Vocacional - Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil - OFM

Fenomenologia da Religião – V

20/04/2021

 

Sobre o sentido da filosofia da religião

  1. Religião como coisa do pensar

A fenomenologia ou a filosofia da religião é um pensar. Pensar que se atem à coisa, i.é, à causa que se chama religião. Assim, a fenomenologia ou filosofia da religião in-vestiga (i. é, vai atrás de vestígios, de rastros) a essência, as propriedades, o modo de ser, em suma, o ser da religião. Essa investigação, essa ação de ir à busca de, se expressa na pergunta: O que é isto, propriamente, religião?

  1. Religião e o pensar humano

Para que a filosofia da religião possa ponderar, sopesar a coisa e a causa da religião ou mais exatamente o ser da religião, é necessário que ao pensar seja dada a religião.

  1. a) O que é esse ser dado da religião?

Os entes ao nosso redor, eu mesmo como ente entre outros entes, são captados, compreendidos, porque são primeiro dados à nossa percepção. Quando percebemos, sentimos, julgamos, apreendemos, representamos, queremos, amamos, odiamos, cremos ou duvidamos, já temos o ente ali presente como dado diante de nós, diante de nossos atos de captar. Esse ente simplesmente dado chamamos de fato. Que os entes ali estejam antes de todo o nosso ato de captar é um fato, uma realidade. Assim, em vez de fato, dizemos também realidade ou o real.

  1. b) Usualmente esse modo de os entes serem dados como ali presentes, existentes em si, é um modo da doação do ente que não nos chama atenção, pois vivemos e operamos nesse modo de doação do ente tão rotineiramente que achamos tudo normal e óbvio. No entanto, há modos e modos de doação, diferentes, de o ente ser dado.
  2. c) Um modo de o ente se dar, bem determinado, cuja captação se chama representação ou objetivação, faz com que o ente se nos apresente como objeto. Portanto, na representação captamos o ente como objeto. Quando um ente é dado como objeto da representação, esse ser dado e ser captado são produto de todo um processo que fica oculto, processo denominado de objetivação ou representação (cf. o termo alemão para representação = vor-stellen; cf. a dupla implicância da terminação –ção). No processo de objetivação ou representação, o que fica oculto é o horizonte de um projeto previamente lançado, que predetermina o que pode ou não pode aparecer dentro e a partir desse horizonte como um objeto do interesse do projeto.
  3. d) Os entes que são enlaçados dentro de um projeto na objetivação ou representação,e aparecem como os seus respectivos objetos, ali estão já antes de serem dados como objetos de representação ou objetivação, como coisa. Por isso, é necessário distinguir entre objeto e coisa.
  4. e) As coisas são também dadas, mas esse modo de se dar não é o da representação ou objetivação. O modo de se dar dos entes como coisa denominamos de constituição da realidade. Usualmente, quando falamos da realidade, falamos de fato já na forma de objeto da representação. A coisa, a res (realidade) é dada cada vez como o concreto, denso e compacto de todo um mundo que se abre em leques de paisagem, constituindo um todo, pluriforme, variegado, diferenciado, como mil e mil diferentes elementos, constelações de elementos, cada qual como concreções cada vez próprias e diferenciadas do todo. A coisa no seu dar-se não tem mais as características dos objetos da representação, mas sim do constituir-se do mundo, que me toca na sua abrangência, me envolve, me convida a abrir-me ao todo, como quem sente com todo o seu ser a totalidade que o impregna, o contém, auscultando o sentido que permeia todas as coisas, principalmente e inclusive a mim mesmo; todas as coisas, a saber cada coisa, na sua diferença, dando-lhes a presença plena, a doação inteira de ser. Aqui, a captação do sentido de ser não é mais apenas a captação do projeto e seu objeto, mas sim o estar aberto na disposição de acolhida das coisas e causas do mundo, na ausculta do sentido de ser que se manifesta de muitos modos. Assim, diz Aristóteles: to on legetai pollakwV, (o ente vem à fala de muitos modos de doação) (cf. Ser e tempo, de Martin Heidegger, & 7 B).
  5. f) Como tal, esse doar-se da coisa no sentido de ser é anterior à objetivação ou representação, anterior à consciência do eu como sujeito e agente do lance do projeto; é, sim, um apriori do vir ao encontro do sentido do ser, através da doação do ente como coisa, através do dar-se como concreção do todo, i. é, como mundo. Esse modo de doar-se é que está expresso na dupla implicação da palavra coisa, a saber, coisa e causa.

A religião é, pois, uma realidade que vem à fala nesse modo de dar-se como coisa e causa, como a totalidade do mundo, portanto, realidade que propriamente não salta, nem foi produzida ou dada pelo pensar filosófico.

E na época onde a religião foi vivida intensamente, ela não foi acompanhada ou fomentada pela filosofia. Assim, a religião não é filosofia, ela é o radical-outro da filosofia: “O filósofo chega sempre depois do golpe, depois da existência, depois da história, depois do dado. Ele não pode apoderar-se a não ser do que já está ali, do sentido já proferido, já instituído” (Duméry, H. Phénoménologie et religion, Paris, 1958, p. 99).

Não parece, pois, que a filosofia é supérflua para a religião? Ou até perigosa?[1]  No entanto, a própria religião influenciou intensamente o pensar filosófico, como p. ex., no pensamento medieval: Fides quaerens intellectum. E, no entanto, exatamente lá onde se deu um relacionamento sui generis entre a religião e o pensar “filosófico”, como no caso do pensamento medieval, vemos também nitidamente, e isto principalmente numa “religião” como a do cristianismo, que existe uma diferença radical e absoluta entre, p. ex., a fé cristã e a filosofia! Como está, pois, o relacionamento entre a religião e a filosofia?

A religião se contrapõe ao pensar filosófico como o seu totalmente outro e anterior. Ao mesmo tempo, porém, por mais que a religião seja ela mesma, a partir da sua origem, limpidamente, ela se processa e realiza como um acontecimento humano e uma forma de vida humana, como existência humana. A religião se dá portanto no horizonte do homem. São pois sempre homens, os seres humanos, que crêem e se reúnem para o culto divino. Mas o que se realiza no horizonte da vida humana e da existência humana se realiza também no horizonte da autocompreensão do homem e da sua compreensão do ser. Diz Welte: “Homens se compreendem a si mesmos de alguma forma,  p. ex., na sua crença em Deus, e eles compreendem – por menos explicitamente  que isto aconteça –, o que é isto, quando eles crêem em Deus. Por isso a autocompreensão do homem e sua compreensão do ser é viva no todo, no caso da religião. Sempre, lá, onde a religião é viva, por mais que ela seja também um presente que vem de cima e com isso a partir da sua própria origem, ela vive na compreensão humana, que compreende, cada vez a si mesma e sua coisa, como o que é.

Se o homem faz uso da sua autocompreensão e compreensão do ser, então ele pergunta: o que é isto, religião? E, em pensando, vai atrás da questão. Pensar que pergunta assim sobre o ser da coisa da religião é, porém, pensar filosófico. Por essa razão, o pensar filosófico sobre a religião é sempre possível lá onde religião é compreendida por homens, seja qual for o seu modo.

Esta conjuntura é também a razão por que o homem tem responsabilidade diante da sua própria crença, diante do seu próprio culto e da religião vivida por ele. Aqui, não deveria se entregar a ela cegamente, à toa, sem pensar e sem a examinar. Ele não tem certamente que produzir ele mesmo a religião. Mas ele tem para com ela responsabilidade, na medida em que a religião se realiza no médium da autocompreensão do homem e da sua compreensão do ser, como uma forma da existência humana[2].

Porque a autocompreensão humana e a sua compreensão do ser na religião estão ativadas num modo todo próprio, por isso a religião se expressa na linguagem humana, em categorias e possibilidades de pensar humanas, ela vive nas formas da realização humana. Somente a partir daí se deve esclarecer o fato manifesto de que a religião, a seu modo, participa também da mudança histórica da autocompreensão do homem e da sua compreensão do ser e de que, assim, a religião possui uma história humana e entrementes uma história demasiadamente humana, embora Deus, a partir de quem a religião se compreende, esteja imutável e acima de tal história.

Justamente por isso, o homem pode e deve sempre de novo se perguntar: O que é isto propriamente, religião? E, antes de tudo: O que é isto: a minha religião, que eu realizo como minha forma de vida? A pergunta pelo “é” é a grande pergunta, que se levanta da humana compreensão do ser. Ela é segundo a sua estrutura, uma pergunta filosófica, mesmo que a coisa, à qual ela investiga, seja exatamente o outro da filosofia e esteja sobre sua própria raiz.

Esse pensar a religião é, porém, não um fato na necessidade fatual, mas sim facticidade, i. é, a necessidade da liberdade.


[1] Cf. Blaise Pascal: “Deus  de Abraão, Deus de Isaac, Deus de Jacó, não dos filósofos e sábios”; cf. Pensées, n. 556; e a teologia dialética (K. Barth, Ed. Thurbeysen, Fr. Gogarten, E. Brunner, R. Bultmann).
[2] Cf. Welte, Bernhard, Heilsverständnis. Philosophische Untersuchung einiger Vorausetzungen zum Verständnis des Christentums (Compreensão da salvação. Investigação filosófica de algumas pressuposições para a compreensão do cristianismo). Freiburg i. Br. 1996; Die Wesensstruktur der Theologie als Wissenschaft (A estrutura essencial da teologia como ciência), in: Auf der Spur des Ewigen. Philosophische Abhandlungen über verschiedene Gegenstände der Religion und der Theologie (No rastro do eterno. Tratados filosóficos sobre diferentes temas da religião e da teologia). Freiburg i. Br. 1965.
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