Vocacional - Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil - OFM

Tentativa de introdução à Filosofia

19/04/2021

 

O presente trabalho é uma tentativa. Tentativa de introdução. Introdução para dentro de uma atividade chamada estudar. Uma atividade que tem por objeto algo chamado filosofia.

Para saber de que se trata nessa tentativa de introdução, conversemos breve e provisoriamente sobre uma característica toda própria que um trabalho como esse possui, em se tratando de estudar filosofia.

A palavra-chave ao redor da qual giram termos como tentativa, introdução e estudo é filosofia. Filosofia é objeto de toda essa tentativa de introduzir na ação chamada estudo.  Objeto é o que está diante de nós, como aquilo para o qual tendemos, o qual queremos alcançar e possuir, portanto, é o nosso objetivo. A filosofia é pois o nosso objetivo, do qual e para o qual estão ordenados a tentativa, a introdução e o estudo. Assim, a nossa tentativa de introduzir-nos no estudo possui o seu modo de ser e fazer, portanto, o seu modo peculiar e próprio a partir da filosofia. Com outras palavras, se quisermos nos introduzir na tentativa de estudar a filosofia, devemos considerar com muita precisão esse modo de ser peculiar e próprio que a tentativa de uma introdução ao estudo tem a partir da filosofia. Isto significa que você não deve pensar de antemão que sabe o que seja tentativa, introdução e estudo, por mais estudado e experimentado que seja nas coisas dos estudos. Deve, pois, possuir, e se não a possui, adquirir desde o início a boa disposição de começar do nada.

Ninguém quer começar do nada. Nem o pode, pois, quem está aqui, no curso superior, na faculdade de filosofia, já andou um bom trecho do percurso da vida e também da existência acadêmica. Não somente possuímos muito saber, mas também já temos a nossa mente constituída conforme valiosos conhecimentos e inúmeras informações que fomos acumulando como nossa riqueza espiritual.

O que significa, pois, de que se trata então, quando se recomenda no início do estudo da filosofia que se comece do nada?

Não se trata, em todo caso, de esvaziar em parte ou totalmente a nossa mente, para enchê-la com novos conhecimentos e novas informações. Trata-se de que, então? É para tentar explicar de que se trata que temos no início do curso de filosofia essa matéria chamada introdução à filosofia. Mas se é assim, por que não se diz diretamente: introdução à filosofia? Por que essa maneira um tanto insegura de dizer: tentativa de uma introdução?

É que a introdução à filosofia no seu modo peculiar e próprio, proveniente da filosofia ela mesma, é bastante diferente de outras introduções, ou melhor das introduções de outras matérias, como p. ex., das ciências positivas. E no seu modo de ensinar, de expor, ela não pode se apresentar com segurança, competência didática, com exposições brilhantes, potência e eficiência da atuação de um sistema do saber que é poder. Por isso, a introdução à filosofia, enquanto uma disciplina filosófica, é sempre uma tentativa, disposta e cordial, mas humilde, insegura e tateante.

Assim, as seguintes exposições, que constituem o conteúdo desse trabalho, não são propriamente doutrinas ou ensinamentos, mas sugestões e dicas de aprendiz da filosofia que está um pouco mais familiarizado com as agruras do estudo da filosofia, por ter talvez gastado um pouco mais tempo[i] do que quem está para iniciar o estudo da filosofia.

A quem está familiarizado com introduções das ciências positivas, tanto naturais como humanas ocorrerá de imediato uma objeção: Como é isso tudo, se estou iniciando um curso superior da aquisição do saber universitário, na faculdade, cujas disciplinas devem primar no seu ensino e na sua pesquisa pelo estilo de cunho acadêmico científico, objetivo, e não ser apenas uma transmissão de dicas e conselhos práticos, cujo estilo é mais coisa de conversa pessoal e subjetiva, estilo digamos caseiro e particular do saber cotidiano.

Essa objeção, ou melhor, esse interesse e essa preocupação pela cientificidade e excelência.acadêmica do ensino, no qual participamos com nossa responsabilidade são importantes e devem ser objeto de nosso contínuo cuidado, quer  entre os estudantes, quer entre os professores ou coordenadores do curso. Portanto no que essa objeção reivindica para a melhoria e manutenção da excelência do saber universitário tem pleno valor. Só que, no que ela pressupõe como sabido e óbvio acerca do que denominamos de excelência da cientificidade das disciplinas, ela pode estar operando, sem o perceber, num preconceito e numa estreiteza que a pode cegar na busca da excelência do conhecimento denominado filosofia. A estreiteza ou o preconceito consiste em pensar que se algo não é objetivo, é logo subjetivo; se não é geral, a modo de um saber intersubjetivo de uma determinada época ou de um determinado grupo de pessoas, é privativo, particular; se não é oficial ou dominante na opinião pública, é caseiro; se não é exata a teoria ou prática a modo de determinadas ciências positivas naturais, é irracional, confusa ou imprática e abstrata etc. Esse tipo de dogmatismo cientificista e objetivista não vê, nem admite que não somente pode, mas é necessário hoje, desconfiar que é nossa tarefa científica que exige muito cuidado e precisão em resguardar a cientificidade própria de cada disciplina científica conforme o tipo de saber que representa. O modo de ser que é exato na matemática, pode ser impreciso, quando se trata p. ex. de psicologia, pedagogia, teologia etc., por que a exatidão é uma categoria adequada para indicar a precisão na dimensão da coisa ou causa das disciplinas físico-matemáticas, mas não o é mais em se tratando da dimensão da coisa ou causa das disciplinas das ciências humanas na sua precisão toda própria..

As nossas exposições introdutórias à disciplina chamada Filosofia, embora bem modestas e apoucadas, tem plena consciência dessa problemática, nem sempre conhecida na opinião pública do ambiente acadêmico usual, e na medida do possível quer transmitir o modo de ser próprio da cientificidade e do caráter acadêmico pertinentes como essenciais à busca universal da verdade filosófica.

A filosofia é uma dessas disciplinas que na sua essência é avessa à prepotência, presunção, à superioridade do muito e mais saber, do exibicionismo do saber como poder. Ela exige a partir do seu núcleo modéstia, humildade, honestidade intelectual, um senso crítico muito nítido consigo mesma, não tanto como qualidades de um ser melhor, mais “santo” (leia-se piegas), mas sim como atitude científica (episteme)[1]adequada para a cientificidade própria do saber chamado filosofia. Essa atitude de cientificidade crítica a modo da filosofia é exigida em primeiro lugar e principalmente dos docentes, e não tanto dos que iniciam o estudo da filosofia. Quanto mais se adentra no caminhar filosófico, tanto mais se torna necessária a vigilância de manter límpida essa atitude científica. Mas por que se disse há pouco que se exige essa atitude em primeiro lugar e principalmente dos docentes e não tanto dos que iniciam o estudo da filosofia? Porque usualmente os docentes de filosofia não sabem muito bem que ensinar a filosofia é simplesmente aprender o aprender[2] a filosofia. E assim em geral se apresenta, ou de propósito ou sem o perceber, com a autoidentificação com o ‘poder’ de um professor, ou de quem sabe mais, e muito, para que os alunos os respeitem. Com outras palavras, colocam a sua autoridade no poder da excelência do saber do tipo um tanto alheio à excelência da filosofia. Por causa de uma exigência didático-pedagógica(?!), em muitos ambientes dos estudos superiores se recomenda, sim se urge que o docente jamais se mostre fraco, titubeante, inseguro ao expor e ao responder as objeções dos alunos[3]. Tudo isso pode criar e já criou no âmbito dos estudos superiores uma espécie de padronização da atitude dos agentes do ensino, em referência à excelência dos estudos e de sua eficiência que na filosofia, hoje, está colocada em questão, não tanto sob o ponto de vista psicológico, pedagógico e didático, mas sim em referência ao aspecto de fidelidade dos docentes e dos aprendizes da filosofia à excelência da cientificidade própria e peculiar da filosofia ela mesma. Quem como docente não percebe a necessidade de ter essa atitude da excelência da cientificidade própria da filosofia, dito com outras palavras, quem no estudo de filosofia, para si mesmo, na preparação das aulas, na exposição dos temas tanto nas preleções como nos seminários, não busca apaixonadamente fazer seu a assim chamada virtude dianoética, quando começa a perceber a necessidade de evitar a prepotência da excelência do saber como poder, cai facilmente numa humildade digamos vivencial e sentimental que não conhece o rigor e a árdua tarefa do dom de uma conquista, onde a humildade do não saber, a atitude de iniciar tudo do nada, o ser transparente na espera do inesperado, significam uma tarefa árdua de aprendizagem na precisão do trabalho tenaz de conquista de uma ciência de porte e teor todo próprios. Ou se cai também na fala imprecisa de uma sabedoria que cheira ao vitalismo irracional, ou no melhor dos casos, à filosofia da vida, confusa e certamente muito entusiasta, mas imprecisa, alheia a busca da verdade. E como hoje, quando se fala da sabedoria, da filosofia da vida, há uma tendência proveniente de certas colocações bastante comuns entre os religiosos de confundir filosofia com espiritualidade, aliás entendida como piedade, os iniciantes na filosofia são colocados na expectativa falsa de encontrar no estudo da filosofia um substituto para a espiritualidade e ética da vida moral[4].

Essa nossa tentativa de introdução à filosofia gostaria de no primeiro ano do curso de filosofia, convidar tanto os docentes como os estudantes a formarem uma comunidade de busca, onde em mútua ajuda, guardando certamente as convenções sociais existentes em qualquer órgão social, se colocarem na postura adequada, precisa e eficiente diante da tarefa de familiarizar-se com o saber todo próprio chamado filosofia. A postura adequada diante de uma disciplina científica se chama em grego epistami[5] i. é, colocar-se com precisão e crítica na aprendizagem e no ensino de uma matéria. O conhecimento que resulta desse encaminhamento se chama episthmh, que hoje traduzimos como ciência. Entrar num saber com essa postura de precisão que capta o próprio da sua cientificidade se chamava na antiguidade grega de esotérico. A atitude de quem não tinha esse rigor de precisão se chamava exotérico.


[1]  Explicar a composição da palavra epistéme e explicitar o que se entende por virtude dianoética.
[2] Cfr. Was heisst Denken, onde se fala de aprender: ensinar é ensinar a aprender etc. Fazer bom comentário endereçado aos docentes.
[3] Mostrar que em muitos países, e também no Brasil, esse modo de encarar os estudos superiores, na realidade é defasado e obsoleto, pois está-se prolongando para os estudos superiores o modo de ser da didática, muitas vezes necessária (?) no grau de ensino anterior às universidades. Mostrar também que aqui nessa tendência de dar a medida da excelência dos estudos superiores a partir do grau inferior dos estudos, pode também exigir para o ensino superior um prolongamento didático a modo de uma formação integral, onde leve em conta o crescimento afetivo-psicológico etc. etc. (Fazer uma boa nota, endereçada aos professores sobre esse assunto)
[4] Examinar e expor em detalhes porque na formação clerical-religiosa sempre se coloca os estudos da Filosofia como ameaça“a espiritualidade.
[5] Epi +hístamai =colocar-se na postura de uma atitude necessária para uma determinada atividade. Dessa palavra vem o alemão verstehen  que significa , entender; Verstand = razão, compreensão.
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