Lembro-me que ele, e mais especialmente meu marido, Aloysio Bruno Neumann, na época diretor da Faculdade de Administração e Economia – FAE, visitaram famílias proprietárias de terras em Rondinha.
Apresentaram os objetivos e verificaram o interesse dessas famílias em vender as terras. Efetuadas as aquisições, o Bom Jesus da Aldeia pôde dar o primeiro passo: ter o chão para planejar e realizar o sonho de uma educação de alta qualidade, dentro da mística franciscana.
Parte dessas terras, mais adiante, seria doada para a construção do complexo da Fraternidade São Boaventura, com o objetivo de formar os frades estudantes de filosofia. Isto me fez lembrar, muitas vezes, minha mãe Helena e meu pai Gabriel, junto aos filhos, rezando de joelhos a cada noite “pela paz no mundo, pela nossa Santa Igreja e pelas vocações sacerdotais e religiosas”. Assim, atravessando os tempos, Deus aí estava a guiar os nossos passos, pois a Igreja somos todos nós.
Meu irmão, Felippe Arns, engenheiro civil, e seu sócio na Construtora Marna, o arquiteto francês René Mathieu – irmão de Frei Luc Mathieu, franciscano, provincial e amigo de Dom Paulo nos anos em que este fazia o doutorado na Sorbonne, em Paris – acompanhavam atentamente as diretrizes gerais, afim de que tudo pudesse convergir para a concretização do meio ambiente propício à vivência do Canto das Criaturas e aos estudos.
Pronta a lindíssima Capela, construída em tenda, estilo arquitetônico acolhedor, com vitrais coloridos, inspirados na mística franciscana – que transporta a nossa alma ao Senhor das Criaturas – foram eles apresentar a obra. Felippe disse a Frei João Crisóstomo: “eu vou doar o órgão para que os jovens frades possam aprimorar a liturgia”. Assim aconteceu.
Quando os primeiros franciscanos começaram a chegar, Frei João Crisóstomo pediu-me que fosse ter com eles, e juntos elaborássemos um cardápio para os estudantes. Lá conheci o irmão frei Barnabé. Gostaria de chamá-lo de santo. Ele era responsável pela horta de verduras, pelo pomar e outros recursos. Foi muito fácil o diálogo. Eu lhe falava de um princípio aprendido de minha mãe, “onde há alimentação saudável à mesa, não entra médico”. Frei Barnabé concordou comigo.
Dois anos depois, em 1983, eu estava iniciando a Pastoral da Criança. A missão exigia muitas viagens e não conseguíamos ir sempre à missa dos “Freis”, pois ainda não morávamos em Campo Largo.
Um belo domingo de julho, tempo frio, o irmão sol irradiando esplendor por todos os cantos, fui com meus cinco filhos adolescentes à missa na Capela do Convento. Já na entrada me informaram que Frei Barnabé estava muito mal e gostaria de falar comigo.
Fazia tempo que ele não saía do quarto. Ao perceber que ele estava perto de se encontrar com o Deus da Vida, perguntei-lhe se não queria dar uma volta para louvar a natureza, tão formosa e bela. Ele imediatamente disse: “Quero”. Meus filhos Rubens e Nelson o carregaram para a caminhonete Veraneio, no banco da frente. Agasalhei-o com o cobertor quente, e me sentei ao seu lado. Fomos andando devagar, como quem transporta um santo.
Ele admirava tudo e, de repente, levantou os dois braços ao céu e cantou o Cântico das Criaturas. Demos uma volta no centro de Campo Largo. Na Praça da Igreja Matriz estava um caminhão cheio de laranjas e tangerinas. Ele pediu que parássemos para observar melhor. Pedi uma penca e deixei que ele sentisse o aroma: “São iguais às que eu cultivava no Seminário de Agudos” Ele quis abençoar a nossa chácara e fomos até lá.
Estava ele em estado degraça, sempre admirando a natureza e louvando o Deus Criador. Assim, o levamos de volta ao Convento.
Ao voltar de uma viagem, fui informada de que ele morrera três dias após o passeio, dia 6 de julho, de 1983, quarta-feira.
Há quatro anos, com a morte de minha filha caçula, Sílvia, resolvi morar na nossa chácara em Campo Largo, a fim de dar melhor ambiente para seu filho Danilo se desenvolver junto aos tios e primos; tinha ele apenas dois anos e quatro meses. Assim, praticamente todos os domingos participamos da Missa às nove horas na Capela São Boaventura, com os estudantes de filosofia. São missas muito especiais, edificantes e de formação franciscana.
Formamos uma comunidade com outras famílias e participamos das iniciativas coordenadas pelos clérigos.
Com muita alegria e esperança, percebo que os estudantes de filosofia têm a oportunidade de fazer estágio nas paróquias e capelas próximas. Muitos deles participam da Pastoral da Criança, que aplica a metodologia comunitária do Evangelho de São João, quando narra a multiplicação de dois peixes e cinco pães, que saciaram cinco mil pessoas. Com a mística da fraternidade cristã, os líderes comunitários, voluntários capacitados e acompanhados, multiplicam o saber e a solidariedade entre as famílias e semeiam a paz. Estas têm, assim, melhores condições de criar seus filhos “para que todos tenham vida e a tenham em abundância”.
Agradeço a Deus pelos vinte e cinco anos de existência desta casa de formação e estudos. Em especial, pela graça de poder fortalecer-me no espírito de São Francisco, junto com minha família, pela convivência fraterna e amiga com a Fraternidade São Boaventura. Meus parabéns pelo jubileu de prata, àqueles que se doaram para que este sonho se tornasse realidade.
Aos que já partiram e foram alicerces da concretização deste ideal, meu irmão Frei João Crisóstomo, Frei Barnabé e tantos outros, a nossa gratidão e profunda saudade.
Que o Deus da Vida ilumine e abençoe a todos os que têm o privilégio de usufruir deste recanto do Cântico das Criaturas, para que possam contribuir, com seu espírito e talento, na construção de um mundo mais justo e fraterno a serviço da vida e da esperança!
Dra. Zilda Arns Neumann, médica pediatra e sanitarista, fundadora e coordenadora nacional da Pastoral da Criança e da Pastoral da Pessoa idosa – organismos de ação social da CNBB.
O presente texto foi escrito em ocasião do Jubileu de Prata do Convento São Boaventura.
Doutora Zilda faleceu em Porto Príncipe, Haiti, em 12/01/2010, vítima de um terremoto.