Vocacional - Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil - OFM

PSICO-TER-A-PIA, Jaraguá-Paulista, 2007 – Parte VII

25/03/2021

 

Marcos: “A alma é, de certa maneira, tudo”. Dessa forma, dizer que cada um é singularidade, é dizer que cada um é tudo. Cada um não é um entre outros. A gente sempre se transformou em um entre outros, em uma coisa no meio de outras coisas. Cada alma na sua singularidade é tudo. É uma espécie de abertura do todo, para a imensidão da vida. Cada eu, usando uma expressão mais moderna, é uma perspectiva do mundo.

HH: Vamos pensar o seguinte: quando você diz “universal”, você conta com quantas pessoas?

Corniatti: Em geral, quando dizemos universal pensamos: “um só, não”.

HH: Então, é sinal que no uso dessa palavra, pensamos universal como geral. Daí surge o problema que uma pessoa como Jesus Cristo não pode ser universal. Ao passo que universal não significa geral. Significa assentado no Uno. Uni-verso é versado, virado para o Uno.

Marcos: Isto é uma convocação para nós, não é? É individuação. Indivíduo é o que não é dividido. É o que é anterior a toda e qualquer divisão. Então, a alma ser um indivíduo é sua grande tarefa. Porque ela já é sempre dividida, pois nós somos divididos, nos fragmentamos e, este ser um em si, ser um com tudo, ser um com o UM que é tudo, chamado Deus, é a grande tarefa. Só que aí, UM não é mais um número. O indivíduo ali não é mais um número.

HH: Este fenômeno que é o Uno em todo um mundo de “elementos”, uma unidade assim, posteriormente, decaiu na compreensão para o geral, no sentido de todo mundo. Todo mundo diz, a gente diz, mas quem é esse todo mundo, esse a gente??

Dorvalino: Freis holandeses contavam história de menino que salvou a Holanda da invasão do mar. Segundo a história, numa noite de Natal, houve uma grande festa e todo mundo ia participar da confraternização. E durante a festa, um menino descobriu que um dique estava começando a abrir buraco. Assim o menino passou a noite, sozinho, toda tapando aquele buraco com pedras para que não se tornasse maior. Nesta história, este menino era particular ou universal?

HH: Como história do gato e dos ratos. Ratos que queriam entrar na dispensa, mas havia um gato que os impedia. Então, reunidos, os ratos acharam esta solução: pendurar um sino no pescoço do gato para saber quando ele se movia. Mas, um rato velho, sábio perguntou de chofre: “quem irá pendurar o sino no pescoço do gato?”. Houve um silencio profundo.

Se, nesta história, à pergunta do velho rato sábio a resposta for: nós, este nós tem que estar voltado para o UNO. Caso contrário, quando o gato fizer: “nhéé!”, não sobra um sequer. Mas, suponhamos, o que restou sozinho, e decidiu morrer, e todos outros que agrupados emudeceram com medo de engajar-se pela causa de todos, quem é aqui universal, quem particular. O indivíduo decidido, que se doa à causa do bem de todos, é único, singular. Mas esse singular não é individualista, não é particular privativo, mas singular que é o universal, i. é, uni-versal ele mesmo. Marcos: Como na parábola da ovelha perdida, o pastor deixa as 99 e vai atrás daquela que se perdeu até encontrá-la. Em geral, a gente moraliza dizendo que ele foi “bonzinho”, indo atrás da coitadinha que se perdeu… Mas, a questão é outra. Ali está mostrando que a ovelha que se perdeu não é somente a centésima. Não é uma entre outras. Não há 99+1. Justamente porque o indivíduo não é um número, Deus daria sua própria vida – e deu! – para salvá-lo.

Claudenice: Estava trabalhando com OFS de S. José do Rio Preto, falando e conscientizando sobre o cuidado com a natureza, não poluir rios etc. E alguém me disse: “não adianta nada não, Irmã. Porque São José do Rio Preto está sendo loteada por usinas e estão poluindo todos os rios e cortando árvores…”

HH: Se eu acho que realmente não adianta, então tenho que ir para São José do Rio Preto e colocar bomba nas usinas. E se disser assim: “mas isso também não adianta porque sou sozinho, o que faço?”. A expressão: “se todo mundo fizesse”, é uma fala pela qual aos poucos as pessoas vão perdendo o sentido do real.

Dorvalino: Não é só a água que fica suja, mas o próprio ser da pessoa. Isto significa que: o que faço em mim é para melhorar ou piorar o humano.

HH: Isto não tem nada a ver com a pessoa que diz: “passei minha vida me doando aos outros, agora está na hora de pensar um pouco em mim”.

Marcos: Há um pensador do séc. XIX que diz que o cristianismo é um absurdo porque faz a salvação de todos os homens depender de um indivíduo só, de um indivíduo que é temporal, que é histórico. De modo que essa concepção do indivíduo como Um e Tudo é a grande Boa-nova do cristianismo. Tanto o individualismo como o coletivismo entende o indivíduo como número, como um entre outros, como pedaço de toucinho. O individualismo diz: “vou cuidar da minha vidinha” ou então o coletivismo diz: “é necessário salvar a humanidade”. Entende o universal como coletivo, como soma de 1+1+1, ou como público, o todo mundo. Só que o todo mundo não é ninguém. Quando a gente usa esta expressão, a gente não pergunta: quem é o todo mundo? Todo mundo é indeterminado. Não é um indivíduo nem todos os indivíduos.

HH: …vida contemplativa… união com Deus é importantíssima, é prioridade. Irmã que era diretora do colégio, quando na hora da meditação telefone tocava, não saía porque meditação era prioridade. Não custava nada sair correndo, atender e voltar de novo. Ela achava que aquilo estragava a pureza e a limpidez da inserção na autenticidade. Então, Eckhart diria: esta pessoa é uma Maria aos pés de Jesus, toda embriagada e não se preocupa se não consigo mesma, e está usando Jesus para sua própria satisfação. Não me venha dizer que é contemplativa. Ao passo que Marta é tão experiente em contemplação que está correndo por aí, fazendo galinhada para Jesus e leva uma bronca dele e nem leva a mal que está fazendo tudo sozinha e Jesus não manda Maria vir ajudá-la. Jesus não diz para Marta você é ativa, ativista. Está perdendo contemplação, mas: “deixa Maria quietinha aqui porque ela está em lua de mel, ainda não aprendeu a profundidade da vida cristã”. Então, esse negócio de contemplativo, ativo, individual, pessoal coletivo na colocação do universal… esteja aonde estiver, faça o que quiser sempre pessoal significa universal. Esta compreensão da grande coragem de viver não pode ser confundida com quem fez curso de espiritualidade e diz: “prioridade ninguém troca”. Ativista comum não tem nada a ver com uma coisa assim. Então, esta capacidade de distinguir estas coisas rapidinho é de grande necessidade para a vida cristã. Uma coisa assim, bem exercitada aumenta a paz e torna capaz de em cinco minutos esperando o metrô, fazer contemplação muito grande.

Dorvalino: Quando se fala de oração, contemplação e mesmo pastoral, toda forma de manifestação da vida cristã, até mesmo busca de santidade, às vezes, isto está muito ligado à busca de grandeza pessoal. Mas isto é totalmente contrário à proposta do Evangelho.

Salete: Dona de casa que pensa que não tem tempo para meditar porque tem os afazeres de uma dona de casa, devia ser irmã num convento. Pois enquanto se limpa a casa, se faz uma comida pode-se tranquilamente meditar.

HH: Um frade ofm, gaúcho, que diz o que pensa foi dar palestra na comunidade onde participava irmã do Provincial. Guardião o advertiu: “cuidado com o que vai dizer, lá estará irmã do Provincial e ela contará tudo ao irmão”. Na sua palestra o frade afirmou que a perfeição dos religiosos não é maior do que a dos leigos. A irmã do Provincial o contestou dizendo que a vida dos religiosos é mais perfeita que a dos leigos, pois que os religiosos dedicam-se exclusivamente a Deus sem se ocupar das coisas do mundo. O frade retrucou com veemência: “Mais perfeito uma ova! Nós religiosos não temos filhos. Não temos que agüentar bebê chorando de noite, não temos que suportar briga com esposa. Se brigo com alguém no convento, tenho outros com quem posso falar e me relacionar… e vai dizer que somos mais perfeitos?”

Isto é maneira de entender o universal/particular. O frade não está negando o valor da santidade, mas está desmascarando maneira falseada de ver as coisas.

Marcos: Eckhart quando fala da alma diz que ela é o que há de mais nobre. Este mais nobre é ser capaz de Deus, capaz de perceber Deus. Isto dito de outra maneira é: a alma é filho de Deus, o que é imagem e semelhança com Deus. Isto equivale a dizer que ela é igual a Deus. Quando ele diz: “nossos mestres dizem ‘alma é um fogo, uma centelha do céu, é uma luz, um sopro do espírito’”. Nisto ele está retomando o que Aristóteles e outros sábios disseram a respeito da alma. Quando estes sábios dizem isso, não estão querendo afirmar que a alma é isso ou aquilo. Estão querendo acenar para a nobreza da alma. É aqui que entra a fala dos cristãos quando falam de ser filho de Deus, ser a imagem e semelhança de Deus, falam de ser capaz de Deus.

Dorvalino: S. Boaventura fala do “Itinerário da mente para Deus” como Mente e Espírito se relacionam com Alma?

Marcos: Nem toda alma é espírito. A alma da planta e a alma do animal não são espírito. Na planta a alma é vegetativa, é a vida, vitalidade das plantas. No animal a alma é sensitiva, é a vitalidade do animal. Mesmo no homem a dimensão vegetativa ou sensitiva do homem ainda não é propriamente o que chamamos de espírito. Mas também não é vegetativo de planta nem sensitivo do animal. A alma intelectiva é espírito. Intelectiva é a alma como capacidade de conhecer e amar. A alma volitiva é uma variante da intelectiva.

HH: Alma sensitiva, volitiva e intelectiva são três momentos do mesmo.

Marcos: O homem é o ser em que todas as formas de vida se concentram. Ele é o UM em tudo. No homem está a forma de vida que é própria das plantas, mas o homem não é uma planta. A vida orgânica do homem, a vida vegetativa: o respirar, o alimentar-se e etc. No homem está também a vida que é própria dos animais. Mas, o homem não é simplesmente animal. A sensibilidade animal do homem não é a sensibilidade dos bichos. Então a animalidade do homem é uma animalidade humana. Não é uma animalidade dos brutos.

HH: Digamos que eu comece a intuir o que é alma, como aquela disposição de receber, estar no aceno. Começo a entender isso e fico gamado nisso. Só que, ao mesmo tempo, estou com fome e penso será que tem por ali um pão de queijo. Ao mesmo tempo, alguém diz: “Você é um caso sério. Estava falando de uma coisa tão interessante… agora está pensando na fome!!!” Aristóteles dá vários nomes para alma. Mas, é como dizer: alma está sendo espírito, a alma está sendo moral, volitiva… Então, este uno, vivo é o que pode ser chamado de alma e de espírito… São direcionamentos do mesmo.

Marcos: Eckhart diz que a alma, quando se concentra inteiramente no conhecer e amar, se torna espírito. Torna-se o espírito que ela é. Ela é imagem de Deus. Ela é filha de Deus. Todas as dimensões do seu ser, quer físicas, anímicas ou orgânicas, animal, instintiva e etc., tudo isso ele põe dentro deste princípio do conhecer e amar.

HH: Deus é doce que nem mel.

Dorvalino: Amar a Deus de todo coração, de toda alma e de todo entendimento.

HH: Coração está ligado ao vital. A alma é todo sentir. Entendimento, mente é tudo isso numa unidade viva, ágil.

Dorvalino: A gente tem sempre a tendência de colocar as coisas como partes.

HH: Em certas compreensões do ser humano se diz que certas camadas são físicas, outras anímicas…

Marcos: Quando se vê o homem assim em camadas se perde de vista o que é totalidade. Essas dimensões dessa única totalidade que é a alma.

HH: Tem gente que pensa assim: “eu sou macho”. Então aquela camada do corpo é instinto. Ou “eu sou fêmea”, então aquela camada do corpo é instinto. Instinto cá, instinto lá, aquilo é natural. Só que o medieval diria: “você não está entendendo nada”. O que chama de corpo, instinto não é animal. Está subsumido no todo. Não é que tem em cima e em baixo. Essa subsunção faz o todo novo.

Marcos: Para distinguir dimensões, tem-se, primeiro, que ter visão do todo. O problema é que, às vezes, no distinguir tomamos as dimensões como coisas que são partes de outra coisa.

Geraldo: Só entendemos fatiado. Fatiar é o limite do nosso conhecimento. Seccionamos sempre.

HH: A física tem que seccionar. É estrutura dela.

Claudio: Na medicina a gente fica à mercê do especialista. Você não está bem, procura um médico e sucede que ele é pneumatologista. Então ele encaminha você para outro médico porque ele acha que seu problema é gástrico.

HH: Só que, o que estamos analisando, não é bem isso. O que estamos analisando é que a  medicina na sua totalidade, no seu ensino, na sua pesquisa está se tornando cada vez mais uma grande física, de tal maneira, que o próprio organismo é molécula, molécula é átomo, átomo é quanta. Este é um grande sistema que está dominando o mundo e tem sua própria lógica. Agora, uma medicina que pode ser chamada de caseira, ainda não entrou inteiramente nisso. Medicina oriental não tem esta estrutura de fundo, mas está se misturando cada vez mais com a medicina ocidental e está se impregnando do mesmo sistema.

Quando falamos de espiritualidade estamos lidando com a mesma coisa. Por exemplo, curso de espiritualidade tem história da espiritualidade, estatística de não sei o quê, e etc. e etc… Não estamos criticando estas coisas. Estamos tentando ver o que está no fundo de cada uma dessas coisas.

Medieval está numa outra. Qual era a pressuposição? Então, aparece alma. Começo a perceber que esta compreensão da alma é uma psicologia interessante porque a pressuposição que lhe subjaz como fundamento é diferente. Então, neste confronto o psicólogo behaviorista diz: “puxa! Nunca tinha pensado nisso”. Não está afirmando nem negando nada. Simplesmente começa a ver a pressuposição a partir da qual está trabalhando. Então, não precisa mudar nada e dentro da própria área começa um movimento de “retorno”.

Marcos: generalista é o que sabe pouco de muito e o especialista é o que sabe muito de pouco. Para superar isso virou moda falar de holismo. Comunidade holística, psicologia holística, mas o que é realmente este “holos”? Está pouco claro.

Começamos nosso encontro com frase de Aristóteles que diz: “a alma é, de certa maneira, tudo”. A gente não está querendo embarcar nessa moda, mas queremos entender: que o indivíduo é singularidade, não é parte. É tudo. Estamos tocando numa questão que hoje é decisiva,… mas o que estamos perguntando mesmo?

HH: Uma parábola diz que havia uma galinha pensadora medieval. Era uma galinha à beira do deserto. Então um dia, viu o deserto e decidiu atravessá-lo. Mas tão pobre que não tinha nada para levar como provisão, mas tinha por princípio que de grão em grão, a galinha enche o papo. Então partiu e encontrou um grão de milho. Bicou-o, salivando-o bastante para aproveitar o máximo. Então pensou: “agora tenho energia e posso andar”. Mas não saiu correndo. Começou a caminhar a passos normais. Depois de andar algum tempo encontrou outro grão de milho, e depois mais outro, mais outro sucessivamente, e, assim, atravessou o deserto.

Mas havia uma galinha que não era pensadora e era uma madame rica no centro da metrópole. Em nome da solidariedade aos que sofrem e lutam, quis experimentar atravessar o deserto. Viu o primeiro grão de milho e não comeu. Pensou: “só um grãozinho, que me adianta? Não me enche o papo”. Continuou andando e encontrou outro grão e disse: “de novo, só um grãozinho! Isto não enche o papo.” Continuou a caminhar e encontrou mais um grão, depois de um tempo mais um e assim por diante. De repente, pensou: “puxa! Se tivesse comido de um em um, já estaria com o papo cheio. Mas, já que não comi os primeiros, que me adianta começar a comer agora?” Este é o problema do universal e do particular.

Claudio: …mas isto está tão enraizado na nossa sociedade que …

HH: que… não adianta tentar…

Claudio: Não. Não é isso.

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