Emmanuel Carneiro Leão*
Em homenagem a Hermógenes, ao combatente ontológico.
Nesta sentença de São Paulo, 2Tm 4,7, concentra-se toda a vida e morte franciscana de frei Hermógenes Harada, OFM, 1928-2009. Mais do que qualquer um de nós, seus amigos e irmãos, ele sabia e sabe, com um sabor “só de experiência feito”, o mistério de vida desta expressão grega.
Ao dizer combate e combater, agóna e égónismai nos remetem para o élan vital, aquela força de gravidade da vida, sempre vigente no viver deste ser vivo estranho, que é o homem. Pois o homem não vive primeiro e só depois, entre muitas outras atividades, chega a combater. Não! Ser homem já é combater. Por isso é que o Coro de Antígona vem cantando, desde sempre: polla ta deina, muitos são os seres estranhos, k’ouden deinoteron anthrópou pelei, “nada, porém, é mais estranho do que um ser humano”. O modo de viver do homem consiste em escrever em seu comportamento o mistério de ser. O homem é o escritor ontológico da vida. Sempre de novo, está inscrevendo, em todo lugar e/ou deixar de fazer, os poderes de ser e não ser. É este o sentido universal do princípio da Escola: operari sequitur esse, “agir segue ser”, i.é, só se consegue viver e praticar as possibilidades que, sendo, já se tem.
E kalos, o que torna bom o combate da vida na vida dos homens?
Kalos vem de kallos, o étimo indoeuropeu se presume ser qal-mos, “sadio”, “salutar”, “o que favorece a integridade”, por isso se costuma dizer: bonum ex integra causa, “o bem é inteiriço, está na coisa toda”. O bom combate é aquele que busca e promove a totalidade da vida e não apenas uma parte. Pelo todo da vida o homem nunca deixa de combater. Tanto o sucesso quanto o fracasso integram a vida humana e por isso são ambos vitais. Santo Agostinho nos lembra: semper in via sumus, nunquam in patria: sempre estranhos a caminho, nunca na pátria. O ser humano está sempre em vias de, nunca deixa de ser viandante, homo viator. Nietzsche diz que o amável no homem é ser ele uma passagem e não um ponto final. Tal é o testemunho que nos dá frei Hermógenes Harada, este combatente ontológico da vida em sua morte, pois “é morrendo que se vive para a vida eterna”.
* Prof. do Ifcs, UFRJ.
Scintilla – Revista de filosofia e mística medieval, vol. 7.1, jan.-jun. 2010