Vocacional - Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil - OFM

Do Governo – O Capítulo – O momento de graça no discipulado

03/03/2021

 

Introdução

         O título proposto sugere alguns pontos importantes para o Capítulo. Seguindo as implicações do próprio título, recordemos nessa reflexão certos temas já conhecidos por nós. Assuntos tão óbvios que certamente nada dizem de novo nem nos abrem perspectivas extraordinárias, nem nos dão novos impulsos. Mas podem servir, quem sabe, de memória, para nos exercitar em árduos trabalhos de abordagem e solução de muitos problemas urgentes, concretos e muitas vezes quase insolúveis. Problemas que exigem muito espírito, muita honestidade comunitária, bom senso e discernimento, tenacidade e coragem para decisão.

O Capítulo é um momento

A palavra momento (em latim momen e momentum) se refere ao movimento e significa força do movimento, vigor móvel, fundamento do movimento, duração do movimento. Originariamente significava, propriamente, o peso decisivo que fazia cair um dos pratos da balança para um lado, desequilibrando a indiferença, a neutralidade da linha reta e horizontal da balança. Daí, momento significa na vida o instante acentuado, o instante de peso, dentro do percurso da seqüência do tempo. Por isso, quando numa conversa algo nos importa de modo a ter peso de significação costumamos dizer: “Um momento!” Momento é, portanto, in-stante decisivo na duração do per-curso do tempo.

In-stante quer dizer, o finca-pé, a parada, a estância aqui, em, a insistência. Por isso, quando se trata de algo de peso e importância na conversa ou no discurso, não somente dizemos: “Um momento!” Mas também exigimos, dizendo: “Pára aí!”

Por isso, embora à primeira vista a palavra momento pareça apenas indicar uma fração neutra e indiferente da seqüência do tempo cronológico, na realidade indica uma experiência existencial de parada, na qual o caminhar da nossa vida é interrompido. Nessa parada, nós, que seguimos o nosso ritmo usual e superficial do percurso cotidiano e comum, caímos em nós, entramos no fundo da nossa existência e, de repente, somos tocados, atingidos por uma chamada de atenção, por uma convocação que nos desperta para um questionamento, isto é, para uma busca acerca do móvel, do fundamento, do vigor impulsionador de nossa vida.

Por isso, o momento é o tempo de convocação. Nesse sentido o Capítulo nos convoca a um questionamento, isto é, a uma busca toda especial.

Como momento, o Capítulo é um tempo de busca todo especial

Usualmente, quando se fala de busca, logo disparamos a nos perguntar: “O que devemos buscar? O que devemos fazer no Capítulo?” Assim, tentamos, antes de mais nada, achar os assuntos, os temas, os problemas que iremos abordar, discutir no Capítulo. Raríssimas vezes examinamos, antes de determinar o que, os assuntos, os temas e os problemas a serem discutidos, como é, como deve ser a busca, o seu modo de ser.

O Capítulo, enquanto momento, no sentido acima mencionado, nos convoca para uma busca toda especial. Mas o caráter especial da busca não está tanto nos assuntos especiais que abordamos, mas sim muito mais no modo de ser da busca. A convocação do Capítulo para a busca se caracteriza como uma chamada de atenção para que nos dias do Capítulo nos empenhemos, entre outras atividades muito importantes e urgentes, também e principalmente, em recordar o modo especial de busca, para que busquemos com um jeito todo próprio, especial.

Que tipo de busca é esta que tem um jeito tão especial e diferente do usual? Como podemos intuir, captar com exatidão esse modo todo especial?

Esse modo todo especial de busca, o podemos intuir se trazemos à tona da nossa percepção uma dificuldade da vida cotidiana, vagamente por nós sentida, mas raras vezes tematizada e posta às claras na nossa captação usual de todos os dias.

Mas, de que dificuldade se trata?

Todos os dias vivemos. A vida vivida não é só a biológica. Esta, aliás, está em função do nosso viver humano. E o viver humano, em concreto, consiste nos nossos afazeres, afazeres e fazeres de vários tipos e níveis de ser. Assim, todos os dias, isto é, cada dia, de manhã, nos levantamos, rezamos, meditamos; de dia, trabalhamos, estudamos, comemos; à noite, dormimos. Todos os dias, cada dia. Em certo ritmo de tempo, que corre em um movimento igual, segundo por segundo, minuto por minuto, horas, dias, semanas, meses a fio, ano após ano. Nessa enfiada de tempo cronológico, isto é, do relógio, vamos desfiando o nosso destinar-se, a nossa realização, em afazeres: atividades e ações, acontecimentos e eventos de vários tipos, procedências, de diferentes níveis de ser, particulares e comunitários, individuais e sociais, físicos, vegetais, animais, psíquicos, anímicos, intelectuais, espirituais, naturais e místico-cristãos, etc.

Todos esses fazeres humanos se concretizam como instituições, sistemas, culturas e civilizações, deveres e obrigações, costumes e normas que formam uma imensa corrente. Corrente, a qual vivenciamos como sociedade, publicidade, a nossa época, a nossa era, os nossos tempos, os tempos modernos, hoje. Corrente, dentro da qual nascemos, crescemos e somos, dentro e a partir da qual conhecemos, pensamos, sentimos, queremos, buscamos.

A nossa compreensão da busca está bastante influenciada por essa representação da vida como corrente que nos carrega. Vivemos como que sendo empurrados pela grande correnteza da vida. Correnteza que nos envolve nos impulsiona para frente, nos leva. Somos, pois, levados, vividos pela vida. Certamente, queremos, planejamos, intervimos, colocamos nossos objetivos, intencionamos. Mas, o fazemos como já dentro de uma linha de pré-determinação, dentro de uma evolução. Aqui, parar e questionar, não passa de uma correção, uma revisão, um ajeitamento dentro da grande corrente. Propriamente, não questionamos a própria corrente e o seu modo de ser e o meu modo de ser ali dentro. Essa passividade, essa neutralidade e indiferença no questionar, na busca, é um estilo comum, tacitamente aceito, comumente, pela maioria de nós. Muitas vezes, pensamos que estamos conscientizados a respeito dessa passividade. Assim, examinamos criticamente o status quo, as estruturas, o sistema, etc. e o seu modo de ser. Mas, ao fazermos isto, o que buscamos, o modo como buscamos, a maneira como funcionamos na nossa mente ao criticarmos, são bastante vagos e indeterminados, e se temos a aparente sensação de possuirmos nitidez e clareza, essa sensação não vem da própria experiência da busca radical, mas sim de determinado posicionamento que costumamos chamar de ideologia, proveniente de um determinado setor, uma determinada corrente de idéias, pertencentes, enfim, à grande correnteza da nossa era, dos nossos tempos. A perplexidade que diante de tal quadro toma conta da nossa mente e que nos faz perguntar: “Mas como fazer para sair fora dessa corrente? Mas, não é assim que pertencemos à nossa época? Não somos filhos da nossa era e que por isso, não devemos ser históricos e nos levar pelo tempo?” Etc. Prova justamente, que na nossa própria maneira de assim, perplexos perguntar, nos deixamos levar de pergunta a pergunta, sem nada realmente perguntar e buscar de maneira diferente. Pois é típico dessa corrente que nos empurra, que multipliquemos perguntas, uma após outra, sempre para frente, sem nos deixar cair em nós mesmos e parar à busca de uma outra maneira de buscar e perguntar, diferente, toda especial.

O modo de busca todo especial, experimentado através da busca indiferente

Para evitar equívocos, vamos esclarecer o uso da palavra indiferente na nossa reflexão.

Comumente, indiferença, passividade, neutralidade, significa uma atitude negativa. Principalmente, em se tratando, por exemplo, de um Capítulo, é uma atitude inadimissível para nós religiosos. A uma pessoa passiva, neutra e indiferente, falta-lhe engajamento, interesse de causa comum, participação, falta-lhe responsabilidade do assumir, do querer. Por isso, nessa acepção negativa jamais podemos dizer que os capitulares sofram na sua busca, num Capítulo, de indiferença, neutralidade e passividade. Supor tal postura nos capitulares, não somente seria ofensivo, mas sim, antes de tudo, falso, inadequado com a realidade. Por isso, deixemos claro que não é nessa acepção negativa que estamos falando de indiferença, passividade e neutralidade. Mas, então, qual o sentido em uso aqui do passivo, neutro e indiferente?

Para se compreender bem o modo de ser indicado por essas palavras em questão, vamos examinar uma dificuldade real.

Num Capítulo, as pessoas convocadas e todos que, direta ou indiretamente, como membros de uma Ordem ou Congregação nele participam, querem o Capítulo. Pois, para nós religiosos, um Capítulo é um querer e um dever. Assim, podemos dizer: Todos nós queremos o Capítulo como dever e o queremos como ele deve ser.

O que sentimos, quando formulamos a nossa situação diante do Capítulo assim numa formulação curta, seca e peremptória? Não é assim, mesmo sabendo o que todos queremos, que todos consideramos o Capítulo como dever, mesmo que estejamos até entusiasmados e totalmente engajados por e em evento assim importante, não é assim que surge lá no fundo do nosso coração uma dúvida ou ao menos uma interrogação, se todos realmente o queremos como devemos querer e como ele deve ser… Esse dever, esse querer, o sentimos nós, como quando buscamos uma realização pessoal, desejada e anelada há muito tempo como necessidade íntima do nosso coração? Talvez deixei lá, no lugar onde moro e trabalho, uma questão pendente, de grande urgência e importância e essa interrupção de uma e mais semanas me divide a minha atenção, o interesse, sim o coração… Certamente, assim, de modo semelhante, surgem diferentes situações em querer o e gostar do Capítulo, pra valer, não porque somos indiferentes a ele, neutros e passivos, mas por quê? (…) Certamente, sabemos que ele é ‘o momento de graça’, mas não é assim que, mesmo sabendo de tudo isso, pode acontecer que não sintamos o elã e o entusiasmo devidos a uma necessidade de algo fascinante, de algo que nos atinja o nosso âmago? (…)

Se nos surgir tal dúvida, ao lermos a formulação: “Todos nós queremos o Capítulo como dever e o queremos como ele deve ser”, o que fazemos usualmente? Em geral, nesses casos, é costume combater internamente a dúvida, nos animar e nos incentivar a querer e assumir realmente o Capítulo, tentamos nos motivar, nos esforçar a querer mais, com outras palavras, engatamos por assim dizer, dentro de nós, a marcha do forçar-se a querer. E a esse modo de forçar-se a querer, nós o denominamos de dever. Assim, dizemos nesses casos: “Nós devemos querer e queremos!”

Todo esse esforço, sem dúvida, denota não a indiferença, não a passividade, ou neutralidade, mas sim o engajamento.

Esse ‘método’ de engajar a marcha do dever querer, no entanto, embora seja sim assumido e engajado, apresenta um quê de passividade, neutralidade e indiferença no modo de buscar, isto é, de se questionar.

Mas, onde está o indiferente, o neutro, o passivo, se há tanto esforço, tanto trabalho forçado como dever?

Ao Capítulo, a esse momento dentro do percurso da nossa Vida Consagrada, nós o queremos, mesmo que seja um trabalho forçado do querer. Mas, em nos colocando assim na busca, o que buscamos? Buscamos o Capítulo, buscamos a participação, o engajamento nesse Capítulo. Mas, em nos engajando assim, a esse Capítulo a este ou a aquele assunto do Capítulo, estamos acordados, despertos, estamos empenhados, em buscar, procurar o que é realmente querer? O que é realmente dever? Estamos já há muito tempo interessados, conscientizados, desde o início da nossa Vida Consagrada  em ter nitidez e clareza de como deve ser a compreensão do querer, ter a evidência do seu modo de ser próprio, quando na Vida Consagrada  ouvimos falar que o querer é básico e fundamental para a Vida Consagrada? Pois, diz o próprio Jesus Cristo a nos convocar para o seu seguimento: “Se queres ser perfeito…” (Mt 19, 21; 16, 24; Lc 14, 26; Mt 19, 29).

Não é assim que não queiramos ou não busquemos isto ou aquilo dentro da Vida Consagrada. Isto o fazemos com bastante empenho. Mas, não estudamos, não nos interessamos, sim somos neutros, passivos e indiferentes em referência à aprendizagem cada vez mais animada, cordial e exigente do que diz respeito à clarividência acerca do modo de busca das coisas básicas da nossa Vida Consagrada.

É mais ou menos como alguém que é muito aplicado e esforçado em comer indiscriminadamente muito, em fazer exercícios de todos os tipos, tomar vitaminas e remédios, cada vez mais, um atrás do outro, mas não estuda, não pesquisa para ter um saber adequado e científico, para orientar de modo certeiro a manutenção e o cuidado da saúde. O modo de busca da comida, dos exercícios, das vitaminas e dos remédios é bastante diferente do modo de busca da habilidade e do saber do cuidado da saúde. Aquele está dirigido a fazer isto ou aquilo. Este está dirigido a medir-se com um modo de ser que orienta e impulsiona o fazer isto ou aquilo. Aquele é o modo de buscar, o modo de querer de alguém que funciona dentro de um determinado sistema ou processo, é a maneira de buscar do funcionário. Este é o modo de ser do discípulo, cujo sentido da vida é a busca radical do aprender o próprio aprender.

Se o Capítulo é o momento de graça no discipulado, então, o Capítulo é, entre muitas outras coisas, também o in-stante, onde somos convocados a nos despertarmos para um modo de busca que não é apenas do funcionário da Vida Consagrada, mas sim do discípulo muito exigente e difícil.

No Capítulo, somos a-cordados para uma melhor compreensão do modo de ser próprio do querer e do dever

Queremos e temos que participar do Capítulo. Mas, nessa nossa vontade, pode ser que descubramos: embora o queiramos como dever e como ele deve ser, a nossa preocupação e o nosso interesse estão inteiramente dirigidos a fazer Capítulo para resolver certos problemas da Congregação. Isto tudo é certamente coisa muito útil, necessária e boa. Mas, se o for só assim, o Capítulo não seria propriamente o momento de graça no discipulado. Seria apenas um momento e episódio de execução de tarefas de um percurso, dentro do qual estamos. Para que queiramos o Capítulo como dever e o queiramos como ele deve ser, basta que o nosso querer tenha apenas esse modo de ser do engajamento funcionário? Não seria assim que, o querer, para ser realmente um querer do discípulo, deva ser de outro jeito?

Como a acepção da palavra querer e dever está hoje bastante confusa e indeterminada no nosso uso cotidiano, vamos torná-la mais clara, para termos mais precisão na nossa reflexão.

Em geral, não distinguimos muito bem entre querer, desejar, anelar, gostar de, cobiçar e sonhar. Todas estas modalidades da tendência a uma coisa, nós as chamamos de querer. O querer, porém, tem um modo de ser que se destaca de todos esses atos humanos mencionados.

Querer (do latim quaerere, que significa buscar, procurar; quaero – busco, quaesivi – busquei; quaesitum ou quaestum –buscado) é o ato de buscar. É um movimento da busca humana que dinamiza todo o ser do homem, por assim dizer de dentro para fora, fazendo-o tender para o que ainda não se tem ou não se é, como à necessidade a mais íntima, profunda e visceral. Essa necessidade tem o modo de ser que difere do modo de ser das outras necessidades humanas comuns, por exemplo, das necessidades físicas, biológicas, psico-somáticas. Difere no sentido de referir-se à necessidade a mais radical do nosso ser humano no seu modo de ser próprio, chamado liberdade, ou também espírito. É dessa necessidade que Santo Agostinho fala, quando diz que inquieto está o nosso coração, até que descanse em Deus. Trata-se, pois, de uma tendência, isto é, da dinâmica e do vigor de tender, trata-se de uma busca e procura muito forte, sui generis, que vem do âmago do nosso ser, da nossa liberdade. Por ser assim diferente do modo de ser das nossas outras necessidades, por ser uma busca referida á necessidade a mais radical do nosso ser humano livre, o querer no seu modo de ser, na sua estruturação e no seu objeto, mostra um movimento, um processo, um jeito todo próprio, que é qualitativamente diferente do movimento e do processo do tipo, por exemplo, instinto, ímpeto do desejo, gosto, anelo, cobiça, da tendência natural. Estes movimentos têm o característico de ser digamos espontâneos, isto é, vão por si, tomam conta de nós como impulsos naturais, nos empurram, nos envolvem, nos movem e motivam sem o nosso esforço próprio, nos levam para frente com gozo e facilidade simplesmente. Ao passo que no movimento do querer, cada passo, cada momento, em partes e no seu todo, deve ser acionado, assumido, criado e mantido por mim mesmo a partir de dentro de mim, de tal modo que, no querer, não há nada de ‘natural’, de ‘espontâneo’, nada de ‘mecânico e fácil’, mas sim tudo nele é conquistado, trabalhado, feito, perfazido, responsabilizado. Por isso, não basta querer uma só vez, só no começo como quem desencadeia um movimento, apertando-se um botão ou abrindo o registro de acionamento automáo ou abrindo o registro de acionamento automo, apertando-se um bot acionado, assumido, criado e mantido por mim mesmo a partir tico, mas sim é necessário querer cada vez, aqui, agora, a cada momento instante. Nesse sentido também é que o Capítulo, na formulação do título da reflexão é um momento.

A esse modo de ser do trabalho, assumido, buscado e estudado, esse momento instante e insistente, acionado na elaboração responsável do engajamento, os antigos chamavam de dever. Dever é o modo de ser próprio da liberdade, cuja dinâmica é ter que ser. Dever é querer, na maturação do seu ser responsável, como ter que ser. Por isso, é uma compreensão inteiramente defasada do dever, entendê-lo como uma imposição escrava. É antes uma obrigação assumida livremente como a tarefa, é ato de comprometer-se no engajamento do querer. Assim, querer e dever não são termos opostos, nem termos um ao lado do outro, mas sim, na realidade, termos indicativos de um e mesmo modo de ser, próprio do humano, modo de ser que está para além das necessidades instintivas e naturais e que perfaz o modo de ser denominado espírito ou liberdade da autonomia humana.

Num grupo humano, numa época, onde se tem como a realidade a mais básica o instintivo, o impulso natural, o espontâneo, o gosto, o sensível agradável, o prazer, num ambiente assim estético, isto é, num ambiente onde domina o sensível material e físico, o querer é sentido como uma tarefa árdua, imposta, um trabalho forçado. Com isso a essência, isto é, o modo de ser próprio do querer fica desfigurada, distorcida, a tal ponto de nos causar um bloqueio no exercício disposto dessa capacidade humana, talvez a mais preciosa do nosso existir. Por isso, quando formulamos a nossa tarefa-privilégio de querer o Capítulo, dizendo “nós todos queremos o Capítulo como querer e o queremos como ele deve ser”, ela nos pode soar penosa, trabalhosa, sim como imposição. Ao passo que, se a entendermos bem, agora dentro da acepção da palavra querer e dever esclarecida, nós a podemos entender como um convite para colocarmos a nossa mente e o nosso coração na disponibilidade de aprender e assumir os trabalhos, as canseiras, as discussões intermináveis e as pesadas responsabilidades desses dias que seguem, como exercícios e acionamentos de uma disciplina escolar, isto é, da dinâmica e do vigor livre do aprender, tarefas e exercícios para sermos discípulos, e não apenas funcionários, de uma vocação e uma profissão, cuja força, cujo móvel de fundo é o Seguimento de um Deus feito homem, o discipulado.

Nesse sentido o Capítulo é um tempo decisivo de aprendizagem, o momento no discipulado. Por isso, o Capítulo é um momento, no qual poderíamos recuperar ou reavivar a busca de uma compreensão originária do querer como a disposição discipular de uma aprendizagem engajada, cordial no dispor-se livremente ao trabalhar em se trabalhando.

Cultivar e reavivar esse modo originário de querer é o único modo eficiente e duradouro de dinamizar os nossos interesses e ‘gostos’ para uma causa comum, pois, o querer como essa tendência de busca discipular na disponibilidade aberta e generosa, já por sua natureza e estrutura essencial assume tudo, também algo como o Capítulo dentro de um vigor básico próprio da maturação do querer salutar, assume livre e generosamente como um compromisso, como uma tarefa recebida como sua própria necessidade, a mais íntima, a mais pessoal, como a sua própria causa, deixando de lado todos os interesses, todos os ‘gostos’ e todas as necessidades particularistas. E o faz, tudo isso, não como ‘sacrificação’, mas como expansão dinâmica do querer difusivo.

O Capítulo que queremos como dever e como ele deve ser nos faz buscar uma melhor compreensão do relacionamento entre o extraordinário e o ordinário, entre o especial e o comum, entre o Capítulo e o cotidiano

Ao querermos o Capítulo como dever e como ele deve ser, nessa aprendizagem discipular do querer originário, estamos decididos a assumi-lo como um serviço e trabalho dentro do projeto comum. E não a partir de um ponto de vista qualquer, a serviço do meu interesse e das minhas necessidades particularistas. A convocação para deixarmos de lado os interesses particularistas, para nos abrirmos corajosa e generosamente ao projeto comum se expressa na formulação: o Capítulo como ele deve ser.

Mas, o Capítulo, como ele deve ser, já está dentro de uma grande colocação que determina a nossa própria Vida Consagrada no seu todo, e isto bem concretamente, como vida da nossa Congregação. O Capítulo é na realidade um momento, uma fração especial dentro do todo da nossa Vida Consagrada como tal. Nesse sentido podemos dizer: cada Vida Consagrada tem o Capítulo que merece, ou numa outra versão, no Capítulo aparece que Vida Consagrada estamos vivendo todos os dias. E assim parafraseando o slogam, tal pai, tal filho, podemos dizer: tal vida, tal Capítulo.

O que significa, no entanto, na prática, tal observação?

Significa que, para podermos fazer bem um Capítulo, devemos já estar vivendo bem o cotidiano comum da nossa Vida Consagrada. Significa que, por melhor que saia o Capítulo, o decisivo da transformação e do progresso da Congregação deve se dar no e através do cotidiano comum da nossa Vida Consagrada. Mas, por outro lado, significa também que, para melhorar a nossa Vida Consagrada cotidiana da Congregação é necessário um impulso, um arranque extraordinário num Capítulo bem feito. Assim, não podemos separar o Capítulo da Vida Consagrada cotidiana e a Vida Consagrada  cotidiano do Capítulo. Há, pois, um inter-relacionamento em círculo de mútua atuação. Surge assim uma tarefa no Capítulo, a tarefa de pensar bem na eficiência dessa mútua inter-relação entre o momento especial e extraordinário chamado Capítulo e o momento ordinário e normal chamado Vida Consagrada cotidiana.

O problema fundamental desse inter-relacionamento possa ser talvez ventilado através de uma dificuldade que no Capítulo pode se tornar até um impasse.

No Capítulo, nesse evento extraordinário e especial, concentramos, intensificamos e dirigimos a nossa atenção e o nosso trabalho sobre pontos prioritários, urgentes e decisivos para o bem da Província. Esses pontos podem ser do tipo de urgência e importância que exigem soluções imediatas e materiais, palpáveis, onde nós podemos de alguma forma pegar as questões em nossas mãos e resolvê-las, digamos, materialmente. Talvez são desse tipo os problemas como por exemplo referentes às finanças, à organização, às transferências, etc. Nos problemas desse tipo, embora haja muitas dificuldades e grandes, não há propriamente grandes questões acerca do inter-relacionamento entre o momento extraordinário do Capítulo e o ordinário do cotidiano da Vida Consagrada comum e normal. Se houve uma resolução a respeito de assuntos desse tipo no Capítulo, há relativa facilidade em executá-la, mesmo que seja aos poucos e com muitas dificuldades.

Questão de eficiência na atuação do extraordinário do Capítulo sobre o ordinário do cotidiano da Vida Consagrada se torna dificílimo, quando se refere não a coisas materiais, palpáveis e manejáveis, mas sim à mentalidade, à transformação de posturas, à conversão, à conscientização, à responsabilização, enfim, a tudo que diz respeito ao querer, portanto, à decisão, ao engajamento da pessoa como tal. Portanto, trata-se aqui de exigências da transformação interna e profunda de cada um de nós. Acontece, porém que o extraordinário do Capítulo é certamente intensidade de acionamento, vigor de animação, um arranque decisivo, mas sempre momentâneo-passageiro. Por mais entusiasmados, por mais decididos que fiquemos no momento extraordinário do Capítulo acerca de uma determinada colocação, de um determinado incentivo de revigoramento, por mais que sintamos que se trata de momento de graça, esse acionamento de aqui e agora não garante a continuidade. Pois, uma coisa é viver alguns dias a intensidade carismática da vocação, esquentada extra para esta ocasião e trabalhar nesses dias com ardor, outra é trabalhar, conquistar, elaborar aos poucos, todos os dias a duras penas, o crescimento real e a consumação na aprendizagem e na habilitação do querer originário da nossa vocação.

É nesse sentido que o Beato Egídio de Assis fala, ao discorrer sobre a verdadeira religião: “não considero grande coisa saber o homem entrar na corte do rei; nem considero grande coisa se o homem souber obter alguma graça e benefício do rei: mas, uma grande façanha é ele viver convenientemente e conversar na corte do rei, perseverando discretamente segundo as conveniências. O estado da corte do grande rei celestial é a santa religião, na qual não é grande trabalho entrar e receber dons e graças de Deus; mas, a grande coisa é que o homem saiba bem viver e conservar-se e perseverar nela discretamente até a morte” (Ditos de Frei Egídio, Cap. 16).

Por isso, é relativamente fácil acionar a animação e vivência de um ideal no momento extraordinário de um Capítulo. Todo o problema é animar-se, acionar-se sim tornar-se o próprio vigor continuado, que nos faça trabalhar a nós mesmos no cotidiano, por longo tempo, para o real crescimento na vocação assumida e isto no meio de dificuldades.

Além disso, quando se trata de transformação pessoal, de conversão, de mudança de mentalidade, de decisão, em suma, do querer, tudo isso pressupõe na pessoa uma compreensão clarificada, uma intelecção consentida. Pois, não há decisão, não há o querer, sem a luz da intelecção. A decisão não é outra coisa do que um querer clarificado. Aqui, nesse tipo de intelecção, não basta se ter esquemas, idéias, conceitos, ideologias na cabeça. Não basta se ter cabeça feita em uma porção de coisas, novidades, informações e habilidades técnicas. Tudo isso ainda não é intelecção. Pois, a verdadeira intelecção é clarividência da verdade, iluminação orientadora do caminho da existência humana, para nós da Vida Consagrada, o Seguimento a Jesus Cristo. Tal clarividência não se adquire pela simples informação, cursos ou treinamento, ou pela lavagem cerebral. Tal intelecção exige longo período de reflexão, meditação, experiências. Aqui se exige um trabalho real, árduo em nós mesmos, trabalho do pensar e ponderar, sério e assumido, trabalho de limar-se a si mesmo, de vencer-se a si mesmo para se dispor à verdade. Por isso, aqui nada vai a toque de caixa.

Acontece que religiosos, não estamos muito afeitos a esse tipo de trabalho da intelecção. Nesse tipo de intelecção, a que os antigos chamavam de espírito, o fato de se ter títulos acadêmicos ainda não garante nada. Pessoas não estudadas academicamente, que em assumindo a Vida Consagrada profundamente, pensa, reflete, se confronta, se mede, busca o sentido do seu viver, como o fazia Maria Santíssima (Lc 2, 41-52) podem possuir um altíssimo grau desse tipo de clarividência e intelecção. Mas, como essa conquista é fruto de longo e penoso trabalho e empenho, fruto, portanto, de grande volume de estudo, não se pode obter no curto período extraordinário do Capítulo. Antes, o Capítulo já pressupõe nas pessoas que se reúnem, esse trabalho todo feito.

No Capítulo, se reúnem pessoas de diferentes tipos, diferentes formações, idades diferentes, mentalidades diferentes, trabalhos diferentes. Há encontros e desencontros de idéias, objetivas e subjetivas, encontros e desencontros de pontos de vistas, opiniões, gostos, interesses e necessidades. E no meio de tudo isso intuições verdadeiras, experiências maduras. Há ali cabeças pensantes, cabeças dogmaticamente congeladas, outras avoadamente ‘liberadas’, cabeça de rotação rápida, atabalhoada, outras, lentas que se arrastam como carro de boi, há bloqueios, avoamentos.

Quando se debatem assuntos de cunho material-físico, como finanças, organizações ou temas externos de pastoral ou da formação, há relativa possibilidade de se chegar a um consenso, mas, quando se trata de assuntos, em que se pressupõem intelecções clarividentes e espirituais como, por exemplo, acerca da essência da Vida Consagrada, acerca da da orientação profunda e duradoura na formação, etc. é dificílimo, sim quase impossível, numa semana, em 15 dias, chegar-se a um consenso convincente. E se se chega a um consenso, este pode não estar sendo conduzido por um trabalho de real intelecção, mas sim por acionamento de emoção, momentâneo, por gosto, capricho, cansaço, ou até por manobras de táticas partidárias. No meio desses condicionamentos humanos surge assim a questão: como fazer, para que haja eficiência real na execução do Capítulo, e na atuação do extraordinário do Capítulo sobre o cotidiano ordinário da Vida Consagrada?

Embora, o quadro acima descrito seja bastante exagerado e caricatural, há realmente esse problema em todas as nossas reuniões extraordinárias. Diante dessa situação há pessoas que duvidam da eficiência do Capítulo em geral. E afirmam que o Capítulo é para celebrar a vivência de confraternização e para abordar e tentar resolver só os assuntos de ordem físico-material, jurídica e funcional. Que, assuntos de ordem espiritual, mística, pessoal, digamos assuntos da vida interior, por ser assuntos particulares e individuais devem ser abordados e resolvidos em particular, pessoalmente.

Mas, se o Capítulo não é apenas uma reunião para se vivenciar uma confraternização, ou para resolver finanças e organizações, mas sim momento de graça no discipulado, deveria ser o instante de grande peso e intensidade na retomada e na renovação do projeto da vida fundamental de toda uma vida e de toda a Congregação. O que fazer, como fazer, no meio de tantos pontos de vistas desiguais, da ausência de consenso, no meio de tantas divagações e indeterminações, para que queiramos o Capítulo como dever e como ele deve ser?

A essa altura da reflexão, você poderia com razão objetar: mas, então, estamos num impasse e quiçá num impasse dramático! Tudo isso não é realmente um exagero irreal que jamais acontece nos nossos Capítulos?

A encruzilhada do impasse não dramático

Realmente a objeção tem razão. É quase impossível que nos nossos Capítulos se dê tal falta de consenso e tão grande dispersão. Pelo contrário, na maioria dos casos, há muita união, muito bom senso, discernimento comunitário. Para que, por quê, pois, descrever tal quadro exageradamente irreal numa reflexão que deveria animar a todos a entrar no Capítulo com bom e real ânimo?

Quando há real e brutalmente um impasse, de tal modo chocante, a ponto de percebermos nua e cruamente, através de tal impasse qual a situação de fundo de nós mesmo, situação oculta sob a normalidade indiferente do cotidiano, tal impasse é altamente benéfico para a renovação e retomada do caminho mais profundo da nossa vida. Há, porém, um tipo de impasse que não nos revela tão às claras a situação de fundo, por não nos chocar, por se ocultar, por nos encobrir imperceptivelmente, aos poucos com passividade, neutralidade, indiferença. Esse tipo insidioso de impasse está também certamente no Capítulo. Ele, longe de ser negativo, nos pode ser um fio condutor para uma busca todo especial, a que somos convocados no Capítulo, no momento de graça no discipulado.

Mas, de que fenômeno se trata? De que impasse se está falando?

O impasse consiste em sentirmos vagamente como uma surda ameaça de fundo da nossa existência religiosa, que uma espécie de névoa ou poeira de descrédito da Vida Consagrada se deposita imperceptivelmente sobre os nossos ânimos. Certamente acreditamos ainda na Vida Consagrada, interior e pessoal. Acreditamos que religiosos, vivemos no íntimo da alma autêntica e até certo ponto profundamente a nossa vocação, individualmente. Mas, que dessas vidas particulares surja um movimento de renovação objetiva e social de toda a comunidade, um vigor renovador de repercussão mais universal, dificilmente acreditamos. Do mesmo modo, aplaudimos, nos entusiasmamos por, participamos de sucessivas e variegadas tentativas de renovação e revigoramento da Vida Consagrada, quer nos Capítulos, quer nos acionamentos comunitários de todos os tipos e procedências. Mas, aos poucos, estamos percebendo que todas essas tentativas extraordinárias de revigoramento mal atingem digamos a base, o fundamento real da nossa vida cotidiana, vem e vão como ondas de novos medicamentos, novos produtos da sociedade de consumo. Enumeremos por exemplo, de quantos cursos, de quantos revigoramentos, de quantas experiências de oração, de quantas animações comunitárias já participamos? O que restou de tudo isso de real, profundo e duradouro? E as aberturas de novas e promissoras perspectivas, que realmente pareciam nos conduzir para renovação radical e universal da Vida Consagrada, hoje parecem se limitar a pequenos grupos alternativos heróicos na sua luta impossível. Quer nos julgamentos éticos, quer nas orientações e interpretações teológicas, quer na práxis pastoral, quer nos métodos e nas concepções de formação para a Vida Consagrada, não é assim que há uma crescente dissolução de consenso firme, claro e vigoroso, há uma espécie de diluição do comum e universal, há uma anemia de vigor de convocação e aos poucos surge um consenso vago e insidioso de que a Vida Consagrada  é no fundo coisa de cada um, coisa da consciência subjetiva, algo da vida interior e particular, portanto, de vivência, sentimento, idéias individuais?

Esse insidioso estado de ânimo não é ele um impasse muito pior do que um impasse chocante, visível e mesmo escandaloso? É que esse soft-impasse que nos envolve subtilmente, atinge também sorrateiramente o nosso próprio vigor e a nossa força de reagir contra ele. Pois, ao reagirmos, já estamos como que tomados de descrédito e sempre de novo estamos duvidando, se vale a pena dar a própria vida num engajamento de reação e combate contra tal estado geral e comum de descrédito.

Mas, então, se é assim, se tudo isso não é exagero fantasioso, então por quê se disse há pouco que esse soft-impasse, longe de ser negativo, nos pode ser um fio condutor para uma busca todo especial, a que somos convocados no Capítulo, no momento de graça no discipulado?

É porque esse sentimento de descrédito e indiferença, essa vaga sensação de que a Vida Consagrada é coisa da vida interior subjetiva e individual pode estar dizendo uma outra coisa do que tudo isso que parece insinuar.

É que nós religiosos, já há décadas a fio, estamos nos renovando, nos agitando, nos acionando para o progresso e para a renovação da Vida Consagrada numa luta sincera, empenhada e engajada. Como alguém que se empenha digamos doidamente e sinceramente no Capítulo em resolver os problemas urgentes, que estão na sua frente, pressionando-o; mas que por só olhar para frente, de imediato o que está diante do seu nariz, deixou já há muito tempo de examinar o que está sob seus pés, isto é, suas pressuposições a partir e dentro das quais tenta resolver os problemas. De modo semelhante, não estamos nós já há muito tempo bitolados no nosso modo de pensar? Já há décadas a fio, não viemos estruturando a nossa luta, a nossa reação, os nossos empenhos e as tentativas de renovação sobre uma rede de compreensões e conceitos, que de início pareciam inovadores e que eram dinamicamente hipóteses de trabalho; mas, que aos poucos e entrementes se tornaram congelados, obsoletos e dogmaticamente ideologizados, por falta de constante renovação na busca e abordagem adequada e profunda? Uma busca toda própria, trabalhada de uma maneira viva, dinâmica como busca autêntica da verdade? Não é assim que estamos sem o perceber, já há décadas a fio, tentando construir a nossa vida de renovação da Vida Consagrada  em reações? Movimento de re-ações que não sai da bitola e do esquema dos monótonos binômios indiferenciados do tradicionalista-progressista, do individual-social, antigo-novo, subjetivo-objetivo, ativo-contemplativo, instituição-carisma, etc, etc. etc.? A atmosfera vaga do descrédito da Vida Consagrada como uma grande causa universal, a dúvida sobre a validez objetiva e social da Vida Consagrada, a tendência para um individualismo intimista e particularista na vivência da Vida Consagrada, tudo isso não está dizendo de uma maneira insidiosa e insistente que devemos parar, para pensar e pesar melhor a nós mesmos e nos revitalizar numa busca, não na tentativa imediatista de resolver impasses dentro das oposições re-ativas em que já sempre estamos quando discutimos, oposições, contra-posições, mediações, uma busca que vai às fontes, à profundidade vital originária, comum a todos os homens?

Mas, como se faria isso em concreto?

Para encaminhar uma reflexão acerca desta questão, vamos recorrer às fontes franciscanas, examinando a sugestão que Atos do Bem-aventurado S. Francisco nos dá.

Uma antiga sugestão para uma questão nova do impasse

O Capítulo 11 dos Atos do Bem-aventurado Francisco e dos seus Companheiros nos relata:

“…Certo dia, quando caminhavam juntos, Frei Masseo ia na frente, um pouco afastado de São Francisco. Mas, ao chegar a uma encruzilhada de três caminhos, donde se podia seguir para Sena ou para Florença ou para Arezzo, disse Frei Masseo: “Pai, qual caminho devemos tomar?” Respondeu o Santo: “Tomemos o caminho que Deus quiser”. Respondeu Frei Masseo: “E como poderemos saber a vontade de Deus?” Respondeu o Santo: “Pelo sinal que em ti vou mostrar. Assim, pelo mérito da santa obediência, ordeno-te que nesta encruzilhada, no lugar, isto é, onde tens os pés, gires em rodopio, como o fazem as crianças e não deixes de assim girar até que to proiba”.

Frei Masseo, porém, um frade verdadeiramente obediente, ali rodopiou tanto que, pela vertigem da cabeça produzida por tal girar, caiu muitas vezes. Mas, como o Santo não o proibiu, querendo obedecer fielmente, levantou-se e retomou o rodopio. E, enquanto Frei Masseo girava fortemente, disse São Francisco: “Pára firmemente! Não te movas!” Ele imediatamente parou. E São Francisco perguntou: “Voltado para onde tens o rosto?” Respondeu Frei Masseo: “Para Sena”. Então, disse São Francisco: “Este é o caminho pelo qual o Senhor quer que andemos”. (Atos,11)

Estudo do texto e comentário

a – Parada passiva, re-ativa e ativa

No impasse, na encruzilhada, somos obrigados a parar. Quando somos obrigados, facilmente nos resignamos e ficamos passivos. Ou pelo contrário, re-agimos e tentamos abrir à força o caminho, nos tornamos ativos na re-ação. Com outras palavras, na nossa ação, usualmente só conhecemos duas alternativas, ou passivamente parar, ou ativamente ir adiante, reagindo. Só que esse modo de ser caracterizado como ativamente re-agir não tem efetividade no nosso caso, exatamente no impasse, pois, o impasse de que estamos falando é justamente impasse, porque esse tipo de força reativa não funciona por estarmos na perplexidade de não sabermos em absoluto o que e como fazer adiante, nesse envolvimento insidioso e insistente do humor da indiferença.

O que e como fazer, pois, numa tal situação. Diz Atos: parar! Mas, esse parar não é o parar passivo. É antes um parar altamente ativo. Ativo, não re-ativo. Mas, que diferença há entre o parar ativo e o parar re-ativo? No parar re-ativo estamos parados externamente, mas toda a nossa intenção, toda a nossa orientação prévia está tensa, esticada, dirigida para frente, na perspectiva da mesma bitola em que viemos andando até o ponto do impasse. Não questionamos o fundo do nosso caminhar, estamos simplesmente indo para frente. Só que estamos parados porque fomos obrigados. Com outras palavras, o nosso parar é na realidade resignado, é passivo. Se ali há algo de ativo, diferindo do parar passivo, é uma atividade que está reagindo contra o ter que parar. Não é ativamente uma ação nova de caminhar.

O parar ativo é diferente. Externamente ele também foi obrigado a parar. E está perplexo sem saber o que e como fazer. Mas, toda a energia nesse instante, logo depois que parou, está orientada, concentrada em examinar, auscultar o significado, o sentido novo que pode estar sendo insinuado, anunciado na situação. É uma parada todo ouvido para examinar a caminhada de até agora na sua oculta possibilidade. Com outras palavras, a parada ativa é concentração intensa, positiva, altamente ação para auscultar, questionar, buscar e reexaminar o significado, a dinâmica e o vigor ocultos dentro do caminho, que nos trouxe até aquele ponto do impasse; e ao mesmo tempo uma investigação do próprio impasse, na sua significação talvez ainda não revelada. É a plena atenção discipular do trabalho de aprofundamento da ação de caminhar que se está andando.

b – A parada ativa como encarar e se segurar

Mas, para se chegar a essa parada ativa, para se introduzir nessa ação de parar, o primeiro passo a ser dado é encarar a perplexidade em que se está de realmente não saber o que fazer e como fazer diante do impasse.

Encarar significa olhar de frente. Não, furtivamente, não de esguelhas, assim de raspão, como quem olha e não olha, com medo, querendo fugir, mas sim com olhos bem abertos ou semi-cerrados, cabeça fria, coração corajoso, com os pés quentes, no lugar onde se está parado; e ver a coisa ela mesma, estudando-a, eliminando a poluição de toda e qualquer imaginação antecipativa precipitada ou fantasia angustiada. Parar encarando significa, portanto, agarrar a situação com as duas mãos, decididos a demorar no exame e na pesquisa da situação, até ver a verdade da coisa ela mesma.

Uma parada assim significa também segurar-se para não disparar em tentativas precipitadas de saída provisória, só para se livrar dessa situação incômoda e desagradável, sim angustiante. Essa decisão de não permitir que na afobação e na ânsia de livrar-se do problema se tente qualquer coisa, essa decisão de se assumir a tarefa de examinar bem a situação e tentar realisticamente uma solução possível, e isto a partir do que se é realmente, é expresso em Atos com as palavras: “na encruzilhada, no ponto onde tens os pés”

c – Não se a-voar e assentar os pés no chão, o segredo da caminhada para a profundidade e altura

Mas, onde temos os pés? Em que ponto?

Em concreto, agora e aqui, no nosso Capítulo. Portanto, este Capítulo é o ponto, onde temos, agora, os pés. É o atual ponto final de uma longa caminhada, que é a  história da nossa Província. Estamos com os nossos pés aqui e agora, com todas as dificuldades e perplexidades que temos, porque viemos já há tempo, andando até aqui. E esse ponto final não é qualquer ponto indiferenciado e neutro na seqüência dos pontos cronológicos do relógio. É ponto como ponto de decisão de cada momento histórico, é ponto do tempo humano, onde cada ponto inclui todos os pontos já passados e futuros, numa diferenciação cada vez responsável. Somente quem representa a caminhada humana como um passeio na planície da linha reta cronológica é que não consegue ver, como na subida a uma montanha cada ponto é o ponto final, isto é, o cume que acumula todos os pontos passados e caminhados e os passos que hão de vir.

Mas, o que é isto que viemos fazendo de essencial e de fundamental até aqui, até esse Capítulo? Não viemos fazendo nada de essencial? Não conseguimos nenhuma linha mestra, coerente, bem elaborada nesse caminhar até agora? Ou temos uma orientação firme, duradoura e dinâmica, a que podemos confiar o nosso futuro? Ou estamos confusos, disparatados, descuidados, no fundo cada um para si… e será Deus para todos? Ou aparentemente, juridicamente, organizatoriamente ou ideologicamente estamos coesos, mas na realidade estamos indiferentes, instalados, fixos na bitola de uma camuflada linha, sem vida, sem perspectiva criativa?

Rodar em torno de nós no ponto onde temos os pés significa examinar e aprofundar a nossa própria caminhada até aqui, em referência ao móvel dominante, à linha mestra que dinamiza, sustenta e leva para frente a Vida Consagrada da nossa própria Província.

Mas, rodar ao redor de si, está indicando o modo de examinar e de aprofundar todo próprio, sui generis. Se, em vez de disparar para frente, no impasse somos jogados de volta sobre nós mesmos e não podemos mais avançar simplesmente com facilidade ou com força, e começamos a rodar ao redor de nós mesmos, então, nesse movimento começamos a entrar dentro de nós mesmos, como que afundando para dentro, para o fundo de nós mesmos. Isto significa que vamos a-profundando, em cavando para dentro de nós mesmos, na busca da força motora do progredir da nossa Província, em referência à Vida Consagrada.

Nesse aprofundamento não olhamos para isto ou aquilo que fazemos ou não fazemos na nossa Província, para isto ou aquilo em particular. Ou melhor, olhamos sim, para as obras, para os afazeres, os trabalhos, as dificuldades, para as novas fronteiras, para as fraternidades, para as mazelas, para os defeitos, para as virtudes, enfim, para tudo que constitui em concreto a Vida Consagrada da nossa Província. Mas, não nos atemos a isto ou aquilo em particular, pois, estamos interrogando, submetendo todas essas coisas sob o interrogatório acerca do que move, orienta, impulsiona, e principalmente conduz a partir de profundidade e altura o todo desse nosso fazer.

d – A vida interior e o homem interior: a questão do fundamento comum e universal da nossa Vida Consagrada

Como se dá, porém tal aprofundamento na realidade, se há tantas opiniões divergentes acerca dos pontos básicos da Vida Consagrada, hoje?

Mas, se realmente pararmos ativamente, encararmos a nós mesmos e fizermos rodeios sobre nós mesmos, lá onde temos os nossos pés, então, não nos deixaremos mais nos desencorajar nem confundir com esse tipo de observação.

Certamente, há divergências, há confusão de idéias, há dúvidas e incertezas, muitas interrogações disparatadas. Há mudanças de mentalidades, novas propostas, exigências, novas necessidades. Há críticas contundentes e certeiras contra o antigo, há o retorno saudosista ao passado próximo, há o desencanto pelo novo, há a fixidez do velho, há o avoamento otário do novo. No entanto, todas essas variações e ondulações do “humano, demasiadamente humano” (Nietzsche) não nos deve anuviar a clareza do nosso olhar de aprofundamento. Pois, atrás de tudo isso, no fundo de tudo isso, há o viver concreto e operativo da Congregação. Operativo aqui significa: no próprio operar. Isto é, no fazer, no agir, elaborar, labutar, sim mourejar, cujo modo de ser é operário, a saber dos trabalhadores braçais e artesanais, em obra.

Com a cabeça serena, com o olhar claro, sem nos deixarmos hipnotizar pela onda de agitações mentais, criticismos e modismos que rondam ao nosso redor, vamos girar ao nosso próprio redor, lá onde realmente temos os nossos pés, num sério trabalho de aprofundamento. E examinemos a linha mestra, o comum dominante da vida da Congregação: não tanto na sua fala, não nas suas discussões e polêmicas agitadas, angustiadas, muitas vezes até partidárias. Mas, sim no viver fiel, trabalhoso da maioria dos Irmãos. Dos irmãos que operam fazer, vivem a Vida Consagrada  cada dia, sempre de novo, sempre nova. E isto, não somente hoje e agora, mas sim no passado próximo e remoto. Dos Irmãos que vieram andando o percurso do caminho do chamamento até agora, através da História. Se assim examinarmos o ponto, lá onde temos os nossos pés, então começaremos a divisar um chão bem sólido, dinâmico, bem assentado, um reino imenso, grande e fértil, mas silencioso na sua imensidão, que, sem alarde, sem propaganda, sem o destaque da publicidade, sustenta cordialmente a Vida Consagrada  da Congregação.

É nessa vida operativa que está implícita a compreensão nítida, a intelecção essencial, sempre nova, e sempre arcaica, isto é, principial (arché) da Vida Consagrada. Está sedimentada uma intuição, uma evidência bem experimentada da Vida Consagrada. Uma compreensão acumulada através de experiências vividas, sofridas, trabalhadas, conquistadas a duras penas, de gerações e gerações: experiência e evidência adquiridas por nós, por nossos antepassados, por Irmãos de todos os tempos e todas as épocas, que em seguindo a Jesus Cristo fiel, corajosa e generosamente, nos testemunharam unanimemente através da História, a grandeza, a eficácia e a atualidade sempre nova do estilo de vida, chamado Seguimento de Jesus Cristo.

Assim, na parada diante do impasse, se nos voltarmos sobre nós e nos adentrarmos no chão, onde e a partir de onde estamos aqui de pé, hoje, nesse Capítulo descobriremos uma herança, uma base comum, que já bem de longe vem a nós, e que constitui o fundamento a partir do qual, poderíamos e deveríamos viver os desafios da Vida Consagrada, hoje. A esse reino oculto da profundidade os antigos chamavam de interior ou interioridade. Por isso, se bem a compreendermos, a assim chamada vida interior nada tem a ver com o individual, o subjetivo, o privatista, o particular, em oposição a, ou ao lado do social, do objetivo, do público. A vida interior é antes o reino essencial, a profundidade básica, o chão-fundamento da vida humana, engajada no Seguimento de Jesus Cristo. Quem ali, nesse chão comum e básico, coloca suas raízes, quem ali está de pé se chama o homem interior.

Não podia ser que a tendência hodierna na Vida Consagrada que, diante dos acionamentos disparatados e das discussões re-ativas de todos os lados, cai no desencanto do novo e também do antigo, e busca saída alternativas num neo-pietismo e neo-misticismo subjetivista e particularista, não está trazendo sem o perceber, à tona, o grande equívoco pernicioso e insidioso, sobre o qual já há décadas a fio, viemos assentando nossas buscas, discussões e tentativas de renovação, o equívoco de interpretarmos a imensidão da vida interior, isto é, da vida essencial, básica e universal, transmitida operativamente por nossa grande e originária Tradição Cristã, isto é, pela dinâmica de transmissão da intelecção e do vigor originários, como se ela fosse uma vida de cultivo espiritualista, particular, pietista, quer seja num estilo velho, moderno ou contemporâneo, cultivo de uma vida subjetivista, privativa. Não é esse equívoco insidiosamente espalhado na nossa vida como uma atmosfera poluída, vaga e envolvente, a causa oculta do nosso impasse que nos tira sorrateiramente a unidade, o elã duradouro e a coragem de viver a Vida Consagrada grande, profunda e universalmente? Não estaria, pois, no momento de redescobrirmos a força e a clareza do chão, sobre o qual fomos plantados?

Este chão, esta linha mestra fundamental, que sustenta o fundo da Vida Consagrada da Congregação se chama, como já foi insinuado várias vezes, o Seguimento de Jesus Cristo ou Discipulado. Assim, o Capítulo é o momento de graça no Discipulado.

e – O discipulado, a aprendizagem na dinâmica da inocência da disponibilidade divina

         Mas, o que significa “rodar em torno de si, como fazem as crianças”?

As crianças gostam de rodopiar em torno de si, até ficarem tontas. E rodam tantas vezes que, com o tempo e num espaço de tempo bem curto, não ficam mais tontas. Tontura ou vertigem só acontece às cabeças que estão bitoladas no movimento retilíneo de ir para frente, reto, duro, fixo, atrás só do seu próprio nariz. Tal movimento é um encaminhamento que não consegue ver o todo, o mundo-ao-seu-redor, o mundo circundante, mas só vê tudo na bitola do seu ponto de vista, entre os olhos, na direção do nariz. E quem sempre só segue o seu próprio nariz, um dia vai pro brejo. Ao contrário de tal rectívago, a criança é vivacidade, flexibilidade, agilidade, não está centrada em si, mas o seu eu é uma espécie de dinamite de expansão cordial, a sua concentração não é ego-cêntrica, mas sim rodopio livre, despreocupado, confiante e cheio de cordialidade ao redor de si, isto é, na dinamização e na utilização do que é seu, finita e inocentemente, sim pobremente plena nela mesma. Ela vive por viver, isto é, na plenitude da força recebida, se lança incansável, toda inteira, sempre nova e sempre de novo, intrepidamente. E isto sem medir conseqüências, agora e aqui, jovialmente.

Esse modo de ser torna a criança mestre na aprendizagem. Está sempre disposta a tentar, a aprender, a buscar, e quando erra e fracassa, não fica olhando o erro e o fracasso, censurando-se a si mesma, mas já de pronto está no ponto de salto para a seguinte experimentação. Aborda tudo, toca em tudo com o frescor de quem ainda nada sabe, mas experimenta, cria com a seriedade e coragem de quem está já há muito tempo dentro da experiência; se perde na plenitude do trabalho e da busca, trabalho e busca que os adultos falsamente, sem os compreender denominam de folguedo ou brincadeira.

Nessa dinâmica, a criança sempre de novo erra e cai, em rodopiando, mas o fracasso, o erro e a queda não deixam nela e na sua dinâmica nenhuma marca de trauma e de ressentimento. Recomeça sempre de novo, animadamente. Por isso, as palavras do texto “assim como fazem as crianças” parecem estar indicando a atitude de aprendizagem própria do aprendiz que tem a vivacidade e a dinâmica da criança, isto é, do discípulo. O modo de ser da ação da criança é o modo de ser da disponibilidade absoluta e cordial, característica dos seguidores de Jesus Cristo, no discipulado, isto é, do aprendiz, não do feiticeiro, mas da jovialidade do Deus de Jesus Cristo.

Essa disponibilidade de ser na disciplina, isto é, na dinâmica discipular da criança, exige a inocência e pureza no ser e no agir. Inocência e pureza no ser e no agir significa confiança incondicional de entrega aos braços dos pais, dos pro-genitores, isto é, da vida. É saber-se envolvido na imensidão bondosa do amor, que nos amou primeiro, do Amor do Pai de Jesus Cristo.

Essa entrega é a fonte do relax, da flexibilidade, da despreocupação, no meio de tantas vicissitudes, lutas e contradições; fonte e sustento do vigor e do frescor da vitalidade inesgotável.

No Japão, as crianças são chamadas filhas do vento. Do vento, que alegre e vigorosamente, ligeira e livremente rodopia, animando, desinstalando tudo. A vertigem é o rodopio livre, a circulação jovial de uma nova dimensão da dinâmica de profundidade e totalidade, que nos faz cair sempre de novo fora das nossas medidas prefixadas e escravas, fora das bitolas subjetivas, para que caiamos profundamente em nós, para o fundo de nós mesmos, até que nos libertemos nessa queda, de nós mesmos, e nos assentemos na nascividade, em que fomos gerados desde o princípio como filhos do sopro, do vento da bondade do amor divino, isto é, do sopro do Espírito.

f – Gratidão e humildade, a garantia do assentamento na terra prometida

Esse processo de aprofundamento jovial na aprendizagem da disponibilidade cordial ao Seguimento de Jesus Cristo, cujo Pai é a imensidão da bondade difusiva de si, é a essência da Vida Consagrada, o sempre antigo e o sempre novo fundamento comum do nosso viver, portanto, o vigor básico da nossa Congregação. É na medida em que nós formos habilitados na práxis desse aprofundamento, na medida em que formos iluminados pela intelecção clarividente desse aprofundamento é que nos tornamos aptos a conhecer, isto é, a co-nascer e com-crescer com a Vontade do Pai, a tal ponto de, no Seguimento de Jesus Cristo, na disciplina do discipulado, sermos agraciados com a ventura de unirmo-nos inteiramente a Jesus Cristo e a sermos como Ele o foi, obedientes ao Pai, na total disponibilidade discipular e filial. Por isso, o texto de Atos 11 coloca todo esse processo de aprendizagem do rodopio discipular sob os merecimentos da santa obediência, isto é, sob o signo, sob a dinâmica, sob a comensuração do Seguimento, da obediência ao caminho de Jesus Cristo, que foi obediente ao Pai até a morte, e morte na cruz.

A palavra merecimento ou mérito insinua direito adquirido, conquistado. Só que, diante de Deus, de quem procede todo o bem, merecimento não significa direito de ser re-compensado. Significa antes a tarefa, a obrigação de ter que se medir com, ter que mostrar a disponibilidade livre. Significa, portanto, a honra de poder dar tudo de si, significa o desejo, a vontade e a gratidão de, solicita e humildemente poder corresponder a graça do chamamento. Do chamamento, do convite, sim do imperativo amoroso de um Deus que, sem nenhum direito de nossa parte, nos amou primeiro, nos cuidou, mesmo antes de termos nascido, e nos escolheu para sermos seus seguidores. Essa gratidão é fundamental para o vigor de nossa Vida Consagrada, para a rigorosa colocação do Seguimento de Jesus Cristo, rigorosa colocação que é a precisão de mira em querer ir de encontro, realmente eficazmente, ao Seguimento de Jesus Cristo. Pois, seguimento é graça. Graça é chamamento, convocação, que não vem de nós, que não é “minha” escolha, mas sim benevolência, beneplácito, doação gratuita, a cháris, a GRAÇA do Deus de Jesus Cristo. Humildade e gratidão, disponibilidade cordial cheia de agradecimento é o que determina justamente a precisão de mira para poder ser tocado por essa dimensão do Seguimento. Nesse sentido também, o Capítulo é o momento de graça, no e do discipulado.

Conclusão

Mas, o que há de interessante e prático em toda essa reflexão, para o Capítulo? O que se pretendeu dizer com tudo isso para o modo de ser e agir do Capítulo?

Talvez, com tudo isso, dito com muita complicação e palavrório, se tenha intencionado dizer que, o Capítulo é tempo de trabalho e decisão acerca de uma porção de coisas que devem ser resolvidas imediatamente, praticamente, concretamente, mas ao mesmo tempo, também momento de graça no discipulado, no sentido acima insinuado. Por isso, além de todas as coisas práticas e concretas, também um tempo oportuno de recordar, isto é, trazer de novo ao coração, a necessidade de insistir agora no Capítulo, depois do Capítulo, cada dia, sempre de novo na mesma coisa, isto é, na mesma causa: na afirmação totalmente positiva, cheia de fé e de confiança incondicional, de que, anterior a todos os nossos Capítulos, anterior a todas as nossas conscientizações, anterior a todas as nossas animações, anterior a todos os nossos revigoramentos e acionamentos, anterior a toda e qualquer ideologização, há, houve e haverá sempre aqui e agora uma proposta, um chamamento, uma convocação, provinda do Deus de Jesus Cristo, uma vocação imensa, profunda e grandiosa, a que devemos e queremos ser fiéis, custe o que custar, numa consciência firme e clara de que acerca dessa vocação não podemos, não devemos, não queremos duvidar, a essa vocação não podemos, não devemos, não queremos criticar, diminuir nem distorcer, mas sim a ela, unicamente nos dispor, total, inteira e absolutamente, na gratidão de acolhida filial e discipular.

Se assim nos colocarmos nesse e nos outros Capítulos, sim na nossa Vida Consagrada  cotidiana, encontraremos com toda a certeza, em cima de nós, em baixo de nós, diante e atrás de nós, dentro e fora, à esquerda e à direita de nós, não o impasse, não a dispersão, não o humor insinuante de indiferença, não a encruzilhada traiçoeira que nos faz marcar passo, mas sim a atuação presente de uma orientação, anterior a todas as nossas medidas, opiniões ou interpretações, uma orientação divinamente segura na caminhada, ontem, hoje e amanhã.

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