Vocacional - Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil - OFM

Relatorio Pira-bíblia 2008

23/03/2021

 

Estivemos reunidos, de 21 (meio-dia) a 23 (18hs) de janeiro de 2008 em Piracicaba, no Seminário Menor, Dom Fernando Mason, Dom João Mamede, Pe. Sebastião (Reitor do Seminário), frei Aloísio de Oliveira (biblista) e frei Hermógenes. Pe. César não pode vir, mas nos mandou contribuição, falando sobre o princípio de interpretação de todo o saber, portanto também da Bíblia. O horário que seguimos foi: 7:30: café; 8:30: trabalho; 12: almoço; 15: trabalho; 18: Eucaristia; 19: jantar. Texto: continuamos na leitura de Mateus, Sermão da Montanha.

Esse relatório não é propriamente um relatório, mas foi baseado nas discussões que aconteceram ao redor da continuação da leitura do Sermão da Montanha. As discussões foram gravadas por Dom frei Mamede, que além de fazer as gravações, tentou as resumir como ele sempre o fez em nossos encontros desse tipo. Baseado nesse trabalho de Dom frei Mamede, tentou-se ajuntar os pensamentos principais debatidos nesses dias, colocando-os como tematização de cada dia do encontro, dentro de uma ‘logica’ seqüencial de pensamentos que de fato não aconteceu assim direitinho, mas que ali estava presente no calor das discussões e conversas. Quem desejar as gravações, favor pedir de Dom frei Mamede.

Dia 21

De início, como retomada do que fizemos no ano de 2007, re-cordamos a intenção do nosso encontro. Embora a coordenação do nosso encontro esteja ao encargo de um especialista, frei Aloísio que é biblista, (no ano passado esteve outro biblista, Pe. César, professor na Faculdade Puc-Assunção) a nossa reunião não tem caráter de um curso, mas sim de encontro no estudo acerca das Sagradas Escrituras. No encontro de estudo (estudo, studium em latim, significa empenho, zelo de uma busca), tudo que fazemos no círculo e circuito do estudo (informação, debates, oposições em discussões, objeções, resposta à objeção, aprofundamento etc.) tem apenas uma única intenção: o aprofundamento, a amplificação e a liberalização da criatividade das pressuposições do nosso saber, que somos nós mesmos, ou melhor, somos cada um de nós em comum. A palavra comum (cum + múnus, -eris = com carga, encargo, responsabilidade inalienável de uma tarefa recebida, doação livre, oferta, oferenda)  não significa primeira e propriamente geral, coletivo, mas o próprio, o melhor de si mesmo. O que denominamos povo é, na realidade, uma qualificação humana, um modo de ser na qualidade humana, i. é, no que é o mais próprio do ser da essência humana ou da humanidade do Homem (mulher e varão), a partir e no qual (modo de ser) cada qual no pleno exercício do seu compreender, querer e saber, portanto na sua plena liberdade, dá o melhor de si como oferenda, i. é, como contribuição livre e generosa para formar uma pertença mútua do mesmo destinar-se, portanto da mesma História por uma causa nobre que transcende todos os ensimesmamentos egocêntricos na escravização do apego do que não é próprio da grandeza, beleza e nobreza do ser humano. O ser destinado a essa qualificação se chama ser-pessoa. Uma comunidade, ou um povo, portanto, na sua caracterização do que seja comum deve ser diferenciado na sua compreensão, da caracterização da coletividade, da massa, do ajuntamento de indivíduos, de clube, de grupos e agrupamentos ideológicos etc. Essa qualificação ou esse modo de ser explicado como comunidade ou popularidade (os gregos diriam democracia = força, vigor do povo) é que forja o que de modo muito vago, indeterminado e geral, denominamos de social, forja os sócios, companheiros, irmãos e irmãs de uma mesma causa nobre da humanidade (da essência do ser humano). O modo de ser, e a seqüência do proceder desse modo de ser, portanto o método na formação da comunidade do povo é o do encontro. Portanto do nosso estudo. Por isso, foi muito bom tomarmos o pensamento de Pe. César exposto na sua contribuição a nós enviada, quando ele nos diz que a bíblia é um pro-ducto da ação social de um povo, em cuja História Deus como Criador e Doador de todo o saber e de todas as coisas se torna presente e se nos faz conhecer.

A mania de caracterizar a comunidade não a partir do modo de ser humano universal, i. e, como qualificação buscada e ‘per-fazida’ como concreção da essência própria do ser humano, mas a partir da quantificação numérica, reduz o fenômeno humano em coisas simplesmente ocorrente. Este método é válido quando se quer averiguar a quantidade numérica de um agrupamento humano, mas o ser do ser humano nesse caso não vem à fala, pois o que ali é tematizado não é o ser humano enquanto humano, mas o ente humano enquanto enumerado como outro ente qualquer.

Para entender, portanto, a Bíblia, é necessário ter a mente de quem pertence ao povo do qual surgiu, cresceu e se consumou a Bíblia. Estudar o fruto de um povo, tendo como fundo e como princípio a dinâmica histórica da gênese, do crescimento e destinar-se da liberdade e criatividade de uma comunidade humana, não é estudar um fato qualquer, simplesmente dado como um objeto e uma coisa, mas é sim entrar na dinâmica e na implicância de um feito, cujas implicações ontológico-existenciais exigem muito mais e de outro modo do que simples impostação da ciência historiográfica. Uma das exigências, as mais importantes e decisivas, é a de repensar a essência da História e estudar como deveria ser a ‘cientificidade’ própria da ciência cujo positum tem o modo de ser da temporalidade da existência como acontecer da facticidade.

Por ser um encontro, a nossa reunião de leitura da Bíblia, na qual cada qual lê a bíblia a partir da pressuposição do saber ao qual é mais afim, tenta sondar mais a fundo as suposições operantes no saber que usa ao ler a Bíblia. E como todos pertencemos ao mesmo modo de ser, proveniente do ser cristão, forçosamente estamos dentro da questão que pergunta em que consiste o enfoque próprio do ser cristão ao ler a bíblia. E como essa leitura a partir do ser cristão está em referência a outros enfoques provenientes das ciências e outras mundividências, surge a questão que na colocação de Pe. César parecia estar simplificada de mais, embora tenhamos percebido que as suas afirmações eram no fundo as mesmas que nós também afirmamos, quando debatemos esse tipo de assunto. Trata-se, pois, do saber usual em que vivemos ao estudarmos e ao transmitirmos o que sabemos aos outros: p. ex. o sujeito e o agente do livro é o autor; o livro é expressão dos pensamentos e vivências, planos do autor; que o autor seja indivíduo, coletividade, povo, pode trazer implicações de detalhes e complexidade maior ou menor, mas na estruturação de que seja uma causalidade, a coisa permanece a mesma. Dizemos: o autor da Bíblia é o povo de Israel e a primitiva comunidade que seguiu a Jesus. Deus jamais é autor imediato do livro. Deus está no livro presente como inspirador do que se relata no livro. Como distinguir, discernir o que é da ‘autoria’ do sujeito homem e agente de um livro, usando tudo que estava ao seu redor, cultura, língua, mundividências etc. etc. e a autoria de Deus que fala através do autor sagrado? O processo de escrever um livro, mesmo que ele seja tido ou se denomine divino, inspirado por Deus, revelado, é o mesmo do processo de se escrever um livro que não é sagrado nem inspirado? A inspiração é algo como mediunidade? Algo como psicografia?

Se colocarmos essas perguntas a nós mesmos e aos biblistas, e principalmente aos senhores bispos que são autoridades na Igreja, não obtemos maiores explicações ou mais do que usualmente sabemos dessas coisas. E surge então uma questão: por que declaramos depois da leitura pública da bíblia, principalmente na liturgia, Palavra de Deus? É permitido, é possível, é necessário, é recomendado para a fé cristã, i. é, para o(a) cristão (ã), para o ser-humano, para o homem da fé, deixar o nosso saber acerca dessas coisas fundamentais do nosso saber cristão assim sem determinação, vago, para não dizer confuso? Ou temos tudo isso bem claro na fé?

Dia 22

Motivado pelas discussões do dia anterior, nos concentramos mais em aclarar mais o que significa ter fé.

No método historiográfico existe um saber ao lado do saber da averiguação empírico-imediata do testemunho ocular que pode ser confundido com a fé, no sentido de ser um saber baseado no testemunho empírico-imediato ocular de um relator que relata ou oral ou por escrito, o que ele mesmo averiguou diretamente. Eu mesmo não sei por que eu mesmo não vi nem averigüei, mas eu aceito como válido, certo e digno de aceitação, o relato de outro, pois averigüei através de vários modos, a credibilidade desse relator. O saber da fé nesse sentido é acreditar no que outro me relata, confiando na autenticidade do seu relato, na sua credibilidade que se não me dá certeza apodítica, me dá certeza de bom senso, certeza de grande probabilidade. Essa confiabilidade, porém, não é propriamente o sentimento de confiança ou emoção, mas a presença de exatidão e integridade da averiguação da confiabilidade, no exame das circunstâncias que caracterizam a hombridade do testemunho e a autenticidade do seu relato. Como nesse acreditar, nesse saber através do testemunho ocular, há um momento de confiança, a fé é considerada como confiança. E se carrego a confiança como um ato não racional, de densidade emocional e de sentimento, então se deixa de lado o caráter do saber ou conhecimento adquirido através de conclusão, de ilação, ao lado do saber ou conhecimento através da averiguação imediato-empírica, e aos poucos a fé se transforma num ato irracional de total confiança e entrega ao outro.

Numa outra definição da fé, proposta na discussão se disse que a fé é adesão de identificação com a outra pessoa. Como no caso anterior da fé como um tipo de conhecimento ou saber na confiabilidade da credibilidade do testemunho, ao falar da confiança, poder-se-ia se esquecer de que se trata de conhecimento ou saber e carregar a confiabilidade com o aspecto de emoção e sentimento de confiar-se, de entregar-se ao outro, tentamos distinguir da fé de confiança-emocional a nova proposta da definição de fé como adesão. E, em vez de adesão, usamos também de preferência o termo pertença. E dissemos: a fé é um saber ou conhecimento todo próprio no seu ser que tem a sua evidência a partir da experiência da pertença.

Tentamos então a seguir deixar bem nítida a compreensão dessa definição, para não ser confundida com outras compreensões da fé no sentido acima mencionadas.

Trata-se de:

  1. Saber ou conhecimento todo próprio no seu ser a partir da experiência. Usualmente quando falamos dos atos de conhecimento ou de saber, logo os classificamos no rol da razão ou do racional, distinguindo-os dos atos da volição e do sentimento. No fundo desse modo de impostar o problema, está pressuposto um ajuizamento. Esse ajuizamento já colocou um posicionamento da compreensão do ser-homem com sendo: homem como sujeito-eu (nós) agenciador de suas faculdades (razão, vontade e sentimento) que age (agente) através ou por meio dessas faculdades, conhecendo, querendo e sentindo sobre um objeto. Esse esquema mental pré-suposto acerca do homem está expresso no slogan muito usado nas nossas reuniões pastorais: ver-julgar-agir. Sem entrarmos em pormenores desse esquema e pressuposição antropológica que domina todos os nossos atos, é decisivo percebermos que essa pré-suposição bitola e delimita a nossa percepção, excluindo todos os atos que não sejam juízos, que não sejam julgar, como sendo inexatos, imperfeitos, incertos, não científicos, digamos irracionais. E isso de tal modo que o próprio ver é considerado a partir do julgar, como um modo de saber e conhecer racional ainda não suficientemente elaborado para ter a excelência dos juízos. Assim, surge uma imensa área de ‘realidades’ e ‘modos de ser’, assim chamada pré-científica ou pré-predicativa que é apenas domínio das opiniões, mas não da verdade, entendida como da certeza de controle e cálculo fundamentado na asseguração do agenciar-se do sujeito-eu (nós). Seria um dos trabalhos dos nossos encontros do tipo da ‘Pira-bíblia’ examinar se uma pressuposição como a acima insinuada não está no fundo de todos os nossos saberes do tipo científico, sejam das ciências naturais, sejam das ciências humanas.
  2. Isso significa que, a imensa área da ‘realidade’ pré-científica que num modo geral e vago denominamos de cotidiano, de popular, de irracional, de sentimental, de religiosa, espiritual, de prática etc., etc., não é vista no seu modo próprio de ser e o homem educado, treinado, sim adestrado para esse modo de bitola, perde aos poucos o sensorial para realmente ver e perceber, de modo que não mais consegue co-nascer (conhecimento, conaître) com as realizações da realidade, não mais consegue ser pensar, a saber, estar na suspensão atônito da ad-miração e do cuidado do deixar ser o ente no seu ser e “pensar” (na acepção do aquecer colocando a mão quente sobre as feridas) as defasagens e os desvios de um nascer, crescer e perfazer-se do desvelamento do ser. Com outras palavras, a imensa área, da assim chamada, realidade pré-científica tem o seu modo de ser e de se perfazer, de se mostrar ela mesma como a própria revelação do ser e o homem é o pastor, aquele que cuida de e fomenta, alimenta a possibilidade desse aparecer da realidade concreta e ‘per-fazida’ (perfeita) na plenitude do seu ser, na sua totalidade chamada imensidão, profundidade e liberdade de ser. A grande Tradição do Ocidente chamou essa abertura própria do Homem em diferentes eclosões de épocas, de espírito (nõus, logos (gregos); ratio, animus, spiritus, intellectus, mens (medievais); cogitatio, penso, logo, sou (Descartes), ésprit de géometrie e ésprit de finesse (Pascal), Handlung, Tat, Wissenschaft, Geist (idealistas alemães), Vontade para o poder (Nietzsche); trabalho (Marx) (modernos) etc., sempre de novo em diferentes níveis de amplidão e profundidade e também de defasagens de fixações e bitolamentos. E o cristianismo chamou essa abertura própria do Homem no seu ser e deixar ser de amor (Caritas): (cf. O Grande Mandamento do amor e o Novo mandamento dado na última ceia). O cristianismo entendeu o amor não como um dos atos do sujeito e agente Homem, no agenciamento de suas faculdades ‘razão, vontade e sentimento”, mas como a aberta do homem, como o privilégio do ser chamado humano, imagem e semelhança de Deus-Incarnado, que não é outra coisa do que a fonte, o princípio da eclosão de todo um mundo inteiramente novo, do novo céu e de nova terra.
  3. Nas discussões da tarde do dia 22 tentou-se, embora a trancos e a barrancos, intuir, i. é, ir para dentro de uma compreensão dessa abertura denominada pelo cristianismo de amor de Deus e do próximo (Deus charitas est et qui manet in charitate, manet in Deo et Deus in eo: liturgia dos lava-pés), que eclode na sua expressão a mais completa e plena no hino ao amor de São Paulo, na sua epístola a Coríntios. Nessas discussões chegamos a definir o amor, falando a partir e dentro da perspectiva da compreensão usual, na qual separamos razão, volição, sentimento e agir como três elementos distintos e separados, muitas vezes em contraposição entre si (chega de tanto saber racional, é necessário antes sentir e agir etc.) como sendo ao mesmo tempo: “compreender; querer o que se compreende; e fazer o que se compreendeu e se quis” = amar. Amar aqui não é um dos atos humanos, relacionado à faculdade de sentimento e de volição, mas sim primordial e primeiramente o ato do ser humano, a vigência da sua essência, i. é, do seu ser: amar é o mesmo que pensar, querer, agir, i. é, ser humano.
  4. Ao definirmos, no primeiro dia do encontro, a fé como um conhecimento ou um saber todo próprio, que tem a sua evidência a partir da experiência da pertença, tentamos acentuar que a fé é um conhecimento (leia-se: com-nascimento), um saber leia-se: sabor, sabedoria) todo próprio, cuja evidência não vem do projeto de um sujeito, dentro e a partir do inter-esse de agenciamento do autoasseguramento do seu eu, mas a partir da evidência da experiência da pertença. Tentamos esclarecer melhor os termos como evidência, experiência e pertença, contrastando-os com os termos experimentação ou experimento das ciências.
  5. Evidência vem do verbo latino evideri. Compõe-se de e + videri. E ou ex significa: saindo de dentro para fora, vindo de dentro, a partir do seu fundo originário, a partir de si e no médium do próprio de si, limpidamente. Videri é infinitivo da voz passiva do videre, ver. Essa forma da voz passiva, no entanto, esconde aquela voz que nos verbos gregos não era nem ativa nem passiva, mas se denominava medial, e que em português se formula com reflexivo, se ver. Na voz ativa, a ação passa para o objeto da ação, atingindo-o. Na voz passiva, recebe-se a ação do outro, sendo atingido e afetado. Tanto no ativo como no passivo, a ação do verbo transita para o objeto. Quando o verbo, na sua atuação, não tem o modo de ser de uma ação que transita para o objeto da sua ação, quer ativa quer passivamente, temos uma ‘ação’ intransitiva, a ação contém a sua dinâmica nela mesma, se adensa sem sair de si, tornando-se cada vez mais ela mesma, ela própria, tornando ela mesma médium, meio ambiente de si mesma: é a voz medial. Assim, videri no sentido da voz medial não significa ser visto nem se ver, mas incandescer, mostrar-se no seu próprio, manifestar-se a partir de si e no médium do seu esplendor. Esse modo de ser da manifestação, da evidenciação, do esplender, do transluzir é o próprio do saber originário, do com-nascimento. ´Deixar ser esse vir à luz, esse vir à fala a partir de si, nele mesmo de cada ente nele mesmo é o que denominamos de experiência.
  6. Experiência: a palavra vem do verbo latino experiri que se compõe de ex + periri. Quanto ao ex e à voz medial, cf. n. 5 acima. Periri significa: pôr-se à prova, tentar, expor-se ao perigo, arriscar, aprender a conhecer, estar em plena atenção. No periri o per conota através de, ir através de, do início até o fim, atravessando; penetrar ao fundo até o fundo abissal, ser toda atenção na ausculta do que der e vier, na espera do inesperado, sem nenhuma pré-tensão de uma expectativa preestabelecida, inteiramente na aberta, tinindo no inter-esse da recepção obediente. Um modo de caminhar-se e se encaminhar, assim, nesse modo, se chama em alemão Er-fahren, onde Er significa: originário, e fahren, ir, caminhar, viajar. Trata-se do modo de ser de uma caminhada, na qual na medida em que se caminha, na decisão de perfazer-se e crescer e se tornar na caminhada, se vai assimilando como momentos de transformação e crescimento tudo que vem ao encontro, abrindo-se para um ser que é o conascimento na realização da realidade, enquanto se vai. É o modo de ser da dinâmica do destinar-se ao próprio do seu ser, que denominamos de História. É nesse modo de se encaminhar e se perfazer no destinar-se do seu ser que surge, cresce e se consuma o que bem no início do nosso encontro denominamos de povo. Esse modo de ser é bem diferente do modo de experimento, experimentação, o experimental das ciências, principalmente das ciências naturais, que denominamos de método ou meio instrumento da aquisição do saber exato e objetivo. Aqui, o homem se faz sujeito e agente de suas ações como regente do agenciamento do seu inter-esse e lança sobre a ‘realidade’ as condições da possibilidade do ser e do aparecer dos entes como objetos do projeto, enquanto processados, para se tornarem afins desse enquadramento, como comprovação e verificação da validade do projeto lançado. Fazer experimento significa então averiguar se a hipótese lançada a partir de um inter-esse como projeto é confirmada ou negada em contacto com a ‘realidade’.

Percebemos sem mais que aqui se trata de dois modos diferentes de abordagem da realidade.

  1. Pertença: pertencer aqui não significa aquele tipo de pertença que as ideologias costumam programar e propagar sob o slogan: Vista a camisa do nosso partido etc. Aqui na definição da fé acima colocada, pertença é o que nasce, cresce e se consuma como uma obra ‘perfazida’, i. é per-feita, de uma longa caminhada, a modo da História, acima explicitada.

De todos esses pontos debatidos durante a reflexão do dia, concluímos o estudo do dia, desconfiando, se o fundo dos textos da Bíblia não pressupõe a fé como nascer, crescer e se consumar nessa aberta do mundo chamada: Amor de Deus e do próximo: amai-vos uns aos outros como Eu (Deus Incarnado) vos amei. Se assim o for, então o princípio exegético dos textos da Bíblia seria o Amor, entendido nesse modo todo próprio de conhecimento, do saber (sabor) todo próprio do co-nascimento no modo de ser do Deus encarnado: Amar.

Dia 23

Uma vez mais claros no princípio exegético do fundo do texto do sermão das montanhas, continuamos lendo-o, sempre de olho para ver se conseguimos ver esse fundo da pressuposição supostamente descoberta em nossos diálogos. E nos recomendamos que lêssemos as bem-aventuranças já lidas, a partir e dentro da atmosfera desse fundo interpretativo e revíssemos criticamente as compreensões dessas bem-aventuranças como utopias e/ou conselhos morais-espirituais etc., etc., para ver as bem-aventuranças como caminho de realizações reais de uma realidade anunciada como novo céu e nova terra, digamos, purificada de todas as insinuações espiritualistas, cientificistas, pastorais-sociais e ‘metafísicas’ etc., a saber, como Boa-Nova.

Para tentar ilustrar tudo o que dissemos, continuamos lendo o sermão das montanhas, procurando ver como poderíamos ler o texto a partir do fundo dessa pressuposição de que o princípio exegético, o mais vasto, o mais profundo e o mais livre seria a fé, a saber, o conhecimento e o saber todo próprio, cuja evidência vem da experiência da pertença à aberta criativa e libertadora de todas as coisas, enquanto Princípio-Amor, que funda o novo céu e a nova terra do Reino de Deus encarnado.

O texto em questão do sermão da montanha dizia: quem olhar com concupiscência a uma mulher comete adultério e a faz adúltera, a não ser em caso da pornéia etc. E o texto seguinte dizia: Se um dos teus membros te escandaliza, corte-o fora etc.

Discutiu-se como se deve entender essa observação restritiva, “a não ser em caso da porneia.” E foi dito que o decisivo desse texto é como se entende a palavra grega porneia. E foi dito que a Igreja Católica a entende como união ilícita. Se o casal está ajuntado simplesmente, sem se ter casado sacramentalmente, então é permitido divorciar-se, declarando a união como inválida. A Igreja protestante e a ortodoxa entende porneia como ato pecaminoso, infidelidade conjugal, perversidade etc., de tal sorte que, se ocorrerem num sentido grave esses atos, é permitido se separar e anular o casamento etc. E acerca de decepar os membros, quando um deles escandaliza, foi interpretado como não literal-físico como o interpretou Orígenes, mas indicando a seriedade em assumir a tarefa e o compromisso contraídos ao seguir a vocação cristã. Na discussão foi proposto examinar se essas explicações e interpretações não lêem a Bíblia a partir e dentro da atmosfera da pastoral, da moral, mas não a partir do princípio fontal próprio da Boa Nova. Se a Boa Nova é Amor, como acima foi explicitado, então trata-se do Amor de Encontro, na total nobreza e limpidez da doação e recepção, como se experimenta onde quer que se dê esse encontro. E ali se percebe que o rigor e/ou a nitidez da limpidez da decisão não está indicando rigidez moral, radicalismo fundamentalista, nem prudência ou equilíbrio na prática pastoral, mas direta e simplesmente em que consiste a realização da realidade como a aberta da fé no amor, cuja essência é ternura e vigor de uma intimidade nobre sem limites na doação e recepção do puro encontro.

Ao findar o dia 23, terminamos o nosso encontro, marcando para o seguinte encontro a data de 26 a 30 de janeiro de 2009, em Piracicaba.

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