Festejamos 150 anos da fundação da Congregação das irmãs franciscanas de Bonlanden. Seu fundador é Pe Faustino Mennel. Festejamos um fato passado de ontem, hoje. Festejamos. Quem festeja? Nós, os presentes, virados para o futuro. Futuro é o tempo que há de vir, mas que ainda não chegou! Que sentido tem, nós virados para o tempo que ainda não chegou fazer festa, olhando para o passado que já se foi, nesse instante fugaz, de hoje, por um dia, mais dias, semanas, meses, por ano inteiro de 2005, nesse ano jubilar?
Por que festejamos o passado? Por que o que aconteceu no passado, a vida e a morte do fundador, o nascimento da congregação e suas obras, ainda permanecem, tem sentido ainda hoje e provavelmente possui perspectiva para o futuro em várias formas e atuações. Em quais formas e atuações? Por quanto tempo? Com que ânimo? Quanto mais longínquos estamos do querido ponto do passado que é nosso, afundados que estamos até o pescoço nas vicissitudes da luta, fracassos, conquistas da comunidade humana a que pertencemos hoje, sentimos o peso do tempo, os desgastes, mas também euforias, que de quando em quando nos alevantam por um tempo, nas revitalizações e retomadas, e nos orientam bem ou mal, de alguma forma, para o vigor originário fundacional. É necessário, portanto, crer que comemorar o passado tem sentido e validez. Mas… é necessário, mesmo? Em que sentido? Se se tratar de necessidade premente, não temos prioridades mais urgentes? Aumento das vocações, tanto numérica como qualitativamente, maior ânimo e clarividência na formação, tanto inicial como permanente, consciência e pertença mais adulta e engajada em formar a colaboração mútua e mais responsável como uma congregação de pessoas livres, adultas, consagradas a uma grande causa, despertar para uma espiritualidade vigorosa e evangélica, que realmente dá clareza e força para crescimento no carisma e na missão de uma congregação etc. Mas, precisamente, para revitalizar-nos, para re-cordializar-nos numa retomada intensificada e concentrada da nossa vocação evangélica, do nosso carisma fundacional, da nossa missão, é que estatuímos, estabelecemos os anos jubilares dentro das ordens e das congregações. Nesse sentido, comemorar é preciso.
A expressão comemorar é preciso é plágio da conhecida expressão navegar é preciso. A expressão foi usada por vários autores, no decorrer da História. Costuma-se atribuir a Pompeu (106-48 a.C.) a sua autoria. Em latim soa: Navigare necesse, vivere non necesse, navegar é necessário, viver, não. E a historiografia nos diz que em 90 a.C., Roma, dominada por uma série de ditadores militares (Sula, Pompeu e Júlio César), começou a tornar-se um centro poderoso de expansão territorial, na vontade de ampliar o poder romano no Mediterrâneo. Essa necessidade e a ambição dos generais criaram a urgência de novas conquistas e da expansão do império ultramarino. A dinâmica da expansão de conquista teria então tomado forma na expressão: navigare necesse, vivere non necesse.
Fernando Pessoa usa a expressão numa de suas poesias intitulada Navegar é preciso. E diz:
Navegadores antigos tinham uma frase gloriosa:
“Navegar é preciso; viver não é preciso”.
Quero para mim o espírito desta frase,
transformada a forma para a casar como eu sou:
Viver não é necessário; o que é necessário é criar.
Não conto gozar a minha vida; nem em gozá-la penso.
Só quero torná-la grande,
ainda que para isso tenha de ser o meu corpo e a (minha alma) a lenha desse fogo.
Só quero torná-la de toda a humanidade;
ainda que para isso tenha de a perder como minha.
Cada vez mais assim penso.
Cada vez mais ponho da essência anímica do meu sangue
o propósito impessoal de engrandecer a pátria e contribuir
para a evolução da humanidade.
É a forma que em mim tomou o misticismo da nossa Raça.
É necessário, é de necessidade; é preciso, é de precisão. Na expressão comemorar é preciso há duas coisas a considerar com precisão. A primeira é: em que consiste a precisão ou exatidão da compreensão de que se trata, quando se fala da necessidade de comemorar e recordar, para poder ter esse quilate de necessidade, da qual fala a poesia de Fernando Pessoa? A segunda: O que fazer, individual-pessoalmente e comunitariamente, quando a minha, nossa, tua, sua instituição, enraizada numa fundação que tem por chão o carisma e a missão de um Deus Humanado, chamado Jesus Cristo – seja quem for o mediador desse carisma e missão –, participando da epocalidade hodierna, onde sentimos cada vez mais crescer o deserto misterioso da perda de sentido de todas as coisas, não se percebe tocada pela ausência da necessidade da precisão nem da precisão da necessidade de re-cordar, i. é, retornar à cordialidade nasciva, na qual alguém como São Francisco, Santa Clara, Pe. Mennel, repetia, a cada in-stante, a cada dia, por semanas, meses e anos, sim a cada momento por toda a sua vida:
Viver não é necessário; o que é necessário é criar.
Não conto gozar a minha vida; nem em gozá-la penso.
Só quero torná-la grande,
ainda que para isso tenha de ser o meu corpo e a (minha alma) a lenha desse fogo.
Cada vez mais ponho da essência anímica do meu sangue
o propósito de engrandecer o Reino e contribuir
para a construção da nova humanidade.
É a forma que em mim tomou o misticismo da nossa Raça.
Comemorar é preciso. Talvez seja essa a forma vitae da Raça cristã denominada Congregação das Irmãs franciscanas de Bonlanden, que está em júbilo e em jogo, nesse ano jubilar da memória primordial.