Dia 17 de junho
O que se deve compreender por substância, entendida como a categoria fundamental ou palavra-chave da metafísica substancialista, portanto, da metafísica ou filosofia antiga, seja ela grega ou medieval:
1.Substância, substancial na significação usada por nós no cotidiano, sem tomar muita consciência do que dizemos, é algo que é denso, compacto, algo que é principal. Exemplo: O gestor diz aos que se reuniram para discutir um novo plano, “Favor, concentrar-se no que é a substância da coisa, deixando de lado aspectos acidentais e secundários do assunto”; No restaurante: “Garçom, essa sopa não tem substância nenhuma! Parece apenas água quente salgada!”
2. Nessa significação usual de hoje, ainda soa, ainda está presente como eco longínquo o sentido do ser denominado pela metafísica antiga (grega e/ou medieval) de substância.Mas isso só o percebemos se estivermos atentos ao nuance da significação. Assim, a significação de substância inclina mais para um abstrato pontual quê algo, quê material, p. ex.: substância química.
3. Na vigência, no vigor do sentido do ser denominado pelos medievais de substância, a significação do termo substância usado pelos medievais dizia: o quê assentado em si, o ser pleno, tornar-se e ser plenitude, o quê próprio do ser em si, do ser pleno. Dito no jargão filosófico: ser ente no seu ser, o ser do ente, o ente no seu ser, o ser do ente, atuando na sua potência, na vigência do seu poder. Exemplos: macieira em flor; o esplendor contido da floresta de oliveiras na Palestina; o brilho da vitalidade da Mata Atlântica em mil e mil nuances matizadas de manifestação do seu aspecto (eidos, idéia, species, face); animal solto e livre no seu habitat; a fonte, o nascente, o seu esgueirar-se pelo cerrado, o avolumar-se num rio caudaloso; o erguer-se de uma construção que se torna moradia; bebê recém nascido; menino e menina na sua vivacidade (chineses dizem a menina é como peixe); a graça e o encanto da menina de Ipanema (Vinícius de Moraes), o rosto enrugado de uma mulher camponesa no trabalho; o lutador; o guerreiro; a espada, cortante no brilho de seu aço azul; o pensador; o sacerdote, o estadista, a mãe, Mãe de Deus, Filho de Deus, uma obra, homem ou mulher de caráter, confiável, o sábio, o santo etc.; a obra per-feita, o que é bom, agathón, perfeição, cháris, tendo no fundo a imensidão, a profundidade e criatividade, finitude do ser em si: ens in se. Substância é o que surge, cresce, se consuma na imensidão, profundidade abissal da possibilidade de ser, na plena soltura, liberdade cheia de graça, encanto e esplendor da pura positividade da dinâmica de ser. O todo, o fundo, a dimensão que tudo impregna, cada ente, cada coisa nesse vigor e nessa beleza, no toque desse assentamento na terra mãe da gratuidade e liberalidade, prodigalidade de ser se chama substância, e tudo quanto está matizado desse esplendor é substância, como isso e aquilo integrado na substancialidade do ser. Essa densidade de ser não exclui o mal, a escuridão, a negatividade, mas os inclui como elemento de peso, profundidade e plasticidade do ser. Não é a beleza pura da estética e histeria amesquinhada do ser. Cf. figuras de van Gogh e as beldades e celebridades da revista Caras.
4. Substância, nessa acepção do sentido do ser, acolhido e cultivado pela metafísica antiga (grega e/ou medieval) é fonte, origem, donde se abre a potência, a possibilidade de ser, o poder ser, a luz e força da existência grega e/ou existência medieval; com outras palavras, a dinâmica que cria, constrói, lança o mundo grego, o mundo medieval como cultura, civilização, nação: artes, arquitetura, letras, “filosofias”, leis e normas, cidades, religião, templos, estudos, saber etc.
5. Por isso, sentido do ser não é significação da palavra ser ou conceito, mas sim a dinâmica ontológica do surgimento, crescimento e consumação da época, da história na sucessão e na propriedade, cada vez suas, da positividade de ser.
6. No mundo onde substância é sentido do ser de todas as coisas, o modo de ser e pesar de tudo quanto ocorre nesse mundo pressupõe e tem como pré-jacência, como fundamento, como o a priori o modo de ser-substância, na acepção acima mencionada. Por isso physis, nos gregos, e Deus (criador), nos medievais, não são objetos, entes intramundanos, mas o a priori, a aberta da possibilidade de ser e pensar do todo: é a condição da possibilidade do mundo na imensidão, profundidade e criatividade do ser. Assim pedra era pedra como substância, sendo pedra ela mesma em si, planta, planta, animal, animal, homem, homem, espíritos, espíritos, a própria physis, physis, o próprio Deus, Deus em sendo substância, na identidade e diferença da sua própria plenitude, na graça, liberdade de ser em si a partir de si mesmo. Só que no caso de physis e de Deus, a sua identidade era de ser ela/ele mesmo a partir de si (a se) e em si (in se) como o abismo da possibilidade de ser e como o toque do ser, em sendo assim todos os entes no seu ser, e ao mesmo tempo ente no ser cuja diferença com outros entes era de ser a plenitude de ser, o ser ipsum essse, origem e possibilidade de ser em tudo. Deste modo physis e/ou Deus era a toda a paisagem e ao mesmo tempo um ente “intramundano”. No caso de physis é uma vez como abrangendo e impregnando tudo e outra vez como uma grande região chamada também physis (natureza nos medievais) contraposta à região homem.
7. O homem e as criaturas não são também objetos, contrapostos ao homem, mas são concreções do todo, como detalhes destacados da paisagem, cada qual como substância, como o que e como quem.
8. Descrever a forma defasada do ser do homem.