Frei Hermógenes Harada
Introdução – Se alguém disser que com o seu sopro consegue derrubar uma árvore, guiar uma Kombi pelas estradas lamacentas ou resolver a discórdia secular de duas famílias em briga etc., eu lhe diria certamente que a pessoa está completamente alienada, fora da realidade. Com um sopro pouco ou nada se pode fazer.
No entanto, se um médico me examina os pulmões e me diz que respiro mal, que é necessário aprender a respirar serena e profundamente com plenos pulmões para o bem da minha saúde, diria certamente: respirar é importante. E começarei a entender que, embora o sopro não derrube árvores, não movimente carros, nem aparte brigas, é também de vital importância para fazer todas essas coisas.
A reflexão é como o sopro da respiração. Nada muda de imediato, é muito fraca para resolver os problemas comunitários ou pastorais, para eliminar misérias e sofrimentos ao nosso redor. No entanto, sem ela, nós religiosos, começaremos a sofrer de anemia espiritual, ficaremos com péssima circulação, sim, espiritualmente esclerosados, perderemos a flexibilidade e a sensibilidade humanas, o nosso fôlego vital se tornará curto, ofegante, sentiremos aos poucos asfixia, tédio, indiferença e vazio espiritual.
Entrementes, para muitos de nós que somos, por assim dizer, por profissão, especialistas na reflexão espiritual, a reflexão se tornou um trabalho que não mais praticamos. Ou talvez, nunca aprendemos a fazer devidamente bem ou desaprendemos a sua arte, perdidos e pressionados pelos afazeres cotidianos. Mas, por mais atarefados que nos achemos, justamente para nós religiosos de hoje, começa a se tornar cada vez mais indispensável parar um pouco interiormente e nos exercitar na arte de bem respirar espiritualmente, a saber, na arte da reflexão. E isto, para o bem e para a eficiência real das nossas ações.
Se quisermos realmente melhorar a situação de nossa congregação, de nossa província, de nossa comunidade e assim gozar também nós de uma melhor situação, o pouco de real e indispensável que cada um de nós pode fazer é certamente empenhar-se na reflexão, nossa boa respiração espiritual. Para que comecemos a tomar gosto nessa respiração espiritual aparentemente insignificante, mas de vital importância para a nossa própria felicidade, é necessário de antemão conhecer algumas peculiaridades da reflexão.
O que se segue são apenas algumas sugestões e observações, coisas que você sabe, mas que você talvez não dê a devida importância.
1 – A reflexão é um voltar-me sobre mim mesmo, não para julgar e moralizar meus pensamentos, atos ou sentimentos, mas sim para aprender a ver a realidade na sua riqueza e complexidade. É portanto um exercício de intuição, isto é, um exercício para adquirir um olhar mais profundo da realidade em mim. Porque em mim e não nos outros? Porque, em mim, isto é, no Homem está a estrutura essencial de todo o universo, portanto, também dos outros.
2 – Esse exercício pode ser feito em comunidade. No entanto, o trabalho mais importante é o esforço individual. Por isso:
3 – Se, por exemplo, a comunidade decide encontrar-se semanalmente para a reflexão, essa reunião deve ser preparada por cada membro da comunidade, individualmente, antes da reunião semanal. A reunião semanal em comunidade seria então o ponto alto da semana, onde cada pessoa da comunidade traz a sua contribuição adquirida durante a semana, para a troca de idéias e para ajuda e enriquecimento mútuos. Se a reunião semanal comunitária não funciona é talvez porque está faltando a preparação individual.
4 – Um modo de fazer a reflexão é ler e comentar um texto. No entanto, ao menos no início, para que a reflexão corra bem, é necessário escolher um bom texto, por exemplo, I Fioretti, a Bíblia, as Regras de são Francisco, as Regras de São Bento, a Imitação de Cristo, o Pequeno Príncipe etc. É indiferente se o texto é antigo ou contemporâneo, sacro ou profano. O importante é que o texto seja uma obra. Para reflexão comunitária, é necessário cada qual ter o texto para poder se preparar individualmente.
5 – De início, a reflexão exige bastante sacrifício, até a gente pegar gosto: o sacrifício de experimentar, sem saber bem como gostaria que fosse. Por isso, é bom determinar a duração e a hora da reflexão e realizá-la fiel e constantemente, mesmo que nada resulte desse esforço. O gosto, o jeito e o bom ritmo da reflexão vêm com o tempo, se a praticarmos com tenacidade e constância.
6 – Por isso, na reunião semanal da comunidade para a reflexão, se faz a reflexão, se houver 2 pessoas. Quem vai para a reflexão deve ir, não porque os outros vão, mas porque quer aprender a refletir. Se a gente só realiza a reunião se toda a comunidade estiver presente, a reunião jamais terá constância e continuidade.
7 – Não exigir muito da reflexão. Quem, por exemplo, quer da reflexão uma aplicação imediata e prática, quer informações, mais saber, mais habilidade prática, mata a reflexão antes de ela nascer. É necessário fazer a reflexão, quer individualmente quer comunitariamente, como quem de boa vontade se dá um determinado tempo só para estar ali, olhando atentamente para um quadro, tentando entender com calma o que o quadro quer dizer.
8 – Se a comunidade ou algumas pessoas da comunidade se reúnem para refletir, é importante não fazer a reflexão para tirar dela uma conclusão prática, para fazer uma revisão de vida, para corrigir um abuso etc. Para tais finalidades, é melhor fazer outra reunião de outro estilo. A comunidade reflexiva deve se reunir apenas para entender o que, por exemplo, um texto quer dizer.
Por isso, de início é melhor escolher um texto que não moraliza nem ideologiza muito. A comunidade se reúne, lê o texto que já antes, durante a semana, cada qual preparou. Cada um dá o seu parecer, ouve os outros, conversa, e assim tenta ver de diversos pontos de vista o que o texto quer dizer. É pois um exercício mútuo para ver melhor e mais. Não é para julgar ou corrigir a interpretação do outro e assim chegar a uma interpretação certa e objetiva.
9 – Antes de se sentarem para a reunião da reflexão, cada qual deve deixar lá fora os ressentimentos, inimizades, antipatias e se concentrar apenas em procurar compreender melhor o texto. A reunião é, portanto, também um exercício para juntos falarem de uma coisa, deixando de lado, ao menos por momento, as causas, as diferenças, as emoções que usualmente dividem a comunidade.
10 – Se há alguém na reunião que bloqueia a troca pacífica de idéias com ressentimentos, agressividades etc., os outros participantes não devem reagir contra tal bloqueio com discussão ou vontade de corrigi-lo. Nesse caso, mesmo que a reflexão não corra bem, exercitar-se na arte de ficar calmo, de não se deixar perturbar pela agressão verbal do outro e tentar seguir fielmente, sempre de novo o caminho da reflexão. O importante nesse caso é treinar para não se deixar amargurar e perturbar interiormente por tais dificuldades e desamor. Esse exercício por si mesmo já é uma boa reflexão!!!
11 – Na troca de idéias, observar mais ou menos o seguinte modo de ser:
A – A troca de idéias deve ter o movimento de um diálogo. É uma espécie de jogo de pingue-pongue espiritual para o esclarecimento mútuo. Não domine sozinho a conversa. Deixe o outro falar. Mas quem fala procure não se alongar demais em detalhes, conversa mole.
B – É importante ouvir atentamente o outro, para ver se consigo pensar o pensamento do outro até o fim. Não escute o que você quer. É importante tentar colocar-se na perspectiva e na situação do outro. Tentar ver aquilo que o outro parece estar vendo. Diz o Mestre budista Dogen: “Mais do que ouvir, veja. Mais do que ver, experimente. Mas, se não puderes experimentar, veja; se não puderes ver, ouça.”
C – Não se fixar na manifestação externa do outro, mesmo quando este tende a se expressar com agressividade. Pois pode ser que o outro tenha uma boa intuição, mas a expressa de modo indevido. Atrás de suas palavras, dos gestos, tentar ver a sua intenção.
D – Não contrapor o meu julgamento contra o julgamento do outro. Cabeça dura contra cabeça dura ao quadrado. Antes, tentar me examinar sempre de novo, dizendo a mim mesmo: será que o entendi bem? Será que o outro não está vendo o que eu não vejo?
E – Não agredir a posição do outro. Antes, pedir-lhe, se pode se explicar melhor.
F – Se percebo que o outro vê mais do que eu ou se percebo que não entendi bem o ponto de vista do outro, pensar primeiro, pedir-lhe esclarecimento e ouvir. É muito prático repetir o que o outro disse com as minhas próprias palavras e pedir-lhe que controle o que repito, para me dizer se a minha repetição corresponde ao que ele quis dizer antes.
G – Se percebo que vejo mais do que o outro, procurar descrever da melhor maneira possível o que vejo e controlar de novo se o que eu quis dizer saltou também na evidência do outro.
H – Não querer convencer o outro, mas, sim, mostrar o fenômeno, da melhor maneira possível.
I – Se coloco objeções, pergunto, me explico, ter sempre a mim mesmo sob mira do questionamento: Será que o que digo não é uma afirmação impositiva, faltando-me a evidência concreta da própria realidade completa.
J – Ter sempre como lema: ouvir, ver a própria realidade. Mas quase nunca, o que acho ser real é realidade completa.
K – Ter muita paciência comigo e com os outros nesse jogo de vai-e-vem da troca de idéias.
12 – Para a reflexão individual fosse talvez de utilidade observar que é também uma boa reflexão tomar um pequeno tempo (diariamente uns 15 minutos), para se exercitar no seguinte:
Desligar-se de tudo, e ficar sentado, apenas respirando bem, como se o único sentido da vida fosse esses 15 minutos sem nada fazer, sem nada pensar, apenas respirando bem, como que, sereno e tranqüilo sob o bom olhar de Deus. Se ocorrerem pensamentos ou pré-ocupações não se incomodar com eles, deixar que eles passem pela mente como águas de uma torrente passam por cima das pedras do fundo do rio. As pedras permanecem assentadas, tranqüilas e imóveis. Só fazer isso, já é reflexão. Isso porque, aos poucos, cresce no fundo de nossa alma uma tranquilidade firme e bem assentada, que respira bem espiritualmente.
Conclusão: A reflexão e o seu modo de ser, que é o diálogo, é uma condição indispensável para uma vida comunitária boa e normal. A reflexão e o diálogo, no entanto, querem ser aprendidos, conquistados no trabalho tenaz de cada um de nós. É necessário, pois, um trabalho constante de aprendizagem e de exercício cotidiano. No entanto, nós religiosos, quando nos queixamos do mau funcionamento comunitário e tentamos melhorar com isso ou aquilo a situação, esquecemos por completo de que a capacidade de reflexão e de diálogo não é um dom inato, mas sim o fruto de um trabalho tenaz e constante. Caímos assim na contradição de uma mentalidade da “sociedade de consumo” que quer a melhoria de vida, sem querer trabalhar. Talvez esteja na hora de apertar o cinto da nossa economia espiritual e deixar de lado os grandes gastos de nossa energia vital em coisas que nos agitam em esperanças de melhoria efêmera, para nos concentrar com firmeza e determinação no pouco insignificante, mas fundamental, que, uma vez revigorado, pode nos trazer uma melhoria duradoura e essencial. Vamos, pois, de boa vontade, tentar aprender a refletir?