Vocacional - Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil - OFM

XII – Dos que querem ir para entre os Sarracenos e outros infiéis

11/02/2021

 

DOS QUE QUEREM IR PARA ENTRE OS SARRACENOS E OUTROS INFIEIS
DE EUNTIBUS INTER SARACENOS ET ALIOS INFIDELES

Quicumque fratrum divina inspiratione voluerint ire inter sarracenos et alios infideles petant inde licentiam a sxuis ministris provincialibus. Ministri vero nullis eundi licentiam tribuant, nisi eis quos viderint esse idôneos ad mittendum.

Quaisquer dos irmãos que, por inspiração divina, quiserem ir par entre os sarracenos e outros infiéis, peçam para isso licença a seus ministros provinciais. Os ministros porém não dêem licença de partir se não aos que virem idôneos para serem mandados.

RNB: Diz o Senhor: “Eis que vos envio como ovelhas ao meio dos lobos; sede pois prudentes como serpentes e simples como pombas” (Mt 10,16). Se pois houver irmãos que quiserem ir para entre os sarracenos e outros infiéis, que vão com a licença de seu ministro e servo. “Se o ministro reconhecer que eles são idôneos para serem mandados, dêe-lhes a licença e não a recusem; pois terá que dar contas ao Senhor (cf. Lc 16,2), se nisso ou em outras coisas agir sem a devida discrição. “E os irmãos que partiram poderão proceder de duas maneiras espiritualmente com os infiéis: O primeiro modo consiste em absterem-se de rixas e disputas, submetendo-se “a todos os homens por causa do Senhor” (1Pd 2,13) e confessando serem cristãos. 0 outro modo é anunciarem a palavra de Deus quando o julgarem agradável no Senhor: que creiam no Deus todo-poderoso, Pai, Filho e Espirito Santo, Criador de todas as coisas; no Filho, Redentor e Salvador; “e se façam batizar e se tornem cristãos, porquanto “quem não nascer da água e do Espirito Santo não pode entrar no reino dos céus” (Jo 3,5). “Estas e outras coisas agradáveis ao Senhor poderão dizer a estes e a outros; “pois diz o Senhor no Evangelho: “Todo aquele que me confessar diante dos homens, eu também o confessarei diante de meu Pai, que está nos céus” (Mt 10,32); quem se envergonhar de mim e de minhas palavras, dele se envergonhará o Filho do homem quando vier em sua glória, na glória do Pai e dos santos anjos” (Lc 9,26).

“E todos os irmãos, onde quer que estejam, considerem que se entregaram ao Senhor Jesus Cristo e lhe deram direito sobre seus corpos. Por amor dele, devem expor-se aos inimigos, visíveis e invisíveis; pois diz o Senhor: “Quem perder a sua vida por causa de mim, salvá-la-á” (Mt 8,35) para a vida eterna. “Bem-aventurados os que sofrem perseguição por causa da justiça, porque deles é o reino dos céus” (Mt 5,10). “Se me perseguiram a mim, também perseguirão a vós” (Jo 15,20) “Quando vos perseguirem numa cidade, fugi para outra” (Mt 10,23). “Bem-aventurados sereis quando os homens vos odiarem, insultarem e perseguirem e vos expulsarem e escarnecerem e injuriarem vosso nome como réprobo e falsamente disserem contra vós todo gênero de mal por minha causa. Alegrai-vos e regozijai-vos naquele dia, “porque grande será a vossa recompensa no céu!” (Mt 5,11-12; Lc 6,22-23). “A vós, meus amigos, advirto. “Não vos deixeis atemorizar por eles! Nem tenhais medo dos que matam o corpo, e nada mais podem fazer” (Mt 10,23). “Não vos perturbeis” (Mt 24,6), pois “por vossa paciência salvareis vossas almas” (Lc 21,19) “O que perseverar até o fim, esse será salvo” (Mt 10,22).

Ir para entre os sarracenos e outros infiéis. De todas as regras monacais surgidas na Igreja no decurso da história, a nossa é a primeira que contém disposições a respeito da ‘missão’ entre os infiéis. O exuberante amor a Cristo impelia nosso Santo Pai a levar a todos os homens a boa nova do Remo de Deus. Contanto que o quisessem, sempre tornava a enviar os seus frades em missão. Embota tentasse repetidas vezes ir em missão, só uma única vez o conseguiu. Com isso o olhar do santo atingiu os limites do caminho aberto então ao apostolado dos seus frades. Com amor e solicitude paternal ele lhes dissera tudo o que julgava necessário para seu gênero de vida. Por isso aa regra termina aqui; também seus limites são atingidos.

Os irmãos não recebem indicações especiais para seu trabalho. Sem dúvida, deverão antes de tudo dar testemunho do evangelho por sua vida cristã, colocada a serviço do reino de Deus, justamente como faziam os demais irmãos.

Não deem licença de partir senão aos que virem idôneos. Entre os irmãos itinerantes, o caminho da missão é o mais longo e o mais perigoso. F não quer mandar ninguém para a missão, sem mais nem menos. Requer-se para isso um chamamento especial por parte de Deus, uma “divina inspiratio”, bem como um exame e uma ordem especial por parte do ministro competente. Os Ministros devem examinar os irmãos que fazem pedido de ir para a missão com todo vigor e cuidado. Se o ministro “ver que são idôneos” para serem missionários, “conceda-lhes a a permissão sem relutância”. O Ministro não pode, por outros interesses, reter um irmão idôneo. Assim o exige a reverência para com Deus que chama, “pois terá de dar contas ao Senhor”. A responsabilidade cabe ao ministro: ele deve enviar os idôneos e reter os inaptos para a missão entre os infiéis. O missionário é enviado a partir da força que anima a Ordem. Não vai em seu próprio nome, por sua própria força; a missão de Deus e da Igreja; então pode atuar no espirito do Senhor, confessar o Deus de Jesus Cristo. É arauto do grande Rei, instrumento do Senhor, que anuncia a palavra quando julga agradável ao Senhor.

Por inspiração divina. Em que consiste concretamente a idoneidade? O que é ser missionário? Como atuar no meio de quem está numa outra? Por exemplo, como atuar com o diferente dentro da Igreja. Hoje falaríamos em diálogo, aculturação, respeito do outro. São Francisco não se preocupa com o sarraceno, mas com o frade que vai entre eles. São Francisco dá o critério de idoneidade. Deve ser por inspiração divina. Mas como saber que é inspiração divina? São Francisco parece saber quando alguém é idôneo ou não! Nós sempre nos perguntamos “como saber” da idoneidade, procuramos um critério, mas nunca nos perguntamos “como fazer para saber” da idoneidade.

São Francisco diz: não adianta perguntar pelo critério; você deveria saber! Que tal se não existe o critério?! Nós sempre estamos de olho na escala de valores, mas descuidamos que o ‘olho’ seja sensível; e o olho fica sensível por meio de longo cultivo. Para ser clarividente teria que ter-se exercitado 20 anos. Aí não precisaria mais de critério, porque pega logo. O viver discipular tem seu método. Ao perguntar pelo critério já se está fora da metodologia própria. Metodologicamente há diferença de nível entre o buscar um critério e buscar afinar-se. Não se trata de dom, mas de longo limar-se e afinar-se.

RNB: Eis que vos envio como ovelha no meio de lobos. Qual o tom fundamental destes textos? Parecem textos de malhação? Para o discípulo que quer ser como o seu mestre, estas dificuldades são oportunidade de discipulado. Como dissesse: “Pode me usar de bucha de canhão ou tropa de guerrilha que vai fazer serviço sujo, treinada para aguentar qualquer coisa’. Este parece ser o tom destes trechos. Ovelha no meio de lobos está completamente exposta à morte: sua força é a mansidão; a força do lobo é a violência, a dominação e o poder. O frade missionário não tem nenhuma defesa tipo lobo. São Francisco, ao falar em ovelha, pensa em Jesus Cristo, o Cordeiro levado ao matadouro.

Para enfrentar o lobo, a ovelha deve assumir sua alma de ovelha: simples como a pomba e prudente como a serpente. Serpente é animal da terra, pomba animal do céu. A pomba é ingênua, está acostumada com o limpo; tudo é fino e límpido para ela, sem malícia e sem cálculo. São Francisco em certos momentos é animal da terra e em outros é animal do céu. O que significa prudente como a serpente? A prudência da serpente é a timidez: ela não ataca, se recolhe, se esconde em buracos, não se expõe à toa ao perigo, não tem iniciativa de luta. Quando ataca é como que a reação da sua timidez. É uma certa fraqueza que é sua força. É o oposto do cachorro que vai sempre perambulando por aí à cata de alguma coisa. No humano prudente como a serpente não será que significa o jeito do “mineirinho’, não?! Ele vê a realidade diferentemente de um texano. O texano está sempre disparado, só vê preto ou branco; o mineirinho é mais concentrado, vê nuanças, busca perceber a coisa, é observador, humilde. É uma maneira de ser mais chão, mais terra-a-terra, mais de inconsciência do que de consciência “clara e distinta” (= o muito querer, muito saber, muito entender): mineirinho parece que não sabe o que quer; está na escuta da realidade para ver como se apresenta sem intervencionismo, Isto é “ser prudente como a serpente”.

RNB: Pois terá que dar contas ao senhor. O não reconhecer o espírito do Senhor em quem pede de ir para a missão exige que se dê conta ao Senhor. Nós dizemos: se o ministro não reconheceu a idoneidade, fez bem em negar a permissão par ir nas missões. O medieval diria: se não reconheceu, deverá dar conta ao Senhor. Por quê? Porque faltou discrição, afinação, por parte do ministro. Para nós, quando uma pessoa é sincera e fez tudo que podia, tá tudo legal, para o medieval não, porque não se produziu a obra boa. O medieval pensa: o discípulo depois de muito tempo não pode fazer a obra má; se fizer deve dar conta ao senhor. Se o ministro não reconhecer a idoneidade, algo nele não está bom. Não reconhecer a idoneidade implica rever a si mesmo, de como está na via escolhida para vc. Mesmo. Isso, porém, não significa que o ministro deva acertar tudo, sempre; mas também não diz: eu tenho direito de errar. Pode errar, mas deverá dar conta, porque todo ato tem uma história, uma chegada. “Dar conta” é uma estrutura discipular não judicial que vale tanto para o ministro como para o discípulo missionário.

RNB: Pode atuar espiritualmente de duas maneiras. “Espiritualmente” tem relação com discreto, prudente, simples, cor ânimo de Deus, como se Deus se substituísse ao ego pessoal. Não é oposição corpo-alma. O nosso entendimento de espiritual é etéreo, é epifenômeno, oposto ao verdadeiro espirito. “Espiritual” é uma dinâmica especial que é de Deus, daí pregação espiritual, oração espiritual, isto é, com jeito de Deus: rezar como Deus rezaria.

O texto apresenta dois métodos de pastoral. O primeiro consiste em colocar-se na atitude de cavaleiro, servindo ao seu Senhor; e se alguém perguntasse: “Quem é você?”, responderia: “Eu sou um cristão; “Mas porque está nos servindo?”. “Porque o meu Senhor, a quem eu sirvo, é assim!”. São Francisco, vassalo de Jesus Cristo, declara a nobreza do seu Senhor e da sua identidade de servo. Aí alguém pode dizer: “Teu rei é melhor do que o meu, então eu passo para o teu”. O segundo método consiste na pregação explícita do kérigma, do teor, da intuição essencial do cristianismo. Para nós todos estes termos (16,9) são doutrina, mas para São Francisco não; são como explicitar o “eu sou cristão”.

Num método pastoral como no outro, São Francisco não está tanto interessado na conversão do outro, mas em anunciar o próprio rei, convicto de que o Senhor tem sua força e que é ele que converte os corações, somos da estirpe tal, nosso estilo de luta é este, e convida a acreditar; o estilo do nosso rei é submeter-se a todos os homens, como cordeiro no meio de lobos… A conclusão é deixada àqueles que os veem. Então há duas modalidades de anunciar: uma pele a pele, fazendo, como resistência elétrica no meio da água; a outra anunciando. São dois estilos de pastoral. Tem-se a impressão de que São Francisco prefere a primeira modalidade (cf. cap. 9).

Hoje na missionologia se diz: os outros já são salvos (cristãos anônimosl); ninguém mais diz: extra Ecclesia nulla salus. São Francisco não pensa assim. é anti-Concílio Vaticano II? Hoje quando conversamos com um não cristão, não nos apresentamos pelo que somos: cristãos católicos. Temos receio de dizer que o nosso absoluto e Jesus Cristo: achamos que não podemos ser dogmáticos; mas quando se ama muito (ele e meu Senhor!), você não se sente no direito de esconder isso, nem mais se tem receio. Por exemplo: é pecado não ir na missa dominical? Nós “enrolamos” na resposta porque não temos evidências, não amamos, não temos paixão pela “coisa”. Tivéssemos, seríamos categóricos, mesmo que com toda atenção para as situações do outro. Os padres japoneses sempre falam do método para transmitir Jesus Cristo aos asiáticos, mas não falam de Jesus Cristo! Teresa de Calcutá só fala de Jesus Cristo!

RNB: Agradável ao senhor. Há situações em que se possa anunciar a palavra de Deu de modo não agradável ao Senhor? Quando o pastoreio de fato não e agradável ao Senhor? Agrada o senhor aquilo que realmente se atina com o Senhor.

Ad haec per obedientiam iniungo ministris, ut petant a domino papa unum de sanctae romanae ecclesiae cardinalibus, quis it gubernator, protector et corrector istius fraternitatis, ut semper subditi et subiecti pedibus eiusdem sanctae ecclesiae stabiles in fide (Col 1,23) catholica paupaertatem et humilitatem et sanctum evangelium Domini nostri Jesu Christi, quod firmiter promissimus, observemos.

Além disso, pela obediência imponho os ministros, a obrigação de pedir ao Senhor Papa um dos cardeais da santa Igreja Romana, que seja governador, protetor e corretor desta irmandade, “para que, sempre súditos e sujeitos aos pés da mesma santa Igreja, firmes na fé católica, guardemos a pobreza e a humildade e o santo Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo como firmemente prometemos.

RNB: Guardemos pois as palavras, a vida, a doutrina e o santo Evangelho daquele que se dignou pedir a seu Pai por nós e nos manifestou o seu nome, dizendo: “Pai, manifestei teu nome aos homens que me deste (Jo 17,6), porque eu lhes comuniquei as palavras que me deste, e eles a receberam e conheceram verdadeiramente que eu saí de ti, e creram que me enviaste.

Rogo por eles; não rogo pelo mundo, mas pelos que me deste: porque são teus, e tudo o que é meu é teu (Jo 17,8-10). Pai santo, guarda os que me deste, em teu nome, para que sejam um como nós (Jo 17,11). E falo essas coisas no mundo pra que eles tenham minha alegria completa em si mesmos. Dei-lhes a tua palavra, e o mundo os odiou porque eles não são do mundo, como nem eu sou do mundo. Não peço que os tires do mundo, mas que os guardes do mal. Santifica-os na verdade, pois a tua palavra é a verdade. Assim como tu me enviaste ao mundo, assim também eu os enviei ao mundo; e por eles me santifico, para que eles sejam deveras santificados. Não peço só por eles, mas também por aqueles que por sua palavra hão de crer em mim (Jo 17,13-20), para que sejam consumados na unidade, e o mundo conheça que tu me enviaste, e amaste a esses como me amaste a mim; quero dar-lhes a conhecer o teu nome, para que o amor com que me amaste esteja neles, e eu neles (Jo 17,26). Pai, os que me deste, quero que, onde eu estiver, eles também estejam comigo, para que vejam tua glória no teu reino” (Jo 17,24).

E a todos aqueles que querem servir ao Senhor na santa Igreja católica e apostólica; a todas as ordens eclesiásticas, aos presbíteros, diáconos, subdiáconos, acólitos, exorcistas, leitores, hostiários e demais clérigos, “todos os religiosos e todas as religiosas, “todos os jovens e crianças, os pobres e necessitados, os reis e príncipes, os operários, lavradores, servos e senhores, todas as virgens, as solteiras e as casadas, os leigos, homens e mulheres, todas as crianças, os adolescentes, os jovens e os anciãos, os sãos e os enfermos, os pequenos e os grandes, e todos os povos, gentes, tribos e línguas, todas as nações e todos os homens em toda a face da terra, os que houve e os que haverá, humildemente rogamos e suplicamos nós todos os frades menores, nos servos inúteis (Lc 17,10), que perseveremos todos na verdadeira fé e penitência, porque de outra forma ninguém poderá salvar-se. “Amemos todos, de todo o coração, com toda a alma, com todo o espírito, com toda nossa capacidade e força, com todas as virtudes do espirito e do corpo (Dt 6,5), com todo empenho, todo afeto, todas as entranhas, todos os desejos e vontades – o Senhor nosso Deus, que nos deu e nos dá a todos nós, todo o nosso corpo, toda a nossa alma e toda a nossa vida, “que nos criou e nos remiu e só por sua misericórdia nos salvará, “que a nós miseráveis e pobres, pútridos e asquerosos, ingratos e maus, nos cumulou e cumula de todos os bens.

Outra coisa não desejemos, nem queiramos, nem nos agrade, nem nos alegre senão o nosso Criador e Redentor e Salvador, o único e verdadeiro Deus, “que é o bem pleno, o bem todo, o bem inteiro, o sumo e verdadeiro bem, que só Ele é bom (cf. Lc 18,19), carinhoso e meigo, suave e doce, que só Ele é santo, justo, verdadeiro e reto, só Ele benigno, inocente e puro; “dele, por ele e nele é todo perdão, toda graça, toda glória de todos os penitentes e justos, de todos os santos que se alegram juntos no céu. “Nada pois nos impeça, nos separe, se nos interponha. Em toda parte, em qualquer lugar, a toda hora e tempo, diária e continuamente, creiamos sincera e humildemente, retenhamos no coração e amemos, sirvamos, louvemos e bendigamos, glorifiquemos e sobre-exaltemos, magnifiquemos e rendamos graças ao altíssimo e sumo Deus eterno, “trino e uno, Pai, Espírito Santo, Criador de tudo o que existe, Salvador dos que nele creem e esperam e o amam, “que não teve princípio nem terá fim, imutável, invisível, inenarrável, inefável, incompreensível, imperscrutável, bendito, louvável, glorioso, sobre-exaltado, sublime, excelso, suave, amável, cheio de delicias e sempre inteiramente desejável acima de todas as coisas por toda a eternidade.

“Em nome do Senhor rogo a todos os irmãos que aprendam bem o teor e sentido do que está escrito nesta regra de vida a bem da salvação de nossa alma e frequentemente o recordem. E imploro a Deus que Ele, que é todo-poderoso, trino e uno, abençoe a todos os que isto ensinarem, aprenderem, guardarem, recordarem e praticarem, todas as vezes que repetirem e exercerem o que ai está escrito para nossa salvação. E beijando-lhes os pés a todos suplico que amem, protejam e guardem esta regra de vida. E da parte do Deus todo-poderoso e do Senhor Papa e sob obediência, eu, Frei Francisco, preceituo firmemente e ordeno que ninguém diminua nada do que está escrito nesta regra de vida nem lhe acrescente alguma coisa, e que os irmãos não tenham outra regra.

“Glória ao Pai, ao Filho e ao Espírito Santo. Assim como era no principio, agora e sempre e por todos os séculos e séculos Amém.

Além disso. Tendo já regulado a vida quotidiana dos irmãos, segue ainda uma advertência final que resume tudo e realça mais uma vez os princípios básicos da vida minorítica, isto é, o “tenor vitae nostrae” que o capítulo 1° trouxe como programa fundamental. A expressão “Ad haec” não se refere apenas às últimas frases da Rega mas a tudo que fora dito antes: “Ainda, acima de tudo”, atendam o seguinte: sejam firmemente alicerçados na obediência á Igreja, representada pelo Cardeal Protetor, o qual é propriamente seu supremo superior, o “papa da Ordem”, conforme certa vez São F o chamara. É dever especial dos ministros, talvez quando reunidos em capítulo geral pedi-lo ao Senhor Papa.

É da obrigação do cardeal protetor manter os irmãos unidos à igreja, e isto pela obediência incondicional e pela fé intrépida. Só assim os frades poderão realizar sua vida e concretizar sua profissão: guardar a pobreza e a humildade de JC que constituem o âmago da vida segundo o evangelho.

Sem dúvida o capítulo 1 e este trecho contém o enunciado essencial da regra, enunciado que deve conferir a todo o resto espírito e vida. Nessas disposições se concretizou a afirmação dos biógrafos de Francisco: “caeteris institutis sanctum evangelium anteponens” (2Cel 216).

Firmes na fé católica. O medieval tinha de uma coisa que nós, já há muito tempo perdemos: a consciência do universal; nossa consciência hoje, é individual. A primeira coisa que nós procuramos e a do eu; o que vale mesmo é o indivíduo e sua realização; pouquíssimas vezes falamos da nossa pertença a uma comunidade, e, pior ainda, entendemos esta pertença à comunidade como estorvo para o indivíduo, como estrutura que abafa a nossa possibilidade individual. Por isso, estamos pouco afeitos a uma consciência do universal, da humanidade, como tal. Se, hoje, com toda essa consciência individualista, falamos muito de social, no fundo o fazemos porque somos individualistas; toda esta fala tem muita força para uma vivência sofisticada, mas não para uma transformação real.

O medieval partia de uma consciência bem diferente; observando a si mesmo dizia: eu faço parte, vivo em sintonia de um enorme universo; se estamos respirando, se existimos é porque tivemos nossos pais: se tivemos nossos pais, é porque tivermos nossos avós, tataravós; se vivemos, para vivermos precisamos de casa alguém que fez a casa, da comida etc. Os medievais, em todas as linhas, descobriam dependência e consideravam essa dependência não uma coisa negativa, mas como pertença a uma grande universidade cósmica e humana. Por isso davam grande importância à autoridade dos antepassados porque se sentiam no seio da grande pulsação universal.

Por isso, davam muita importância à pertença à Igreja Católica, como manifestação de uma comunidade de pessoas que, através do espaço e do tempo, seguiram Jesus Cristo. consequentemente davam enorme importância ao ser fiel à comunidade, à pertença, e nada faziam fora da Igreja; por mais autêntico que alguém pareça, é uma forçazinha, ao passo que, entrando na enorme corrente chamada Igreja, pertence e atua dentro de uma força universal. Isso cria transformações que duram. A nossa tendência individualista, hoje, coloca o individuo como força maior. Fazemos uma porção de coisas autênticas, dentro da Ordem e da Igreja, mas completamente isolados; pode ser elogiado; pode ser muito autêntico, no entanto passado o “indivíduo” passou tudo! Se São Francisco tivesse feito tudo fora da Igreja, não teríamos hoje a Ordem franciscana! Ele não passava de um santo a mais.

Guardemos a pobreza e a humildade e o Santo Evangelho. A Regra de São Francisco tem um fio condutor interessante para a nossa consciência hoje. E esse fio condutor nós viemos denominando de “projeto de vida”. Essas palavras são para assinalar o modo de ser do viver humano. O viver humano tem diferentes modos de ser: para certas coisas é necessário determinado modo de ser, para outras outro modo de ser. Vamos caracterizar melhor o que seja “projeto de vida”, ajudando-nos com o seguinte gráfico que busca sintetizar o esquema antropológico medieval.

O filosofo e teólogo Kierkegaard caracterizou as etapas do viver humano assim: etapa Estética, desde a infância até a adolescência, onde o prazer domina; etapa Ética, em que surge a vontade, o querer, o projeto, a busca, o destinar-se da pessoa; etapa Religiosa, que acontece quando o ético amadurece bem e se transforma num encontro; etapa da fé, quando o religioso se abre ao seguimento de JC. A vida religiosa bem trabalhada é assim a mais radical caminhada do amadurecimento humano.

Na infância, a força que anima é a força natural instintiva; quando a criança mexe a boca porque quer mamar, o faz por causa de uma movimentação vital impulsiva-natural, denominada de biológico, físico, anímico. O que caracteriza essa etapa é o corpo orgânico vivo. A criança que dorme, que berra quando está com fome, que agarra e quer por na boca quando vê algo brilhante, é criança sadia. A sensação que domina, coordena e impulsiona é prazer e desprazer; quando se cria o desprazer o bebezinha chora; quando está quentinho dá aqueles gritinhos gostosos de ouriv. Nesse estágio o importante é o desenvolvimento orgânico natural, que nós chamamos de vital. O medieval chamou esse nível de “vida”.

Mas aos poucos o ser humano vai crescendo e passa para um estágio mais acordado; começa a afeição, que é parecida com o natural-instintivo, mas é muito mais. A afeição aos poucos se transforma em desejo e quando afeição e desejo ficam fortes, começam a surgir propósitos. E é isso que a LTC descreve nos primeiros capítulos da vida de São Francisco. Nesse nível de dinâmica o medieval não usa a palavra psíquico, mas animico; nesse estágio o sensorial que predomina e coordena é gosto-o o gosto; o gosto-o o gosto toma a feição de entusiasmo, e o modo de crescer é a expansão espontânea. Nós chamamos isso de vivência, de etapa vivencial. Aqui usamos palavras como “vibrei adorei…”, palavras que a juventude gosta de usar. É a etapa vital da adolescência.

No deparar a si mesmo o adolescente intensifica mais e mais seus “propósitos”: briga com o colega, faz o propósito e não briga mais; daí a pouco não aguenta mais as provocações do colega, entra a dinâmica gosto-o o gosto e então briga de novo; e vem novo propósito. Crescendo, surgem perguntas como: “O que é que eu quero de mim?” e começa a fazer propósitos de uma envergadura maior, que subsumem sua potencialidade. Do impulso natural., do desejo e dos propósitos, começa a surgir uma força que se transforma em vontade; projeta um ideal; se engaja. Aqui já começa o “projeto de vida”. O jovem busca o sentido da vida, constrói o seu próprio destino, toma à mão o seu destinar-se. Nesse nível, o que anima é o saber e o querer; o que fomenta e afirma é a decisão que se expressa em: me comprometo ou não me comprometo, assumo ou não assumo. Nesse nível dizer “não assumo’ é também uma forma de assumir; dizer “não quero” é dizer: “quero”. Portanto, diga “sim” ou “não”, tanto o “sim’ como o não são comprometimento. Essa dinâmica é de busca, aprendizagem, empenho para conseguir uma habilitação. É o estágio do trabalho, do poder, isto é, ele pode, trabalhou bastante, se pode confiar nele; isto é, ele assume, ele é capaz. Isso caracteriza uma idade plena e madura.

Dentro desse comprometimento, dessa decisão e dessa capacidade de assumir o seu próprio destino, dentro desse amadurecimento há uma etapa posterior, mais profunda, onde a vontade de engajamento no projeto de vida se transforma em encontro, que nós chamamos Encontro de amor. No encontro o que envolve e o amor; o amor não e só sentir: é sobretudo querer, um querer decisivo que se encaminha para uma plenitude maior. Aqui o comprometimento se transforma em doação grata, um comprometimento muito maior do que o querer de um projeto. Neste estágio a dinâmica de crescimento é contínuo renascimento, chamado conversão. E o modo de ser deste nível, é chamado “graça”. Quem é agraciado por ela será “menor”. Uma escola de psicologia chamou este nível de “infância divina”; não é “infância humana”, é infância que atravessou toda a etapa da maturação para desabrochar numa nascividade que parece infância, mas é o empenho, o poder, a capacidade de comandar o seu próprio destino, numa “vitalidade espontânea” que a Bíblia e os medievais chamavam Espirito, sopro de vida.

Quando, depois de tudo isso, alguém se coloca à disposição do Seguimento de NS, acontece a ultima etapa: não e a “última”, mas é a etapa de maior profundidade, a etapa da fé. O que impulsiona, ao invés de ser impulso ou afeição ou vontade ou encontro, é o Seguimento ou discipulado de Jesus Cristo. Ao invés de amor há a “charitas” ou carisma que é a presença do próprio Deus. E ao invés de comprometimento e doação, há os três “devotamentos”, os votos. E a dinâmica de renovação, ao invés de contínuo renascimento, é a “nova criatura”. A dinâmica, o modo de ser da vida, sua pulsação, é a “Vontade de Deus”, que significa: em toda a parte, com todo o empenho, dar lugar para que Deus “abaixe” em nós. É isso que São Paulo chama de idade madura na plenitude de Cristo.

Dentro do viver “religioso e da fé” há um modo de ser brilhante, bonito, carismático. Mas esse brilhantismo, essa esfuziante espontaneidade não vem do homem, vem da força de Deus, que toma conta do homem religioso e fiel. Para que isso aconteça, se pressupõe a etapa ética, isto é, que haja exercícios no ético. É como o atleta que, para ser pego pelo impulso de um salto decisivo, tem que se exercitar longamente para antes se habilitar a comandar seu próprio destino. Essa atuação “espontânea” porem, é bem diferente do “nosso” espontâneo-natural, no sentido usual: é espontânea porque deus toma conta do homem que tem uma atração enorme para esse modo de ser; mas este modo de ser não deve e não pode ser confundido com a etapa estética. Esta confusão entre as etapas aparece nítida quando aproximamos dois momentos da vida de SF. O momento último da etapa da fé aparece em SF no cântico das criatura; nós entendemos o Cântico como a vitalidade juvenil de SF na sua liberdade total, fruto da afeição, do desejo, do propósito, de um gosto muito grande, espontâneo, vivencial; com isso, porém, só vemos sua superfície; não vemos todo o trabalho feito por SF para ser pego por Deus, cantando as criaturas. Pelo contrário, sua luta com o pai nos parece um mal necessário. Interpretando assim, confirmamos o que desde sempre pensamos: que a etapa ética é contra o carisma; e consequentemente deixamos de fazer a etapa ética, importantíssima para chegarmos à etapa religiosa e à da fé.

Na vida comunitária, por exemplo, gostaríamos de uma comunidade fraterna ideal; acabamos encontrando uma decepção atrás da outra; e reagimos, achando que a dificuldade na vida fraterna mata (e mata mesmo, se ficar no nível estético!). Ao passo que São Francisco, diante da dificuldade diz: Agora começa a subida da montanha’. Nós temos dificuldade de assumir esse momento “ético”, mesmo tendo boa vontade, pois o interpretamos erradamente como negativo, como sofrimento, a partir da etapa estética. Então não crescemos. Buscamos os motivos de certo descontentamento na Vida Religiosa na sociologia, na psicologia… Não será que grande parte do problema está no fato que esquecemos de praticar a etapa como etapa positiva e de progresso, e a interpretamos como repressão, estrutura, imposição ou autoritarismo? Não estamos até o pescoço no estético? Isso, porém, ainda não é o pior; o pior é confundir o estético com o “espontâneo” da etapa religiosa e da fé; aqui está o perigo, pois quando há mestres, dicas, textos que falam da etapa ética, os interpretamos como sendo masoquismo, autoritarismo medieval… e deixamos escapar uma experiência muito bem trabalhada como se fosse negativa.

Quando a pessoa tem muita dificuldade na etapa religiosa ela precisa voltar para a etapa ética e fazê-la melhor, no fundo, esta pessoa está no projeto, mas o tesouro do seu coração ainda está no “gosto-o o gosto”. E necessário fazer sempre de novo esse processo de retomo à etapa ética, sem esquecer que estamos nos movendo sempre de novo de alguma maneira em todas as etapas juntas; mas uma estará dominando: para fazer bom caminho, é necessário tomar consciência da etapa que “domina” em nós.

Como firmemente prometemos. As dificuldades dizem respeito à opção fundamental e isso vale também para as dificuldades da vida religiosa. É necessário cuidar delas logo; quanto mais se adia o cuidado, mais aumentam, e embananam a vida de tal maneira a ser quase impossível tratar delas depois. Há quem vive com entusiasmo o postulantado e o noviciado, mas ao ir para as comunidades, abandona todos os exercícios exigidos pelo projeto de vida, apreendidos na formação. Não se investiga por que isto acontece; e quando se investiga, se culpa uma ou outra causa como bode expiatório por um ano, e se empata nela todas as energias para ver se resolve; e o problema continua.

A dificuldade real está no fato de que não pensamos e atuamos conforme o modo de ser do “projeto de vida”. O postulantado, o noviciado podem ser bastante bons, mas são de curta duração para exercitar bem um projeto de vida como o seguimento de Jesus Cristo. Quem fica bom mecânico em três anos? acrescente-se o fato de que às vezes quem está na formação não consegue trabalhar porque a comunidade provincial toma posturas que convidam continuamente os formandos a não se engajarem na Ordem: fala mal, telefona, escreve, dizendo: “Um ano passa logo; isso é bitola do atual governo; isso vai mudar…; a Vida Religiosa hoje está muito bitolada, as Ordens só pensam em si, não pensam na Igreja”. Na Vida Religiosa há muito disso: pessoas que sabem argumentar, dizem palavras bonitas e muito impressionantes, sabem convencer todo mundo, mas não assumem o projeto comum, e mesmo querendo não conseguem mais assumi-lo porque não aguentam, pois já descuidaram demais. Também o “servilismo” conflitua com o modo de ser do projeto de vida: o centro da Vida Religiosa não é mais o ser religioso em si, mas o estar em função de. Dizemos que a província não existe para si, que somos o povo de Deus…, e a identidade da Vida Religiosa é sacrificada em vista de atividades e funções pastorais.

Não será que é esse viver vago, fora do projeto comum articulado pela Regra, que São Francisco chama de viver “fora da Obediência” e “viver carnalmente”? A indiferença do estar “em cima do muro” corrói as pessoas; corrói primeiro quem pensa assim, mas cria ao mesmo tempo toxinas que, se de um lado servem de provocação e fortalecimento para quem está no projeto com nitidez, de outro lado trazem um enorme desgaste na caminhada, com efeitos “perversos” particularmente dentro da formação, deixando os formandos numa espécie de “infantilidade da vontade”. Quem acha que a Vida Religiosa está “instalada” e que não serve mais para nada, que não é ser Igreja, e que se deve buscar outra forma de vida Religiosa, que então saia da Ordem e se engaje naquilo em que crê. Mas quem crê que a Vida Religiosa tem sentido em si e que ela própria pertence à missão da Igreja, que possa então se engajar nela!

A Regra foi escrita para a vida. Ela pretendia impregnar a vida concreta dos Frades Menores com espírito do evangelho, dentro da Igreja. O modo com que ela o fez foi bem peculiar, pouco satisfatório sob o aspecto jurídico, mas excelente do ponto de vista cristão. Esta Regra não pode pois ser vivida juridicamente. Deve-se antes correr o “risco” de realizá-la “em espirito”. A Regra mesma convida a tal tentativa quando fala de divina inspiratio. Por isso, nossa vida será sempre uma “santa aventura”, um engajamento para conquistar o espírito do Evangelho, o “spiritus Domini et eius santam operationem”.

PALAVRAS DE SANTA EXORTAÇÃO DE SÃO FRANCISCO AOS FRADES

A tradição de nossa Ordem coloca no Fim da Regra estas “Palavras de santa exortação de São Francisco aos frades”:

Irmãos diletíssimos e filhos eternamente benditos, ouvi-me, ouvi a voz de vosso pai: grandes coisas prometemos: maiores nos foram prometidas observemos aquelas: suspiremos por estas. breve é o prazer: a pena perpétua. pequeno é o sofrimento: mas a glória infinita. muitos são os chamados: poucos os escolhidos. para todos há retribuição! irmãos, enquanto tivermos tempo, façamos o bem” (2Cel 191; Fior 18)

Irmãos diletíssimos e filhos eternamente benditos. São Francisco é o pastor e o condutor da Família Franciscana; ele propõe palavras de Vida. Pastor não é dono, é servo; mas não servo mercenário; é servo fiel, inteiramente aberto, sempre atento e recebendo orientação do seu Senhor. A partir desta voz ele conduz. São Francisco é discípulo que aprendeu por primeiro e conduz outros; é como guia da montanha, servo dos que querem subi-la, dos que querem realizar o projeto de vida articulado na Regra; ele é aquele que subiu várias vezes, sabe todas as manhas da montanha e tenta conduzir os outros.

Ouvi-me, ouvi a voz de vosso pai. São Francisco propõe, isto é, coloca na frente palavras de vida. Para nós modernos palavra é meio de comunicação, mas para os antigos é vibração, é repercussão daquilo que a pessoa é: uma palavra é sempre concreção de uma obra, é sempre um fruto. Seguindo Jesus Cristo, acumulando cada vez mais a atitude de discípulo, sendo continuamente tocado pelo Senhor no seguimento, na oração, nas lágrimas, São Francisco diz palavras de Vida, repercussão bem concreta de sua experiência. Sua fala é como voz do Altíssimo. Esse modo de ser não é tímido, apagado, mas tem percussão, como clarim. Se seguirmos assim, façamos o que fizermos, o seguimento de Jesus Cristo penetra e atua na pessoa como uma unção divina, unção de Deus, como consolo, fortificante, calor e alívio de Deus. Uma ação com essa repercussão os gregos antigos a chamavam de tesis, tese.

Grandes coisas prometemos: maiores nos foram prometidas. Prometemos dizer sim ao seguimento, à nossa vocação. Essa é a linguagem do cavaleiro; é dizer: “O Senhor, nosso Deus, se dignou nos chamar, nos escolheu. Isso é grande honra, por isso dizemos: aqui estou”, e fazemos juramento. Esse Senhor vai nos honrar mais ainda, convidando-nos para coisas maiores no seu serviço. Vamos guardar bem o que prometemos, vamos dar conta disso, porque, se o fizermos bem, vamos ganhar tarefa maior, vivendo bem nosso projeto de Vida, vamos ter possibilidade de ir mais para frente. A estruturação típica da vocação que se torna projeto de vida é assim mesmo: fazer bem o que livremente prometemos para podermos fazer mais ainda. É um transcender que São Francisco chama de vencer a si mesmo. São Francisco não diz: aguente duro aí, que depois vai ser recompensado no céu. Cavaleiro não diz essas coisas. Para cavaleiro a recompensa não é o dinheiro que recebe, isso é do soldado, do mercenário. Recompensa para o cavaleiro é ser estimado pelo senhor e ser considerado como servo fiel no qual o senhor pode confiar cada vez mais e entregar maiores tarefas. O Evangelho não diz: quem é fiel no pequeno lhe será confiado coisa maior?

E interessante examinar se estamos guardando o que prometemos. Essa é a única maneira de garantir o futuro: fazer bem o que tem que ser feito para que em cima disso venha mais outro. No nosso juramento, no nosso compromisso está a garantia do crescimento da Ordem.

Observemos aquelas: suspiremos por estas. Suspirar é “estar gamado”; São Francisco diz: vamos ambicionar aquelas coisa que o Senhor prometeu ao dizer: ‘Vem, e segue-me, servo fiel, você merece mais cargo e honra”, pois é esperança certa. Esperança é a atitude de abrir-se para acolher o que é dado por encargo. Se trata, no fundo da ambição de quem tem projeto de vida e procura sempre mais, o melhor, o maior para o Senhor. Vamos trabalhar bem o que prometemos, vamos estar abertos com grande ambição de receber mais tarefa para servir ainda mais o senhor.

Breve é o prazer: a pena perpétua. Na busca de realização do projeto de vida, o que mais atrapalha é não entender que ele é trabalho; trabalho do servir livremente assumido: esse é o nosso prazer. No jogo há quem joga para se divertir, é um prazer. Mas quando jovens aprendem a técnica de um jogo e começam a gostar esportivamente, não “brincam” mais; começa uma maneira de se divertir que tem o modo de ser de um projeto. O primeiro modo de ser, o do prazer é breve; existe outro tipo de prazer que é do serviço, do trabalho da doação por uma causa. Pensar: o prazer deste mundo passa, aguenta firme que no futuro vai ter prazer no céu, é uma maneira de pensar meio pagã. No cristianismo tanto o prazer do céu como o da terra se refere ao Seguimento de Jesus Cristo. Pensar simplesmente como “aguentar aqui” porque lá no céu tem tudo o que é de gostoso, é alienante. Esse prazer que usualmente, naturalmente sentimos no agradável, quando alguém se põe a serviço da grande causa, desaparece; se sofre com isso, porque é um modo natural de sentir, mas isso é breve. Para quem segue J. Cristo, o prazer é assumir o seu jugo, carregar a cruz e segui-lo. Se não fizer isso, o sofrimento vai ser perpétuo, pois vai sempre querer compensá-lo pelo prazer que abandonou, fazendo continuamente sacrifícios, cujo significado é contínua pena e tormento, como alguém que quer subir montanha, mas fica desejando ambiente bucólico de planície.

Nosso Senhor diz: Meu jugo é suave, mas o é só para quem põe livremente o pescoço debaixo da canga. Por isso, diz Jesus: “Vem e segue-me, se quiser, mas se quiser, entre direito, coloque-se de baixo do meu jugo”. Entendemos carregar a cruz como sacrifício; essa atitude deixa mágoa, é pena, carregar a cruz porém significa carregar o caminho religioso como Jesus carregou a cruz. Jesus carregou a cruz como a grande vontade, o grande seguimento do Pai, como tarefa de honra recebida do Pai. Quando o frade segue Jesus Cristo, o segue para que essa caminhada se torne o seu prazer. Então a pena fica curta e o prazer fica comprido. Se não carregar a bandeira da cruz, o prazer fica curto e enquanto a vida for boa, tudo bem, mas quando surgirem dificuldades cairá na fossa; daí a pouco sairá da fossa para depois cair novamente: será uma pena perpétua.

Pequeno (módico) o sofrimento: mas a glória infinita. Módico significa de medida curta, moderada. O sofrimento dói, é difícil, mas não tem o desespero de uma frustração, pois pertence à caminhada; na subida da montanha se pode arrancar uma unha; dói, tem que cuidar, mas pertence à caminhada. Para quem se coloca na vida como seguidor, como discípulo, as dificuldades, os padecimentos têm sua medida, seu sentido dentro da caminhada. São Francisco diz: a interpretação que damos do sofrimento mostra se estamos bem dentro caminhada. Se estamos na caminhada esperando o prazer conforme a nossa medida, toda a

nossa »ida fica cheia de um sofrimento desgastante porque não tem sentido, e com o tempo se acumula enorme toxina de ressentimento, de insatisfação. Isso acontece muito na Vida Religiosa: pensamos, por exemplo que nossos problemas, por mais que tentemos, não melhoram: isso dá um amuamento muito sofrido; provavelmente não falta boa vontade, não falta exercício, mas não se está bem colocado na caminhada como projeto de vida, como seguimento, como vocação, onde a dificuldade e sofrimento fazem parte da caminhada.

Dizer: “Meu Senhor, eu deixei a família; eu estava esperando uma fraternidade bonita; não a encontro, mas por teu amor eu aguento”, parece bonito, mas é empurrar a Vida Religiosa com a barriga. Assim, não se vai longe. Ao passo que o cavaleiro diz: “Meu Senhor, você me chamou para essa vida; sei do que se trata. Não é substituição da anterior; eu tinha meu projeto, meus desejos, mas agora descobri uma coisa muito maior; vendi tudo para comprar esse tesouro precioso. Sei que vou sofrer, mas esse sofrimento tem que ser para mim, custe o que custar, um discipulado, uma maneira de aprender melhor, me habilitar cada vez mais e melhor para poder te seguir, Jesus”. Desse jeito todo o sofrimento tem um significado e com o tempo se descobre o que fazer para, de todo sofrimento, tirar um bom saldo, um bom lucro, para nós mesmos. Estudo da Regra é tempo de ter onde e como nosso ponteiro está assentado, como está enfocada a nossa mira.

Muitos são os chamados: poucos os escolhidos. Todos nós chamados para seguir Jesus Cristo, toda a nossa instituição, foi feita pra isso, consiga realiza-lo bem ou não. Na medida em que nos recordamos do essencial, e tentamos de alguma maneira recordá-lo e acioná-lo, estamos trabalhando para sermos pastores e condutores como o próprio SF. Essa é a nossa atuação; essa é a nossa evangelização, essa é a nossa pastoral. Anúncio só é anúncio quando a força vem desse seguimento e sai a fora como uma atuação, tornando-se nossa atuação, unção de Deus no mundo.

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