Vocacional - Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil - OFM

III – Deus o visitou

10/02/2021

 

LTC 3,7-10

Conversão inicial: agosto de 1205

A grande afeição: o viver religioso pobre o cultivo da afeição e seus exercícios: – a oração, a esmola “pro Deo”, o convívio com os pobres

COMEÇOU A CRESCER. O título original em latim diz “pro-ficere”, do qual vem também a palavra “profissão”. “Ficere” significa fazer, “pro” significa para frente. Crescer então é pro-ficere e significa fazer para frente. Uma pessoa professa é “pro-feito”, isto é, aquele que ajuntou toda a sua energia depois de muito extravagar e chegou ao ponto de dizer: “Daqui por diante serei um…”. Francisco “pro-fez”, cresceu

PELO DESPREZO DE SI MESMO E DE TODAS AS VAIDADES, BEM COMO PELA ORAÇÃO, PELA ESMOLA E PELO AMOR A POBREZA. Desprezo de si e da vaidade, aqui, não é negação maniqueísta da realidade terrestre. Significa antes: nesta caminhada da busca do ânimo de Deus, a partir do que se recebeu no nascimento, tudo ainda muito solto, aos poucos tudo tem que ser apertado, e quanto mais se cresce nesta caminhada mais é preciso desprezar a si e a vaidade. Quem não quiser fazer a corrida de S. Silvestre pode ter uma barriga de rei momo sem problema; não precisa desprezar a comida. Mas se quiser fazer a corrida de São Silvestre, tem que desprezar. Então tem que proficere, tem que fazer a você mesmo, criar você mesmo para frente. Na profissão tem que sempre ser estreito; isso significa que toda a energia tem que ficar cada vez mais concentrada a serviço de um engajamento, de uma decisão, de uma prontidão. Isso é decisivo. E oração pertence a este crescimento; e dar esmola e amor à pobreza, tudo isto agora está em função deste cultivo cada vez mais consciente da disposição divina e finita.

FOI ESCOLHIDO COMO LÍDER PELOS SEUS COMPANHEIROS. Era uma espécie de associação, um grupo juvenil; e tinha o seu rei. No final do capitulo 2 o texto dizia: “Volte e lhe será mostrado o que terá que fazer”. Francisco volta a Assis recolhido. Assim vai às festas, permanecendo meio afastado. O que possibilita a experiência é o querer buscar, o manter-se recolhido, meditando com atenção e diligência; isso tudo dirigido para algo que ainda não sabe, para o desconhecido, o inesperado.

APÓS A REFEIÇÃO SAÍRAM DA CASA… PELAS ESTRADAS CANTANDO HINOS. Faziam como uma espécie de procissão, onde o rei ia atrás. Essa associação se chamá-la: Associação dos bastões. Bastão é sinal de excelência, de poder.

MAS MEDITANDO, DILIGENTEMENTE. Diligere é uma maneira toda próprio de amar. Há diferentes formas de amar. Amor de paixão como o de Tristão e Isolde, que se apaixonaram pra valer, esquecendo tudo o restante; os dois morreram de paixão; isto não é diligere, isto é paixão. Amor platônico: de longe, olhando para Beatriz, Dante ficou doente. Amor de amizade… Diligere é o amor que a mãe tem, também mãe de nível animal: você não pode nem chegar perto dos filhotes, que a mãe avança. Mas quando o filhote escapa, ela vai atrás abocanha e traz de volta. Tanto a mãe da gente, como de toda a bicharada, como todas as pessoas que realmente amam, tem esse jeito .de ter “cuidado”. Quando você vê certas mães tomando ônibus suburbano com 3 ou 4 filhos (daqueles “diabinhos”), ainda com sacola e um segurando aqui, outro gritando, segurando lá…, aquilo é genial; e a gente pensa como aquela mãe pode dar conta de tudo. Isto é diligere. Francisco diligentemente começou a meditar: “O que significa isso? Estou diante de um caminho novo, será que o Senhor vai falar?” Francisco ainda está se movendo no secular (festa, boemia, vestes) e no natural (líder, generoso, bom. alegre), mas isso não bastava mais. Por isso medita com atenção o sentido de tudo (festa, rei, companheiros…), pois agora espera a manifestação de algo que é anterior Aquilo. Era um estudo intenso e com um interesse enorme. O recolhimento para uma escuta diligente está dirigido para o desconhecido. Isso não deveria provocar angustia? Não! Angustiado fica quem de antemão sabe o que deveria acontecer e não o vê acontecer. Francisco é sereno em seu recolhimento de busca do inesperado. Para que esta espera seja boa deve se afastar do usual dominante (espectativa), isto é, da publicidade, mas não do usual natural. Não é um retirar-se para cuidar do seu interesse (intimismo). Este recolher-se dá a impressão de ser ensimesmamento, privativo, intimista, egoísta porque quem julga é a publicidade que sente isso como o seu contrário. Recolhimento para o interior (retirar-se do público) é modo de ser mais fundamental e é na. realidade o único jeito real de abrir-se para o universal. “Diligentemente” é uma das palavras franciscanas essenciais, é uma qualidade do ;ânimo intrépido. Os primeiros franciscanos imaginam Deus como uma mãe cuidando de tudo (já imaginou cuidar da minhoca, dos pássaros, dos bandidos, das vítimas, de tudo…?).

O SENHOR O VISITOU. É o toque de uma dimensão (realidade) até então desconhecida, diferente, superior, maior, misteriosa e fascinante que atrai Francisco, o cativa e desperta nele uma grande afeição. O “que” o toca é desconhecido. A atração, o cativação e a afeição são nítidos, marcantes; não são confusos e vagos.

E SEU CORAÇÃO FICOU REPLETO DE TANTA DOÇURA. A palavra doçura é importante. Os antigos franciscanos usavam muito essa palavra. Já viu um rapaz que está enamorado? Quando a namorada lhe diz: “Pode me buscar tal coisa”, ele fica tomado de alegria… Aquilo não é sentimentalismo, é a experiência profunda do encontro, que o atinge, e aquilo é doce. Doçura acontece sempre dentro de uma busca; assim como para Francisco, na nossa vida de repente, dentro daquilo que buscamos, a própria busca começa a vir de encontro como uma pessoa, como um encontro pessoal de amor que traz doçura. Francisco procurava ser cavaleiro; isso ainda não é um encontro de amor, propriamente no sentido mais profundo; é busca de uma realização pessoal; isso é importante, mas agora aos poucos, essa realização pessoal começa a aparecer como um encontro de tu a tu, com Deus. Começa a surgir uma dimensão do íntimo-profundo em referência ao Eu de Francisco: um encontro não com um ideal simplesmente, mas com um Tu. O sentimento de alegria, o sentimento vivificante que vem de um encontro assim, o medieval chamava doçura. Por isso que Jesus é doçura, Nossa Senhora é doçura. Então, quando Jesus diz a Francisco: “O que é melhor, servir ao pequeno senhor ou ao grande?” e ele diz: “Ao grande!”, ele está no ideal de realização pessoal como busca de ser cavaleiro. Aquele grande rei é patrão ainda, ele o admira como mestre, mas ainda não é um “Tu”. De repente este Senhor lhe aparece tocando-lhe o coração, e ele fica enamorado. Aquela busca começa entrar numa outra dimensão muito mais exigente, mas muito mais gratificante: a dimensão do Encontro com o TU que é Jesus Cristo. E no limiar desta transformação ele foi visitado pelo Senhor, foi atingido pela doçura do Senhor. Isto significa que ele está começando a entender a Vida Religiosa. Vida Religiosa é seguimento de Jesus Cristo; temos que buscá-la como um ideal, como qualquer pessoa que busca um ideal, com muita ambição e muita exigência para uma causa grande, assim como cavaleiro fazia. Mas a Vida Religiosa é mais do que isto; ela é Encontro, ela é sempre algo muito profundo e “pessoal”.

EM VIRTUDE DO QUAL. Que função tem a doçura no crescimento? É uma energia. Aparece no texto uma pedagogia que nos é desconhecida; nossa pedagogia quer conduzir a pessoa ou “agradavelmente” ou “na dureza”. Os dois caminhos, porém, dão em “dureza”, caminho inevitável para o desânimo. Aqui Francisco, antes de ser engajado na luta, é levado a experimentar a doçura e esta dá o embalo. Ela é sinal de que houve toque do Senhor. O toque como tal é doçura, é uma afeição; é como um jovem “grosso”, tocado pelo namoro; ele muda e se torna sensível; este toque de sensibilidade vem de outra dimensão que não é ele mesmo, algo misterioso que o fascina: um anúncio, uma visita. Doçura tem as características do enamoramento. Cenas de doçura: Pedro-Jesus Cristo: “Sou pecador!”; Madalena: “Rabboni!”; os discípulos de Emaús. É sentir-se surpreendidos e escolhidos por algo maior. Está nisso a diferença entre um asceta e o nazista, porque esse encontro necessariamente vai gerar determinação, vontade e disciplina; que sempre serão ternas e suaves, sem conotação de “sacrifício”. Todo encontro ou desencadeia cultivo, ou morre. Sem esta doçura, o desprezo de si seria masoquismo, esteticismo. Na Vida Religiosa todos já experimentaram pelo menos um pouco essa “doçura”. Quem não experimentou vira funcionário e não dura muito tempo. Pois há total diferença entre itinerário de realização e itinerário de “entrega” (religioso). O primeiro caminha por objetivação, o segundo pelo Encontro.

O ALIENAVA DO SENTIDO CARNAL. O fascínio da nova dimensão cativa, isto é, prende aos poucos toda atenção, toda energia e afeição; afasta da realidade à que se estava preso antes do toque, e conduz à solidão, isto é, para dentro de uma profundidade, de a interioridade existente em toda pessoa, para além de todos os interesses usuais até então dominantes, quer no nível individual quer no nível social e público. É o “afastamento do mundo”. Para Francisco ser cavaleiro, por duro que fosse, por mais luta que exigisse, era doce. Agora ele foi visitado por um outro tipo de doçura, mais doce ainda. E depois desta, será visitado por uma terceira tão doce, que as anteriores comparada a ela, eram amargas. Quando a espiritualidade medieval diz doçura, está falando do gosto daquilo pelo qual você dá a vida. Então, doçura é afeição pelo tesouro do coração. A doçura da experiência religiosa vem sempre dentro de um engajamento. Essa “doçura” deixou Francisco alienado, quer dizer fora de si. Este tipo de “doçura” não pertence mais às “doçuras” esporádicas do consumo “emotivo”. O texto está explicando em que consiste a doçura da experiência religiosa. Nós somos um grupo de pessoas que, seguindo a Jesus Cristo, tentamos colocar toda a nossa vida, juventude, força, riqueza, talentos, tudo para a busca da experiência da fé, livremente.

VIRAM-NO DISTANCIADO. Francisco estava distanciado, não somente em distância, mas já em outro mundo. Quando a pessoa começa entrar numa dimensão de profundidade, ele aparece aos outros como alienado. Alienado de que? Alienado daqueles valores que antes achava que eram grande coisa.

EM QUE ESTAS PENSANDO? Os companheiros interpretam a partir de si: “É problema pessoal, vai casar”. Francisco confirma: “É altamente pessoal. mas não privativo!”. Nós temos dificuldade de entender a diferença entre pessoal e privativo porque para nós o “pessoal” é privativo, mas a dimensão religiosa não é nem particular nem pública; é a mais originária do humano e por isso altissimamente pessoal.

UMA ESPOSA, A MAIS NOBRE, A MAIS RICA E MAIS BELA. A doçura aparece no início como enamoramento e por isso tem as mesma característica do enamoramento de duas pessoas, na afeição que conduz ao casamento. Só que é um fenômeno dentro da opção do seguimento de Jesus Crista, não do matrimônio. Francisco queria ser cavaleiro, ser combatente da justiça, ajudar os pobres e fracos; é um ideal muito bonito, é um ideal nobre para o qual dá para gastar toda a juventude. Outras pessoas querem ser cientistas, médicos, assistente social, religioso ou irmã. Ainda que não apareça como um enamoramento apaixonado, nisso também há as características do enamoramento e deve haver. Uma vez, lá em Canetas, fui ajudar o Frei de lá a preparar a primeira Comunhão. E tinha um rapazinho que era um moleque danado. Ele tomou sério a primeira comunhão. E a Irmã ensinava e dizia que Jesus vinha; explicou muito intimamente. No dia da lá Comunhão fui à procura do rapazinho, pois queria caçoar um pouco dele, mas tinha sumido e ia ter festa. Andei procurando, procurando… ele estava num canto no meio de caixotes, sentado, quietinho. E eu disse: “Escuta, não vai na festa não?!?”. Ele disse: “Não vou”. Meio envergonhado, porque tinha sido surpreendido numa coisa que não queria. Perguntei se se sentia mal. E ele disse: “Não; é porque comunguei”. Esse não é amor infantil, é algo como primeiro amor. É isto que na Vida Religiosa se chama doçura. O fenômeno do enamoramento aparece em Francisco como uma força muito grande, sem ter nada a ver propriamente com o ensimesmamento egoísta; é de se entender antes como entrega à dimensão da grande causa que é Deus, a humanidade, como um apelo pessoal de um encontro. Todo caminho referente ao Deus de Jesus Cristo é encontro pessoal com cada um. Isto se chama história de uma alma. É um romance que Deus faz, de grande aventura conosco. É isso que agora começa a aparecer na história da alma de Francisco.

INSPIRADO POR DEUS. Francisco está “sob visita” de Deus. É Deus que fala pela boca dele. Desta fala surge a receita Franciscana, a definição da Vida Religiosa Franciscana.

ERA A VERDADEIRA RELIGIÃO. Religião significa uma nova ligação para com Deus, e a partir dali, com todas as coisas. O texto está falando de nova compreensão de Deus, do homem, do universo e de si mesmo; está falando da compreensão espiritual chamada por Francisco de Senhora Pobreza. Trecho importante pois Francisco começa a definir o que está buscando: o viver religioso pobre.

POR CAUSA DA POBREZA. Agora começa a aparecer o “ser cavaleiro” como encontro com a Senhora Pobreza. Porque todo cavaleiro tinha a sua dama; mas não se casava com ela, fazia-se antes servo da dama que amava, exatamente para conservar e permanecer no enamoramento. O relacionamento que Francisco tinha antes, era relacionamento de vassalo com um senhor que podia dar-lhe um bom emprego e levá-lo a alcançar o status de nobre. Agora passa a relacionamento de servo; mas servo de uma dama de sua escolha. Começa a ter características íntimas, delicadas, de confiança. E começa a entrar num relacionamento todo pessoal, que caracteriza São Francisco e todo o relacionamento da Vida Religiosa. A vida Religiosa com isso é um tanto “perigosa”, porque ela é arriscar a si mesmo. Nela, pode ser aos 17, 30, 50 ou 70 anos, de alguma maneira tem que ter a visitação do Senhor; isto é, você tem que estar aberto a ela, pedi-la, para que a Vida Religiosa realmente seja um enamoramento. Porque no último instante uma autorealização usual não segura. Mas o enamoramento segura. Assim a Vida Religiosa fica interessante e uma pessoa que se mete da cabeça aos pés dentro dela, tem realização afetiva plena. Ela não é uma ideia ou uma sublimação do casamento que você não fez. O casamento é sem dúvida outra maneira absoluta de chegar, psiquicamente também, à maturidade afetiva. Mas nos dois é preciso se colocar dentro inteiramente; se você fica com um pé atrás, aí você fica frustrado.

COMEÇOU A CONSIDERAR DE POUCO VALOR. O verbo usado é vilescere, e tem como raiz a palavra vil. Vil vem de vila; vila é um povoado pequenino e que não tem status de cidade, nem de cidadezinha. Francisco começa a amar tudo o que é da vila. Por quê? Porque num lugarejo assim nada há de sofisticado ou de superestrutura, ali tudo é finito. Então as coisas que ele antes considerava importantes, por exemplo roupa bonita, começa agora a considerar vil. Desprezar aqui não tem o sentido do nosso “desprezar”; significa que aquelas coisas que eram “enfeites da vida”, agora não tem mais sentido; desprezar é palavra negativa que aponta para uma realidade positiva: a busca do finito, limitado, disposto. É linguagem meio estranha para começar a entender o que é “pobre”. Pobre, aqui, começa a ser sinônimo de espiritual, se você entende “espiritual” como esta disposição finita.

MAS AINDA NÃO ESTAVA PLENA E INTIMAMENTE DESLIGADO DAS VAIDADES DO MUNDO. Isto é, ele ainda não tinha entendido plenamente, que nessa maneira pobre, estreita de ser, mas animada, é que estava a maior riqueza; já estava, porém, começando a intuir, e por isso balançava.

EMPENHAVA-SE EM CONSERVAR NO HOMEM INTERIOR A JESUS CRISTO. Qual a diferença entre guardar no “interior do homem” e guardar no “homem interior”? O escritor medieval nunca diz com facilidade “interior do homem”; esta formulação para ele está errada; ele sempre diz “homem interior”. Esta expressão nos indica a diferença de perspectiva existente entre a nossa maneira usual e não refletida de compreender a vida interior e a maneira artesanal bem pousada de o texto abordar a vida interior. A expressão “interior do homem” aponta para dentro de nós, o “nosso” interior, isto é, nossos desejos, vivências, anseios: o íntimo pessoal, o interior secreto do nosso eu. O contrário de interior aqui, é o exterior, aquilo que está afastado do nosso eu individual subjetivo. Dai a expressão “interiorização”. Esse tipo de interioridade é de interesse da psicologia. É questionável se esse tipo de interioridade interesse à Espiritualidade. Quando o texto diz “homem interior” pensa num “novo homem”, um novo tipo de homem, uma maneira diferente, nova, outra, de ser homem; um modo essencial de ser do homem. O contrário de homem interior não é o homem exteriorizado que necessita de interiorização, mas sim o velho homem, o homem não essencial, o tipo humano fruto da nossa concepção usual, superficial, ignorante da realidade fundamental que perfaz a essência do homem, isto é, ignorante da estrutura universal que é a raiz, a natureza radical de todos os homens. Vida interior, então, não é uma vida voltada para a intimidade pessoal da minha vida, mas uma vida dedicada, devotada, enraizada no trabalho árduo, mas gratificante da construção desse novo tipo de ser-humano. É na medida em que nos tornamos esse “homem-novo” que se dá a verdadeira realização pessoal e interior. Colocar Jesus Cristo no homem interior significa colocar uma compreensão como dinâmica no viver essencial, na qual Jesus Cristo é centro gerador. Fazendo isso o próprio Jesus Cristo toma corpo no homem interior. O homem interior é pois a configuração, a imagem essencial, o arquétipo, o tipo homem que é “imagem e semelhança” do Deus de Jesus Cristo. Temos assim dois tipos de interior: a – o interior próximo (interior do homem): aquele que está todo referido ao próprio eu; a psicologia chama de inconsciente pessoal: interesses, sentimentos, emoções, traumas, segundas intenções não declaradas. b – o interior remoto, mais profundo, chamado fundamental: este não é privativo, particular, mas tem uma dimensão universal, pertence ao essencial do homem: a este chamamos de homem interior; aqui encontramos grandes exigências, comuns a todos os homens e que todos são chamados a cultivar. Esta é a área-campo que a espiritualidade trabalha, e não a primeira. Confundir as duas áreas do interior leva ao grande equivoco da espiritualidade moderna que a turma da pastoral socializante critica; esta turma desconhece o interior profundo e projeta a compreensão do interior superficial nos textos de São Francisco; aí critica São Francisco como intimista, privativo. Aqui nasce também aquela afirmação comum: “não basta a vida interior, é preciso também a ação social transformadora”. Francisco quer repor, recolocar Jesus Cristo no homem interior, isto é, Jesus Cristo como sentido da vida; ao fazer isso ele não somente o coloca como sentido-identidade dele, Francisco (também!), mas como algo essencial para todo homem. Aquilo que Francisco descobre para si neste nível, descobre para todos. Este homem interior é ele próprio social. Francisco, porém, neste trabalho de recolocar Jesus Cristo no homem interior se afasta do social! Porque, se o interior é social? Porque o “social” do qual Francisco se afasta não está nesta interioridade! Aqui “social” já não é homem interior, mas o interior do homem, o homem publicitário. Francisco, alienando-se do sentido carnal, para que reino se retirou? Para o homem interior, para a interioridade remota que não é privativa, oposta ao social. É como se um quitandeiro que compra e vende frutas, caísse num buraco subterrâneo aos pés de uma árvore frutífera; ele veria todo o trabalho “social” de muitas raízes que torna possível a árvore e o fruto; saindo do buraco, para fora deste mundo social-radical ele começaria a raciocinar diferentemente a respeito do fruto e das árvores, e acabaria se sentindo “alienígena” diante dos outros “fruteiros”. Mas quem seria o alienado de fato, ele que tem a experiência “radical” da fruta ou os outros? O vencer-se a si mesmo de Francisco indica a necessidade de passar do interior do homem (o eu próximo) para o homem interior, homem transcendente-essencial. A Ordem Franciscana é a academia para cultivar essa passagem e desenvolver o homem interior; quando porém se perde esta perspectiva, a Ordem e a Congregação tornam-se meio para a realização pessoal, para desenvolver as “próprias” potencialidades; e aí surge o problema: o que faço nesta Ordem?

A FREQUENTE E SECRETAMENTE FAZER ORAÇÕES, OCULTANDO. Francisco não quer mostrar sua busca por pudor vital: a dimensão religiosa não serve para fazer propaganda, mas para ser. vivida no mais íntimo porque é tesouro precioso do Senhor e tocar a pérola a partir de outra dimensão que não seja a religiosa, ela se estraga. Quem busca o “mal” entende muito bem isso; não quer mostrar; o cara sabe que o mal tem força por si e que quando “pega” atua por força própria, por isso pouco se importa justificá-lo. A zombaria dos outros é a maneira melhor de proteger o segredo. Por outro lado, a quem entra na dimensão religiosa a coisa se manifesta de por si só. A afeição não precisa de se justificar. Justificar é estragar. Se por exemplo um extraterrestre quisesse conquistar a terra e tivesse uma “tiririca” venenosa ele plantaria e cuidaria do desenvolvimento; pouco se importaria se alguém lhe dissesse que sua atitude (plantar, cuidar…) é intimista, privativa; ele nem daria bola, não sentiria necessidade de se justificar, pois quando a tiririca tivesse alcançado o tamanho de um município, ninguém a arrancaria mais; teria força de se espalhar sozinha e invadir a terra.

PROPÔS EM SEU CORAÇÃO DAR ESMOLAS COM MAIOR BOA VONTADE. O texto mostra como o homem tem estrutura de sempre estar sujeito à possibilidade do secular. Por isso o cuidado, os exercícios de tirar a camisa, dar o manto… Francisco conseguia ver algo de precioso no dar: o renovar-se da afeição naquele que se tornara o Senhor de sua vida. Era como verificar o funcionamento (a verdade) da afeição; era viver, escutar o eco da afeição confirmada. A partir deste momento muda o enfoque do fazer esmola: não mais como aquele que cuida dos pobres que o seu Senhor lhe enviava, mas como os pobres fazendo parte do universo chamado Jesus Cristo; eles são seus familiares. Francisco quer agora se identificar com eles para ele também ser “familiar” de Jesus Cristo. Mais tarde Francisco vai querer imitar-experimentar o que o pobre experimenta. Começa a gostar dos pobres porque eles são como que os preferidos de Deus. Como será o viver entregue a Deus, no vigor do nome dele?

A TODOS QUE PEDISSEM POR AMOR DE DEUS. Não podemos ligar esta atuação de Francisco com a nossa situação socioeconômica e as questões sócio-pastorais a ela ligada. Francisco que dá aos pobres “é assistencialismo!”. O texto aqui não fala nem de assistencialismo nem da maneira de solucionar um problema social. O texto fala do cultivo da afeição, da generosidade. Quem diz: “Só dar esmola, não resolve nada; esmola é assistencialismo, é…”, não percebe o significado profundo que a esmola tem na espiritualidade franciscana primitiva. Este significado temos que descobrir. Para os primeiros franciscanos ninguém neste mundo tem alguma coisa; todos estão inteiramente entregues à doação magnânima de Deus. Deus entende “ser dono” como “dar”. Assim “dar esmola” é estar na experiência grande da disposição de Deus. Dar e receber esmola era a recordação disso; isto é, são exercícios de trazer de novo ao coração essa verdade originária. Por isso São Francisco diz na RB: “Esmola é o direito que Jesus Cristo conquistou aos pobres”: Jesus Cristo trouxe a recordação da vontade, da gana, da disposição de Deus que é dar. Francisco como filho de Deus, a serviço do Pai, pedia e dava esmola, pois dar e pedir esmola no fundo é ato de louvação ao Senhor doador, humilde, serviçal, ao Deus diligente. Mas, afinal, como a questão social se relaciona com a dimensão religiosa como se relaciona comigo, profissional da vida religiosa? Onde se baseiam os direitos humanos para quem não tem fé? Onde eles se baseiam para quem crê em Deus? O ponto de partida não é indiferente, pois é ele que dá colorido, força, vigor crítico. A experiência religiosa de São Francisco responde: nós os recebemos do Senhor e por isso os defendemos de corpo e alma. Esta sua clarividência nasce do fato que quando se depara num problema de compreensão, Francisco o estuda com afinco e na medida que entende, pratica. Nós não entendemos e quando estudamos, ainda não estudamos a questão a partir do específico nosso que é a dimensão religiosa. O que nos falta é volume de trabalho no nosso específico. Fazemos cursos, encontros, reciclagens, mas sempre em outras áreas (pastoral, sociologia, filosofia…). Francisco ao ver um pobre o inveja, nós ao vê-lo dizemos: tadinho! É um problema importante: Francisco pegaria a Bíblia e estudaria com afinco o problema pobre-pobreza, até entender. Pastoral nós entendemos como acionamento de técnicas pastorais, mas qual é a compreensão que temos do fenômeno humano, isto é, do sofrimento, luta, encontro, vida e morte…? Pastoral não se refere a isso? O equivoco não é consequência da falta de definição clara da “Iogorreia” em que estamos? Sem uma colocação clara na dimensão humana não há pastoral verdadeira e as técnicas em poucos anos se esvaziam.

SEU CORAÇÃO TENDIA TODO PARA OS POBRES. Vamos examinar como é esse “todo” aqui. Se um lavrador apaixonado da terra estiver “todo” dedicado à sementeira, o todo dele é coisa muito “espiritual”; ele é “todo” desde como pega no chão. Concretamente, para plantar ele não planta em geral, planta uma determinada coisa bem concreta. Se pegar um galho de roseira tem que olhar onde está o broto, para não colocá-lo de cabeça para baixo. O galho tem espinhos; no segurar ele pega num certo lugar para não se espetar; tudo isso pertence ao fazer. E ao plantar ele fica tateando no chão o ponto melhor. Este tatear não é coisa empírica só, precisa muita experiência anterior. Só quem tem experiência anterior talvez possa arriscar uma nova compreensão. “Todo” para estas pessoas não é “todo” do voluntarismo. “Todo” no fundo é você concrescer com todos esses elementos que nós próprios somos. Este con-crescer é de todas as forças, pessoas e outros elementos que estão ao nosso redor; é um con-crescer em todas as dimensões, pois somos como vasos comunicantes: o que chamamos de homem interior não é o particular, é fonte que está nos outros também. Uma civilização de grandes sistemas que não dá ouvidos a isso, com o tempo seca. A meditação, por exemplo, ou uma certa quietude que nós temos que buscar, não tem a função de deixar enclausurado, mas de lançar sondagem para a raiz. Quem faz isso alcança uma motivação, um móvel maior. Se colocar uma motivação na frente sem esse enraizamento, no momento dá ímpeto, mas depois de algum tempo seca e dá uma espécie de agressividade voluntarista. Concrescer é humanizar. Francisco como um discípulo está “doido” para con-nascer, concrescer cada vez mais: é cabeça, é corpo, é sentimento, é garra. é convocação total. Quanto mais faz isso no pensar, no refletir ou no fazer. tanto mais tem vigor. Mas para isto precisava sentir que ali havia grande segredo. que havia uma coisa comunitária que valia à pena conhecer, amar, viver, fazer. Porque somente uma afeição assim leva a uma ação total.

A FIM DE VÊ-LOS, OUVI-LOS E DAR-LHES ESMOLAS. A questão da pobreza se apresenta com muita força neste capítulo III. De onde vem essa questão? Qual a evidência que subjaz aqui? Na visita do Senhor, depois do banquete, há a intuição do “viver religioso pobre” que passa a exercer muito fascínio sobre Francisco. embora demore ainda em assumi-lo: era a esposa a mais bela por causa da pobreza, dava esmola, punha pães na mesa. desejava experimentar pedir esmola pelo amor de Deus, trocou de roupas, era o seu segredo: a verdadeira pobreza que almejava acima de tudo neste mundo, na qual queria viver e morrer. Outras espiritualidades encaminham os convertidos para a oração-contemplação. Francisco reza muito, mas vai aos pobres! Porque? O que está procurando no meio deles? Ele desconfia que há um valor absoluto bem diferente daqueles em que acreditava e vivia; intui que este valor está presente entre os pobres e é vivido por eles. Aí procura um “sensorial” para captar este valor.

PARA EXPERIMENTAR PEDIR ESMOLAS PELO AMOR DE DEUS. Francisco, depois de ter dado esmola, faz teste de pedir esmola entre mendigos de Roma. Porque quer experimentar o que pobre experimenta? O que intuiu? Se houvesse uma injeção para experimentar o que pobre experimenta, Francisco a faria! O dar assim se transforma em busca. Antes queria dar esmolas, agora quer aprender o que é não ter, quer aprender o que é receber. Francisco quer experimentar como é o “por amor de Deus”, quer experimentar a entrega total a Deus, sem jamais duvidar dele. Experimentar pedir esmolas é a maneira humilde e reverente de se entregar a Deus, como os pobres estão entregues. “Entrega” é única atitude adequada diante de Deus. O viver “religioso”, afinal, não é esta entrega?

COMEÇOU A ROGAR AO SENHOR QUE LHE DIRIGISSE OS PASSOS. Francisco agora ele mesmo está pedindo “esmola” a Deus; que Deus, pelo amor dele, lhe mostre o caminho, senão ele vai morrer! No final do capítulo 2º a voz lhe dissera: “Te será dito o que haverás de fazer”, mas ainda não foi dito! Sem esta manifestação de Deus a vida não tem mais sentido, é questão de vida ou de morte. Francisco pede esmola: está entregue a Deus sem nenhum outro recurso. No capítulo 4º a voz lhe dirá: o sensorial é desprezar a si próprio e a tudo o que amamos e desejamos possuir! Entre os pobres emerge o que deve ser desprezado de si próprio, e entre eles é possível desprezar mesmo! Aí Francisco testa este sensorial entre os leprosos (n. 11ab), os pobres mais pobres; estará lá para vencer-se a si mesmo.

NÃO REVELAVA SEU SEGREDO A NINGUÉM. Aqui não se trata de um “segredinho”. O “secretum” de uma árvore está na raiz; raiz tem um jeito todo próprio. Que tal se um cara dissesse: galho se poda, vamos podar a raiz também. Ai mata a árvore! A experiência de raiz tem seu jeito próprio, e para que nela não seja aplicada a poda e a dispersão da opinião publica dominante, se mantem secreta, escondida. Secreto-escondido é o jeito próprio de trabalhar a raiz em sua “raicidade” (!). Quando por exemplo, se usa um texto-fonte para fins pastorais imediatistas se aplica a poda na raiz. Quando, ao estar cansados do trabalho pastoral, se vai fazer um retiro, este fundamentalmente é férias do trabalho para depois trabalhar melhor: é poda da raiz. O que é necessário mesmo é fazer retiro de trabalho positivo na raiz, retiro de raiz; mas aí sai mais cansado do que antes; em compensação liberou fluência radical para o trabalho. O trabalho na raiz é o mais árduo de todos porque subjaz a todos os demais e dele todos os outros se alimentam. Sem este trabalho de raiz, somos como o pugilista que só treinou a mão para o pugilismo. Virou dura e nisso é grande. Mas mão é também para segurar criança, para dar carinho, para dar soco para defender quem é fraco. O traba-lho para amadurecer uma mão para todas estas tarefas é muito mais difícil de que a tarefa de criar uma mão de pugilista. O primeiro é trabalho de raiz e o outro de galho.

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