Vocacional - Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil - OFM

Do Evangelho – A experiência de Deus em São Francisco de Assis

03/03/2021

 

Introdução

São Francisco denominou os seus seguidores de “Irmãos Menores”. A palavra ‘menor’ parece expressar uma das características principais da espiritualidade franciscana.

As seguintes reflexões diletantes são tentativas de auscultar o sentido da palavra ‘menor’, isto é, de compreender a Minoridade. Elas pretendem, tão somente, servir como estímulos para os trabalhos de reflexões de cada um.

As reflexões não são fundamentadas cientificamente; são, antes, uma tentativa de intuir o colorido, o perfil, o sentido de um quadro que se chama São Francisco.

Um quadro pode ser fundamentado criticamente sob vários aspectos. O quadro, porém se me torna importante, cativante, somente quando o meu olhar se cruzar com o olhar do quadro. E o quadro pode ser um olhar que me atinge, de tal forma que eu não o examino objetivamente como algo a perscrutar, mas sim: ele me vê, ele me perscruta ‘o coração’, ele me diz: tu deves mudar a tua vida.

A Humanidade de Deus

No seu Testamento, São Francisco relata a sua conversão: “O Senhor deu a mim, frei Francisco, começar a fazer penitência assim: pois, como estivesse em pecados, parecia-me demasiadamente amargo ver leprosos. E o próprio Senhor me conduziu entre eles e fiz misericórdia com eles. E afastando-me deles, aquilo que me parecia amargo, se me converteu em doçura da alma e do corpo; e, em seguida, me detive por um pouco e saí do século”.

Essas palavras escritas como um retrospecto cheio de gratidão saudosa parece ocultar – o segredo do Grande Rei! – uma daquelas experiências originárias que cunharam decididamente o perfil de São Francisco de Assis.

Vamos tentar uma aproximação-empatia dessa experiência.

Um jovem de espírito ardente, sensível para o belo, para o sublime, Francisco quer realizar o ideal de coragem, nobreza, generosidade e valor do cavaleiro medieval. Apaixonadamente lança-se à conquista da glória do cavaleiro.

O cavaleiro medieval, apesar de suas inúmeras imperfeições, vivia de uma mística bem marcante, cujos resquícios ainda hoje encontramos nas palavras como: cavalheiro, cavalheiresco.

A espiritualidade, o modo de ser, do cavaleiro medieval parece ser um dos coloridos do pano de fundo da experiência-conversão de São Francisco de Assis.

Um dos momentos fundamentais da espiritualidade cavalheiresca é a paixão. Há algo de Prometeu na sua luta, na tendência à perfeição, na dedicação à causa justa, ao seu suserano e senhor.

Essa paixão, porém, não tem a tonalidade caótica, chtônica, diria irracional do dionisíaco. É antes translúcida numa espécie de espiritualização ou sublimação. É uma paixão muito ardente. Mas uma paixão romântico-espiritual.

O termo romântico-espiritual pode ser mal entendido. O romântico sentimental que estamos acostumados a imaginar ao ouvir a palavra ‘romântico’, está infeccionado de afetação, algo de pegajoso, doce, idílico e envolvente. O romântico-espiritual da paixão-cavaleiro pelo contrário é claro, cristalino, tende ao sublime, é apolônico. Há nessa paixão qualquer coisa de transparente, duro e autêntico como a porcelana fina, algo de claro e cristalino como a água das montanhas, algo de nobre e límpido como a espada. Era uma busca ardente do que denominamos: sublimidade, nobreza, limpidez: o espiritual.

Essa paixão apolônica era animada por uma dedicação pessoal de doação livre que se chama: vassalagem.

O espírito de vassalo não era servidão. Era o compromisso livre de disponibilidade do ‘noblesse oblige’, ao seu suserano, doação total, jura de fidelidade, uma atitude de relacionamento profundamente pessoal, respeitoso, cheia de admiração pela grandeza e o valor do seu senhor. Nesse relacionamento o momento pessoal de dedicação contém algo que se assemelha muito à intimidade, clareza e ternura da amizade do enamoramento místico.

Foi no entusiasmo dessa paixão que o jovem Francisco partiu à procura do serviço de vassalagem, à busca de um Grande Rei. Depois de muitas decepções e fracassos encontra em Deus o seu senhor, o seu suserano.

         Seguindo o seu gosto pelo sublime e belo, Francisco imaginava o seu senhor como um grande rei, poderoso, forte, na sua majestade.

É bem possível que, aqui, inicia para Francisco uma transformação radical, o sério da sua conversão, a mudança de seu gosto.

‘Gosto’ indica algo que abrange, penetra todo o ser. Para dar gosto à carne colocamo-la de molho para que o gosto a impregne totalmente. Gosto é o sabor das coisas. Dá às coisas o seu sentido pleno. Homem ou mulher de bom gosto é a pessoa que julga, sente, vê e age conforme um senso vital que a envolve, a compenetra como sua própria natureza. Gosto é, portanto, a essência concreta, total e plena do ser.

Em Francisco esse gosto era o que acima assinalamos como romântico-espiritual, como a sua tendência para o sublime, belo, diáfano, grandioso e majestoso, o apolônico, o místico-celestial.

Seu suserano, seu senhor, porém, o conduziu pelas mãos, lhe des-cobre aos poucos a sua face. A face da Humanidade de Deus: leproso: “à sua vista, muitos ficaram embaraçados. Tão desfigurado estava que havia perdido a aparência humana – não tinha graça nem beleza para atrair nossos olhares, e seu aspecto não podia cativar-nos. Era desprezado, era a escória da humanidade, homem das dores, experimentado nos sofrimentos; como aqueles, diante dos quais cobrimos o rosto, era amaldiçoado e não fazíamos caso dele” (Isaías 52,14; 53, 2-3). Na mentalidade da época a lepra, na sua podridão e hediondez era o sinal da reprovação e maldição divina. A lepra era, pois, a verdadeira face do seu senhor e suserano, do seu Grande Rei.

O gosto de Francisco, isto é, todo o seu ser, o seu âmago que anelava apaixonadamente pelo celestial é, por assim dizer, encurralado. É colocado na opção radical de aceitação livre dessa face-terra. Francisco com a limpidez de doação que caracteriza a radicalidade da paixão-cavaleiro beija essa face. Essa eversão de todos os valores vira de avesso todo um mundo de gosto: ´aquilo que me parecia amargo, se me converteu em doçura da alma e do corpo’.

O que se esconde atrás dessa declaração: ‘se me converteu em doçura da alma e do corpo’?

Existe um hino medieval a Maria, que no seu original latim possa talvez servir de pista para compreender o termo doçura do testamento de São Francisco. É a Salve Rainha. Ali Maria é chamada de ‘dulcedo’, a doçura.

Esse termo ‘doçura’ deve ser auscultado dentro da palpitação total do hino, na atmosfera que a melodia gregoriana nos comunica. Podemos dizer que o próprio hino na sua totalidade é ‘dulcedo’.

Aqui volta de novo todas as características e todos os coloridos do que acima denominamos ‘romântico-espiritual’. É ternura, admiração, anelo límpido, ardente e delicado, diria espiritualizado de Eros-amor. É o que se designa em alemão pelo termo ‘Minne’, a dedicação de amor e enamoramento de vassalagem do cavaleiro à sua dama de eleição.

Quando Francisco fala, na sua conversão, de ‘dulcedo’ da alma e do corpo, recorda certamente a experiência originária de um enamoramento profundamente pessoal, de um encontro com um Tu, que lhe transformou todo o suco do seu ser, o seu gosto, para impregná-lo de evidência-sensação, de sapiência (sapere), de compreensão totalizante do amor profundo e delicado de doação, que ele denomina: misericórdia. O retrospecto saudoso evoca o sentimento de um jovem que depois do encontro do primeiro amor se sente envolto na felicidade indizível: a doçura da alma e do corpo.

Dissemos acima: ‘Minne’ é a abertura, a disponibilidade de enamoramento a um Tu-Senhor que é a Dama de eleição.

Quem é, como é o Tu desse encontro que invadiu o âmago de Francisco como doçura?

O leproso, a lepra!

Quem é o leproso, a lepra?

O Cristo do estábulo e da Cruz, o Servo de Javé.

Quem é esse Cristo, a quem Francisco beijou ao beijar o leproso?

A Humanidade, a Benignidade, a Misericórdia de Deus.

Para nós que vivemos a inflação de palavras na entropia radical da linguagem, as imagens usadas por Francisco, pelos medievais não mais comunicam a energia vital de um arquétipo-símbolo de profundidade. Nós só conseguimos ver atrás de tudo isso conceitos abstratos ou coisificações. Na realidade, os símbolos, as alegorias, os mitos, que nós na incapacidade racionalista de auscultar as experiências originárias chamamos de ingênuos, coisistas ou mágicos, ocultam atrás de si, em si, um processo de transformação na profundidade, onde a energia vital na sua pujança ainda não dirigida pelas objetivações se expressa em imagens-energéticas, carregadas de emoção profunda, imagens essas chamadas arquétipos. Essa linguagem-símbolo (não sinal!) ocorre lá onde a experiência atinge o âmago da dimensão chamada Pessoa.

Por isso, observa Chesterton: os medievais “podiam sentir-se quase como enamorados, mesmo em se tratando de alegorias e abstrações” (Jongleur de Dieu, em São Francisco de Assis). Nós podemos ‘corrigir’ um pouco a Chesterton e dizer: os medievais se expressavam em alegorias e abstrações (arquétipos-símbolos) porque estavam mais do que nós na imediação da dimensão Pessoa.

O que se esconde, no entanto, atrás do leproso, da Cruz, do estábulo, do que assinalamos como o encontro com a Humanidade de Deus?

Como acabamos de dizer, atrás do termo Humanidade de Deus está o Cristo infante do estábulo e o Cristo da Cruz: o mistério da Encarnação. O Cristo do estábulo, o Cristo da Cruz, a Encarnação para nós são lugares comuns. A única maneira de sair dos lugares comuns é de descobrir uma fenda na prisão do óbvio-já conhecido, uma fenda por onde talvez se abra uma dimensão que nos desperte para o frescor de uma nova visão. Por isso, é de grande importância se perguntar: o que imagino, qual a noção que tenho, o impacto que recebo, quando diariamente ouço as palavras como Cruz, Estábulo, Encarnação?

Em geral, a imagem que está como que flutuando vagamente no limiar de nossa subconsciência é de um Deus, que desceu a esta terra para salvar-nos da perdição. Deus-Cristo que faz milagres, triunfa, sofre sim, mas como Deus, na certeza e visão da sua divindade. É um Cristo impregnado de divindade, o Cristo visto já da sua glória, o Cristo, o grande Rei ressuscitado, o Cristo ‘monofisita’. Há nesse Cristo qualquer coisa de uma divindade pagã que toma a aparência do homem para passar a sua temporada entre os mortais. Esse Deus-Cristo vem a essa terra para salvar-nos, para expiar os nossos pecados, como que por eventualidade, passageiramente: se Adão não tivesse pecado, Deus não se encarnaria.

Nessa perspectiva a terra, o humano, a Humanidade de Cristo somente está em função da salvação do pecado, somente como o instrumento para a expiação dos nossos pecados. É um Cristo sublime, celestial.

Certamente, o Cristo do Evangelho é o Cristo ressuscitado. Mas, Cristo do Evangelho, Jesus é também visto sob um outro enfoque, diria, terra à terra. Fosse talvez esse enfoque o olho que se abriu em Francisco, quando beijou o leproso; fenda no seu mundo normal bem ordenado de um ‘bom cristão’, fenda que lhe fez vislumbrar uma nova dimensão na compreensão do mistério da Encarnação.

Em quê consistia essa intuição? Talvez um exemplo nos possa ilustrar essa intuição.

Quando falamos de amor do encontro costumamos associá-lo imediatamente à felicidade, à compreensão mútua, ao encantamento, ao júbilo e à libertação, em suma ao agradável.

Quanto mais profundo, maduro e cristalino se torna o encontro, tanto mais se processa a purificação através dos sofrimentos, que vão corroendo em nós todos os resquícios de egoísmo.

Imaginemos um amor de doação plena, total e radical, onde o relacionamento anela cada vez mais intensamente à felicidade e à libertação do outro. Quanto mais profundo se torna o encontro nesse sentido, tanto mais sensíveis nos tornamos para o sofrimento e a desgraça do outro. Quem ama a outra pessoa na dedicação radical, profunda e límpida de um encontro verdadeiro, pessoal, com o Tu, não teme o mal e a desgraça que lhe possam ocorrer. É, porém, abalado no âmago do seu ser diante do perigo e do sofrimento que se abate sobre a pessoa do outro. Por isso, ao meu ver, é um dos crimes mais graves o seqüestro de uma criança, não tanto pelo sofrimento da própria criança, mas muito mais pelo sofrimento, angústia dos pais, que nada podem fazer diante dessa dura realidade do sofrimento do seu filho. Você talvez consiga pressentir a profundidade dessa situação-limite de nossa existência, olhando para a figura de Maria, junto da Cruz. Onde você nada mais pode fazer para a pessoa amada, onde o outro é desligado de todo e qualquer apoio e consolo, da ajuda, onde o outro desaparece atrás da misteriosa escuridão do incógnito, da sua própria sorte, a sua primeira reação é estar lá junto, con-sofrer, se não o pode mais libertar. Essa última disponibilidade que está na mais profunda raiz do fenômeno amor se chama com-paixão: a misericórdia.

Esse fenômeno indica, como dissemos, a situação-limite da nossa existência. Ela é dura, escura como a morte. Aqui nenhuma racionalização nos pode ajudar. Nenhuma teologia, nenhuma concepção, seja otimista, seja pessimista, do ser e da vida. Essa situação seja talvez o momento mais decisivo, o último, do fenômeno encontro, onde você, como cristão, de uma forma penetrante e brutal, é colocado diante da opção entre o ateísmo ou uma nova visão de Deus.

Você crê na bondade de Deus. Ele é Pai. Como é possível tanta dor, tanto sofrimento? Tanta brutalidade sem sentido nessa terra dos homens? Essa pergunta, “a pergunta”, surgirá diante de você, não mais como uma pergunta do catecismo, não na sua generalidade filosófica, mas como o sofrimento da pessoa amada, que você não pode ajudar, da qual você não pode tirar o sofrimento, que nenhuma razão consegue justificar.

Você certamente pode recorrer à teologia, apelar para o céu, para a felicidade que a pessoa esmagada diante de você vai gozar ou está gozando no além. Essa atitude pode ser profundamente cristã. Deixa, porém, de ser cristã, se você com isso minimiza ou camufla a dura realidade desse sofrimento terra a terra. Você consegue falar do céu à mãe que, muda de dor, sem nada compreender, está sentada diante do filho único, ainda criança, cujo corpo foi varado pela baioneta dos soldados, que o mataram por brincadeira? (Cf. Dostoievski, Os irmãos Karamazoff; Cf. a cena de encontro entre o marido morto e a mulher no filme Harakiri; Cf. Bergman, como num Espelho, a luz do inverno, O Silêncio, A fonte da donzela). Você ao falar tão facilmente do céu, de fato, crê, compreende a bondade de Deus? O amor do Pai que veste os lírios dos campos e dá de comer aos pássaros?

O que segue pode parecer como uma interpretação míope, estreita, da realidade católica. Não se quer, no entanto, em absoluto negar o sentido do céu e da energia de consolo vital que dali possa surgir na fé. Gostaria, porém, de enfocar a questão a partir de outro ângulo.

A busca da compreensão da Bondade de Deus, do seu amor numa situação-limite como a nossa é uma situação de decisão de encontro com um novo sentido do amor de Deus. Em vez de partir de certa imagem que já temos de Deus, da imagem que certa teologia e filosofia nos dão, vamos partir simplesmente de uma frase da Bíblia.

Naquele tempo, na tristeza e insegurança da iminente despedida “disse-lhe Tomé: Senhor, não sabemos para onde vais. Como podemos conhecer o caminho. Jesus lhe respondeu: Eu sou o caminho, a verdade e a vida; ninguém chega ao Pai senão por mim. Se me conhecêsseis, também certamente conheceríeis meu Pai; desde agora já o conheceis, pois, o tende visto. Senhor, disse-lhe Filipe, mostra-nos o Pai e isto nos basta. Respondeu Jesus: há tanto tempo que estou convosco, e não me conheceste, Filipe? Aquele que me vê, vê também o Pai. Como, pois, dizes: Mostra-nos o Pai? (João 14,5-10).

No nosso tempo, quando atingido pelo sofrimento, pelo esmagamento do outro, quando você diante da muda contestação da morte e do absurdo, murmura sem muita sinceridade as palavras de consolo celestial, da Bondade e da Misericórdia do Pai, surge em você a pergunta: “mostra-nos o Pai!” Quem é esse Deus, o que é esse amor que tolera tantas injustiças e sofrimentos?

A resposta do Senhor: não um conceito, não uma explicação, nenhuma explicação: Eu sou o caminho, a verdade e a vida! Quem? Este Jesus, homem em carne e osso: bem-aventurados os que não se escandalizam de mim! (Lc 7,23). Eu sou: a resposta é a pessoa, a humanidade de Jesus. A sua luta, a sua fé, a sua busca, a sua tentação, o seu fracasso, o seu abandono: um homem que com todas as fibras do seu ser ama ao Pai, crê no amor, anuncia a Boa Nova do amor e da fraternidade universal, labuta, sua, ri, chora com os homens, se dá totalmente aos seus, busca a Deus nas noites de solidão nas montanhas, apela para o Pai, espera ardentemente a vinda do seu Reino de Paz e Amor nesta terra, sente-se aos poucos abandonado pelo Pai, mas luta, não vacila, crê, crê, crê, na bondade do Pai, e por fim na sua fidelidade e confiança total ao Pai segue passo por passo o caminho do abandono e da desilusão até alcançar o abismo do total abandono, abandono dos condenados ao inferno: e do profundo abismo grita: Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste? Em tuas mãos confio a minha alma, todo o meu ser!

Quem é o Pai, a bondade de Deus?

O escândalo da cruz é que não há resposta pronta para essa pergunta, pois, a resposta é justamente essa busca, essa entrega total de disponibilidade na fé que assumindo até as conseqüências-abismos a última condição do encontro – que é confiança, doação, gratuidade – se abandona, rompendo assim os limites da condição humana: Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?

Você quer uma resposta?

A resposta: eis o homem, que respondeu a essa pergunta: Jesus Cristo! Jesus Cristo, a verdade do Pai, a única revelação do Pai, é a maior realização do amor e da confiança, a mais impressionante e intensa tentativa de crer no amor e ao mesmo tempo a aceitação a mais radical do maior abandono de Deus. Deus é Amor. Mas, não conceito-amor. É amor vivido, realizado na sua profundeza, largura e altitude na pessoa de Jesus Cristo. Cristo não é só a revelação do amor do Pai. Ele é, antes de mais nada, a própria realização do amor do Pai. Nesse sentido, com o risco de ser mal entendido, diria: A Bondade do Pai? O Amor de Deus? O que é? É aquilo que Jesus fez dele! É aquilo que você, imitando a Cristo, consegue fazer dele!

O que é, pois, a Humanidade de Deus? Jesus Cristo. Quem é Jesus Cristo? A máxima vivência do amor e fé na Bondade de Deus, realizada nessa terra. Nesta terra!: a partir da absoluta aceitação da contingência humana, a partir do abismo do nada que é o abandono total dessa mesma Bondade.

Compreender que isto é o amor, compreender que a sorte e a essência do homem não é o desenvolvimento, não é a felicidade, mas sim amar assim ao Pai e aos homens, como Cristo amou, ser radicalmente o abandonado que na doação total de confiança e dedicação, grita ainda do abismo do seu nada um Sim ao Encontro com um Tu absoluto, que confia no nosso amor a ponto de nos colocar diante de tal decisão; isto é a Humanidade, a realização humana.

Para nos revelar esse profundo sentido do encontro e do amor é que Deus se fez homem, assumiu em tudo a nossa sorte, a nossa condição, para continuar vivendo em nós, através da História, para anunciar, para realizar a Boa Nova de que o Pai é o Amor-Humanidade de Jesus Cristo.

Talvez São Francisco tenha descoberto esse amor-humanidade, essa face humana de Jesus Cristo, quando beijou o leproso: Jesus Cristo, meu irmão, o protótipo da existência humana: a criatura.

Vamos agora, rapidamente, focalizar alguns aspectos dessa humanidade de Deus, isto é, o amor de Jesus Cristo.

  1. É a misericórdia com-paixão no sentido acima exposto: estar lá onde se acha o bem-amado con-sofrendo a mesma sorte no amor-identificação. Para isso assumiu tudo, até as fronteiras do abismo e do sofrimento-absurdo, que se perdem no mistério da iniqüidade, do inferno: Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?
  2. A aceitação total da contingência humana que é o nada, não somente nada ‘entitativo’, mas também existencial: tédio, absurdo, angústia, esvaziamento do sentido do ser.
  3. Essa aceitação não é, porém, revolta, resignação, mas sim uma abertura radical para a plena compreensão da gratuidade do amor: meu Pai!
  4. Essa disponibilidade é o terno afeto de enamoramento de doação total.

Tendo em vista esse pano de fundo, vamos a seguir traçar avulsamente em linhas gerais o perfil de São Francisco chamado ‘minoridade’.

Antecipando, podemos dizer que a minoridade não é outra coisa do que a tentativa de repetir a vivência da Humanidade de Deus, como acima descrevemos.

Minoridade: a humanidade de Deus

Minoridade não é propriamente fazer isso ou aquilo. Não é propriamente viver pobre, despojado, desinstalado, humilde, sem nada. Tudo isso pode ser uma irradiação da minoridade. Mas, não o é necessariamente.

É importante compreender que a minoridade é antes de tudo e fundamentalmente forma de vida.

O que se entende quando dizemos: a minoridade é forma de vida?

Hoje, quando falamos de forma de vida, pensamos mais no estilo de vida, a maneira como estruturamos externamente as nossas ações, o nosso viver cotidiano: a regra.

Aqui, na nossa reflexão, a forma deve ser entendida mais no sentido medieval. Ela significa: essência, a estrutura dinâmica interna e profunda, o fundamento, o vigor, o suco, o colorido básico, a atitude fundamental de nossa vida, a identidade. Embora não muito precisa, vamos usar um termo moderno ocular ou ótica para a forma.

A forma é o ocular, a ótica, de nossa vida. O ocular, a ótica, é aquele ponto central a partir do qual você enfoca tudo, a partir do qual, em cuja perspectiva, à cuja luz você vê, compreende, interpreta e sente todas as coisas: Deus, mundo e homem.

Para ilustrar mais concreta e dinamicamente o que se deve entender por ótica da vida, um exemplo.

Era uma vez um sábio japonês, ilustre em letras e profundo conhecedor de ciências, admirado por todo mundo. Este sábio ouvira falar de um grande mestre do Zen-budismo. Decide-se tornar seu discípulo e receber dele ensinamento. Bate às portas do convento, onde vivia o mestre. Apresenta-se e pede audiência. O porteiro vai consultar o mestre. O mestre, no entanto, não aparece. Mas, o porteiro volta com uma vassoura e lhe comunica: ‘Saudações do mestre. Ele manda lhe dizer que está aceito. A sua função é de varrer o nosso jardim’. E lhe entrega uma vassoura. Um tanto contrariado, o sábio obedece. Varre dia por dia o jardim. Uma semana, duas semanas, um mês, dois meses, meio ano, um ano. Varre, varre, e nada mais. Aos poucos entra em crise. Pede sempre de novo audiência com o mestre. Mas, lhe é negada sempre de novo. Dúvidas o assaltam, luta com o desânimo, raiva e decepção. Recomeça, de novo, todos os dias. Luta consigo mesmo, sempre de novo. E um dia não mais agüenta a situação. Decide abandonar o convento. E de repente, lhe estala como que num relâmpago, uma compreensão: a vassoura! A vassoura era a grande lição do mestre. No retraimento do mestre, surge a vassoura como envio do Mistério!

       Essa iluminação lhe abre uma nova visão do seu trabalho, do seu cotidiano, sim do universo, do sentido da vida, da nova identidade. O mestre que retraído o observava, escondido, ao perceber o brilho de iluminação do seu discípulo, o chama, então, para o introduzir nos primeiros passos do Mistério do Zen, do Caminho!

Em que consistia a iluminação? Através de uma luta livre corpo a corpo consigo mesmo, através de crises, dúvidas e decepções, o sábio entrara num processo de confronto com a sua vida, com o seu mundo, com a sua identidade, operara nele uma transformação radical de todo o seu ser, do modo ser, e essa transformação lhe fizera ver que a vassoura era todo um mundo chamado a primeira lição do mestre. Através da vassoura o mestre lhe dissera: se você não consegue aproveitar os acontecimentos mais banais da vida para se confrontar consigo mesmo, não tem força nem disposição, não tem a identidade para ouvir os ensinamentos de Buda.

O estalo total, a experiência originária que faz mudar radical e profundamente todo o modo de ser, toda a visão, todo o registro de uma pessoa é a ótica da vida: a forma.

Minoridade é tal estalo, tal transformação, a partir da qual todas as coisas, todos os acontecimentos são vistos numa nova luz de profundidade. É, portanto, uma evidência experimental, uma compreensão vivida que muda o sentido e o destino de toda a minha vida.

Em que consiste essa visão, esse estalo chamado minoridade?

Consiste em compreender nitidamente o quer dizer: o Amor de Deus em Jesus Cristo.

Minoridade é, portanto, uma compreensão originária do Amor de Deus que se chama Jesus Cristo. Em vez de Jesus Cristo podemos também dizer: o Evangelho de Jesus Cristo.

O que quer dizer isso: o Amor de Deus que se chama Jesus Cristo?

O termo Amor de Deus, embora nos soe aos ouvidos como muito concreto, é na realidade vago e abstrato na sua compreensão.

Estamos acostumados a dizer que Deus é Amor. Como acentuamos essa frase? Geralmente acentuamos o amor. A Deus ninguém viu. Mas, Deus é amor. Por isso, quem compreende o amor, compreende como é Deus.

Em vez de acentuar o amor na frase: Deus é Amor, acentuemos a Deus. Temos, então: o Amor é Deus. Para compreender o que é o amor verdadeiramente, radicalmente devo compreender a Deus! Com outras palavras, para compreender o que é Amor de Deus, devemos saber como Deus ama.

É possível saber como Deus ama?

Sim. Em Jesus Cristo, por ele, com ele, a partir dele.

Como é o modo de ser do Amor de Deus em Jesus Cristo?

Estábulo, a Última ceia (Lava pés e Eucaristia) e a Morte na Cruz!

Estábulo, Última Ceia e Cruz é a expressão concreta do que chamamos: Encarnação. E lembremo-nos: Encarnação, isto é, Estábulo, Última Ceia e Cruz eram os centros das meditações de São Francisco.

Portanto, A Encarnação é o modo como Deus ama.

É a maneira específica de amar como só o Deus de Jesus Cristo pode e sabe amar.

São Francisco deve ter intuído esse modo específico do amor que só compete a Deus do Evangelho. E chamou esse modo específico do amor de: ser-menor.

Minoridade é, portanto: o modo todo especial de amar como só o Deus de Jesus Cristo pode e sabe amar.

Em que consiste o específico, o pivô desse modo de ser?

Consiste em servir, em ser servo.

Ser-menor é servir.

Por isso, diz São Francisco: “Nunca devemos desejar estar acima dos outros, mas antes sejamos servos e súditos de toda humana criatura, por amor de Deus”.

Ser-menor é, portanto, ser servo de toda humana criatura, por amor de Deus.

Essa definição é difícil de compreender. Difícil de explicar. Difícil, porque temos conceitos preestabelecidos de serviço, de amor e de Deus; nos iludimos, pensando ter já compreendido essa frase de São Francisco.

São Francisco diz: servir não a um ser-superior, a um senhor que tem por sua natureza o direito de ser servido, mas servir a “toda humana criatura”: bons e maus, fortes e fracos, simpáticos e antipáticos, ricos e pobres, amigos e inimigos, a todos sem qualquer julgamento de suas qualidades.

São Francisco diz: servir sem desejar estar acima dos outros, isto é, servir sem ter o sentimento de ser melhor e superior pelo fato de servir, pelo fato de testemunhar o nosso amor. Portanto, o amor que serve não me faz melhor, não me faz estar acima dos outros que não amam.

São Francisco diz: servir assim, por amor de Deus.

A expressão “por amor de Deus”, em latim no texto original é propter Deum, isto é, por causa de Deus. A expressão ‘por amor de Deus’, por causa de Deus, nós geralmente não mais a entendemos na sua ressonância originária, porque estamos acostumados a ouvi-la como finalidade. No entanto originariamente se entendia “a partir do amor que Deus possui”. A palavra causa do ‘por causa de Deus’ significa o que atinge o âmago de mim mesmo e nesse atingir me faz encontrar na minha identidade fundamental. Nesse sentido falamos de ‘morrer por uma causa’. ‘Por causa de Deus’ significa, portanto, a partir do vigor que é Deus ele mesmo e que me atinge, despertando-me para a minha identidade. Com outras palavras: ‘Por amor de Deus’, ‘por causa de Deus’ significa: a modo de Deus, colhido pelo vigor de Deus. Portanto, Deus ama da seguinte maneira: tornando-se, ou melhor, em sendo servo de toda humana criatura, de toda humana criatura, sem distinção, sem condição, sem aplicar a medida do bem e do mal, serve sem se elevar, na radical humildade do amor que não se torna superior pelo fato de amar. Serve e assume toda humana criatura até nos seus últimos abismos de terra à terra, Deus se torna homem, radicalmente, literalmente: é a Encarnação: estábulo, última ceia, cruz.

Portanto, se um não cristão me perguntasse; como é o vosso Deus? Deveria responder: nosso Deus é servo de toda humana criatura.

Um amor assim é a minoridade: o modo de ser. E quem vive a partir de tal modo de ser é o menor.

Nosso Deus, servo de toda humana criatura… Na realidade, essa definição é escandalosa. Pois, everte todo o nosso conceito usual de Deus: Deus como ser supremo, como senhor, como criador, como juiz. Deus como alguém que desceu das alturas do seu trono para nos redimir da baixeza do ‘humano’ e nos elevar à divindade.

Deus como servo de toda humana criatura diz justamente o contrário: Deus é literalmente o servo de toda humana criatura, não um homem superior, não um homem ideal do humanismo, um super-homem, mas sim o humano como ele é, com todos os seus defeitos, lutas, angústias, abismos, materialidade, limitação, o humano na sua radical finitude. Assume o humano, não para nos elevar como fazem os deuses não cristãos, mas para manifestar que ser ‘divino’ é ser radicalmente humano como servo de toda humana criatura.

A definição é escandalosa porque everte toda a concepção humana do ideal humano. Não se fala mais do ideal moral, ideal religioso, ideal superior, mas simplesmente, radicalmente do amor como servir.

A compreensão desse amor-servir que é presença de Deus Ele mesmo no seu Mistério, só é possível pela experiência. O maior impedimento para a compreensão desse amor vem do fato de estarmos acostumados a pensar no amor com categorias morais do bem e do mal.

Mas o Deus de Jesus Cristo, o Deus do Evangelho, da Boa-Nova é um Deus que “faz nascer o sol sobre bons e maus, e faz chover sobre os justos e injustos” (Mt 5,48), que nos manda amar os inimigos e orar pelos que nos perseguem (Mt 5,44). A medida desse Deus da Boa-Nova não é o bem e o mal, não é justiça, não é o ideal de perfeição, mas sim o amor que é bom, é carinhoso e aberto não porque o outro é bom, justo e simpático, mas porque ele, Deus, é bom. Por isso diz Jesus: “Por que me chamas bom? Ninguém é bom, senão só Deus!” (Lc 18,19) e “se a vossa justiça não superar a dos escribas e fariseus, não entrareis no reino dos Céus” (Mt 5,20).

Como dissemos, esse amor que se torna servo de toda humana criatura não pode ser compreendido a não ser numa experiência. Toda a tentativa de falar sobre ele será uma espécie de aceno, e-vocação da experiência que se instaura num estalo.

Quem serve a toda humana criatura como só o Deus do Evangelho sabe e pode servir, não sabe calcular, não coloca limites, não faz tudo, dizendo: se, mas, no entanto; não pergunta se fazer isso é pecado, se é bem ou mal, se é justo ou injusto, se merece o céu ou o inferno, mas tudo faz e sempre em superabundância. Ele faz sempre o supérfluo, ama, desbanja a bondade e a jovialidade de ser, como o enamorado no seu primeiro amor.

Mas porque o termo servir, servo?

Servir é um termo que elimina toda e qualquer suspeita de superioridade, de ser maior, melhor. O amor que serve pode ser generoso, superabundante, vivo, forte e apaixonado, mas não tem a conotação de domínio, opressão, superioridade, poder.

Quem serve dá tudo, mas fá-lo não por favor, não a mercê da grandeza de sua generosidade, mas como quem recebe um favor. Mas no amor, essa doação de quem recebe o favor não é humildade no sentido de submissão à autoridade, ao direito, ao medo do outro, ao poder, mas sim: a total abertura de simpatia, diria meiguice, ternura, uma liberdade gratuita da bondade. É o pudor do Mistério que ao se dar se retrai na humildade do seu recolhimento. É nessa gratuidade que a mãe serve o seu recém-nascido. É a doação agradecida do encontro, é aquela abertura que se expressa numa única palavra, num único olhar tão grato: Tu (Jo 20,16).

Essa gratidão, essa benignidade, essa ternura é o núcleo do amor que serve. O específico do amor do Deus do Evangelho é essa Benignidade.

Isso traz conseqüências para a nossa concepção do amor de Deus: o Deus que é Amor, ao se manifestar, não se revela como Poder, Riqueza, Majestade, Força, Beleza, Doador-supremo, como ser supremo, mas sim como Benignidade, Gratidão, Gratuidade, Graça no servir. Enquanto servo, ele é frágil, vulnerável, não tem outro poder a não ser essa benignidade, a não ser a limpidez e o pudor da bondade, a gratuidade ela mesma e nada mais.

A fragilidade dessa Gratuidade, no entanto, é mais radicalmente vigor do que o poder, pois é a jovialidade de ser. É a nascividade livre da fluência de ser, da Vida que não necessita do poder para poder ser em superabundância. Essa nascividade é tão jovial que consegue, de graça, assumir e sustentar tudo o que o poder de dominação não consegue assumir: a negatividade. Na sua jovialidade colhe o mais baixo, o mínimo com tanta graça e gratidão, de tal sorte que nada há que não seja de graça e graça do Mistério. Por isso, podemos também definir o Amor do Deus de Jesus Cristo como a Minoridade de Deus e Deus de Minoridade.

Encarnação, Jesus Cristo como envio da História que veio para servir é a concreção dessa Minoridade de Deus.

É a Minoridade, é a Benignidade, a Jovialidade, a Humildade, a Pureza, a Gratuidade, a Liberdade: a Humanidade do Amor de Deus

A Boa-Nova de Jesus Cristo consiste em proclamar que ser-homem, ser-cristão é amar, isto é, servir assim, desta maneira tão límpida, tão humilde, tão gratuita, na jovialidade e no pudor de ser, isto é, amar como só Deus pode e consegue ser, isto é, amar. Amar assim é tornar-se verdadeiramente o ser-criatura; e ser dessa maneira criatura é ser filho de Deus. Nesse amor, nesse servir a toda humana criatura podemos dizer do fundo do coração, a partir do núcleo da nossa identidade, e exclamar: “Abba, Pai!”, pois amamos com o mesmo amor com que Deus ama; somos os herdeiros do seu amor: servindo na gratuidade da Jovialidade do Mistério de Deus e do Deus do Mistério.

Algumas ilações desse pensamento da minoridade:

  – O menor não somente não deve querer ser superior, ele simplesmente não o é, se ama no servir.

  – Ser-menor, isto é, amar assim no servir não é uma virtude, algo que o faça superior, não é um ideal que você possa adquirir com sua força, é antes um dom que brota do Encontro com Jesus Cristo.

   – Ser-menor é ex-por-se totalmente a tudo no pudor da Benignidade, da jovialidade dessa liberdade: não julga, não se defende, não condena, mas também não re-age positivamente, não valoriza: é simplesmente a simpatia que faz aparecer o outro naquilo que ele é como espelho: no pudor e no recolhimento do Mistério da Graça.

–  Ser-menor é ser sempre novo na abertura da simpatia, é deixar o outro ser na sua concreção.

–  Ser-menor é ser o mais baixo em todas as linhas como a acolhida da negatividade de graça, com graça.

– Ser pobre materialmente, a pobreza material não é um sinal, um testemunho, uma virtude, mas uma das modalidades de articular o amor-servir, de realizar a minoridade.

– A Senhora Pobreza é a personificação ou melhor, a concreção da Minoridade: amor que serve e testemunha esse amor no estábulo, última-ceia e cruz: Jesus Cristo como o envio do Mistério da Minoridade de Deus.

– A atual colocação da questão sobre a pobreza franciscana que se perde no questionamento de o que fazer é um questionamento que provém da falta de compreensão da Minoridade.

– Ser-menor é gratidão à Gratuidade desse modo de ser do amor de Deus que se chama: servir.

– Ser grato é ser gratuito e fazer da sua identidade, da sua vida esse modo de ser da Jovialidade de ser.

– É dispor-se à flexibilidade e à sensibilidade para com a presença desse modo de ser do amor de Deus.

– A limpidez e a transparência para esse modo de ser do Deus de Jesus Cristo é castidade.

– A fidelidade tenaz e realista para esse modo de ser do Deus de Jesus Cristo é obediência.

Conclusão

A reflexão sobre a Minoridade tenha dado talvez a impressão de muita leveza do perfil de São Francisco. A minoridade, a experiência do nada ali aparecia como uma coisa óbvia, fácil, sem esforço. Mas, a nossa experiência faz nos sentir diariamente o peso do nosso ser, o qual devemos arrastar penosamente. O perfil de São Francisco, porém, é o fruto de contínua luta, e a própria luta, o fracasso, a mediocridade pertencem essencialmente à experiência do nada.

A própria vivência da Minoridade deve ser imediata, isto é, encarnada cada vez na nossa condição atual de mediocridade cotidiana, na nossa finitude.

O importante não é o resultado-ideal como o meu êxito, a minha certeza-segurança de ser autêntico franciscano, o meu mérito, mas sim o investir tudo que posso no instante na aceitação total e humilde do meu limite, sem, porém, o álibi fácil de resignação.

É necessário não esquecer que o sentimento do nada aparece na nossa vida não tanto em profunda experiência, diria extática do abandono, mas na monotonia da nossa mediocridade. Suportar com alegria essa forma do nada, tentar ser cada dia novo no entusiasmo e sempre de novo dever recomeçar da estaca zero, seja talvez isto o melhor modo de não cairmos no triunfalismo.

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