Vocacional - Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil - OFM

Do Apostolado – Missão e Evangelização

03/03/2021

 

Missão e evangelização como realização do próprio gosto e a incumbência

Costumamos colocar a questão da Missão e Evangelização na perspectiva do nosso ser franciscano. Nessa perspectiva nos perguntamos: Qual é a missão do franciscano na Evangelização?

Colocar as perguntas dentro de uma perspectiva é necessário, principal­mente tratando-se de uma ação efetiva, que responde a uma convocação. Por isso, esse modo de colocar a questão é expressão de um interesse muito grande e amor para com a efetividade real de nossas ações, para que não fiquem simples­mente uma veleidade, mas que sejam um sim bem engajado, a serviço da convocação.

Nós religiosos, hoje, quando falamos deste ou de temas similares, já na formulação do tema, acentuamos muito a importância do elã do engajamento, da disposição pessoal e coletiva de dizer sim à convocação. Não será que toda es­sa insistência é porque, embora tudo que dizemos e planejamos pareça demonstrar uma grande intensidade da consciência de engajamen­to pessoal e comunitário, na realidade temos muita dificuldade para um engajamento real e efe­tivo nessa disponibilidade que chamamos de Missão? Não será que tudo isso, no fundo, é movido por uma motivação de “gosto próprio”, pela necessidade da afirmação de si, do meu interesse, das idéias que tenho, enfim, de motivos que estão centrados no próprio eu subjetivo? E que portanto, essa insis­tência no engajamento, no fundo, esconde uma situação que deveria ser exa­minada bem, para que o nosso engajamento seja realmente engajamento para uma convocação transcendente, uma incumbência e não simplesmente um eflúvio da nossa própria auto-afirmação, tanto individual como grupal?

Se tudo que acabamos de dizer, de alguma forma, tem um fundamento real, então não é nada inútil refletir acerca da Missão e Evangelização, antes de responder ou tentar responder a pergunta já empostada em função do engajamento “Qual a missão do franciscano na Evangelização”, ou perguntas similares da praxe. A tentativa de fazer essas reflexões “anteriores”, embora de um modo módico, é a intenção das seguintes reflexões.

Missão e evangelização, tarefa de uma incumbência

Na linguagem usual, a palavra Missão significa tarefa. Mas não qualquer tarefa. Por exemplo, a uma tarefa escolar não se dá o nome de missão; à tarefa da mãe buscar todos os dias os filhos na escola, não se dá o nome de missão maternal. Mas à função de um embaixador de represen­tar o seu país no exterior, se dá o nome de missão diplomática.  O conjunto de ações que os membros da Igreja Católica realizam na propagação de sua fé entre os não-cristãos se chama de missão e os seus agentes, missionários. Na lingua­gem usual, portanto, missão significa tarefa que uma pessoa ou um grupo de pessoas recebe como incumbência que vem de uma instância superior, que por sua vez tem autoridade sobre essa pessoa e à qual a pessoa está subordinada, tendo que dar contas da sua gestão.

É nesse sentido que entendemos a palavra Missão, quando falamos de Missão e Evangelização? Nós religiosos, ao escutar ou pronunciar a palavra Missão, sentimos cer­tamente alguma coisa tocar dentro de nós; sentimos algo que nos tira da indiferença, algo que nos acorda, nos convoca. Seria interessante cada qual fazer um levantamento do que sente quando ouve falar a palavra Missão e tentar dizer para si mesmo, afinal o que entende por Missão.

Mas qual é a finalidade desse levantamento? Mas, que utilidade tem tal sondagem, se o que vamos encontrar é algo pessoal, individual, subjetivo? Mas, é isso mesmo que queremos examinar, examinar alguma coisa que está bem perto de nós, algo pessoal, que eu mesmo experimentei e que não fui buscar fora de mim, na opinião pública, no que todo mundo diz, no que a sociedade diz. Trata-se de uma realidade bem perto de mim, que é altamente pessoal, mas que não tem nada a ver com subjetivismo, individualismo ou intimismo privativo.

Incumbência, uma provocação toda pessoal

A Evangelização, a ação de anunciar o Evangelho (eu+angelizein = anunciar a boa nova) haure a sua dinâmica, o seu deslanche, da APOSTOLICIDADE. Apostolicidade, apóstolo, apostolado vem do verbo grego “apostéllein” que significa enviar. Evangelização significa anunciar a boa mensagem do envio que vem do Pai de Jesus Cristo, através dele, nele, com ele. Isto significa que, anterior a todos os nossos interesses, gostos, modos de ser, pensar e fazer, anterior a todos os nossos métodos, projetos, a todas as nossas técnicas e experiências, há um envio, uma incumbência, não de uma idéia, de uma sociedade ou instituição, não de uma época, de uma raça, de uma classe social ou de um partido, mas da escolha pessoal que vem do Deus de Je­sus Cristo, a quem seguimos no total empenho, isto é, estudo (studium) do Se­guimento discipular. E esse empenho discipular é o que de mais pessoal, de mais íntimo e engajado pode existir na ação e no desempenho de amor, chamado Encontro com o Absoluto. É a partir e dentro desse envio, dessa incumbência que buscamos a assim chamada Vida Espiritual ou Vida Interior, que não é outra coisa do que o pró­prio Seguimento, que fazemos pastoral, que auscultamos as necessidades, os gritos dos nossos irmãos, que tentamos captar os sinais dos tempos, que nos formamos, em estudando ciências, filosofia e teologia, etc. Com outras palavras, A evangelização e a sua dinâmica é anterior e mais vasta, mais profunda e originária do que a pastoral, a vida espiritual ou o estudo. A Evangelização e a sua dinâmica atingem, dizem respeito a, incumbem tanto o empenho e o engajamento na Vida Interior como no Estudo como também na Pastoral. E quando tal envio, isto é, tal incumbência como a proveniente do Deus de Jesus Cristo nos atinge, tanto no empenho da Vida Espiritual, do Estudo como também da Pastoral, o modo de ser do empenho não é mais do estar em função de, mas sim do estar a serviço de. É que o modo de ser do empenho e desempenho “em função de” é do funcionário. O empenho funcionário apenas desempenha para funcionar. Como tal só vê o objetivo que está diante de si,  em função do qual está se doutrinando e adestrando. Não pensa, nem consegue ponderar, sopesar o todo, a partir de onde este ou aquele objetivo recebe o seu sentido e vigor. Não sabe auscultar suas próprias pressuposições, examiná-las, não sabe questioná-las, inclinando todo ouvido a significações mais profundas, provenientes de dimensões mais originárias. Ao passo que o modo de ser do empenho “a serviço de”, está continuamente a se dispor, em se limpando de ideologias, dogmatismos, pressuposições não analisadas numa busca atenta, cuidadosa e di­ferenciada, cheia de amor, de grande generosidade, intrepidez e ousadia, para captar, “examinada e castamente” (RB 9,4), a Verdade, a Lógica do Envio e do seu modo de atuar, a que tal empenho se doa inteira e continuamente.

Trata-se, portanto, de uma tarefa que vem da incumbência colocada por uma outra pessoa, digamos de fora de nós mesmos, isto é, vem de uma realidade que não é subjetivista, individualista ou particularista; mas ao mesmo tempo trata-se de uma tarefa proveniente de uma pro-vocação cheia do Amor do Encontro, isto é, uma tarefa toda pessoal.

Servir e servir

A palavra servir, estar a serviço de, pode ter duas significações: a de dispo­nibilidade humilde, generosa, cheia de cordialidade e simpatia para se subme­ter livremente à lógica de um envio maior, anterior e transcendente a toda as nossas medidas; e a de ser usável, de ser útil, ser capaz de, estar à altura de. Uma pessoa pode ter toda a boa vontade de querer servir no primeiro senti­do, mas pode não ser capaz de servir no segundo sentido, porque ela não é utilizável, porque não esta à altu­ra de sua tarefa. Isto significa que, se uma pessoa deseja realmente servir no primeiro sentido, deverá se engajar de corpo e alma para se habilitar a servir no segundo sentido. Com outras palavras, a disponibilidade não é do sentimento e desejo de veleidade, mas sim de uma busca para e por ser. Essas duas significações da palavra ser­vir, juntas indicam o modo de ser ao qual a nossa formação e o empenho de busca por e para ser, isto é, a formação permanente nos devem conduzir, para podermos ser enviados, isto é, missionados e estar ao serviço da Evangelização. É isto que quer dizer o texto de São Francisco de Assis, quando fala de: “desejar ter (isto é, ater-se a) o Espírito do Senhor e ao seu santo vigor da ação de fazer a obra” (RB 10,9).

Para o tema Missão e Evangelização é, por isso,  de decisiva importância compreender com precisão que se trata de uma convocação vinda de fora da nossa subjetividade, como incumbência e mandato do Senhor, Pai de Jesus Cristo, que através dessa convocação nos manifesta sua infinita simpatia e predileção para conosco, pedindo-nos, convocando-nos, sim, exigindo a nossa colaboração para a sua causa: Missão e Evangelização.

Esta predileção, esta convocação e envio obriga de uma forma e num grau infinitamente mais decisivo do que qualquer outra forma de obrigato­riedade, e nos obriga a dizermos “sim” livre e pessoalmente a este chamado. Isto significa que no que se refere a Missão e Evangelização, a nossa postura básica deve ser a de não deixar entrar como a medida e o critério do nosso engajamento a ve­leidade subjetivista, o capricho e a relativização provenientes do nosso gosto estético, subjetivista e individualista, quer no nível individual, quer no nível grupal, pois, existe o individualismo e o subjetivismo-privatista não somente de uma pessoa individual, mas também o de muitas pessoas agrupadas como coletividade, haja vista o nazismo.

Com outras palavras, o envio, a Missão e a Evangelização, postula um modo de ser que deve aparecer em atitudes e na lógica de um fazer e perfazer-se.

Esse modo de ser e suas características já foram examinados quando falamos do Seguimento no Discipulado e as características do modo de ser chamado Discipulado (Cf. II. Formação, n. 9). Por isso, aqui somente mencionemos uma das características desse modo de ser, que para o uso nessa reflexão poderíamos denominá-la de fidelidade.

Fidelidade e envio

A fidelidade é um dos aspectos essenciais do modo de ser do discípulo, ao receber o envio da Missão e Evangelização. A fidelidade, como a própria palavra nos insinua,  é um vigor que faz da pessoa um fiel. O fiel, na Sagrada Escritura e nos textos franciscanos, é designado com a expressão “o servo fiel”. Servo fiel é uma pessoa que livremente está ligada, cativa e aprisionada (Cf. o uso do termo ‘aprisionado’ em Exupéry, o Pequeno Príncipe) ao Senhor através de um atingi­mento de afeição, na positividade absoluta de uma definitiva doação de si a Ele. Trata-se de uma ligação, de um laço todo próprio, trata-se de uma pertença que é história do encontro no e do Amor.

Para nós religiosos franciscanos essa pertença que perfaz a nossa história de encontro no e do Amor se chama Vida Consagrada Franciscana.

Isto significa que ao refletirmos acerca do tema Missão e Evangelização, o servo fiel o faz no modo de ser da fi­delidade, isto é, com a precisão de atinência à pertença ao Senhor. Com outras palavras, nós que queremos ser servos fiéis do Senhor, ao pesquisarmos e investigarmos a vontade do Senhor para lhe servir da melhor maneira possível, antes de tudo e principalmente, devemos examinar, em primeiro lugar, as tarefas que nos foram propostas, através da nossa pertença histó­rica ao envio do Senhor, isto é, através da nossa pertença à Vida Consagrada Franciscana.

Mas, por quê esta observação?

É que quando abordamos este tema como o nosso ou similar que de alguma forma se re­fere a ação apostólica, temos a tendência de abordá-lo a partir de uma contro­vérsia que não nos faz suficientemente transparentes, para podermos refletir com disponibilidade mais cordial.

É o caso do tema, por exemplo, Missão e Evangelização. Em certos ambientes o tema Missão e Evange­lização logo é empostado dentro de uma discussão que tem a sua utilidade, sim até sua necessidade dentro de bem determinadas circunstâncias, mas que não aborda o tema nele mesmo, mas já na perspectiva de combate e crítica contra uma posição alienada. Se, assim, houver um grupo de religiosos que vive a sua Vida Consagrada como um cultivo egoísta e ensimesmado de gosto estético pessoal-grupal, formando uma espécie de seita-isolada, do tipo “espiritualista”, “intimista”, etc., fosse talvez oportuno e necessário falar da ação pastoral, da Missão e Evangelização, do engajamento “fora do convento”, da obrigação de “ir com a Igreja”, etc. etc. Mas aqui, mesmo que o título do discurso seja Missão e Evangelização, não se está falando do tema Missão e Evangelização nele mesmo, mas sim da “necessidade de não se isolar na falsa compreensão da Vida Consagrada ou da Vida Espiritual”. Digamos,  porém, que uma pessoa ou um grupo tem o vício mental de só pensar e falar em re-ação contra um defeito ou uma situação de alienação. E além de ter esse vício, digamos que é simplista, não sabe diferenciar realidade e realidade. É quase certo que tal pes­soa ou grupo de pessoas acabe ficando com a idéia fixa de que a Vida Consagrada  e a Vida Espiritual, a Vida da Ordem não é outra coisa do que uma vida alienada, egoísta, particularista, cultivo sectário de interesse particular, etc. e que, por isso mesmo, a Vida Consagrada  em si é algo fora da Igreja, portanto, fora da Missão e Evangelização. Tal concepção preconceituosa da Vida Consagrada, da Ordem, esquece completamente, sim ignora, que a Vida Consagrada, as Ordens, são carismas e instituições da própria Igreja, portanto, estão ali, tem o seu sentido e ser a partir do envio da Missão e Evangelização da Igreja. Cai-se assim no grande equívoco de falar sempre num tom de censura, colocando a Vida Consagrada  contra a Missão e Evangelização, convocando a Vida Consagrada para ser me­nos Vida Consagrada e Vida Espiritual, para ser mais eclesial, para não dizer eclesiástica, mais pastoral e apostólica.

Quando esse equívoco infecciona os próprios membros da Vida Consagrada de uma Ordem, cria-se uma si­tuação perigosa para a própria tarefa, isto é, Missão da Vida Consagrada. E isto da seguinte maneira: a pessoa que entra numa Ordem engaja todo o seu ser para se dispor e entrar na Vida Consagrada ou numa Ordem, e isto oficialmente, publicamente, institucional­mente, atravessando diferentes etapas de formação, até pedindo por uma postula­ção solene, a licença da própria Igreja para ter o direito de servir a Deus e à Igreja (Povo de Deus)  dentro do estilo de Missão e Engajamento pela Igreja, chamado Vida Consagrada, respondendo ao apelo da Igreja por juramento dos Votos. Uma vez dentro, cumpre com todo o empenho as tarefas e as obrigações da Vida Consagrada, que nada têm de particular ou individualista, que são antes propostas pela aprova­ção da Igreja como Profissão e Missão desse grupo de pessoas, chamadas consagradas, dentro da própria Igreja. De repente, essa pessoa ou esse grupo de pessoas, começam a escutar continuamente que o que está fazendo como sua profissão, mis­são e engajamento é privativo, egoísta, fora da Igreja. Pode bem acontecer que então essas pessoas comecem a ficar confusas na sua identidade, comecem a viver uma situação de ter má-consciência da sua própria tarefa e profissão, comecem a negligenciar a sua própria tarefa para a qual foram chamadas, a duvidar dela; não estudam nem apro­fundam mais o carisma, as normas, as regras que coordenam e orientam a sua própria profis­são; as combatem, as renegam, ou se as aceitam, o fazem como alguém que está apenas suportando um mal necessário. Com o tempo, começam a viver uma vida de dissimu­lação; estão na Vida Consagrada, mas na realidade não acreditam mais nela, pois acham que é coisa menos boa, mas não têm a coragem de sair.

Essa descrição da situação é fictícia e se for de alguma forma real, é exagerada. Mas de alguma forma existe este equívoco, operando em surdina em certas situações da Vida Consagrada.

Acima perguntamos: por quê essa observação acerca da atinência à Missão e Evangelização, primeiro dentro da pertença à Vida Consagrada. A observação, exposta acima, se refere a situação, na qual numa Ordem ocorre esse equívoco de empostação exposto acima. Pois, lá onde reina esse equívoco, a primeira coisa que se faz, ao se falar da Missão e Evangelização é orientar-se para fora da própria Vida Consagrada, in­terpretando-a como vida particular e privativa, e interpretando a ação públi­ca, para não dizer profana, como comunitária e eclesial, esquecendo inteira­mente aquilo que a própria Igreja, através das Constituições da Ordem nos propõe, sim, nos impõe como Vida Consagrada, como a tarefa assumida pela profissão pública, como incumbência da Missão de um Envio para consagrados.

Com outras palavras, as seguintes reflexões, ao expor avulsamente pensamentos acerca da Missão e Evangelização, se restringem conscientemente ao que está bem próximo de nossa vida consagrada, bem perto de nós, colado a nós, como obrigações propostas e impostas pelas nossas Constituições, as quais raras vezes estudamos e aprofundamos, quando escutamos um apelo como esse de estudar o tema Missão e Evangelização.

A seguir tomemos o Capítulo V das Constituições, intitulado A Vida Apostólica dos Frades e tentemos comentar passo por passo os parágrafos de 120 a 154.

O que é evangelização?

Mas antes, vamos de novo determinar melhor o que entendemos por Evangelização nas nossas Constituições.

O que é Evangelização?

O uso do termo hoje é moda. Evangelização é a ação de evangelizar. Evangelizar é anunciar o Evange­lho. Para compreender bem o que é a Evangelização, é necessário, pois, compreen­der bem o que é o Evangelho. No entanto, temos certa dificuldade de compre­ender o que é o Evangelho, porque entendemos quase automaticamente por evangelizar e evangeliza­ção a ação de fazer pastoral. E se uma pessoa entende por pastoral um bem determi­nado sistema de agenciamento paroquial, por exemplo, pode cair num bitolamento muito es­treito e estático na compreensão da Evangelização. Hoje essa compreensão estreita e estática da Evangelização como simplesmente ação pastoral é mu­ito criticada por nós. E dizemos, a Evangelização não é só fazer pastoral; ela abrange muitas outras atividades como a promoção humana, a defesa dos direitos humanos, o fomento e o cultivo do humano, a aculturação, a ecolo­gia, etc. No entanto, nessa tendência de superar a concepção estreita da Evan­gelização como mera ação pastoral, nessa tentativa de amplificação do campo das atividades “pasto­rais”, na realidade, não diferimos estruturalmente da posição estreita, pois esta crítica permanece na mesma compreensão da Evangelização como agenciamento de uma atuação ou causação sobre os outros. O que fazemos na crítica não é outra  coisa do que apenas ampliar o campo de agenciamento.

Há hoje, nos meios franciscanos, a tentativa de recuperar a palavra Evangelização num sentido mais originário e profundo, compreendendo-a como E­vangelização no ser

Evangelização no ser

O que é Evangelização como Evangelização no ser?

A expressão Evangelização no ser tem uma conotação um pouco moralizante. É que atua no fundo da expressão Evangelização no ser o slogan, que diz: primeiro ser para agir, primeiro viver para poder pregar, o agir segue ao ser (escolástica). Com outras palavras, primeiro eu devo ser evangelizado, eu, para então, depois pregar, evangelizar os outros. Essa moralização é uma espécie de reação contra o ativismo pastoralista, no qual muitas vezes nos perdemos em mil e mil afazeres de agenciamento dos outros, negligenciando inteiramente a nossa vida interior, particular, nos desgastando continuamente em ações para fora, sem repormos, sem nos rearmazenarmos as nossas energias espirituais. Evangelização no ser nesse modo de falar de e recomendar o ser, isto é, o trabalho, o empenho por e para ser, no entanto, está na realidade em função da  pastoral ou em função do trabalho e ação para outros. Por isso, para muitos, a Evangelização no ser não tem valor em si mesma, mas sempre em função social, para os outros. Considerada em si mesma a Evangelização no ser, sem a função social, seria algo particular, subjetivo, individual-pessoal, para não dizer particularista, individualista, ensimesma­do, alienado, etc.

A insistência, em primeiro ser para poder agir é uma recomendação necessária para a ação pastoral. Chamar de Evangelização no ser, a tentativa de ser para agir depois com eficácia real, é justificada, porque a ação se chama Evan­gelizar. Se a ação se chamasse apostolado, ideologia, doutrina, etc. poderíamos chamar a tentativa de primeiro ser para depois agir de apostolado no ser, ideologização no ser, doutrinação no ser, etc. Com tudo isso, no entanto, não nos afastamos essencialmente da compreensão usual da Evangelização como ação pastoral, seja ela estreita ou ampliada em referência aos seus afazeres. Assim, desse jeito não avança­mos na direção de uma compreensão mais radical e originária do que seja a E­vangelização.

No entanto, nessa exortação de primeiro ser evangelizado para depois e­vangelizar, dito hoje com muita insistência, parece começar a surgir uma com­preensão mais originária e profunda da Evangelização, compreensão que nos vem de São Francisco de Assis.

São Francisco de Assis e o Evangelho

São Francisco não usa a palavra Evangelização. Nele ocorre a palavra Evan­gelho. Mas em São Francisco “Evangelho” não é uma palavra. É muito mais. E antes de tudo, quando São Francisco fala de Evangelho, não faz um discurso sobre o Evangelho, mas exorta, nos con­voca a viver o Evangelho. E essa exortação, essa convocação é a difusão, o en­vio daquilo que ele próprio é, em sendo Evangelho.

Assim, diz São Francisco na RB 1: “A regra e a vida dos irmãos menores é esta: ob-servar o santo Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo, vivendo em obediência, sem o próprio e em castidade”. Notemos que esta frase tem a forma de constatação, mas, na realidade, se­gundo o seu sentido, ela é um imperativo de uma decisão incondicional.

O que seja o Evangelho, São Francisco no-lo diz na RNB 1: “Seguir a doutrina e os ves­tígios de Nosso Senhor Jesus Cristo”.

Doutrina, na acepção dessa formulação de São Francisco não é apenas frases, idéias e conceitos, nem conteúdos de uma doutrinação. Doutrina aqui é ensinamento de um mestre; são concreções e articulações da experiência originária de uma grande iluminação, cuja realidade tocou e atingiu um mestre e dele tomou con­ta, de tal modo que essa iluminação vêm à fala através de suas palavras e condutas da vida. O mestre não é tanto o autor desses ensinamentos, ele é antes o enviado, a testemunha. O testemunho, o porta-voz, a fala da inspiração que o atingiu e o e-mite, o lança como o seu anúncio. Is­to significa que a doutrina são:

Vestígios, isto é, indicações de encaminhamento de uma busca, a saber,  de in-vestigação, através da qual se chega a experimentar a grande ins­piração que atua em, sustenta e vivifica o mestre.

Por conseguinte, para São Francisco, Evangelho é toda a experiência de Jesus Cristo, seu modo de pensar, a sua concepção, o seu sentir,  fazer e amar, isto é, todo o seu ser e toda a condição de possibilidade do seu ser, a saber: o envio do Pai, a inspiração, a Vida que vem do Pai, em suma, o próprio Jesus Cristo Ele mesmo com tudo que Ele é. Nesse sentido viver o Evangelho é: seguir a Jesus Cristo, viver o Evangelho não é outra coisa do que simplesmente, to­talmente, absolutamente Seguimento de Jesus Cristo.

Evangelização nesse sentido é: doar-se de corpo e alma ao Seguimento de Jesus Cristo e perfazer-se nessa ação, se transformar, tornar-se todo um corpo de disposição para e desse Seguimento. Dito de outro modo: É fazer tudo o que e como Jesus fez, pensou, sentiu e amou, isto é, fazer em tudo a Vontade do Pai. A e­vangelização como apostolado, entendido mais como ação pastoral é, nesse caso ou pode ser nesse caso   um momento desse Seguimento.

Simplificação di-ferente na compreensão da Evangelização

Se entendermos assim a Evangelização, como esse perfazer-se, isto é, co­mo via de per-feição, podemos dispensar o esquema usual, que sempre de novo nos complica e atrapalha, quando falamos usualmente de Evangelização.

Em que consiste este esquema usual?

Consiste em entender o ser e o agir humanos como se fossem duas coisas diferentes: o ser como subjetivo, como uma realidade dentro do su­jeito, algo particular; e o agir como direcionamento para o objetivo, para uma realidade fora do sujeito, para outros, para o social, comunitário, etc.

Conforme esse esquema, a vida, por exemplo, no convento, com todos os seus exercícios da vida interior, é um cultivo privativo, pessoal, sim, subjetivo e individual – se não de uma pessoa, então de uma determinada comunidade local ou até de uma Província – que não poderia ser chamada propriamente de evangelização, aposto­lado, etc., porque não é pastoral, não é ação atuante no e sobre o público. E, se de alguma forma esse cultivo do interior pessoal pode ser chamado de evangeliza­ção no ser, isto tudo é um modo indireto de evangelização, como que da preparação prévia e pessoal para uma ação pastoral-social sobre os outros.

Se, porém, em deixando de lado esse esquema inadequado, de fundo abstrato e ‘filosófico’ e nos concentrarmos direta e concretamente na compreensão do Evangelho e da Evangelização como a tem São Francisco de Assis, então o ponto de referência da realidade, a medida e o princípio de aferição da nossa vida se torna simples, unificado e mais apto a diferenciar as diferentes possibilidades, concentrado numa única ação concreta, singular e univer­sal, isto é, católica: no Seguimento de Nosso Senhor Jesus Cristo.

Nessa ‘guerra total’ (polemos), isto é, nesse engajamento absoluto e radical não existe mais vida interior ou exterior, dentro ou fora, privativo ou social, não existe mais contemplação e ação, oração e pastoral, individual ou comunitário. Todas essas diferenças e muito mais se transformam no envio de convocação, na tarefa e dever, sim no privilégio de uma incumbência absoluta da nossa vocação: seguir a Jesus Cristo em tudo e ser co­mo Ele em fazer a Vontade do Pai. Isto é a Evangelização.

Assim, com essa simplificação, podemos ampliar sobre toda a extensão do viver humano a Evangelização, e isto sem facilitar, banalizar, ou sem unilatera­lizar nem superficializar a tarefa de em tudo, em cada vicissitude e empenho do nosso viver, ir cada vez mais a fundo da nossa inserção: ser o anúncio vivo de um novo céu e uma nova terra.

Conclusão

Essas reflexões ligeiras só servem para nos orientar e dar unidade às nossas reflexões acerca da Evangelização, tentando examinar o que acerca deste tema nós já temos nas nossas Constituições. É muito importante, pois, começar examinando o que já temos, humildemente, tenazmente, num trabalho artesanal, cada dia, animado com intrepidez, generosidade e simplicidade cordial.

E, diz São Francisco, em falando do ânimo e da disponibilidade da Evan­gelização: “…ninguém, que põe a mão no arado e olha para trás é apto para o Reino de Deus” (RB 2,14; Cf. Lc 9,62).

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