Vocacional - Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil - OFM

Dificuldade de ler as fontes pode significar várias coisas

29/04/2021

 

  1. Dificuldade que vem de uma concepção da vida, na qual toda e qualquer dificuldade é tida como impedimento, como algo errado. Assim, ao ler fontes, ao não as compreender logo, ou mesmo depois de ler várias vezes não as compreender, se considero isso como algo fora de comum, uma coisa insuportável, que me impossibilita de ler sempre de novo, mesmo tentando de vários modos, então essa postura da vida está ou vive do estágio estético na vida. Vive a partir do princípio prazer e tem sempre de novo dificuldade e repugnância do princípio trabalho. Aqui, a saída é tornar-se mais adulto e adquirir a postura ética da vida.
  2. Supondo-se que você já oriente a sua vida segundo o princípio trabalho, e está no nível da ética na existência humana, a dificuldade de ler fontes, como foi explicada, a saber: vê, ou melhor, pressente grande riqueza, mas está oculta etc. então essa dificuldade pode ter várias causas:

Você tem muitíssimo pouco exercício de leitura. Só lê o necessário para as necessidades práticas cotidianas, mesmo que esse cotidiano seja estudo acadêmico. Com outras palavras, no fundo, ainda não despertou para a utilidade e necessidade de usar corpo a corpo a sua razão, de exercitar-se no espírito. Nesse sentido grande parte de nós, no fundo, se não precisar, não lê nem estuda. Tem um grande, mas sim grande pré-conceito de que estudo, seja direto na e da vida, corpo a corpo, seja acadêmico e escolar, é um luxo. Esse pré-conceito é tão grande entre nós religiosos que é quase impossível, em alguns anos, fazer convencer a alguém de que esse preconceito é mortal para a vida de espírito. O espírito de trabalho e de estudo que um São Francisco, Santa Clara, um Beato Egídio tinham, na realidade, ultrapassa a intensidade e o volume de trabalho e estudo que hoje um acadêmico engajado tem. Para assimilar o espírito de Senhor e o seu modo de operar, não é necessário ir para cursos acadêmicos e tirar títulos acadêmicos. Mas a maneira de entender a necessidade de estudo e volume de trabalho nas coisas do espírito do Senhor, na realidade, deve ser muito mais do que quem faz mestrado ou doutorado no mundo acadêmico. Desse pré-conceito é que vem a atitude de, há dezenas ou até centenas de anos, nós considerarmos o “estudo” e a “leitura” espirituais como uma leitura até certo ponto útil e benéfica para a própria edificação e para resolver os problemas particulares da nossa vida. O que se pressente é que nas fontes está uma imensa riqueza, e isso quer dizer o seguinte: a vida espiritual, a espiritualidade não é nem piedade, nem edificação da minha vida particular, muitas vezes ensimesmada, mas sim uma visão, uma lógica, um modo de pensar, sentir, ser, agir todo próprio e novo, cuja imensidão, profundidade e libertação receberam o nome de Boa Nova ou Reino dos céus.

Pode ser, porém, que você tenha muito exercício de leitura. Se é acadêmico, se fez ou faz cursos profissionais acadêmicos, pode até ser que tenha bastante treino na leitura. Sabe resumir, sabe comparar, sabe redigir, dizer os pensamentos com suas palavras etc. Mas, se você é da área das ciências naturais (física, matemática, química, economia, medicina, psicologia de certo estilo como a behaviorista, certo estilo de sociologia etc.), e não das ciências humanas, as quais ainda conservam a profundidade da tematização do humano a partir dele mesmo, terá grande dificuldade de entender as fontes na sua profundidade. Pois esses estudos todos treinam a você para um determinado tipo de leitura, mas não para a leitura do estilo de fontes, na acepção da espiritualidade. Aqui, quem não tem estudos acadêmicos, mas na vida tem um grande volume de trabalho sério, corpo a corpo com as vicissitudes da vida, e aprendeu a pensar, tem muito mais facilidade de ver o que está oculto do que quem é estudado. Alguém que se doa à arte de corpo e alma como um caminho da existência pode ter também mais facilidade de ver o que está oculto. Mas todos, quer letrados, quer iletrados, quer analfabetos, quer acadêmicos e doutores, todos, por serem simples, iletrados ou estudados e doutores, não têm nenhuma garantia de ver o oculto, se na sua profissão, na sua vida, não trabalham intensa e duramente na aprendizagem do pensar, do assumir o uso de si mesmo, na existência.

A dificuldade de ver o que está oculto pode vir também do fato de você estar viciado numa acomodação do uso da razão, intelecto, vulgo “cabeça”. E isto porque não se confronta consigo mesmo, no trabalho de corrigir-se em vários defeitos “morais” ou “psicológicos” que não são lá grandes defeitos e vícios, mas pequeninos e tenazes; como p.ex. falta de disciplina, acomodação preguiçosa, comodismo, imediatismo, incapacidade de esperar, impaciência etc.

Outro ponto que bloqueia a busca é a mania de se censurar cada vez que erra, portanto uma falsa interpretação do que seja a perfeição. Corrigir a tendência de complexo de inferioridade tanto quanto o complexo de superioridade. Ambos são gêmeos e têm o mesmo problema, que está intimamente ligado à concepção que tenho da realização da realidade.

A dificuldade pode ser, porém, proveniente da coisa ela mesma. Pois a riqueza oculta que não conseguimos ver tão facilmente, o é assim porque ela é uma realidade que ultrapassa todas as nossas medidas em todos os sentidos. É abismo da possibilidade de ser. Por isso não a podemos possuir, ter nas mãos, mas pelo contrário, somos nós que, em transformação de nós mesmos, vamos adentrando cada vez mais fundo nesse abismo. Na medida em que nos abismamos nessa busca, começamos a ver na escuridão, e então percebemos: o nosso ver deve com o tempo perceber que estamos como que impregnados, envolvidos, acolhidos na imensidão do mistério da encarnação, de tal sorte que o que sentimos como escuridão, é a luz própria da realidade do espírito, e a nossa luz do saber, cheio de padrões e medidas curtas e dogmatizadas, é uma luz entocada dentro do quarto fechado do nosso ensimesmamento. Quem percebe e sente o incômodo de seu fechamento está começando a ver o que está oculto.

Como o que acima chamamos de abismo não é uma coisa, não é um estado do ânimo, mas realidade realíssima chamada Deus, que é um absolto Tu no amor do encontro, qualquer tentativa de empenho na direção dessa busca é acolhida com imensa gratidão por ele. Por isso, é uma grande equivocação ficarmos sempre de novo deprimidos, quando falamos de busca do seguimento. O problema não é de você conseguir, conquistar, obter, mas apenas ser como é o buscado e que se infundiu em nós como boa-vontade.

Acerca da pobreza

Observar:

– Dar aos pobres = não tem retorno: dar pela dinâmica da doação livre, gratuita.

– Pobreza franciscana não é renúncia, privação de, por causa de, mas participação da ab-soluta cordialidade de um Deus que se realiza em se tornando Homem no Mistério da Encarnação. Cf. vontade boa, que é segundo Deus, nos ditos de frei Egídio.

– Convencer-se de que, se não compreendermos bem esse ponto, jamais compreenderemos o que é o vigor da pobreza franciscana.

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