Vocacional - Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil - OFM

Do Governo – Superior, Ministro, o servo da fraternidade

03/03/2021

 

Introdução

Estamos aqui reunidos numa ação, chamada reunião dos superiores. É uma ação de reflexão acerca do ser-superior. E não gostamos desse nome: reunião de superiores. Nem gostamos da formulação do tema da reflexão: superior, ministro, o servo da fraternidade. Não gostamos da palavra superior. É que a palavra superior conota poder, hierarquia, dominação, elitismo. E não gostamos mais do relacionamento caracterizado pelo poder de dominação, do senhorio, do esquema senhor-escravo, superior-súdito… Por isso, preferíamos não falar mais do superior, do ser-superior, mas sim substituir a palavra superior por coordenador ou algo semelhante.

Esse medo, essa repugnância da palavra superior é reação contra os abusos do tipo autoritarismo, hierarquização indevida e pouco inteligente da autoridade. A reação é boa e necessária. Apenas, a reação não é suficiente para construir uma orientação eficaz e frutífera na longa caminhada positiva do crescimento no vigor essencial. É necessário seguir à reação uma busca positiva e bem vigorosa da coisa ela mesma, isto é, da essência do ser-superior. É necessário seguir uma intuição clarividente que nasce de uma questão, isto e, de uma busca, básica e originária, a qual poderíamos formular: em que consiste a essência da tarefa do ser-superior?

          Por isso, a questão de hoje se concentra apenas nessa busca básica: qual é a essência do ser-superior? Mas, vamos nos lembrar que a nossa reflexão de hoje é só um início muito apoucado. Por ser apoucado é um tanto inútil para mudança imediata, não resolve muita coisa. Mas, talvez desencadeie em nós a necessidade de um estudo e uma busca maiores, nos quais se tente compreender mais e melhor a tarefa do ser-superior, a ponto de essa compreensão adquirida por um grande volume de estudo, comece a ser realmente útil e resolva alguma coisa.

A nossa questão que se formula “qual é a essência do ser-superior” é uma questão essencial

A questão essencial é a busca da essência de uma coisa. Não perguntamos, portanto, por isso ou por aquilo, em particular, em detalhes de cada situação concreta, se é assim ou assado na prática aqui e agora em concreto. Nesse sentido, se você busca uma solução imediata e concreta para uma determinada questão que o preocupa aqui e agora, não encontrará na busca essencial nenhuma solução ou utilidade práticas.

O que é a essência? Costuma-se definir a essência como aquilo que faz com que uma coisa seja ela mesma. É aquilo, sem o qual uma coisa deixa de ser ela mesma. A essência do ser-superior seria então aquilo que pertence necessariamente à tarefa do superior, sem o qual o superior deixa de ser superior.

E aqui começa a confusão. Pois, essa compreensão formal e abstrata da essência, no fundo, não diz nada de determinado e real, de tal sorte que debaixo dessa definição podemos enfiar mil e mil propriedades e qualidades acidentais que cada um de nós acha ser essenciais ao ser-superior. E então surgem, por exemplo, discussões intermináveis como essa, onde se debate, se é essencial para ser superior a qualidade de ele ser comunicativo, jovial e alegre. Eu posso dizer que é sim, e argumentar, mostrando um caso onde a falta de comunicação impede o bom relacionamento com a comunidade. Você pode dizer que não é essencial e me mostrar um outro caso, onde mesmo que não tenha boa comunicação, a pessoa é tida como um bom superior, etc. etc.

Para você sentir esse tipo de confusão existente na dificuldade de distinguir o essencial do acidental, experimente dividir todo o grupo em três partes e sugerir que cada uma dessas partes faça um elenco de qualidades que, na sua opinião, acha essenciais para a tarefa do ser-superior.

Em todo o caso, essas listas de qualidades essenciais nós as conhecemos de sobejo. Essas listas nos provocam um mal estar, no qual ou reagimos com repugnância, indiferença ou com má consciência e frustração, impotentes por não darmos contas de sermos tão completos e perfeitos como as listas exigem. Tudo isso leva ao descrédito tais listas.

Não vamos aqui produzir mais uma destas listas de exigências generalizadas das qualidades do ser-superior, segundo os padrões da moda de hoje.

Aqui queremos colocar uma questão essencial. Queremos buscar uma compreensão essencial. E queremos entender a busca essencial no sentido da essência como sendo: força básica própria de uma coisa. Assim, a essência, a força básica, própria do ser-mãe é a maternidade. A essência, a força básica e própria do suportar, padecer, é paciência. A essência, isto é, a força básica, própria do superior que coordena uma comunidade religiosa como superior, o que é? Queremos, pois, ver em que consiste a força básica que devemos cultivar para crescer na tarefa de sermos religiosos que têm por compromisso ser superior de uma fraternidade religiosa.

Para essa busca, o título proposto como título da nossa reflexão nos dá a orientação de como encaminhar a reflexão: o superior, ministro, servo da fraternidade.

Com outras palavras, o título nos coloca, de ante-mão, já dentro de um modo de pensar, onde a superioridade do superior está definida, não a partir de nós, não a partir de nossas opiniões e valorizações, de qualidades e competências humanas, mas sim a partir de uma incumbência religiosa, isto é, vindo do Deus de Jesus Cristo na caminhada do Seguimento cristão: a superioridade, na via e no reino do Seguimento de Jesus Cristo, é decidida, é definida, é qualificada a partir de e como mais e melhor servir à fraternidade.

A seguir, vamos ir comentando palavra por palavra essa definição ‘o superior, ministro, servo da fraternidade”, como sugestões de reflexão.

Comentários

a- Superior

Aqui, quando falamos do superior não estamos falando de uma função, no sentido usual de coordenador, líder, chefe, diretor, regente, etc., etc. de um grupo social. Certamente, o superior é também tudo isso, porque vive na sociedade, onde existem todas essas funções, se nós, por exemplo, assumimos trabalhos e obras pertencentes às funções e às estruturas e aos sistemas dessa sociedade.

O ponto exato da nossa reflexão, como já foi exposto acima, consiste em tematizar o superior enquanto, como religioso, enquanto, como superior, de uma fraternidade religiosa.

O religioso assim representado é um adjetivo do sujeito superior e do sujeito fraternidade, ao lado de outros adjetivos que esses sujeitos chamados superior e fraternidade possuem.          Mas, nesse ponto é necessária muita atenção. Pois, quando pronunciamos essa palavra superior religioso de uma fraternidade religiosa, a nossa mente não se mexe, fica instalada na compreensão que sempre temos e tivemos do religioso. Isto é, religioso como um dos aspectos da vida humana, ao lado do aspecto civil, ao lado do aspecto humano, do aspecto físico, psíquico, social, etc., etc. Representamos assim o ser como uma soma integral de qualidades e aspectos.

O termo religioso grudado às palavras superior e fraternidade aqui, embora tenha forma externa de adjetivo, é, no seu sentido, substantivo, isto é, diz a substância, a essência, isto é, a forma básica e própria do ser-superior e da fraternidade.

Mas, o que é religioso, a religião aqui? Religioso, a religião, aqui não se refere às religiões no sentido usual, nem à religiosidade, à piedade, à devoção. Religioso, religião, aqui se refere à religião no sentido usado nos textos franciscanos primordiais, a saber, à Ordem (Cf. São Francisco de Assis, RNB 2; Frei Egídio de Assis, Ditos 16). Religioso, religião, indica, portanto, a vida de Seguimento de Jesus Cristo na forma cristã, católica de consagração dentro de uma Ordem ou Congregação.

Digamos que você tenha em si as seguintes qualificações, isto é, adjetivos: é muito competente em coordenar o grupo social, administra maravilhosamente a sua função, psicologicamente equilibrado, tem jeito de compreender as pessoas, é comunicativo, tem saúde de animal premiado na exposição pecuária de Água Branca, São Paulo, é clarividente, inteligente, e além de tudo isso é ainda por cima muito piedoso, religioso de sentimento, bem educado na religiosidade desde a infância, etc. etc. Mas, não conhece a Jesus Cristo, ou conhece mais ou menos como um cristão tradicionalista, que foi educado assim e assim na religiosidade e na Vida Consagrada cristã de seguimento, mas mais como uma atividade e um engajamento de assistência social e promoção humana ou como uma vida interior de piedade. Conhece sim a Jesus Cristo e a seu Deus, mas não acordou bem, nitidamente, para o seguimento de busca de corpo e alma, corpo a corpo, ter encontro transformador e radical com esse Jesus Cristo e seu Deus.

Agora, imagine um religioso que tem ou não tem ou tem apenas em parte todas aquelas qualidades acima mencionadas, mas com tudo que tem e não tem está inteiramente, de corpo e alma, convocado, invocado, engajado no seguimento de Jesus Cristo, no encontro com Ele, na exposição e disponibilidade total às exigências desse chamamento. E a partir de tal engajamento, busca se melhorar, tenta se corrigir e desenvolver todas as suas potencialidades. Esse último modo de ser de uma pessoa cristã se chama religioso ou religião no sentido aqui usado nessa nossa reflexão. Fraternidade religiosa é um grupo de pessoas com essa busca, com esse compromisso e engajamento nesse Seguimento, com essa paixão, esse projeto de vida.

Ser superior, portanto, não é simplesmente uma função. Mas sim, uma missão, isto é, um envio, deslanche, um impulso vigoroso de convocação de um chamamento, uma tarefa recebida desse engajamento que vem a todas as pessoas que querem radicalmente, isto é, a partir da raiz, seguir a Jesus Cristo.

Desculpe a insistência em precisar mais esse ponto. Pois, na busca essencial é de vital importância você ser preciso. Se na essência você é inexato, o erro que dali resulta é mortal, pois, atinge a força básica e própria do nosso ser.

Esse negócio de dizer-se que ser superior é uma função, se você for exato, é uma linguagem ainda muito pouco engajada, um tanto indiferente, descompromissada, em se tratando do chamamento do Seguimento de Jesus Cristo. Num sentido semelhante também ser mãe ou pai não é função, mas sim missão, tarefa, convocação.

Mas, aqui surgem dois grandes perigos de uma compreensão imprecisa e defasada da missão e da tarefa. Vamos, por isso, nos precaver contra esses dois perigos, embora com isso a nossa reflexão se torne um tanto complexa e longa demais. Mas, é importante se colocar bem, com precisão aqui nesse ponto.

O primeiro perigo é de você entender as tarefas e missão como obrigação imposta. Como um aluno que tem que fazer a tarefa de casa, e que se não a fizer vai ser castigado. Se você tiver no fundo de sua mente um quê dessa compreensão, é necessário eliminá-lo, pois, compreender a missão e a tarefa do chamamento como obrigação imposta com sanção punitiva é desfigurar inteiramente o Seguimento e o bloqueia totalmente. Mas, atenção, cuidado com o pensamento contrário, reativo, a essa obrigatoriedade. Isto é, de entender o não obrigatório e não impositivo como algo que eu decido, se aceito ou não, como um convite assim liberal, o qual se aceito tudo bem, e se não aceito também tudo bem: uma realidade neutra, indiferente, onde por fim nada acontece… paz e amor… Talvez essa indiferença é mais defasada do que a compreensão também defasada da missão como obrigação imposta!… Com outras palavras, a compreensão do que seja missão, tarefa de um chamamento não pode ser captada nem evidenciada, se você ainda está nesse nível de compreensão da vida, onde há de um lado obrigação-imposição e de outro lado desobrigação-liberal. Aqui se trata no Seguimento de uma experiência de um nível mais decidido, profundo e mais exigente. Trata-se aqui sim de uma obrigação. Por quê obrigação? Porque trata-se de chamamento que vem de fora, de um Tu que me escolheu e me chamou primeiro. Portanto, não se trata de escolha que eu fiz e com o qual eu posso fazer o que bem entendo. Mas, não se trata de uma imposição! Por isso, obrigado não é idêntico com imposto. É nesse sentido que em português, quando queremos expressar a gratidão para com o amor gratuito do outro dizemos: obrigado! Aqui, obrigado, não significa: já que você me fez esse favor, estou sob a obrigação de lhe fazer um favor correspondente. Tal compreensão do agradecimento é negócio e não amor e amizade. Em português a expressão de gratidão ‘obrigado’, significa: sinto-me tão atingido no âmago da minha liberdade e do meu querer pela doação livre e gratuita de Ti, que eu quero, sim faço questão de ir de encontro a Ti com o mesmo modo de doação. Esse querer livre comprometido é o querer do engajamento total, de corpo e alma, onde não tenho uma segunda intenção oculta de interesse excuso, mas sim sou totalmente sincero nessa doação, me amarro todo e inteiro ao outro que se amarra em mim. Nessa amarração está a obrigatoriedade, isto é, seriedade mortal, da liberdade de doação, a liberação da força básica e total do amor. Aqui existe uma realidade intensa, profunda de engajamento livre, mil e mil vezes mais exigente, forte do que todas as assim chamadas nossas obrigações, compromissos e imposições. Mas, sem nenhum resquício de escravidão, de repressão ou de dominação-senhorio. É nesse sentido de nobreza e ternura do engajamento do amor, da nobreza que obriga que devemos entender a obrigação da missão e da tarefa de ser-superior.

O segundo perigo de uma compreensão defasada da missão e da tarefa consiste em entender a missão acentuadamente como incumbência e transmissão do poder superior, de tal modo que o superior é detentor do poder superior. Nesse sentido o superior assume o papel de um ser superior, privilegiado (embora indigno!!!…), com missão especial. Muda de tom de voz, entra nele uma outra pessoa. O povo então diz: o poder lhe subiu na cabeça. Essa espécie de possessão, nem sempre precisa ter a forma de vaidade e orgulho pessoal. Pode tomar a forma de uma pessoa santa, humilde, indigna, mas… predestinada para, por exemplo, renovar a Igreja, etc. etc.

Aqui nessa reflexão, tentando evitar esses dois perigos de compreensão inadequada da missão e tarefa de ser superior, não entendemos a missão, a tarefa, nem como imposição escrava vindo de cima, nem como incumbência de poder, mas sim como uma busca discipular de aprendizagem humilde, cheia de gratidão, assumida com diligência e paixão, onde amamos o ofício, estudamos o ofício, crescemos no ofício, fazemos fruto em nós para utilidade dos outros e de nós mesmos, considerando o chamamento para aprendizagem desse ofício como grande privilégio imerecido, que nos obriga tanto mais por vir de quem nos amou primeiro.

A superioridade do superior nessa busca consiste em ser ele ou ao menos querer ser ele, cada vez mais e melhor discípulo nessa aprendizagem, mais amante, mais diligente, mais estudioso e mais aprendiz nessa busca discipular.

b- Ministro, isto é, servo

O ofício que o superior quer aprender, faz questão de aprender, ama e estuda, é ser ministro, isto é, ser servo.

Mas, o que é ser ministro, ser servo?

O substantivo ministro vem do verbo ministrar. Vamos rastrear a palavra ministrar, para sentir o ser do ministro, o ser do servo.

Ministrar significa dar, fornecer, prestar, servir. Ad-ministrar significa gerir, servir ao todo organizado, cuidando, fomentando o todo. Em todas essas nuances desse agir, desse atuar humano chamado ministrar, sentimos uma vitalidade bondosa de doação, cheio de cuidado, preocupação, em querer que o outro, a coisa, ou a causa a que se ministra esteja bem, cresça, viva. No organizar, coordenar, gerir, administrar, corrigir, orientar, tomar dianteira de uma iniciativa, responsabilizar-se, etc., nesse ministrar e administrar não há nenhum vestígio de dominar, impor-se, se sondarmos o fenômeno originariamente, mas há sim muita bondade, dedicação de amor e doação a favor do outro: cuidado amoroso, isto é, serviço, servir. É a diligência, o interesse do fomento, promoção e incentivo, o cuidado, a cura amorosa da mãe, do pai, de quem dá a vida. Isto é servir.

A ação, o modo de ser, no qual o superior, como discípulo o mais aplicado e grato quer crescer, não mais do que os outros (!), mas sim mais do que cada vez ele pode ser, isto é, se vencendo a si mesmo, é esse modo de ser e amar, o servir. Esse modo de amar, São Francisco de Assis o entendeu como a essência do amor que é o próprio Deus, a misericórdia.

Mas, para que o superior entre no seu ofício de ser superior, para dentro de uma caminhada discipular de aprendizagem de tal modo de ser e, então, ali se realizar, para a sua utilidade e para o bem de todos, é necessário entender o serviço de modo bem diferente. Pois, existem na nossa Vida Consagrada dois estilos de entender o serviço, um usual, outro discipular.

O estilo usual entende por servir uma doação. Entende o ordenar, organizar, mandar, coordenar, administrar do ofício do superior como servir. Assim ele com toda a sua potencialidade se põe ao serviço da fraternidade. Tudo isso é muito correto e bonito. Mas, se ficarmos nesse nível só, com o tempo essa disponibilidade sofrerá um desgaste. Se se ficar só nessa colocação, que embora de grande boa vontade, na compreensão e na colocação é ainda um tanto superficial, o superior não vai muito longe na aprendizagem. É que essa colocação não tem em si a ambição de aprender o que é servir. Quer sim aprender a servir, mas já parte de alguma forma sabendo o que é servir. Com outras palavras: se engaja, mas para aplicar a compreensão que já tem do que é servir e serviço. Nesse sentido ele diz aqui estou para me por ao serviço  da fraternidade.

Essa colocação superficial começa vir à tona, quando a fraternidade não aceita o seu serviço e começam os atritos, marasmos, as opiniões divergentes, más vontades, preconceitos no cotidiano, nos atritos e nas vicissitudes da fraternidade. O Superior, nessa colocação usual entra bem, com toda a boa vontade, mas depois de muitas decepções, sofrimentos, más aceitações, desgastes físicos, psicológicos e morais, sai do encargo, ferido, esgotado, como quem sacrificou-se pela fraternidade, mas saiu dali como um bagaço, sem ânimo, à beira do colapso ou da inanição vocacional. Em todo o caso, ao menos sem o primeiro amor…

Essa colocação usual de por-se ao serviço da fraternidade no fundo não tem claro, em que consiste o serviço como busca discipular de Seguimento de Jesus Cristo. Nem tem claro em que consiste a essência da fraternidade religiosa. Exerce, pois, o trabalho de serviço, no fundo, como função, função de sacrificação, um desgaste em favor dos outros…

Não se está dizendo que esse modo de ser seja errado ou menos bom. Está se colocando a diferença entre uma postura assim e a seguinte, em referência à eficiência na caminhada da Vida Consagrada.

A outra postura, o outro estilo, acima denominado de discipular, entende a fraternidade como comunidade de irmãos do mesmo sangue, na busca discipular do Seguimento de Jesus Cristo. Entende ser irmão no sentido de alguém que tem o mesmo sangue. Mas, que sangue? Sangue do grande Irmão Jesus Cristo. E esse sangue de Jesus é o sangue do Pai. Tudo bem, mas o que é sangue no uso de linguagem nessa reflexão? Sangue é a essência vital, o vigor básico. O sangue do Pai de Jesus Cristo, o seu vigor essencial é o vigor do servir, a misericórdia. Esse vigor, esse modo de ser corre e pulsa em Jesus Cristo que veio para servir e não para ser servido. Esse mesmo vigor, esse modo de ser essencial corre e pulsa em cada um da fraternidade que está junto, caminha junto porque segue a Jesus Cristo na aprendizagem do seu modo de ser. Servir à fraternidade nesse caso não é tanto por-se a serviço da fraternidade, mas sim estar na disponibilidade total e radical na aprendizagem desse modo de ser, para cuja realização se formou a fraternidade. Se o Superior organiza, manda, cuida, se preocupa, administra, ouve, dialoga, etc. etc. tudo isso não é outra coisa do que contínuo exercício da aprendizagem de entender cada vez mais e melhor esse modo de ser do Pai de Jesus Cristo, o qual ultrapassa sempre de novo todas as nossas compreensões e experiências.

Assim o Superior não está aplicando à fraternidade um determinado modo humano de entender o serviço, mas em todas as vicissitudes da fraternidade está se dispondo para aprofundar, ampliar, enriquecer a sua experiência do que é servir como Deus serve. É, pois, aprendizagem total, transcendental. Esse elã de aprendizagem do modo de Deus amar se expressa como o Grande Mandamento: Cf. Mc 12, 28-34; Mt 22, 34-40; Lc 10, 25-28; Jo 13, 1-17.

O crescimento e a consumação, isto é, a perfeição nessa aprendizagem é a realização e humanização do homem levadas às suas últimas possibilidades, transcendendo-as para dentro da grandeza, nobreza e imensidão do Amor de Deus.

O Superior que assim se coloca dentro da sua missão tem a grande possibilidade de atravessar as vicissitudes, lutas da sua gestão, crescendo, dinamizando o vigor básico, e aconteça o que acontecer, sai do seu encargo não ferido, desgastado, um bagaço, mas sim como fênix que sempre de novo sai revitalizada das cinzas, nascendo sempre nova e cada vez mais discípulo.

Se for assim, nessa colocação, ser Superior é uma espécie de pós-graduação na escola do discipulado no Seguimento de Jesus Cristo e na Imitação do Amor de Deus de Jesus Cristo. Essa busca é a essência do ser-superior, isto é, a força básica e própria do ser-superior.

c- Utopia ou realidade?

         Superior, ministro, servo da fraternidade! Ser superior assim como viemos explicitando, não é uma utopia idealista, irreal e desencorajadora?

Não sei se confere a explicação que se lê por aí da palavra utopia. Dizem que utopia vem do ou = não e topia ou topos = lugar. Utopia significaria não-lugar, fora do lugar, isto é, fora da realidade, ilusão, alienação. Mas, se essa filologia for certa, não se está entendendo o não-lugar dentro de um modo de ser e ver já prefixado, no qual o lugar é a realidade e o não, a ilusão? Que tal entender a palavra utopia na explicação filológica de cima como não-lugar, dentro da dinâmica de aprendizagem?

Quando quero aprender a tocar um instrumento musical, se busco um mestre competente, tudo que ele sabe e pode, para mim, iniciante, está bem fora e longe do meu lugar, isto é, do que agora no início posso, como onde, como lugar de, coloco meus pés. Mas, se sou discípulo, sei claramente que esses lugares, o humano não somente pode, mas tem a tarefa de transcender para além, para o atual não-lugar, para a possibilidade maior! Para a ilusão? Para a alienação? Ou não é antes para a suprema realidade maior, anterior, que me provoca a superar sucessivamente todos os nossos lugares?

Se for assim, na estrutura do crescimento humano, na Vida Consagrada, no discipulado do Seguimento de Jesus Cristo, o que está diante de nós como medida deve ser utópico! Isto não é ilusão, não é alienação, é realização e sua dinâmica.

Que tal sermos altamente positivos e dinâmicos em referência à nossa profissão?

Conclusão

Terminemos a nossa reflexão, ouvindo as palavras de São Francisco para quem a utopia era o vigor de toda a caminhada real: “ouvi-me, ouvi a voz de vosso pai: grandes coisas são as que prometemos; maiores as que nos são prometidas. Guardemos estas, suspiremos por aquelas; curto é o prazer, perpétua a pena, pouco o sofrimento, infinita a glória. Muitos são os chamados, poucos os escolhidos, todos terão a recompensa”

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