Vocacional - Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil - OFM

X – Os Minores

10/02/2021

 

LTC 10,36-40 Pobres e humildes em missão

Uma escola de seguimento de NSJC

A FIM DE QUE ANDEMOS PELO MUNDO EXORTANDO A TODOS. De onde nasce e que peso tem a “missão” de Francisco e seus companheiros, visto que até este momento quase não se falou em missão? Nós sempre falamos de missão e nunca partimos! Francisco e companheiros vão pra valer; dá a impressão que já estão mortos, portanto podem enfrentar tudo o que vier. Eles têm a decisão muito nítida de imitar-seguir-ser discípulos de Jesus Cristo pobre e humilde: daqui parte a missão deles, dando graças a Deus em todas as circunstância; em tudo estão atrás da imitação de Jesus Cristo.

No nosso dizer: aqui dá, lá não dá, mostra que há uma diferença de motivações entre nós e eles: a motivação deles é motivação “religiosa” (imitação de Jesus Cristo) e aguenta tudo; as nossas por serem egocêntricas, de “autorealização”, não aguentam o que ameaça o próprio eu. As nossas motivações por não serem “religiosas”, não têm (não dão) força suficiente para enfrentar tudo. O próprio Deus (pseudomotivação religiosa) vira instrumento, usado para a autorealização. A motivação religiosa é autorealizante também mas a partir de Deus e tem outro sabor.

Porque estes conseguem atitudes tão radicais em tão pouco tempo de caminhada? E porque nós não conseguimos? Porque os primeiros franciscanos têm nítido que dificuldade e tribulações são dificuldade mesmo, mas não duvidam de que sejam caminho e que a vida em que estão é a única chance; aí enfrentam e se exercitam; ficam no real sem ecos deformantes como nos acontece a nós em nossas dificuldades; nós duvidamos que as dificuldades sejam caminho necessário e pensamos que há sempre muitas outras chances e aí deixamos de nos exercitar. Mas a chance é única mesmo e em cada chance a gente carrega a si mesmo, a única e verdadeira chance. Tudo depende então de como interpretamos a vida. A postura religiosa é a postura mais radical, é o engajamento da existência. A dimensão religiosa é diferente das outras dimensões; nela, porém, há um brilho próprio que é semelhante ao casamento: a gratidão amorosa, o relacionamento eu-J. Cristo. Por isso é sempre comparada com o matrimônio; e de fato os dois exigem engajamento total. A Vida Religiosa tem porém suas características. Elas têm que aparecer, do contrário o dia em que aparecer “alguém” ou “alguma”, se sai da jogada. Além da doação à grande causa é necessário o encontro. É difícil achar um tratado sobre a virgindade evangélica, que trate tão nitidamente o problema como São Francisco tratou. Se diz: a vida fraterna é um substitutivo do casamento, da afetividade. São Francisco nunca diria isso. Para ele é encontro no seguimento.

QUANDO ENCONTRAVAM ALGUMA IGREJA OU CRUZ, AJOELHAVAM-SE PARA REZAR. Rezar: temos pouca compreensão dessa palavra, porque entendemos rezar como falar a Deus, ao passo que por rezar essas pessoas entendiam, dispor-se inteiramente para entrar em contato imediato com Deus. E como colar em Deus, de tal maneira que dele flua uma força, como aconteceu àquela mulher doente do evangelho que disse: mesmo que seja só na fimbria de seu manto, eu vou tocar nele. Para São Francisco o significado da oração é dispor-se, é busca de total disponibilidade para que Deus toque nele, e ele possa engatar em Deus; essa disponibilidade ela própria é louvor de Deus, é santa oração, é contemplação.

Nós rezamos publicamente; temos várias obrigações de rezar a partir de nossa própria profissão. Estes frades buscam ter sempre solicitude e vigilância para essa maneira de ser, sentir e viver. Quando rezamos no fundo estamos acionando a raiz, a fonte de onde emana vigor de nossas ações. E cada vez que fazemos oração para o povo de Deus, isto é, para todos nós, flui para a vida da Igreja e para o mundo o vigor de Deus. Para ser cavaleiro e seguir Jesus Cristo, tentando fazer todas essas coisas para o bem do povo de Deus, um dos vigores mais importantes é paciência e humildade.

ENCONTRAREIS… TOLERAR TUDO COM PACIÊNCIA E HUMILDADE. Paciência e humildade são as duas forças que os primitivos franciscanos mais cultivavam. As treinavam como força fundamental do cavaleiro de Jesus Cristo. Paciência é a capacidade de padecer as adversidades. No esporte se chama teste de resistência. Condição principal para quem entra no mundo de ser do projeto de vida é a resistência. Porque no seguimento, no projeto de vida o que importa é ir até o fim. Sem resistência, pode ser brilhante no começo, mas se fica a meio caminho. O caminho do seguimento é cheio de adversidades, isso Jesus Cristo mesmo mostrou. Pode ver: toda a sagrada escritura é de adversidades, uma atrás da outra. O texto da quarta-feira da Semana Santa, diz que vai ensinar o espírito do discípulo: o servo de Javé endurece o rosto e não olha nem para a direita e nem para a esquerda; passa assim em meio as adversidades. Quem sobe montanha, uma vez que ouviu a convocação, tem que ter essa atitude. Põe mão no arado não olha mais para atrás. Vende tudo e segue.

Esta força que mais acionamos nessa caminhada, não é brilhante, de genialidade, mas de ter capacidade de resistir nas adversidades. São Francisco dize: vamos nos exercitar; de adversidades a vida está cheia, vamos usar tudo isso para fortalecer, fomentar cada vez mais essa grande virtude da capacidade de resistir, com olho fixo no nosso destinar-se, no nosso ideal; resistir significa não perder a fé reta, aquela atitude cordial, aberta de um discípulo, de que venha o que vier, sempre de novo diz: “Senhor aqui estou; quero entender tudo como um passo de aprendizagem para minha caminhada como discípulo. Esse modo positivo de enfrentar as dificuldades se chama paciência. Paciência não tem nada que ver com resignação.

A humildade é irmã da paciência. Humilde é alguém que está bem embaixo, assentado no chão. E que chão é esse? Chão do seguimento. A pessoa é agressiva quando não está realizada, quando não está satisfeita no seu projeto de viver. Uma pessoa só pode ser não agressiva, isto é, mansa, ter coração largo, muito tolerante, benigno, se ela é humilde, isto é, se está bem assentada no tesouro do coração. Humildade é a atitude de enraizar sua busca no chamamento, de realmente colocar sua raiz no próprio seguimento e no Deus de Jesus Cristo. Se fizer isso, está realizado, está cumprindo o seu dever. Dentro de você mesmo está pleno, está cheio, isso aparece por fora como mansidão.

ONDE QUER QUE ENTRASSEM… ANUNCIAVAM A PAZ. Hoje, entendemos a palavra paz como “pacifista”, onde não há guerra. Para os discípulos e cavaleiros de Deus paz e Concórdia só se estabelecem se se pensa como Deus pensa. Quando alguém pensa como nós pensamos, a partir de nós, a própria paz gera guerra. Nosso engajamento, seguimento de Jesus Cristo, é para trazer paz no mundo, mas não a paz que vem do mundo, mas aquela que vem do Senhor.

Aqui “mundo” é a maneira de pensar mundana. E mundano é tudo aquilo que não pertence ao seguimento de nosso senhor Jesus Cristo. Para nós cristãos não existe mundo natural e mundo sobrenatural; para nós tudo é seguimento de Jesus Cristo; a partir disso olhamos a tudo: tudo o que não é esse seguimento não deve mais nos atrair. Isso se chama desprezar. O mundano não tem mais preço.

HABITO E MODO DE VIDA QUASE SELVAGEM. Selvagem é viver a modo de selva, isto é, sem sofisticação. Por exemplo, corpo sedento se inclina e bebe: é natural. esquecido das convenções. Francisco e companheiros não estavam dentro do modismo das vestes ou de outras coisas; estavam no imediato corporal. No vestir o ponto de referência é a necessidade do corpo e não os modismos; é a necessidade vital que dita a atitude e não outras coisas.

Partindo do natural-selvagem onde está o pivô da guinada para o humano e não para a selvageria? Na guerra. onde há situações de corpo a corpo muito degradantes, “selvagem” vira facilmente selvageria. Os franciscanos primitivos estavam muito perto destas situações; externamente eram parecidos a soldados guerrilheiros; só que nas situações “selvagens” davam uma guinada para o humano. enquanto o soldado-guerrilheiro decai para a selvageria. Como é, por exemplo. ser franciscano-selvagem em referência à roupa, sem cair na selvageria? O remendo é o cuidado com a graça da roupa, sem cair no sofisticado ou no descuido (este é a selvageria). No início da era industrial no Japão havia favelas paupérrimas. Mas a grande maioria do pessoal eram ex-samurai decaídos pelas mudanças sócio-económico-políticas. Eles tinham criado a ética da pobreza, ética exercitada por séculos: as crianças andavam esfarrapadas, mas limpas, faziam mutirões, limpavam as ruas, organizavam esgotos… Tudo era pobre, mas eficiente, inclusive suas técnicas. Era pobreza com muito estilo, com muito humanismo e dignidade. É este o “selvagem” dos primeiros franciscanos.

PARA NÓS A POBREZA NÃO PESA TANTO… NOS FIZEMOS POBRES VOLUNTARIAMENTE. Os primeiros franciscanos não colocam 0 problema se a pobreza é espiritual ou material, mas se é livre ou não livre. Passar fome, receber injúrias, ser idiota, não ter onde dormir é uma parcelazinha da pobreza entendida como seguimento; é consequência da imitação de Jesus Cristo. Por isso eles se engajariam, mesmo sabendo que não iriam conseguir nada em termos de resultado.

Aqui também se manifesta algo do “selvagem”: onde está o negativo lá estão eles, como alguém procurando um grande tesouro. Este é um grande mistério que a gente deve procurar aprofundar cada vez mais. A que estão eles afeiçoados quando apanham humildemente e abençoam quem lhe bate? Por que não se defendem, não se explicam, para evitar tudo aquilo? Eles estão entregues a alguma coisa, estão imitando alguma coisa! Eles sentem atuando ali o carinho, o cuidado, a ternura de Deus! E isso só acontece para quem acolhe na gratidão o que lhe acontece. Eles estão fazendo que esta força atue através deles, mas sem misturar nada que não seja esta ternura. Humilde, pobre, paciente… é 0 trabalho e o cuidado que eu devo ter para que a ternura de Deus possa aparecer limpa. Esta ternura é a única arma que vence o que é mais poderoso. Será que o seguidor de Jesus Cristo não pode usar outra arma a não ser esta? Francisco é um cavaleiro que não usa outra arma senão a do seu Senhor; usa portanto a ternura de Deus e por isso dá esta maluquice! É a não violência de Ghandi que parece se inspirar no sermão da montanha. Cultivar a oração, portanto, não tanto como piedade, mas como exercício-confronto para ver nas injurias uma ocasião de se dispor: é a ternura de Deus; então a oração se torna confronto-encontro.

Aí a pastoral deles é como camicase: parecem uma bomba, cujo explosivo, porém, é a ternura de Deus. Francisco e companheiros são os cavaleiros do Grande Rei; o protótipo é Jesus Cristo, e aí vai Francisco e companheiros como imitadores. Ter compaixão, chamar de “coitadinhos” estes fradinhos seria não entender o “voluntariamente”. É um grupo que acredita em Deus; Deus para eles não é uma palavra, uma suposição. Neste ponto há uma diferença entre os medievais e nós: podiam ser bandidos e marginais, mas que temiam a Deus, temiam!

NÃO RECLAMAVAM A DEVOLUÇÃO DO ROUBADO. Por que não reclamam seus direitos? Os “direitos” são ambíguos: o que é direito e para onde empurra, se houver um pão só, para duas pessoas morrendo de fome? Estes frades estão se exercitando para não reclamar direitos na hora em que tiverem um pão só, pois o direito” levaria a um matar o outro! Eles diriam: é teu; morro, mas é teu! Por que o tão badalado principio da partilha não funciona em nossa sociedade? Ao máximo funciona em caso de enchente…!

Há uma coerência em todos os textos de São Francisco e nas legendas: quando aparece algo que daria chance à contestação, eles caem do lado da reverência agradecida. Se alguém rouba a eles, não reclamam, mas se alguém roubara outrem eles diriam: “Não roubem!”. Armados da misericórdia de Deus, inflamados pelo poder do espírito do Senhor, pela mansidão é do Senhor, não sua. Se fosse sua seria maneira alienada de ir pelo mundo. E como se armar desta grande arma do Senhor? O virar um saco de pancadas, é limar-se para que na hora h” não saia o “eu”, mas Deus nele. É exercício para enjaular o eu; enjaulado esse, por mim se manifesta a misericórdia de Deus. Alguém engajado no combate à prepotência e na defesa dos direitos humanos, poderia suspeitar que com esta postura pode-se fazer o jogo dos grandes e justificar coisas inumanas. Uma anedota pode esclarecer: frei Elias era encarregado da construção da Basílica de S.Francisco; uns frades maledicentes diziam que estava com o cofre cheio de dinheiro; disse frei Leão a frei Egídio que queria ir e arrebentar o cofre; frei Egídio lhe respondeu: “Se você estiver inteiramente morto, vai e arrebenta o cofre”. E estar inteiramente morto significa doar-se de tal maneira na captação do Deus de misericórdia, que só ele possa atuar.

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