Vocacional - Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil - OFM

Espiritualidade e fenomenologia

08/03/2021

 

Ensaios e fragmentos filosófico-fenomenológicos

Introdução

O que segue é coleção de artigos, ensaios, pensamentos esporádicos formulados bem ou mal, referentes à área da espiritualidade, mas sob o enfoque, digamos filosófico-fenomenológico. Mas o título como tal nos engana. É que a coleção não fala nem da espiritualidade nem da fenomenologia em si, mas se concentra ao redor de uma questão, aparentemente prática, formulada mais ou menos assim: o que se deve propriamente entender por espírito e espiritual quando falamos a cada momento, sob vários aspectos e impostações de diversas ciências humanas, na espiritualidade e na filosofia de espírito e espiritual? Assim, aqui por espiritualidade se busca algo como essência do que seja espírito e espiritual. Como a coisa da essência pertence à filosofia, se diz aqui que artigos, ensaios e pensamentos, com razão ou sem razão, têm desejo e pretensão de ser filosófico-fenomenológicos.

O nome fenomenologia usado no título apenas quer indicar, de modo bastante indeterminado e vago, que a impostação dos ensaios e fragmentos ao falar da questão espírito e espiritual é da filosofia fenomenológica.

Hoje, há tantos modos diferentes de entender o que seja espiritualidade e fenomenologia. Se adentrarmos, por pouco que seja, esse emaranhado de interpretações do que seja espiritualidade e fenomenologia, precisaremos nos ocupar com tantas pré-compreensões e pré-suposições que jamais chegaremos a um fim viável para podermos de alguma forma começar a falar sobre algo do espírito e espiritual. Assim, vamos recorrer a um proceder, talvez não bem legal, mas que nos viabiliza essa nossa fala assaz diletante, provisória e imperfeita acerca do tema: a saber, pressupomos como conhecido o que na nossa cultura moderno-contemporânea se diz de modo usual geral e acadêmico sobre espiritualidade e fenomenologia. Ensaios e fragmentos dizem respeito, portanto, a certas questões e problemas que surgem dentro dessa imensa paisagem do já supostamente conhecido. Não se trata, pois, de expor o que seja a fenomenologia, nem o que seja a espiritualidade como tais. Mas a partir de certas questões e problemas que eclodem dentro da paisagem já conhecida, sondar de modo finito e limitado a cerca do que seja propriamente o espírito na espiritualidade e filosofia. É nesse sentido que as reflexões que seguem e seus títulos indicam cada vez a espiritualidade e fenomenologia em busca, em questão. Não se trata, pois, de uma exposição ordenada digamos sistematicamente sobre elas, mas são ensaios e fragmentos a falar de várias coisas, mas como que em repetições, fazendo ressoar sempre de novo uma e mesma toada de fundo: de que se trata quando dizemos espírito e espiritual?  Vários dos ensaios e artigos já foram publicados em outros lugares, mas aqui foram retomados, com certas modificações talvez mais adequadas.

  1. Apreensão e pergunta: O que é espiritualidade?

A pergunta “o que é?” é uma pergunta filosófica. A pergunta interroga pelo ser (é) do quê (o que). Mas o substantivo “quê”, enquanto substantivo, já indica substância e o termo substância, na filosofia já contem em si uma determinada de-finição de o que devemos entender por ser. Aqui entendemos por ser a entidade do que ocorre como simplesmente dado. Em vez de o quê, dizemos também algo, coisa, ente, ser, ou mesmo isto, aquilo. Por isso quando perguntamos “o que é espiritualidade?” estamos perguntando: Que coisa é esta, a espiritualidade? O que é isto, a espiritualidade?

Esse modo de impostar a compreensão do ser como substância, chamou-se na Filosofia de pré-compreensão substancialista do ser, ou melhor, ontologia da substância[1]. A ontologia da substância é o que caracterizou o pensamento antigo grego e medieval e nos trouxe grande visão da paisagem do ser que engrandeceu e dignificou o saber da humanidade acerca de si, do homem, acerca do universo e acerca do divino. Essa visão do ser hoje somente aparece na sua grandeza de modo fragmentado e esporádico. No entanto, embora num modo já bem defasado, endurecido, astênico e ‘fundamentalista’ ela esteja presente em toda parte como o sentido do ser básico de maioria das nossas perguntas e respostas oficiosas e oficiais, a saber, do ser como entidade do que ocorre como simplesmente dado, como coisa, algo, quê, ente[2].

A essa realidade coisa, algo, portanto, ao ente cujo sentido de ser é entidade da ocorrência-coisa, nós confundimos com o objeto, no sentido estrito da sua acepção na filosofia, quando operamos a partir e dentro do sentido do ser da ontologia da subjetividade[3]. Tudo isso significa que a pergunta ‘o que é isto?’ já na sua suposição implica a questão do sentido do ser, de tal sorte que a sua resposta está também implicada com o modo de ser pré-suposto no ontológico, ora da ontologia antiga da substância ora da ontologia moderna da subjetividade.  

  1. O quê da ontologia da substância

[1] Sobre a diferença entre ontologia e metafísica cf.
[2] Coisa em latim é res, -rei. Daí a palavra realidade. Na maneira usual oficial e oficiosa de compreender os entes, o sentido do ser básico enquanto entidade do que ocorre como simplesmente dado, como coisa, determina o que se deve supor de antemão como realidade.
[3] A ontologia da substância usa termos como obiectum  e subiectum, mas esses termos possuem acepção bem diferente dos termos objeto e sujeito da ontologia moderna da subjetividade. Acerca desse assunto cf.
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