Vocacional - Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil - OFM

Introdução à metafísica – IV

19/04/2021

 

O que é a metafísica enquanto uma disciplina filosófica?

I – Usualmente entendemos por disciplina a matéria de ensino e aprendizagem. Trata-se de um conjunto de conhecimentos teoréticos e práticos, sobre um determinado assunto, ordenados num sistema de saber, que pode ser ensinado e aprendido. Assim, podemos p. ex. perguntar: quantas matérias ou quantas disciplinas você ainda deve estudar para se formar na psicologia?

A palavra disciplina é latim e significa escola, num sentido mais estrito, doutrina, ensinamento, ensino, formação, aula. Disciplina e Discipulus (aluno) tem a mesma raiz. Vêm do verbo latino disco, didici, discere: aprender, aprender a conhecer, se deixar ensinar, estudar.

Assim, disciplina significa a dinâmica da disposição de aprender.

II – Ligar disciplina com ética e os aspectos exotérico e esotérico da filosofia

  1. 1. Éthos = reflexão e praxe acerca do comportamento moral: moral, costumes e hábitos = estabelecer moradia na Terra dos homens: mundo (imundo) = ser-no-mundo.
  2. Com os estádios estético e ético de Sören Aabye Kierkegaard.
  3. Com necessidade vital e necessidade livre de Martin Heidegger.
  4. Informar: Disciplina em geral: ciências naturais e ciências humanas.
  5. Repetição: das aulas da metafísica da primeira semana (22 e 25 de abril): da filosofia e seu método.

III – Reflexões ilustrativas dos itens do ponto II

  1. Éthos é uma palavra grega e significa: moradia, habitat, hábito, costume, responsabilidade pelo comportamento moral. A palavra éthica vem do éthos: epistéme ethiké. Virado para fora, na acepção externa e superficial do termo, éthos significa isto ou aquilo da moradia, do costume e do comportamento humano. Virado para dentro, na sua acepção essencial éthos significa disposição e capacidade de se responsabilizar pela tarefa de habitar a Terra dos homens:
  2. Kierkegaard é pensador e teólogo protestante dinamarquês (1813-1855). Seus pensamentos se referem à essência do cristianismo. Num dos seus livros intitulado “Estádios da Vida” estabelece três períodos na vida humana: o Estético, o Ético e o Religioso. No estádio estético que vem de aísthesis (sensoriedade, sensibilidade, os sentidos) o ser humano vive como que deitado e dentro do cultivo e gozo dos sentidos e suas vivências, que podem também ser caracterizados como necessidades vitais. No estádio ético o ser humano se ergue, toma a si mesmo e se dá uma meta, pela qual se responsabiliza e a busca como realização do seu ideal. O estádio religioso é quando, depois de se ter tornado maduro como ser humano, se doa inteiramente à condução da realidade que transcende o seu ser, à fé cristã.
  3. Necessidade vital, aqui, significa todas as nossas necessidades naturais para sobrevivência humana, quer no nível vital físico-corporal, quer no nível anímico-espiritual, mas no sentido de estar livre dos problemas e dificuldades e da plena realização e plenificações das suas carências e privações. Necessidade livre se refere à disposição adquirida numa busca livre, de um modo de ser que transcende a natureza da necessidade vital, e no exercício da potência do compreender e querer, ama e se exercita no cultivo da impostação positiva da vida que toma como ideal da existência humana ser capaz de se doar à causa maior, mais nobre e livre.
  4. Repetição e aprofundamento das 4 aulas de metafísica da primeiro semana: metà ta physikà, teoria de dois mundos: mundo sensível e suprasensível: Física e metafísica; natural e sobrenatural; terra e céu, aqui e além, vida temporal e vida eterna; fazer levantamento dessa dualidade em outras dimensões da vida.

IV – Da filosofia e do seu método

O que segue é repetição da apostilha metafísica 01.

Observação metódico-técnica

  1. Aspecto exotérico e esotérico da filosofia
  2. Defasagem dessa compreensão grega, hoje, criou o preconceito: filosofia como reflexão e filosofia como informação.
  3. Um esquema melhor é: saber e pensar.
  4. Ilustração:
  5. a) Problema é dificuldade que encontramos dentro de um campo temático aberto, cujas coordenadas estão fixadas como posições básicas para uma construção sistemática.

Problemas nós os encontramos nos afazeres da vida cotidiana, como também nas ciências. Nos problemas científicos, o modo de ser da dificuldade acima mencionada aparece com maior nitidez, ao passo que nos problemas dos afazeres da vida cotidiana o modo de ser da dificuldade parece ser mais difuso, opaco e ao mesmo tempo indeterminado, ou mais concreto, corpo a corpo e imediato, sem exibir uma estrutura interna própria. Mas tanto num caso como no outro, as dificuldades querem ser resolvidas, e isso acontece dentro de um determinado âmbito de colocação já pressuposta. Nos problemas o nosso interesse é de buscar a solução, e eliminar ou amenizar a dificuldade. Denominamos tal trend da nossa vida de necessidade vital. Nosso compreender e querer aqui estão movidos pelo sentido do ser livre de.

Questão: Convenhamos chamar de questão, distinguindo-a do problema, a ação de uma busca, na qual o interesse não é tanto de resolver dificuldades dentro de uma determinada colocação já posta, mas de colocar-se para dentro de uma busca que renovadamente sempre de novo lança para dentro da questão as pressuposições postas ali como posições básicas de um saber positivo, e isso não tanto para saber mais e mais dentro do horizonte a partir donde e onde as colocações estão já pressupostas, mas numa trabalhosa e trabalhadora disposição livre, sim paixão em clarear de que se trata. E isto cada vez mais, anelando estar na proximidade, junto[1] da coisa ela mesma, a partir dela e nela mesma. Nas questões, o nosso interesse é o de nos colocarmos sempre de novo e cada vez mais na busca, tornando densa a inquietação da saudade de estar em casa em toda parte na evidência do descobrimento de todas as coisas. Denominamos a tal intencionalidade presente na nossa vida de necessidade livre. Aqui o nosso compreender e querer estão movidos pelo sentido do ser.

  1. b) Embora haja muitas definições de filosofia e correspondentemente seus diferentes modos de acionar a aprendizagem, o ensino e a pesquisa, a filosofia na pré-compreensão básica de si mesma não busca a excelência a modo das outras ciências, chamadas positivas. Dito com outras palavras, o modo da sua cientificidade, e também a sua excelência é de modo todo próprio, diferente. Essa diferença pode ser caracterizada, dizendo que as ciências constroem, a filosofia deconstrói. Explicando:

As ciências positivas partem de um fundamento já dado como posto (daí o nome ciência positiva) com sua definição, conceitos fundamentais determinados, e seus métodos correspondentes à sua colocação positiva. A partir dali constrói, para cima, todo um sistema de conhecimentos certos, concatenados entre si numa rigorosa coerência lógica.  Esse fundamento, já posto, é por assim dizer, um projeto que a ciência lança sobre a realidade, como hipótese de trabalho. Esse lance é sempre de novo examinado, em diversas e sempre renovadas experimentações. Assim o lance primeiro é testado na sua validade e eficiência, de tal sorte que na medida em que se dá a averiguação positiva, vai confirmando a validez da sua colocação posta inicialmente, passando-se da hipótese à teoria. Mas na medida em que as experimentações não confirmam a validez da hipótese, volta-se à sua colocação primeira, para ampliar, aprofundar, recolocar ou purificar a hipótese, buscando para a colocação positiva de início uma fundamentação mais vasta, mais profunda e mais purificada de interferências indevidas de outras colocações ou de extrapolações. Esse movimento de retorno das ciências positivas para o lance inicial do seu projeto como ao fundamento da sua positividade para re-fundação e aprofundamento da sua base, se dá nas ciências positivas, quando o todo do seu sistema entra em crise. É no aprofundamento da sua colocação primeira que se dá propriamente o progresso de uma ciência.

Esse movimento de ir à sua base e ali cavar para baixo na direção do fundo de si, nas ciências positivas é somente feito ocasional e operativamente, e não é propriamente a sua tarefa. Pois esta é a tarefa da filosofia e o seu trabalho.

No ensino acadêmico, a filosofia aparece também ao lado das outras disciplinas acadêmicas, sendo tratada como uma ciência positiva. Enquanto tal, ela aparece como mundividência, i. é, opinião, convicção ou crença de uma pessoa, ou grupo de pessoas, ou até mesmo da humanidade de toda uma época histórica acerca da vida e do mundo. Enquanto assim aparece no mundo acadêmico ou é tomada como fenômeno cultural, fenômeno histórico, ou mesmo como ciência de uma determinada época, mas não como ciência no sentido preciso e mais específico da nossa compreensão hodierna do saber por excelência, do saber científico. Nesse sentido, a filosofia não é considerada como ciência, mas como uma espécie de sabedoria da vida, ou fenômeno sócio-cultural ou histórico, objeto da historiografia. É nesse sentido da mundividência que temos então p. ex. filosofia cristã, filosofia marxista, filosofia positivista, filosofia naturalista, filosofia da vida etc. Apesar de todas essas aparências viradas para a publicidade e sociedade, a filosofia na sua essência, desde o seu início na Grécia, p. ex. em Platão e Aristóteles até hoje nos mais avançados pensadores da filosofia analítica, conserva no seu fundo a autoconsciência de que ela é uma busca do saber de rigor. Mas de rigor na precisão de escavar sempre mais e sempre de novo na direção do fundo de cada colocação preestabelecida, a começar primeiramente de e em si mesma. E isso como tarefa fundamental e única da sua dinâmica do saber. Nesse fundo de si mesma, a filosofia é acribia e dinâmica da busca sempre renovada e cada vez mais rigorosa da crítica dos fundamentos e das pressuposições de todas e quaisquer mundividências, crenças, ideologias e dos dogmatismos que podem se aninhar, primeiramente em si mesma e também nas ciências positivas, mormente em relação ao seu fundamento inicial. É na limpidez e coerência dessa critica que está a alegria e a cordialidade, a excelência da filosofia.

  1. c) Finalizando, assinalemos uma parábola, atribuída a Descartes[2] que expõe de modo simples e com precisão tudo que dissemos acima sobre a questão da excelência na filosofia.

Uma pessoa recebe de um desconhecido uma carta cifrada, cujo código de decifração ela desconhece. Depois de várias tentativas, consegue descobrir uma regra, cuja aplicação lhe permite montar um código que lhe possibilita ler a carta, de tal modo que ela traz à luz uma mensagem com sentido plenamente compreensível e até incontestável na sua coerência. Descartes, porém, especula: Poderia acontecer que, por ser um homem de grande habilidade, o autor da carta a tenha redigido de tal modo que, sob outro código de decifração, a mesma carta contivesse outra mensagem, inteiramente diferente da anterior. Com isso, em nada é alterada a primeira leitura da carta. Que alguém seja capaz de descobrir outro código de decifração é admirável. Mas a pessoa que fez a primeira leitura pode, tranqüilamente, deixar aberta essa questão da existência de outro código de decifração. A ela basta que, no seu modo de ler, a carta lhe dê sentido coerente de início até o fim. Mas a segunda leitura não lhe poderia dar um sentido melhor, mais próximo ao da intenção do autor? Sim, se o autor tivesse fixado como válido e melhor um dos códigos de decifração. Mas suponhamos que esse autor da carta é o próprio criador, de quem se origina o universo e tudo o que ele contém, seja atual ou possível. Suponhamos que esse Criador cifrou a carta segundo um número interminável, infinito, de diferentes códigos. Segundo Descartes, essa parábola mostraria o relacionamento e a postura própria do pesquisador nas ciências naturais exatas para com o universo.

A inquietação contínua de dispor-se a ser tocado pela abertura de códigos cada vez mais abrangentes, profundos e  originários e perder-se no abismo do não saber a não ser o ânimo cordial e intrépido da busca sem fim é a excelência da filosofia.

  1. d) Aprofundemos o que quer dizer aprofundar o espírito do Bom Jesus, como lição de vida. Isso faremos à mão da poesia do poeta alemão do século 18 Johann Peter Hebel[3].
  • “Nós somos plantas, que – o possamos gostar ou não de confessar – devemos subir, da terra, com as raízes, para poder florescer no Éter e trazer frutos”[4].

Um breve comentário da poesia:

  • Por que poesia para ilustração do real?
  • Alguns pontos a ser destacados, trocando idéias:
  • Nós somos plantas: ser = poder de ser cada coisa como disposição de ser.
  • Poder gostar ou não: gostar = ter prazer de se responsabilizar por ser, ou não ter.
  • Confessar: confissão = declaração solene e pública: dizer a sua identidade própria.
  • Devemos: dever é ação da autonomia da liberdade
  • Da terra com raízes subir: com raízes: se adentrar, firmar, haurir, florir e frutificar para dentro da Terra dos Homens (Humano, demasiadamente humano), para dentro da Finitude e seu vigor subterrâneo e dessa imanência se transcender (subir).
  • Florescer no Éter e dar frutos: éter = céu aberto da liberdade humana; mundo e sua mundidade = possibilidade de ser e suas obras.
  1. e) Vamos nos situar nessa árvore chamada exotericamente de aulas de metafísica, às terças e quintas, nos perguntando:
  • Em vista da estrutura da Instituição, o que são para mim como estudo para me preparar para uma determinada profissão: galhos, galhos principais, tronco e raízes?
  • Onde estão colocadas as nossas aulas de manhã, às terças e quintas feiras?
  • Qual a sua função, ou melhor, sua tarefa, ou melhor, sua missão?
  • Quando nos galhos dão galhos, aonde recorremos para re-solver os problemas?
  • Cada um de nós aqui reunidos para aprofundar, onde estamos colocados nessa árvore que é próspero e se expande?
  • Quando lá onde estamos colocados dá galhos, aonde recorremos para re-solver os problemas?

[1] Cfr. Novalis NOVALIS. Schriften, ed. por J. Minor, Jena 1923, volume 2, p. 179, fragmento 21. Novalis (1772-1800), poeta e pensador alemão. Chamava-se Friedrich von Hardenberg. Von Hardenberg pertencia à nobreza da Saxônia do norte. Entre seus antepassados ocorre o sobrenome De novali, daí o pseudônimo Novalis.
[2] Descartes, René (ou De Quartis, Renatus Cartesius, Des Cartes, M. du Perron), 31.3.1596 – 11.2.1650, pensador, cientista e filósofo francês, considerado o pai da Filosofia Moderna. A parábola se encontra de modo muito mais rico e sujestivo em: ROMBACH. Heinrich. Strukturontologie. Eine Phänomenologie der Freiheit, Freiburg/München: Verlag Karl Alber, 1971. 368 p., p. 139.
[3] * 1760 – + 1826; pastor protestante, poeta-pensador e educador.
[4] Johan Peter Hebel, Obras, editadas por Wilhelm Altweg, Editora Atlantis, Zurique e Frigurgo i. Br., 1940, volume III, p. 314.
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