Vocacional - Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil - OFM

Questões da Fenomenologia

05/02/2021

 

(Recordações amadoras)

Introdução

O subtítulo indica o que o seguinte ajuntamento de reflexões e observações gostaria de ser, a saber, uma espécie de cadernos de anotações. Daqueles que, como estudantes, guardamos e consultamos, de uso particular, recordando apenas para si o que se ouviu nas preleções, seminários e leituras, a respeito de autores, professores e especialistas abalizados, e que bem ou mal conseguimos assimilar e anotar, dentro das limitações de iniciantes e amadores. As anotações aqui recebem ocasionalmente forma externa de reflexões dividas em capítulo. De fato, porém, são reflexões avulsas e ocasionais, como quem fica beliscando à beirada já um tanto esfriada de um mingau quente, por não conseguir encarar diretamente o tema, de modo adequado, competente e sistemático. Assim, as reflexões seriam algo como observações a modo de partilhas de opiniões acerca da fenomenologia, ou melhor, do modo de ser fenomenológico, entre amadores. Portanto, repetindo, são anotações de estudante amador e amante na coisa, i. é, na causa da fenomenologia. Anotações desse tipo são entendidas somente por quem as rabiscou, e quem, ao lê-las, tem o mesmo tipo de complexo e paixão. Complexo e paixão de busca da coisa ela mesma da fenomenologia e do seu fascínio, sofridos pelo principiante e ou amador. De que complexo e de que paixão se trata diz também o subtítulo: Introdução à recordação amadora.

Recordação aqui não tem a ver com memórias do passado longínquo saudoso e/ou traumático de antanho, nem com depósito de lembranças, reminiscências, portanto com arquivo de dados. Antes, tem a ver com latim cor, -dis, com a re-cordação, portanto com retomada e volta ao cerne, coração, ao fundo oculto, donde nasce, cresce e se consuma, o que sempre de novo aparece, dentro, diante e ao redor de nós. Mas então o que é, pois, cerne, coração, o fundo oculto, donde nasce, cresce e se consuma o estudo de um amador na fenomenologia? Por ser o fundo do amador há ali psicologicamente algo como medo de pouco saber, uma espécie de complexo do aprendiz que não é especialista, de ser apenas iniciante e diletante. Mas, ao mesmo tempo, há também ali algo como ímpeto da inocência ingênua de um grande desejo, vontade de adentrar, sim de estar por dentro, em casa, naquilo que a alma do amador ama, a saber, naquilo que a fenomenologia tem de mais próprio e fascinante, sem conhecer bem a complexidade e exigência de exatidão objetiva e informativa que exigem o empenho e o desempenho de tal empreendimento do saber. E a tudo isso, acrescente-se o receio de iludir-se a si mesmo, contentando-se com o saber particular, subjetivo, trocando verdade, acuidade e claridade da teoria com paixão e sentimento. Trata-se de um humor angustiante que toma conta de todo e qualquer estudante de filosofia que ama a filosofia, que se lança a cata de informações, cada vez mais numerosas, asseguradas, que lhe parecem proporcionar o poder do saber dominante e ao mesmo tempo se sente inquieto, como que tocado por outro hálito de fascínio. Fascínio e prazer de concentração no pouco essencial, de afundamento para a interioridade de uma intuição da verdade originária. Intuição que por um instante aparece como vislumbre de algo como vivência aventureira e singularmente venturosa, sim altamente pessoal de uma dimensão inominável. As exposições que se seguem sofrem da ambigüidade desse humor angustiante do amador, que sempre permanece iniciante, jamais iniciado. De estudante inacabado, sempre temeroso de estar expondo a sua ignorância. Por isso, no subtítulo a palavra recordação indica essa perplexidade psicológica, mas ao mesmo tempo esperança de que, mesmo também nessa perplexidade, possa estar atuando, talvez, por menor que seja, um hálito do pensamento da busca da verdade, o toque do vislumbre do sentido do ser, operante nas diversas problemáticas tratadas nas reflexões, no desengonço e na imprecisão, característicos de trabalhos de amador.

O interesse[i] dos termos fenomenológico e fenomenologia aqui na nossa exposição se refere à corrente filosófica que historicamente teve início com Edmund Husserl sob a denominação de fenomenologia e se manifestou em diversas escolas e inúmeros movimentos de fenomenologia. Na infindável série de nomes de filósofos e pensadores, de tendências filosófico-fenomenológicas, o nosso inter-esse se limita mais a três, a saber, Edmund Husserl, Martin Heidegger e Heinrich Rombach, que usualmente são classificados como pertencentes à escola fenomenológica de Freiburg i. Br. No entanto, não se fala tanto sobre esses autores e seus pensamentos, mas as reflexões que seguem tratam diversos assuntos de cunho filosófico ou semi-filosófico como que a partir do médium em que se acha essa corrente fenomenológica friburguense, na medida em que, bem ou mal, foi assimilada e compreendia pelas reflexões. Com outras palavras, os pensamentos válidos que ocorrem nas nossas reflexões foram tirados desses autores, certamente quase sempre mal assimilados ou simplificados de modo diletante, ou mesmo falsificados por causa da ignorância ou pouco volume do pensar. Por isso, também o termo introdução não se refere a uma exposição historiográfica acerca dessa escola de filosofia e de apresentação sucinta, na medida do possível sistemática de suas teses, doutrinas e ensinamentos filosóficos, para estudiosos de filosofia, ainda não iniciados nessa corrente filosófica contemporânea. A palavra introdução do subtítulo praticamente não tem nada a ver com esse tipo de introdução. Pois nossas reflexões não conseguem realizar tão difícil tarefa. Para isso, falta-lhes tanto o volume de conhecimentos como o domínio de complexos dados historiográficos e filosóficos, implicados por qualquer introdução desse tipo.

Aqui no subtítulo, a palavra introdução indica tão somente o inter-esse, não propriamente de conduzir os outros para dentro da fenomenologia, mas sim de a própria reflexão, de alguma forma, ser uma tentativa. Tentativa de intuir, i. é, de ir para dentro, mesmo que seja somente num vislumbre passageiro, do fundo incandescente da coisa ela mesma da fenomenologia e ser atingido pela sua faísca, na cintilação do seu aparecer.

Por isso, os pensamentos, informações, referências que por acaso se encontrem nessa apostila-caderno de anotações, se forem usadas, devem ser controlados quanto a sua exatidão e sua validade, pois são em na sua maioria “chutações” e simplificações de um amador. Se, porém, houver nessas “chutações” amadoras e amantes da causa da fenomenologia, alguns pensamentos válidos, podem, quem sabe, ser úteis para os que sofrem das mesmas dificuldades e, no entanto, querem intuir, i. é, ir para dentro daquilo que é do fascínio e prazer da fenomenologia. Nessa perspectiva, as reflexões, nos seus dados informativos, limitam ao mínimo a exposição dos conhecimentos e do saber usual acadêmico sobre a fenomenologia. O modo de expor os pensamentos, as seguintes reflexões, abusam do seu desejo de serem lidas como anotações. Assim, a exposição é intercalada de observações, a modo de interrogações, dúvidas e ponderações que permanecem não respondidas, como que suspensas no ar, como excursos.


[i] Leia-se inter-esse, a saber, aquilo na qual já sempre estamos.
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