espírito = amor-humildade, ternura e vigor do Deus feito Homem, mistério da SS. Trindade na Encarnação: Jesus Cristo, Crucificado, a Sra. Pobreza.
Isto significa: Amarás a ti mesmo é uma questão, i. é, busca decisiva: qual a tua busca? Que nível de amor buscas para a tua identidade? Capacidade de amar (viver!) no nível do eu corcunda, ensimesmado no amor necessidade vital pensando que amar é esse sentimento e busca ego-centrada no ensimesmamento do eu-corpo. Ou capacidade de amar no nível do eu-prenhe do amor-necessidade livre: Amai-vos uns aos outros como eu vos amei: isto é o princípio, o registro central da vida fraterna = amor da necessidade livre.
Como é que vamos resolver os problemas pequenos e grandes da nossa assim chamada vida fraterna, se nem sequer sabemos que a nossa vocação é Seguimento de Jesus Cristo no sentido de pertencer a um grupo de pessoas livres, dispostos, desde a sua adolescência, da sua juventude, a tornar-se adultos e anciões, numa única busca, onde se livre de tudo, para se tornar livre para, i. é, capaz de, i. é, adquirir compreensão clara e profunda, uma vontade boa, bem exercitada para querer, i. é, gostar, amar, e agir com disposição o amor-necessidade-livre de um Deus que se fez homem, para dizer e testemunhar com seu sangue que somos filhas e filhos de um tal Deus? Dentro de um tal projeto humano-social-comunitário que criou as instituições religiosas das ordens e congregações, a nossa maneira de ver a vida religiosa e o seu chamado é bastante defasada, pouquissimamente pensada, e assumida sabendo de que se trata. Para esse nosso Deus, todos os sacrifícios, trabalhos e esforços que irmãs e frades, principalmente os mais idosos que sacrificaram suas vidas para congregação e ordens, para a Igreja, são preciosos e Ele há de recompensar em cêntuplo com o céu, num grau bem alto. Mas a compreensão e explicações que tinham da vida religiosa consagrada estavam certamente defasadas, e com raríssimas exceções cunharam e formaram religiosos e religiosas que fossem arautos da liberdade encarnada dos filhos do Deus de Jesus Cristo, Deus encarnado; mas ao menos exteriormente uma espécie de campeões num cristianismo de devoção e piedade no espiritualismo, que com facilidade confunde a Vocação cristã de Chamamento com a vida de piedade. Tudo isso, todo esse modo de entender o cristianismo e sua “religiosidade” pode ser altamente útil para a sociedade, e pode no nível humano-social ter produzido santos e santas, i. é, personalidades marcantes e admiráveis. Mas a maneira de ver e sentir a essência do cristianismo, pode ter estado bastante defasada. Não é assim que essas pessoas do passado tenham sido alienadas da época. Pelo contrário, os nossos fundadores p. ex. eram as pessoas, as mais engajadas e adaptadas à época em que viveram. Por isso, não se trata de adaptar para a sociedade moderna as suas concepções que eram avançadas etc., como gostam de argumentar as pessoas que fazem tese de mestrado ou doutorado, aproveitando a Vida de um santo ou de uma santa. Mas o que vale, hoje, é o carisma que aparece neles, através das cascas da época que não devem ser assumidas como Tradição, mas que devem ser deixadas para trás como coisas que passam, e salvar aprofundando a fonte que ali pulsava, como vigor da necessidade livre de um Deus Encarnado, portanto fonte do seguimento de Jesus Cristo. E o que dizemos que hoje devemos nos adaptar à época moderna e às suas necessidades, se eu não uso a mim mesmo, a minha cabeça e não penso, sou capaz de me empanturrar das coisas, dos apegos, dos modos de ser da necessidade vital da nossa época (consumo) e achar que estou bem preparado para poder ser útil à sociedade de hoje. Se você tem uma compreensão assim nesse nível de ser religioso hoje, seria bom rapidinho, tomar mais sério a tarefa de ser útil e a tarefa de se preparar de corpo e alma para o terceiro milênio, pois lá onde devemos com muito mais empenho e trabalho nos adequar à nossa época, ali está a busca que vem da necessidade livre, pulsante no subterrâneo da nossa história atual e da nossa humanidade hodierna.