Na tradição da Espiritualidade sempre se deu muita importância à meditação. E justamente hoje na era da velocidade, do afã do agenciamento produtivo cada vez mais acelerado, começamos a sentir e falar de novo da utilidade e necessidade da meditação.
Só que esse nosso interesse moderno pela meditação pode estar influenciado pela onda consumista da busca do relax psicológico no meio de tantos afazeres, solicitações e exigências, de pressões e necessidades desencadeadas pela vida moderna. Hoje começamos a valorizar a meditação sob o ponto de vista terapêutico. Esse modo de enfocar e valorizar a meditação pode ser útil e legítimo, trazendo-nos um bem-estar muito grande na saúde, uma harmonia, uma serenidade maior.
Mas esse enfoque terapêutico da meditação, embora válido e de utilidade, se só ficamos nele, enfraquece a verdadeira virtude do que na Espiritualidade chamamos de meditação. Pois, aqui, meditação é uma ação, um trabalho árduo, sofrido e paciente, não tanto da busca ou da recuperação da saúde, mas sim da descoberta e assimilação de um sentido da vida mais profundo, transcendente, que a tradição do Ocidente chamou de espírito. Há quem até sacrifica a própria saúde corporal por amor a esse sentido da vida maior. Assim, a essência da meditação está em ela ser espiritual e não tanto em ser terapêutica.
Essa distinção entre a perspectiva terapêutica da meditação e a sua essência espiritual é um tema que necessita de melhor colocação, mais diferenciada e aprofundada. Implica numa reflexão muito difícil acerca de uma força dominante na nossa sociedade consumista, de uma força que tem a capacidade de transmutar tudo que cai sob a sua influência em produtos de agenciamento do bem-estar material e do gozo sensível psico-físico corporal.
Assim a peregrinação se transmuta em turismo, os ritos religiosos e suas festas em folclore, a luta e o confronto mortal em shows e demonstrações, o sagrado em vivências, o amor em sentimento, quando não em sentimentalismo, o trabalho em ocupação, a miséria e a pobreza dos desamparados em notícias. Talvez a busca da meditação como valor terapêutico não se encaixe tão direta e brutalmente nesse tipo de agenciamento. Mas pode ser que sorrateiramente, apesar de todos os benefícios que ela nos pode proporcionar, ela mesma participe também dessa tendência hodierna de “processamento” e “manipulação” epocais.
Na nossa reflexão a seguir não vamos entrar nesse tema. Aqui vamos apenas fazer rápidas considerações sobre alguns pontos elementares que poderiam ser úteis à meditação, entendida não tanto como prática terapêutica, mas sim como trabalho espiritual. As dicas aqui mencionadas podem ser encontradas em qualquer manual de meditação, também de outras religiões e mundividências que não são cristãs, com muito maior clareza e melhores explicações.
Na meditação é necessário assentar-se.
Assentar-se é uma expressão para indicar uma atitude e um estado da alma, os quais eu devo adquirir através de empenho e exercícios. Quando agito uma garrafa de vinho caseiro, se houver borra, esta que se achava no fundo da garrafa sobe, se mistura com o vinho e ele fica turvo. Você coloca a garrafa bem quieta sobre a mesa, deixa-a um tempo parada, a borra desce, se sedimenta no fundo, e o vinho se torna transparente e limpo. Assim acontece também com a nossa mente. Que a nossa mente esteja agitada, que o pensar, o querer, o sentir estejam turvos, você muitas vezes só percebe quando pára. Parar é necessário primeiramente para se perceber que a mente está agitada, poluída, confusa e turbulenta. Mas também para que a mente se aquiete, para que a agitação se assente como a borra desce no fundo da garrafa, e para que se fique com a mente serena e transparente, é necessário continuar parado. Parar aqui, no entanto, deve ser entendido no seu sentido o mais elementar, a saber, fisicamente. É, pois, parar elementarmente. Por exemplo, sentar-se numa cadeira no quarto; ajoelhar-se diante do sacrário; ficar de pé num canto silencioso do jardim, debaixo de uma árvore; deitar-se sobre um tapete etc. Parar elementarmente, pois, é ficar fisicamente imóvel, colocar o corpo em repouso, como se fosse uma garrafa que contém dentro de si o vinho precioso, no caso da meditação, a nossa mente. Paradoxalmente, se você assim o fizer, o que cada vez mais vai se agitar é seu pensamento, sentimento, sua vontade. O seu pensar, a sua vontade e o seu sentimento acharia tudo isso sem sentido, perda de tempo insuportável, artificial e ridícula. Sentirá a tentação de se mexer, de ir embora, fazer uma outra coisa mais útil. O exercício, porém, consiste em empenhar-se para, com a maior simplicidade e sem-vergonhice, não se mexer fisicamente. Digamos, em vez de sem-vergonhice, com grande cordialidade. E desprezar soberanamente todos os movimentos e agitações mentais, não dar ouvidos aos zumbidos dos arrazoados “espirituais” da mente, não levar em conta seus sentimentos, seus pensamentos, seus desejos, mas também não os combater: simplesmente ignorar. Simplesmente ficar parado, sem se mexer, suportando cordialmente que as agitações mentais passem por sobre você como ventos e chuvas de uma tempestade.
Na meditação é necessário ser pobre.
Esse assentar-se fisicamente parece que nada tem a ver com meditação e espírito. No entanto, é um dos elementos primitivos, básicos e primários de uma meditação real. Criar, portanto, dentro de si uma atitude, uma mentalidade, sim, um gosto para exercícios pobres, sóbrios e elementares, é o segredo inicial na aprendizagem da meditação. É necessário compreender e experimentar que a riqueza espiritual só é dada a pessoas que tem a coragem e a inteligência de primeiro se concentrar numa coisa simples, pobre e elementar; portanto, criar uma mentalidade para a qual só ficar parado fisicamente por 30 a 60 minutos já é uma grande coisa, preciosa, gostosa, digna de ser aperfeiçoada cada vez mais.
Na meditação é necessário ser como espelho.
O espelho espelha uma rosa e com isso não se torna róseo, não se torna belo e colorido como rosa, mas permanece espelho, transparente, sem cor, sem nada. Pode espelhar o excremento o mais nojento e permanece como antes, transparente, sem cor, sem nada. Por quê? Porque se mantém fiel à sua função, se atém rigorosamente à sua tarefa de apenas espelhar, de apenas registrar o ocorrido. Portanto, não valoriza, não valora, não toma partido, não intervém, não julga. Apenas considera, observa, vê, registra, capta como é. Portanto, depois de ter conseguido a arte de ficar parado fisicamente, de estar sem se mexer, quieto, gostosamente em relax, apenas sentindo o corpo e os movimentos de suas vivências, é necessário tornar-se como espelho, aprender a arte de apenas registrar todas as coisas que ocorrem dentro de você e fora de você, a saber, suas próprias vivências internas como, por exemplo, pensamentos, volições, sentimentos, imaginações e sensações, mas também os estímulos que vêm de fora, como, por exemplo, os sons, barulhos, ventos etc. Portanto, registrar tudo, todas as vivências internas e externas como se a gente fosse um espelho limpidamente transparente que apenas registra: tudo. Com outras palavras, aprender a relacionar-se para consigo mesmo e tudo que vai na alma como se estivesse observando a um estranho. Disciplinar, pois, a mente no sentido de se ver tranqüilamente como se é.
Na meditação nos tornamos mais finos e diferenciados em ver a realidade dentro de nós e fora de nós.
Uma pessoa que se exercita longa e pacientemente nos itens acima insinuados, com o tempo, começa a enxergar melhor. Aqui não é necessário preocupar-se de querer enxergar melhor, pois o simples fato de se tornar sereno e ter a mente bem assentada resulta na capacidade de intuir claramente, com finura, diferenciadamente. Então tudo começa a aparecer na claridade do medium da transparência da sua mente, de tal modo que o dentro e o fora perdem a sua significação, pois tudo, isto é, cada coisa vem a você cada vez como é, simplesmente dentro, isto é, no medium da transparência de si que é anterior à fixação classificatória. A partir dessa transparência da serenidade, quando você, digamos, mais tarde discute, pondera, reflete ou lê um texto, começará a ver as nuances de idéias, os preconceitos, as perspectivas e possibilidades implícitas, as precompreensões e pressuposições ocultas; você aprende a ler entre linhas: começa a saber refletir.
Na meditação é necessário amar a materialidade do fazer corpo a corpo.
Alguém que é muito impetuoso e vital, ou sublime e “espiritual”, poderia objetar dizendo: tudo isso é algo muito apoucado, primário e elementar. Com tais exercícios concentrados em “coisinhas” nada se consegue na vida espiritual. É necessário mais elã, mais vivência, animações espirituais, mais movimento e ação, mais métodos eficientes de acionamentos etc.
No entanto, não é assim que, mesmo em falando de todas essas exigências maiores, espirituais, na realidade do corpo a corpo com as coisas do espírito, a verdadeira dificuldade somente surge e é sentida como real quando se faz de fato? Por isso, por mais que se fale, sinta, se exija isto ou aquilo maior, tudo muda, tudo é bem diferente quando eu agarro a busca espiritual com ambas as mãos numa luta corpo a corpo e a pratico, a faço eu mesmo, carregando em concreto todo o peso de mim mesmo com tudo que ele implica.
Nós, humanos,, queiramos ou não, somos corporais. Ser corporal é uma experiência do espírito, experiência de um modo de ser todo próprio da existência humana que se chama finitude. Sua essência consiste em ter que ser cada vez na coragem de ser. Não há nada no homem que não esteja referido intimamente a esse vigor da finitude. Por isso é que necessitamos de todo o nosso empenho para podermos de fato fazer uma “ coisinha” tão simples como a de ficar parado, quieto por 30, 60, 120 minutos sem fazer nada: o elementar.
Na meditação, pois, é necessário compreender e gostar do apoucado elementar que não é outra coisa do que o tesouro precioso da nossa finitude humana.
Queremos meditar e bem? Fazer de fato a meditação? Não tanto como terapia da saúde, mas como trabalho espiritual? O primeiro momento básico para criar a condição da possibilidade de uma tal meditação é parar, segurar fisicamente esse meu corpo no ânimo da nossa finitude. O empenho cordial com que se doa a uma tarefa tão simplória e elementar, na realidade, é já plenamente a dinâmica do espírito humano, do sopro vital da existência humana, cujo coração generoso pulsa intrepidamente na finitude, no vigor da Encarnação.