Vocacional - Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil - OFM

Do Fraternismo – A vida fraterna

03/03/2021

 

Introdução

Usualmente, nas Ordens e Congregações religiosas, se entende por vida fraterna o convívio dos religiosos numa comunidade.

Falar da vida fraterna, porém, não significa tanto falar do fato de o convívio existir entre os religiosos numa co­munidade. Antes falamos acerca daquilo que tal con­vívio deveria ser.

O que deveria ser, nós o representamos como fim, me­ta, objetivo ou idéia, norma e também como ideal. E dizemos: o fato do convívio de­ve orientar-ser conforme o ideal do convívio. O é do convívio tende ao que deve ser do convívio. O que congrega e moti­va o convívio na comunidade é o ideal do convívio, aquilo que o convívio deveria ser. Por isso, dizemos: é necessário ter bem claro sobre aquilo que o convívio deveria ser, ter idéia clara e distinta do ideal para podermos viver o conví­vio. O ideal nos dá normas de como viver o convívio. Por isso, quando falamos da Vida fraterna, queremos encontrar a compreensão ideal do que ela seja.

Mas justamente aqui surge a dificuldade. O ideal, o que deveria ser é usualmente determinado por nosso desejo. Assim, muitas vezes o ideal da vida fraterna é aquele con­vívio que gostaríamos que fosse. E, quando a realidade do convívio não corresponde ao que gostaríamos que fosse, dizemos que o convívio não é fraternal.

Em oposição a esse modo de ser que sempre escapa da necessidade para o mundo do desejo, dizemos: é necessá­rio assumir a realidade como ela é, e não como aquilo que gostaríamos que ela fosse. Mas aqui surge uma dificuldade. O que se deve entender por realidade? O fato bruto em sua simples factualidade? Quer, pois, dizer que nada podemos mudar? Tal assumir não é deixar-se asfixiar na factua­lidade de uma resignação sem elã, sem a perspectiva do fu­turo, sem esperança? Não é isso uma opção absurda, algo semelhante ao heroísmo fanático do desespero?

Na realidade a vida humana não tem o modo de ser de um fato ocorrente, de estar ali simplesmente como coisa. Por isso, em outras reflexões já repetimos muitas vezes que a realidade humana não pode ser compreendida com as categorias da factualidade. Pois, a reali­dade humana não é factualidade, mas sim facticidade.

Com o termo facticidade queremos significar que a existência humana para ser, deve se perfazer, ou melhor, tem que ser, cada vez o seu ser, já sempre si­tuada dentro e a partir de uma compreensão do ser. Essa compreensão não é propriamente um ato de conhecimento na acepção usual, mas sim é o nosso próprio ser. Somos sempre, cada vez uma determinada com­preensão do ser. Isso de termos que ser o nosso próprio ser nos mostra que a palavra ser, em se tratando do ser da existência humana não deve jamais ser entendida como substantivo, mas sempre como verbo, isto é, ação de ser. Isto significa que no ser humano, ser é sempre e cada vez uma tarefa, uma responsabilidade e responsabilização. Somos, assim, responsáveis pelo que somos. O que quer dizer, somos responsáveis pelo que somos? Significa: devemos assumir o que somos. O nosso modo de ser, isto é, o que di­ferencia o existir humano do existir das coisas é esse assumir.

Isto quer dizer que nós somos sempre mais do que um dado ou mais do que um fato simplesmente ocorrente. É nesse sentido que já dissemos numa das nossas reflexões: seja o que for o que somos, mesmo que nada sejamos; seja o que for o que fazemos, mesmo que nada façamos, não somos simplesmente, mas assumimos o nosso fazer, o nosso ser.

Vida fraterna, o que é?

O que chamamos vida humana tem esse modo de ser da responsabilidade pelo ser que acima denominamos de facticidade. É nesse sentido da facticidade que a nossa vi­da em fraternidade é responsável pela vida fraterna. É por isso que perguntamos: qual é a vida fraterna que é um convívio ideal entre os irmãos?

Assim, relembrando o que já dissemos alhures muitas vezes, nós somos aquilo que damos a nós mesmos, mas o que damos a nós mesmos é o que somos. Por exemplo: nós somos au­tênticos ou não autênticos mais ou menos autênticos naquela compreensão da autenticidade que nos damos a nós mesmos, mas a compreensão da autenticidade que damos a nós mes­mos mostra o que somos. Essa estrutura embaraçosa da nos­sa existência se exprime nas palavras da Bíblia: “não julgueis para não serdes julgados”; “onde está o vosso tesouro, lá estará também o vosso coração” (Mt 5, 20; 6, 21;7, 1-2).

O que é a vida fraterna? A resposta aqui não é informação, não é constatação ou averiguação de um fato, de um dado, mas uma convocação, um apelo, sim uma pro-vocação interrogativa, ou melhor, investigativa: Quanto é que você dá a ela? O que você faz dela? Dê você a medida daquilo que seja a vida fraterna, pois o que ela é depende da medida do seu coração.

O que eu penso que deve ser a Vida fraterna, o objeto do meu desejo, o que represento por Vida fraterna, trai a medida do meu coração.

Experimente examinar alguns exemplos cotidianos para ver essa estrutura:

– o que é o irmão? Até onde vai o âmbito do ser-irmão?

– o que é convívio? Quando não é mais convívio?

– o que é comunidade?

– o que é presença, ausência do irmão?

– o que é participar?

– o que é dialogar? etc.

Se sondarmos assim o fundo do nosso coração, a par­tir de onde valorizamos e damos sentido à vida, percebemos a limitação de nossas medidas. Dessa limitação surge a distinção: bom e mau; valor e desvalor; autêntico e inau­têntico. O que entra no âmbito da nossa medida é posi­tivo. O que está além dele é negativo. E percebemos que a vida, a realidade não se encaixa dentro da nossa medi­da. Ela a transborda, é inesgotavelmente maior do que ela.

Dessa observação surge então uma suspeita: será que a medida do nosso coração não se alarga, na medida em que auscultamos, acolhemos o novo sentido proveniente da vida, da realidade que está além, inesgotavelmente além da medida que nos damos a nós mesmos? Será que com a ampliação do nosso coração não começamos a ver a rea­lidade diferente? Não será ali nessa ausculta e nessa aco­lhida que está a nossa responsabilidade mais radical e o nosso assumir essencial?

Tudo quanto transcende o âmbito da nossa medida é o outro. O outro se me apresenta como a diferença ne­gativa daquilo que corresponde à medida que dou a mim mesmo. Ele se me apresenta como o que não sei, o que não domino, o que não posso, o que não gosto, como o que não quero etc. A grande realidade, a vida que está além dos nossos limites, se me apresenta como a provocação da diferença do outro.

Auscultar o novo sentido da vida, acolhê-lo significa, por­tanto assumir com responsabilidade a provocação da di­ferença do outro.

Assumir aqui não é simplesmente afirmar, ou entrar em ação. É muito mais. Assumir significa, antes, sustentar o trabalho e o crescimento lento de uma busca num país novo, onde as medidas a mim até agora conhecidas não têm serventia. Trata-se pois da busca de uma nova me­dida, maior e mais profunda. Mas a busca de uma nova medida significa também a busca de uma outra compreen­são da medida…

Tal busca é experiência. Experiência é o cami­nhar que a cada passo põe em perigo o que já andou para se abrir ao outro desconhecido e, a partir da nova paisagem, redescobrir no já feito um novo sentido antes não percebido.

A vida fraterna é esse modo de ser chamado expe­riência. E é experiência que é a busca do sentido originá­rio do que seja o irmão. Mas a busca do sentido originá­rio do que seja irmão, na realidade, é a busca do sentido radical do Mandamento da Boa-Nova: amai-vos uns aos outros como eu vos amei. E isto por sua vez significa: buscar compreender como só o Deus de Jesus Cristo pode e sabe amar…(Mc 12, 28-31; Jo 13, 34-35).

Todo e qualquer acontecimento do nosso cotidiano, todo e qualquer encontro e encontrão com a diferença do outro, é experiência dessa busca. As dificuldades e as ale­grias da vida comunitária estão ali como provocações de e para essa experiência.

O encontro com a diferença do outro é, porém, uma provocação para o nosso próprio eu. Ao se chocar com a diferença do outro, todo o nosso eu repercute naquilo que constitui a sua identidade. Assim o encontro com o outro é no fundo o encontro comigo mesmo. O outro mais pró­ximo somos nós mesmos. A experiência da Vida fraterna como a busca do sentido originário do que seja o irmão é ao mesmo tempo a experiência acerca de nós mesmos, a busca do sentido originário da nossa identidade. A expe­riência da Vida fraterna portanto apresenta eu e o outro como dois momentos de uma mesma busca.

Hoje que falamos tanto do amor ao próximo, da acolhida do irmão, não estamos esquecendo que somente podemos acolher o outro na medida em que acolhemos a nós mesmos? Amar o próximo como a si mesmo!…

Não sei se você percebeu. O percurso da nossa re­flexão faz mudar aos poucos a colocação da nossa questão! Não mais perguntamos como deve ser o convívio ideal da Vida fraterna. Em vez disso, na situação em que vive­mos, com tudo de bom e de ruim que ali acontece, es­tamos atentos ao novo sentido da vida que continuamente aparece como o aceno do Mistério insondável da Boa-Nova: Amai-vos uns aos outros como eu vos amei. O convívio fraterno é o lugar de aprendizagem, da ausculta e da aco­lhida, no modo de ser da experiência, do desvelar-se do modo de ser de Jesus Cristo que é na mesma nascividade do Pai: jovialidade da gratuidade.

Vida fraterna é essa experiência. Vida fraterna é, por­tanto, o próprio caminhar da busca da nossa identidade radical, a busca do sentido radical do nosso viver, da nossa realização humana.

Se é assim, surge uma questão: hoje, na renovação do espírito franciscano, falamos muito da importância da vida fraterna. E ao acentuar a sua importância, nos refe­rimos a São Francisco. No entanto, é necessário examinar com rigor, se o acento que hoje damos à Vida fraterna tem a mesma importância da importância do acento dado por São Francisco. Não estamos hoje hipostatizando a Vida fraterna como uma espécie de sociedade de convívio ideal dos nossos desejos, ao passo que talvez para São Francisco a Vida fraterna era o lugar de batalha, o caminho, no qual e pelo qual se desvela o Mistério da gratuidade de Deus?

O diálogo

Diálogo é caminho. Ele nos envia para onde não sabe­mos nem queremos. Caminhar com outro só pode quem caminha só para e por si mesmo. A via do diálogo não pro-gride; antes se re-colhe no regresso do envio da via. No recolhimento do meu caminho, o diálogo se abre à paisagem do envio, em cujo Mistério viajam outros caminhos.

O envio do Mistério é a comunidade das vias. Comuni­dade que liberta o meu caminho para as diferenças das vias, as acolhe na comunhão da gratuidade.

A comunidade do diálogo é a festa da Liberdade. A festa da Liberdade celebra o meu caminho na jovialidade de ser na gratuidade. A jovialidade de ser re-corda o pudor e a cordialidade da diferença. No pudor e na cordia­lidade dessa comunhão habita a amizade cristã: a fraternidade.

O diálogo é caminho. Não, porém, um caminho traçado de antemão. Por isso não é colocação dos pontos de vista, não é oposição nem por-se de acordo sobre duas posições. Ao iniciarmos o diálogo, eu devo me dispor a ir parar num lugar, numa visão das coisas desconhecida, para lá onde nem sequer suspeitava que pudesse chegar.

Você quer dialogar com o outro para chegar ao acordo sobre uma comunidade ideal, o desejo do seu coração. O outro não se abre, ele afirma a sua posição, não cede. Ele é totalmente diferente de mim. Diante de uma tal oposição você desanima. Culpa o fechamento do outro. Com isso você ficou com a sua razão, ficou parado. Não caminhou dentro de você. Se quiser caminhar com o ou­tro, você deve acolher esse fechamento como uma provo­cação, e como um desafio que leve você a revisar a sua concepção de diálogo, de comunidade. Se fizer isso, você começa a andar consigo mesmo, em direção a um eu mais profundo e vasto, você regressa para seu eu mais originá­rio e vigoroso. Esse regresso, em vez de confirmar, de fazer progredir a sua posição, aquilo que você estava pen­sando e desejando, faz você se voltar para a sua posição jamais refletida criticamente e começar a interrogar: será que o meu modo de imaginar o diálogo e a comunidade não está fixo e estreito demais? Você perde a segurança orgulhosa de até agora, se recolhe na humildade, sofre, tateia, fica parado na sombra de si mesmo. Mas, aos pou­cos, a sua visão se alarga. Surge uma nova paisagem, um novo modo de ver e sentir a realidade. Você começa a per­ceber que a vida não se encaixa no estreito enfoque do seu desejo e do seu plano. Começa a perceber que o outro, cada um de nós, é uma caminhada diferente, cada qual para si, que é uma história humana, uma aventura com o Mistério do apelo divino. Assim, você começa a admitir, respeitar o outro na sua diferença, no Mistério da sua diferença. Com isso começa também a respeitar a si mesmo, também como o envio do Mistério. Você começa a sentir que a Bondade de Deus, a Gratuidade de Deus se manifesta de várias maneiras. Acolher tal visão da realidade é ser comunitário. Assim você liberta a si e aos outros na comunidade do Mistério que une e acolhe os diferentes modos de ser na bondade do seu Mistério. Isso é a Festa da Liberdade: a fraternidade.

Por isso o diálogo não é para eliminar, sintonizar as di­ferenças, o diálogo jamais me leva à igualdade, à unifor­midade, mas sim à acolhida total da diferença do outro como dom de Deus. Dialogar só pode, portanto, quem consegue manter a diferença, em si e no outro!

Diferença nesse caso deixa de ser oposição, para trans­formar-se num traçado característico do meu irmão que, graças a Deus, é diferente de mim.

Talvez na nossa concepção usual do diálogo e da comu­nidade haja muita ilusão e falsa concepção do que seja a unidade humana. Unidade humana não é unidade das coisas, mas o vigor do Uno que se manifesta em diversidades.

A tentação

Um ponto dificílimo de ser superado na realização da vida fraterna é o desânimo, a falta de fé na realidade da presença do Mistério na fraternidade. Nós tivemos decep­ções demais para ainda acreditar euforicamente que a comunidade melhore como nós o queremos… No entanto, tais desejos se iludem acerca da realidade fundamental da Boa-Nova. O Evangelho não fala tanto do que vai surgir, mas sim do modo de ser. O modo de ser do Evangelho não é o de resultado, da re-ação. Re-ação é quando a gen­te só tem vigor e age, quando tem resultado. O semeador do Evangelho não semeia porque vai brotar, mas semeia porque é generoso. A Vida fraterna que sempre ali está como o lu­gar de busca do sentido originário da gratuidade jamais será compreendida se se lutar e trabalhar em função do resultado. Se a gente começar assim, de antemão não vai dar resultado, pois você já pôs, logo de iní­cio, um limite para a Vida fraterna. E sabe você de ante­mão o que é ela? Você está dizendo: eu serei bom se ele for bom como eu concebo o ser bom. Você se faz assim, escravo e dependente de si e do outro. Ora, a realidade humana, a fortiori, a realidade divina, jamais ocorre como nós planejamos e delimitamos, como gostaríamos que se tornasse. O crescimento da Vida fraterna é Mistério da Liberdade, ele escapa ao nosso controle. Se fosse controlá­vel não seria Mistério! Por isso, se você, ao semear, espera de antemão certos resultados, você se frustra dentro de pouco tempo. É necessário, pois, de antemão, tomar uma decidida atitude de tentar e tentar sempre de novo, com calma e serenidade, com o longo fôlego de quem tem como Pai um Deus de Eternidade, como se estivesse ten­tando sempre de novo pela primeira vez. Essa coragem e essa capacidade de ser sempre novo é a jovialidade. O modo de ser de Jovis[1], de Deus. Por isso São Francisco antes de morrer disse aos seus discípulos alegremente: “Vamos começar, a servir a Deus, meus irmãos. Porque até agora fizemos pouco ou nada” (1C 103).

A Vida fraterna é luta. Nessa luta talvez comecemos a perceber o seguinte: que o sentido da luta pela realiza­ção da Vida fraterna não é o de conseguir um “habitat”, seja material, seja espiritual, agradável e até certo ponto paradisíaco, ideal, mas sim de eu me purificar cada vez mais na dis-posição e na compreensão do que é gratui­dade, isto é, amor. É como a pérola. Você coloca uma pe­drinha dentro da concha. A concha se incomoda com o obstáculo e quer eliminá-lo, cuspindo-o para fora. A pedri­nha não sai. A concha tenta cuspi-lo sempre de novo. E nessa tentativa, nessa luta, aos poucos vai surgindo a pé­rola. A concha pensara que a solução era eliminar a pe­dra. Não conseguiu. Mas tentou. E dessa tentativa surgiu a pérola como dom da conquista, como a solução, doação do novo sentido da pedra. Assim a concha recon­ciliou-se com a pedra e descobriu o verdadeiro sentido da dificuldade. O crescimento da pérola é a verdadeira libertação.

Mas se é assim a Vida fraterna é possível em qual­quer situação e estrutura? Sim. Mas então para que nos esforçamos para melhorar a situação? Então não devemos mais criticar, dar sugestões de melhora, julgar se uma cer­ta estrutura é boa, má, melhor, pior, ótima ou péssima? Essa pergunta não fisgou bem de que se trata, quando dizemos: a Vida fraterna é possível em qualquer situação. A afirmação não diz: que devemos ser passivos, resigna­dos, indiferentes a tudo que acontece. Mas também não diz que não devemos sê-lo… Quer suportemos tudo com resignação, quer tentemos melhorar a situação, na medi­da de nossos esforços e compreensão, a nossa reflexão nos diz sempre: ficai de ouvido atento para o Mistério da gratuidade de Deus. Do contrário fazemos da passivida­de e da atividade (sabemos nós o que é isso?) dogma e ideo­logia e estancamos a fonte de novas possibilidades.

Por isso, a reflexão não diz que devemos rejeitar a comu­nidade que funciona bem para preferir a comunidade di­fícil. Se não o pudermos de outra maneira, é bom tentar­mos formar uma comunidade harmoniosa. Mas se disser que o amor fraternal só pode ser vivido na comunidade assim constituída harmoniosamente (o que é ser harmo­nioso?), se a dogmatizamos como o ideal, se a partir da­li medirmos as outras comunidades como sendo menos boas, então estamos fazendo uma discriminação “racial” diante de Deus e estamos dizendo que o Mistério de Deus está dependendo das condições psicológicas e so­ciais das nossas comunidades. Essa atitude parece não es­tar bem de acordo com o modo de Deus amar, Ele que manda sol e chuva aos justos e pecadores (Mt 5, 43-48)..

Nas comunidades surgem certas situações em que, por exemplo, o funcionamento de uma casa no seu aspecto profissional, haja visto hospitais, creches, colégios, semi­nários, casas de formação etc., exige a seleção dos mem­bros e até em casos extremos a exclusão de um dos ir­mãos da comunidade. Muitas vezes tal exclusão é também manifestação do amor fraternal. Mas, ao fazer­mos isso, e muitas vezes não poderemos senão fazê-lo, se formos responsáveis, devemos sempre dizer como o pu­blicano: tende piedade de mim pecador. É nessa atitude de humildade diante do Mistério de Deus que está o nos­so amor fraternal (Lc 18, 13-14).

A nossa reflexão, portanto, não está dizendo que não devemos agir com decisão, intervir etc. Mas diz: se uma situação não puder ser mudada, e se compreender­mos o que é a jovialidade de Deus, então também em tal situação “impossível” podemos dizer que é possível também nós nos realizarmos no Mistério do amor de Deus. E à mercê desse vigor, tentar com sobriedade realizar o pouco que podemos com todo entusiasmo, sem amargor, sem ilusão, porque o ideal da vida fraterna nesse sentido não é uniformidade, mas o vigor que assume e suporta (leia-se sub-porta) as diferenças, como Deus carrega todas as diferenças. Por isso a comunidade cristã é cristã na medida em que suporta as diferenças. A comunidade que pela técnica, pela organização, pela bus­ca de homogeneidade e afinidade procura eliminar as diferenças como algo negativo não tem, até mesmo psicologicamente, muita duração. Pois ela enfraquece as pes­soas quais plantas cultivadas numa estufa, e morrem ao contato da dura e rica realidade humana. E torna os membros da comunidade superficiais e pobres em ex­periências humanas. A reflexão não dá propriamente ne­nhuma norma do que deve ser feito num determinado caso. Ela tenta dizer a atitude e a concepção que deve estar atrás de tudo o que fazemos, independente de fazer isso ou aquilo, de não fazer isso ou aquilo.

Mas somos fracos, “humanos”, cheios de defeitos. Não é temeridade, utopia deslavada, ambicionarmos ser como é o Pai de Nosso Senhor Jesus Cristo? A provoca­ção da Boa-Nova é: “Sede perfeitos como o Pai dos céus”! Mas tal “ideal”, em vez de nos dar força, não nos de­sanima constantemente, mostrando a cada passo o nosso fracasso? Sim. Mas nessas contínuas frustrações de não con­seguirmos nos apossar do dom da jovialidade, vamos nos abrindo para uma compreensão mais profunda do que é o vazio da acolhida, a pobreza que, livre de todo e qualquer orgulho e sentimento de posse e dominação, alegremen­te se dá à graça, isto é, à gratuidade de Deus: Meu Deus e Tudo . A nossa frustração e o nosso desânimo vêm dali, do fato de nós estarmos apegados ao nosso pequeno eu e querermos que ele seja o dono e o senhor das virtu­des (para se elevar), sem perceber que é muito mais van­tajoso e inteligente transplantar em mim um outro e um maior eu que é o coração do Deus de Jesus Cristo. Se as­sim acontecer, continuaremos talvez tendo os mesmos de­feitos, sentindo as mesmas dificuldades, jamais sentindo-nos como super-homens e santos, mas em tudo isso des­cobriremos a presença do outro Eu maior, o qual começa a se tornar o centro do meu inter-esse. Com isso, mesmo os nossos fracassos começam a ficar pouco importantes e assim, aos poucos, nos libertaremos para a Jovialidade.


[1] Certamente, filologicamente jovial vem antes do jovem do que de Jóvis. Mas assim na chutação de uma “filologia” de associação sonora, não seria nada mal, se a juventude do jovem tivesse e conservasse a alegria divina, na sua generosidade inesgotável.
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