Vocacional - Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil - OFM

PSICO-TER-A-PIA, Jaraguá-Paulista, 2007 – Parte IX

25/03/2021

 

Marcos: Eckhart coloca esse abismo da essência de Deus, que ele chama deidade  … como uma vida que transborda de si mesma, a geração do Filho pelo Pai é a doação do Pai ao Filho, a recepção do Filho ao Pai. Uma doação de recepção tão íntima que o Pai é todo no Filho e o Filho todo no Pai. O Pai transborda de si e esse transbordar de si é a criação. Pois é esse transbordamento de Deus em Deus que deixa e faz ser tudo nesse Filho. Então, o Filho é chamado de intelecto de Deus. Nesse Filho é que Deus se pensa a Si mesmo e ao pensar a Si mesmo no Filho, ele pensa também os outros filhos. Pensando nesse Filho Ele concebe o Filho e no Filho concebe todos os outros Filhos e todas as criaturas. É chamado também de Palavra, o Verbo, porque nesse Filho Deus se diz e dizendo, diz o Filho e nesse Filho diz tudo quanto existe. Tudo é ressonância dessa Palavra de Deus que é dita em Deus. Essa palavra, Filho é chamada também de Sabedoria, por isso que a gente trouxe esse poema do Livro dos Provérbios que fala da sabedoria como primícias das obras de Deus. E a Sabedoria foi gerada por Deus e com Deus antes de o Universo se constituir como universo. Este poema fala da Sabedoria como Mestre de Obra do universo e como criança que brinca diante de Deus enquanto Deus cria o universo. E diz que sua delícia, seu prazer é estar junto aos filhos dos homens. Então, cada homem é filho, no Filho Unigênito. É criado, gerado como Filho de Deus no Filho de Deus. Cada um é à imagem desse Filho. Então o universo inteiro existe por graça do Filho e dessa filiação.

Eckhart, em alguns momentos, até diz: “Eu sou este filho”, no sentido que há uma grande dádiva de participar da filiação de Deus. E que o homem é chamado a tornar-se o filho que ele já é. Então, essa tônica da alma que aparece como filha no Filho a partir da alma é que todo o universo participa dessa filiação.

HH: Neste sentido que desde a criatura mais sublime até o pó da terra tem uma marca registrada. Sobretudo, o ser humano, o ser humano no sentido de alma. E quem olha para a alma vê o rosto de Jesus Cristo. Então, usando a linguagem errada, tudo se torna antropomórfico ou cristomórfico. Então isso é a criação.

Marcos: Por isso que, para S. Francisco, não havia lugar nenhum em que ele não podia encontrar Cristo. Tudo é ressonância, reflexo e imagem de Cristo.

HH: É o que aparece no “Cântico do Irmão Sol”.

Dorvalino: Por isso que ele chama qualquer criatura de pessoa, tem caráter pessoal. A água é irmã…

Marcos: Quando a gente lê o “Cântico do Irmão Sol”, a gente diz que é poesia, metáfora, pois personaliza a água, o fogo, o ar. Isto é consciência primitiva. Porque nos mitos, e mesmo, na criança tudo é animado, tudo é vivo, tudo é pessoa, tudo é gente. Numa lenda, como por exemplo, “Alice no País das Maravilhas”, há o espantalho, o coelho… Então, neste país das maravilhas tudo fala e tudo é gente. Então, dizemos: “isto é personificação de tudo”. Porque a gente parte do pressuposto que os entes, tudo aquilo que, no fundo, é coisa e que ser pessoa é uma variante do ser coisa. Pessoa é uma coisa. Só que pensa, tem consciência e etc. Na visão medieval o ser fundamental é pessoa e tudo o que existe é pessoa ou variante de pessoa. Então, isto possibilita que, no fundo, tudo fale. O universo está falando continuamente. Ontem, na Missa, havia um Salmo que dizia isso: “uma voz que ressoa em todo o universo, não são vozes, palavras que se possam ouvir e etc.”. Mas, há um som que ressoa em todo o Universo e os apóstolos vieram para dar voz a este som. Geralmente, na liturgia dos Apóstolos tem aquele Salmo.

Dorvalino: Significa que se uma criatura deixasse de ser recebedora de Deus, ela deixaria de existir. A pedra se deixasse de ser recebedora de Deus, desapareceria. Não existiria mais. Por isso que S. Francisco diz que as criaturas servem melhor a Deus do que o homem que foi criado à imagem e semelhança dele.

Marcos: Sobre este tema de que cada criatura deixaria de ser se não recebesse Deus, Eckhart comenta um versículo bíblico, em que a sabedoria diz que ela nutre todas as coisas, como pão que mata a fome ou água que mata a sede. Então, Eckhart começa dizendo que tudo quanto é, todo ente é nutrido pelo ser. Ele só é ente na medida em que ele se nutre do ser. Em outras palavras, ele precisa comer e beber do ser, continuamente, para ser ente. Assim que se lhe retira o ser, ele não é nada.

Claudio: essa é uma hipótese impossível, não é? Pois as coisas só existem porque Deus está em todo lugar.

Marcos: Essa impossibilidade de tudo ser nada é revelação do amor de Deus. É o amor de Deus que permite que tudo não retorne ao nada. O Salmo diz que Deus envia seu sopro e tudo renasce, mas se retirar o seu sopro tudo retorna ao nada.

Regina: … o Espírito Santo é este Amor?

Marcos: O Espírito Santo é o Sopro de Cristo em todo o universo, como o sopro da Vida do Filho que está impregnando e vivificando todo o universo. É como a palavra que você fala, sai a voz, o som, mas sai também o sopro da boca. O som é o próprio sopro. A palavra é o sopro sonoro. Então, o sopro de Deus na Palavra de Deus ressoa em todo o universo. E todo o universo é Palavra de Deus. Eckhart dizia que quem conseguisse ler o livro do universo, não precisaria de sermões, de pregações.

HH: … por isso que quando os monges recitavam o ofício, faziam coro a essa sinfonia da criação. E, em fazendo isso, eles estavam participando da criação, i.é, fazendo pastoral de Deus.

Marcos: Então, o coro dos homens (com toda a mixórdia humana!), os coros dos anjos, os coros dos Santos, toda a comunhão dos Santos, o coro do universo inteiro com todas as criaturas, o fogo, a água, o ar, e etc., tudo é uma sinfonia da mesma Palavra que ecoa em tudo.

Dorvalino: … isto significa que, após a criação, não é mais possível encontrar Deus em si Mesmo, n’Ele senão nas criaturas.

HH: Só que é nas criaturas em Jesus Cristo, no Filho.

Marcos: … no Filho cujo corpo é o universo vivo.

Cláudio: Posso fazer uma divagação?

Todos os participantes: riram profusamente.

Claudio: O Amor de Cristo é tão puro que permeia todas as coisas e por isso podemos afirmar que ele está em todos os lugares. E, guardando as devidas proporções, no campo das ciências, houve, no passado, cientistas que fizeram descobertas tão fundamentais cujos benefícios continuam a permear toda a pesquisa científica ao longo dos tempos. Assim também, eu vejo que há um amor além de eu e tu, além do intelecto que permeia tudo.

Marcos: Por que este amor é além do intelecto? Por que o preconceito contra o intelecto? É interessante que Eckhart chame de intelecto essa luminosidade, essa Palavra que se comunica em tudo. O calor dessa luminosidade pode ser chamado de Amor. Mas amor é vivido no intelecto.

Marcos: Em Eckhart, esse nada é sempre tematizado. Ele sempre está convidando os seus ouvintes a voltar a esse nada. E voltar a esse nada não é simplesmente deixar de existir. É ser o que eu era em Deus, como filho de Deus. Este voltar ao nada, ele chama de humildade. Todo mundo pensa em ser algo, em ser alguém. Como lá, em Brasília, o relacionamento com os pais dos alunos do nosso colégio é, às vezes, delicado porque eles são sempre alguém, ou parente, ou amigo de alguém que é alguém. Eu sou algo, eu sou alguém… Eckhart diz que essa palavra “eu” é pura substância. Deus é que disse essa palavra “eu”, “EU SOU”. Mas a alma precisa deixar de ser esse algo, que ela pensa que ela é, e voltar, retornar a esse nada. Esse nada… como filho de Deus aparece na criação como o nada da criatura… no universo aparece como nada da criatura… Ele diz: “as criaturas são um puro nada”.  Eu não estou dizendo que elas valham pouca coisa. Estou dizendo que elas são nada mesmo, que tudo que elas são elas recebem o ser de Deus. E que, se Deus desvia a sua face, as criaturas voltam ao nada, são aniquiladas. Assim que, não é que as criaturas seja algo além ou ao lado de Deus. Deus é todo o Ser e as criaturas são nada que recebem o seu ser de Deus. Por isso, se a gente oferecesse a criatura a Deus, é como se agente não apresentasse nada.

Para a gente ver isso mais classicamente, essa passagem da vida de S. Francisco de Chesterton em que ele fala que S. Francisco foi uma espécie de saltimbanco. Na Idade média havia muito desses saltimbancos, meio palhaços, meio malabaristas, meio saltadores, uma mistura de tudo isso. Então … palhaço, saltimbanco … tão grato a Nossa Senhora e ele não sabia como agradecer a ela, então resolveu dar cambalhotas e plantar bananeira diante de Nossa Senhora. Foi a homenagem que ele encontrou para N. Senhora. E S. Francisco no Reino de Deus é uma espécie de bobo da corte. E para  São Francisco, Deus no Filho, e o Filho em nós filhos, toda a sua boa vontade, empenho e desempenho de doação são estes saltos que todos eles, nós, dão, damos, estas cambalhotas e plantar bananeira. Quem planta bananeira vê tudo de cabeça para baixo. Ele disse que se S. Francisco plantasse bananeira e olhasse a cidade… a percepção que ele teria da sua cidade mudaria completamente. Tudo que parecia seguro, fixo, pesado como as muralhas da cidade, as torres dos castelos… dos homens tudo isso pareceria perigar cair, despencar no nada. E que, de repente na sua conversão – conversão significa essa mudança, ficar de cabeça para baixo, ver tudo ao inverso –  quando ele viu tudo ao inverso, ele viu todo o universo dependurado em Deus. Tudo está caindo no puro nada, mas um fio de cabelo da misericórdia de Deus está segurando todas as coisas. E aqui, não esqueçamos do ponto nevrálgico dessa “ideologia” franciscana, a saber, esse modo de ser do bobo do rei, do palhaço, humilde, grato, cheio de boa vontade é o que chamamos de Misericórdia, de Amor de Deus, Amor que Deus tem para conosco.

Isso é que ele chama de dependência. Pois, dependência é a pendência de, pender de, de-pendurar. Então São Francisco teria intuição da radical dependência da criação em relação ao Criador. Só que Ele, em vez de ficar a lastimar-se amargamente, de que a criatura não é nada, ele alegrou-se e começou a louvar o Criador por tudo. Então, S. Francisco, diz Chesterton,  é alguém que está diante de toda a criação na alegria que brota desse niilismo, dessa niilidade – nada. Aí ele compara: que tipo de poeta é esse? Qual a diferença do poeta e do Santo? O poeta é como um homem que conhecesse uma dama e acha que a dama se parece com uma flor. O Santo é como um homem que achasse que todas as flores se parecem com sua dama!

Isso é o que estávamos falando há pouco, isto é, de que o universo todo tem o rosto do homem, ou seja, tem o rosto do Filho de Deus. Em toda parte está a semelhança, tudo se parece com o Filho de Deus. Ele termina dizendo que esse tipo de poeta, santo, ele louva a criação antes do universo que está criado. Louva o ato da criação. É como se ele estivesse, aqui e agora, vendo surgir do nada. É como se ele fosse como a Sabedoria que está lá antes de Deus criar o universo, dançando diante dele e vendo tudo passar do nada para a existência. E nesse sentido, ele pode até responder as objeções lançadas contra Jó. Jó queria a razão, que Deus lhe desse a razão do seu sofrimento e etc. e etc. Chega um momento em que Deus fala de toda a criação, do ato da criação e pergunta: “Você estava lá quando eu fiz isso?” E Jó, depois de escutar isso, diz: “Falei demais. Vou calar a boca.” Então, Chesterton diz: esse poeta, Francisco pode responder a esta objeção de Jó e dizer, no aqui e agora, vendo como que todo o universo saindo das mãos de Deus; “Viva! Graças a Deus! Obrigado”. E por isso, ele tem uma bela familiaridade com as criaturas e profunda intimidade com elas. Quando a gente é muito íntima dos outros, a gente é familiar, a gente pode fazer qualquer brincadeira, qualquer gozação porque a gente é intima. Com estranhos a gente não faz. Então, S. Francisco tinha essa intimidade com tudo, porque ele via tudo nascendo de Deus.

Fábia: … o que é essa luz meridiana? (no texto)

Marcos: Literalmente é luz do meio dia. Aqui no texto se está dizendo que o sentimento com que os poetas vêem a natureza é ainda como a lâmpada elétrica que a gente liga à noite. É luz artificial. Mas, alguém como S. Francisco é como a luz do meio dia. Há diferença entre luz artificial e luz natural. Quer dizer que, por exemplo, todo sentimento romântico, que certos poetas têm, que certos misticismos têm, tudo isto se parece ainda com luz artificial. E que este sentido de louvor diante da criação que santos como s. Francisco tem é como se fosse luz natural.

Dorvalino: na p. 22, o termo místico nada tem a ver com simples mistério, como é? Não estou “pegando bem” esse ponto.

Marcos: Porque hoje, por exemplo, a gente fala muito de misticismo, mística… Ele está dizendo que não é porque é mistério que alguém se torna místico. O nada também é mistério. O mistério nu e cru, cruel sem a pessoa ali, é o mistério da iniqüidade. É o mal no mundo. Isto é o que S. Paulo chama de mistério da iniqüidade. E S. Paulo contrapunha o mistério da iniqüidade ao mistério da piedade – que é Cristo. Então, o místico, a mística – Chesterton está dizendo – não é simplesmente experiência do mistério, mas do mistério que, no fundo, é mistério da pessoa. A gente diz ‘da pessoa’, mas diz mal. É apenas um aceno.

Dom Mamede: A saúde do olhar é ver tudo como bom e imediatamente repercute tudo como bom.

Marcos: Eckhart comenta um versículo da Carta de S. Tiago: “Toda dádiva boa e todo dom perfeito desce do céu, do pai das luzes”. A gente pensa: tem coisa que é boa e tem coisa que é ruim. As coisas que são boas são de Deus, os que não são boas não vêm de Deus. Eckhart diz assim: que toda dádiva é boa e dom é perfeito quando você recebe como vindos de Deus. Então, se vem doença e você a recebe como vinda de Deus, isto é bom. Se vier sofrimento e acolhe como vindo de Deus, isto se tornou bom, dádiva perfeita. Então, todo mal que existe no mundo, se o homem o recebe de boa vontade, como vindo do Pai, da Bondade, então, o mal não é mal. Todo mal é um bem. Nesta disposição, não haveria mais aquilo de: isso é bom, isto é ruim.

HH: Dentro desta maneira de pensar, como seria a medicina? Se fosse médico da Escola de Eckhart? Pois, esse nosso encontro é para debater a psicologia, a pedagogia, a espiritualidade, mas principalmente psicologia, enquanto terapia!

Marcos: Antes de tudo, iria fazer o máximo para curar, para cuidar.

HH: Será que seria para curar ou pensar a ferida? Então pensar a ferida, curar não é outra coisa senão reconduzir ao vigor originário da criação. Digamos que esse vigor originário da criação, no fundo, recebe tudo de Deus. Então, se recebe tudo de Deus, doença não é mais doença. Mas traduzindo isto numa linguagem medicinal, é para dizer que na própria doença, ele não está reduzido à doença. Em cada doença que vem ele tem a seguir o fio condutor que conduz à origem. Então, não tem mais a idéia de do-mal e não-do-mal, cada enfermidade é uma possibilidade de ser. É ter a pia, a piedade da bondade insondável e inesgotável.

Marcos:  …, pois, é: só pode estar doente o que é vivo.

HH: Isto significa que um doente que tem essa atitude, ele faz com que dê tempo ao tempo para sua recuperação. Esse modo de ser de dar tempo ao tempo para sua recuperação significa alguém que é paciente e entrega o próprio vigor originário ao seu próprio refazer-se. Então, tem uma habilidade muito grande de receber, de dar espaço livre para esse vigor originário se curar – nem é bom usar a palavra se curar – se tornar cuidado, pensar. Então será capaz de surgir uma medicina que, primeiro, não considera, não classifica a doença como coisa ruim, mas em cada doença é capaz de criar nova saúde.

Marcos: … mesmo se não cura “factualmente”, essa disposição de lidar com a doença e a saúde já é cura.

HH: …pessoa está cheia de vermes na barriga e no entanto – li relato sobre aquela aldeia lá da América Central, a turma lá tinha uma saúde de todo inter-essante… Então pode fazer surgir uma saúde que alimenta o verme, mas o verme não carcome. É capaz de fazer partilhar…

Marcos: … o irmão verme!, irmã morte…

HH: Existe aquele pedagogo que fundou uma escola, uma corrente pedagógica, onde segue o seguinte princípio: não há pessoas anormais. As pessoas, ditas anormais, são simplesmente aquelas a quem não se deixa ser o que é próprio delas. Esqueci o nome dele – é um judeu. A Veja, já bem antigamente, no fim do segundo milênio, trouxe uma entrevista muito interessante com ele. Lidava com excepcionais de modo muito interessante. Então, ele examina várias coisas e detecta: “isto que é o próprio desse indivíduo” e começa a dar possibilidades e transforma essa pessoa em grande pintor, p. ex., se descobre que o próprio dele é pintar. Então, ele é tido como homem que faz milagres. Mas, no fundo, não é milagre. Ele está criando possibilidades que, na estreiteza das nossas medidas, são considerados como anormais.

Claudenice: há um filme: “O poder além da vida”, alguém já assistiu?

HH: Um jovem, recém saído da universidade, na especialização ginástica olímpica, foi contratado por um colégio. Cheio de entusiasmo, na primeira aula, quis transmitir o entusiasmo para a ginástica aos seus alunos e alunas, uma pequena demonstração da beleza e harmonia dessa arte. Só que o zelador, que limpava o local, deixou mancha de óleo. Ninguém a percebeu, e o jovem professor recém formado escorregou e quebrou a coluna. Desmaiou, ficou não sei quanto tempo em coma e, quando acordou, estava todo imobilizado, do pescoço para baixo. Só conseguia mover os músculos do rosto, da cabeça e das mãos. Um dia, um amigo dele que esteve no Brasil trouxe uma flor de orquídea de Amazonas, e a colocou num copo e deixou à cabeceira do leito, onde o jovem paralisado jazia. Ao ver a flor na sua situação, foi tocado de repente por uma evidência: como é que esta planta decepada que vai morrer daqui a pouco, floresce com tamanha cordialidade?! Jurou, então, naquele momento, que ia pintar a flor. Pediu para comprar pinceis atômicos multicores e pequenas folhas de cartolina. Levou não sei quantos dias para fazer o fundo e, por fim, pitou um pequeno quadro. Ele nunca mais iria esquecer aquele instante de ter visto a sua vida, documentada nesse quadro. E assim começou a pintar com a boca. Hoje ele é um dos pintores mais famosos do Japão. Pinta somente plantas. Ele é cristão protestante, e recentemente deu uma entrevista numa Revista católica, na qual ele declara que hoje ele está numa situação como da orquídea no copo, agradecendo cada momento a graça, a grande chance de ter levado a queda e ter quebrado a coluna. Ele e a enfermeira que cuidou dele na hospital com muita dedicação e cuidado se apaixonaram e se casaram. E o presente de casamento, que ele deu a ela, foi esse quadro que era a coisa mais preciosa que ele tinha.

 Marcos: Aqui aparece o ser filho de Deus, o ser igual a Deus. Essa disposição é de Deus.

HH: … a esse modo de ser o medieval chamou de singular universal.

Marcos: Na pratica terapêutica, fala-se muito de respeitar a singularidade, mas entende-se singularidade como particularidade do individuo e não como singularidade da pessoa.

HH: Há um médico no Japão, que é de família xintoísta, de um sacerdote xintoísta. Então, o filho tem que herdar o trabalho, cuidar do templo. E lá ele cuidava e fazia medicina oriental, ajudando seus paroquianos. Um dia ele sentiu um grande desejo de aprender a medicina ocidental. Ganhou bolsa de estudos, foi para a Itália. Alugou um quarto cujo proprietário era um professor  universitário de Medicina, que era um dos professores do estudante oriental. Todos os dias ia como  professor para a universidade. Mas antes, acompanhava todos os dias sem entender quase nada o professor que assistia eucaristia. Resumindo a história, o estudante tornou-se católico, formou-se na medicina ocidental voltou para o Japão, e exerce hoje medicina. Dizem que esse médico fazia milagres. Ao ser entrevistado por revista católica Akenobo, ele declarou: “não faço milagre. Eu digo o seguinte: ser médico é cuidar de Jesus Cristo Crucificado. Não é que eu queira curar, mas eu quero que a pessoa viva enquanto pode viver essa vida que é vida conquistada por Jesus Cristo, morrendo na cruz. Assim, quando nada mais posso fazer, eu não desisto, fico junto das pessoas doentes, bem junto a eles. Viver um segundo, aquela fração de segundo é tudo. É ser-com Filho de Deus como filho de Deus”.

Marcos: Eckhart diz que um anjo e uma mosca são iguais. Não há nada no mundo que seja mais elevado que outro, nessa fração de segundo do instante sagrado da vida..

Cláudio: Parece que há almas especiais que vem para fazer a humanidade inteira dar um salto qualitativo, em todos os campos, quer na religião, na arte ou na própria ciência, quase que recebendo uma missão especial para revelar a grandeza de que somos capazes.

HH: Vincent van Gogh gostava de pintar corpos velhos, cheios de rugas, de mãos calejadas, donas de casa pobres trabalhando, mendigos. Alguém o questionou porque ele não pintava um corpo feminino mais bonito e ele disse: “Mas, há outro mais bonito do que tudo isso que pinto?” Segundo van Gogh, o corpo feminino estético, mãos lisinhas bonitinhas, não tinham caráter. Agora, a figura de uma mulher idosa, da operária, camponesa, prostitutas exploradas, as mãos calejadas na labuta diária, havia a beleza e nobreza de toda uma história da existência humana.

Regina: A Adélia Prado tem uma sensibilidade assim.

HH: É. Ela foi dar uma palestra lá, em Curitiba, e falou sobre o feminino e umas dondocas a retrucaram e disseram: “Isto que a senhora está falando é um machismo mineiro”. Ela respondeu mais ou menos na seguinte acepção: Não sei se é machismo mineiro, mas eu vejo certas mulheres, como aquelas do Vale do Jequitinhonha, mulheres com a face enrugada e queimada pelo sol, mãos calejadas, porque têm que trabalhar duro, carregar lenhas, sacos de farinha etc. A beleza delas, o feminino está nos seus olhos. No brilho de almas fieis, intensas, cheias de fidelidade e paixão. Gostaria que vocês fossem lá naquela região de Minas. Vocês não sabem nem podem saber, que nenhum homem que olhou o brilho dos olhos daquelas mulheres consegue abandoná-las, uma vez unidos a elas.

Marcos: … o medieval quando fala da alma diz que ela é forma do corpo. A gente lê isso e não entende e pergunta: “mas está falando de quê?” O que é o rosto de uma pessoa? Os medievais diziam é species, o esplendor, o brilho e espécie!

Cláudio: O rosto é expressão do seu inteiro. Há pessoas que fazem plástica e depois não conseguem mais nem sorrir.

HH: …nós dizemos assim: “corpo é fôrma da alma”; “alma é forma do corpo”.

Marcos: O corpo não é apenas uma carcaça. É a obra de arte da alma.

HH: É uma anedota: dizem que havia um famoso cirurgião plástico na Espanha que modelava o rosto da pessoa conforme o gosto do paciente. Então, chegou um que lhe pediu para modelar seu rosto a la Picasso. E o cirurgião o fez. Quando, o paciente voltou para o retorno, o médico perguntou: “como vai?” e o paciente respondeu: “Ótimo. Só há um probleminha: dia que chove, meu nariz enche d’água”. O suicida de quem falamos anteriormente, quando falamos do psicólogo americano, diretor presidente do Instituto Jung, autor de um livro que defende um novo método terapêutico para casos de suicídio: na transformação da alma não percebe o movimento morte-ressurreição e, então, confunde fôrma e forma.

Marcos: Então ele mata o corpo.

Cláudio: Como isso é visto sob o ângulo da psicologia?

Leila: Um médico, em Goiânia, matou três pessoas fazendo lipoaspiração. Foi muito discutido. Inclusive, a Virgínia, uma psicóloga, deu uma entrevista e falou que muitas pessoas estão precisando não de uma lipoaspiração física, corporal, mas sim, de uma lipoaspiração interior. Pois, se fixam em gordurinhas aqui, gordurinhas ali. Dão demasiada importância ao físico e se esquecem da alma, do valor da pessoa enquanto pessoa mesma.

Claudio: Como a psicologia encara a homossexualidade? Os travestis que modificam seus corpos, etc…

Leila: É uma opção da pessoa.

Débora (outras psicólogas): Psicologia diz que é normal. É uma opção da pessoa.

HH: Gostaria de saber o que a psicologia considera normal? Como se define normal na psicologia? Normal na psicologia depende da opção, é isso? Seria muito importante, para um psicólogo, pegar bem o que ele entende quando diz “normal”.

Fábia: … normal é o natural?

HH: Se, a coisa depende da opção, então, o que é ou não é normal é o sujeito que decide. O padrão de normalidade é tirado da opção do sujeito.

Leila: O que você está perguntando? Como eu como psicóloga trato a pessoa homossexual?

HH: Não. É que quando se diz: nós psicólogos, padres, os curas d’almas, os pedagogos respeitamos a opção da pessoa, o que se está entendendo pelo conceito de “opção”. Se é simplesmente uma tese geral ou se é um fenômeno que se analisa, cada vez, como aparece e de onde surge um caminho de terapia.

Marcos: Há uma tese que diz que a pessoa tem que ser resolvida. É uma tese de compreensão. Por exemplo, se uma pessoa for se arrastando dentro de uma opção, ela não está bem resolvida. Eu entendo assim.

Bem, o tempo passa, e devemos pensar na nossa viagem de volta às nossas casas. Assim, interrompemos os dis-cursos do nosso encontro aqui, sem mais nem menos, como quem suspende temporariamente as nossas reuniões nessa sala, e levemos para casa a tarefa de continuar as nossas discussões, cada qual se confrontando com o seu saber, em falando com seus botões, até nos encontrarmos de novo aqui em Jaraguá no ano de 2008. A data do nosso reencontro para continuar puxando o fio de reflexão é de 30 de Abril (chegada), 1 – 4 de maio; repetindo, o local é aqui mesmo em Jaraguá; tema: continuação do mesmo: a alma em Eckhart.

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