– Como trabalhar o tema da libertação inspirando-se em São Francisco3
– A possibilidade intrínseca de cada coisa
– Querer ter a vez não é vigor da Verdade
Petrópolis, 1. 6. 77
Frei José (Guaíra)!2
Muito obrigado por sua carta de 10. 5. Desculpe a demora.
Não sei se lhe consigo dar a orientação pedida acerca do tema ‘Francisco e a Libertação’.
A ideia de explicitar o fenômeno Libertação através do Capítulo VIII de I Fioretti é boa. Só que na sua situação deve ser bem feito, do contrário você é capaz de levantar, não uma questão, mas sim discussão vã.
Portanto, na exposição, tentar não criticar tematicamente a mania da Libertação hoje4. Nem dar a impressão de que está defendendo uma posição mais profunda ou radical. Colocar a questão Francisco e Libertação como a perplexidade que você realmente sente diante de um texto franciscano medieval e a sua situação hoje de ser solicitado pela ideia e pelo ideal dominante de Libertação.
Para isso, sem falar muito de si, do que é o meu problema etc., procurar colocar bem patente essa perplexidade num quadro ‘objetivo’ diante de si.
Para isso, ler um ou dois livros que tratam da Libertação, só para pegar a definição que eles dão da Libertação. Não é necessário ler muito. Talvez só o prefácio. Tenho a impressão que Boff5 tem alguma idéia nos seus livros. Apresentar então esse quadro Libertação em algumas características, tentando trazer à fala, isso que hoje o consumo clerical pensa usualmente. E fazer tudo isso sem criticar, até com simpatia, como quem apenas expõe um status quo de uma questão.
Depois, coloca ao lado desse quadro o Capítulo VIII de I Fioretti6.
Dá o contraste, sem você expor a sua individual perplexidade. A própria posição uma ao lado da outra gera a perplexidade.
a) Colocar então a questão: Como conciliar as duas posições?
b) NB: a colocação ‘a’ é um truque. É para trazer bem clara à fala a perplexidade em que estamos todos nós. É também um truque da capoeira espiritual. Você dá a impressão que vai dar um golpe num lado em que todo o mundo espera. Você, porém, dá um outro golpe na direção contrária, dizendo:
c) Antes de tentar conciliar essas aparentes posições opostas, vamos antes tentar entender bem a posição de VIII Capítulo, para ver se ela não nos ajuda a compreender melhor as nossas profundas aspirações, quando hoje falamos de Libertação?
d) Então você expõe o Capítulo VIII, analisando-o como acha melhor. Nessa análise, cuidar de mostrar o vigor da Perfeita Alegria não como crítica da Libertação, mas como uma reflexão de profundidade, da qual o pensamento de Libertação pode receber uma firmeza, um âmbito e uma riqueza muito maior do que o usual.
e) – Jamais tomar um tom polêmico. O que deve convencer é a coisa ela mesma, e não eu.
– Não discutir, opondo uma posição à objeção, mas tentar ver no fundo da objeção um anseio para aquilo que pensa ser a essência do VIII Capítulo,
– Evitar no máximo usar o pronome eu. Expor como se fosse uma exposição de mecânica. Impessoal.
Creio que o tema proposto é bom. Só que acho que não devia tomar os meus textos7. É muito importante você dar o seu texto. Fica mais concreto.
O que acho de importância, porém, é o modo de abordar. Começo a achar cada vez mais que o conteúdo, na realidade é bastante indiferente. Também não tem importância se é ou não profundo, vivencial, atuante ou não. O importante é ser real, e não um falar bonito sobre uma situação que é fictícia.
Com outras palavras, ser uma teoria que pratica, isto é, que agarra a realidade com as duas mãos, sem se incomodar se é bonito, profundo, prático ou não. Portanto, em vez de questionar muito, etc., pegar o fenômeno nas mãos e tentar dizer ao outro: está sentindo como é a coisa? E só então questionar.
Quanto à sua iluminação, ao seu satori, a respeito da ‘possibilidade intrínseca de cada coisa, a materialidade’, acho que é isso mesmo!
Aqui8, tudo bem. Com a convicção cada vez mais firme de que a Teologia hoje está bobeando, em querendo ter a vez na sociedade de hoje. Pois esse querer ter a vez não é vigor da Verdade, mas sim um aparecer, o que por sua vez o Pensamento usa como lugar de sua intuição.
A você todo o Bem e a Paz.
fr. H. Harada