Razão no sentido tradicional
A realidade do universo que existe em si, antes e independente do homem, é algo óbvio e natural. O universo é povoado de milhares e milhares de diferentes entes, e entre esses entes há um ente todo próprio, destacado de modo todo excelente, dotado de faculdades chamadas razão, vontade e sentimento, através das quais entra em relacionamento com os entes que estão ao seu redor, consigo mesmo e com o todo do universo, no sentido de conhecê-lo, buscá-lo, querê-lo e transformá-lo, na medida e no âmbito de sua possibilidade. Nesse relacionamento cognitivo e volitivo de si e dos entes no seu todo, o homem compreende o que é e como é cada ente e os entes no seu todo, busca compreender tudo de modo cada vez mais unitário, coerente, numa fundamentação cada vez mais bem concatenada, tenta descobrir a última razão, o último porque de todas as coisas. E nessa busca pode descobrir uma presença anterior a todas as coisas, anterior ao próprio homem que busca o sentido de todas as coisas; a essa presença ele chama de diversos modos, como p. ex., de espírito, vida, Deus, universo cósmico, alma do mundo etc. Essa presença anterior pode ser considerada como a razão derradeira e primeira, o móvel e a orientação fundamental de todos os entes no seu todo, como fonte de existência, de permanência e consumação de todas as coisas, que foram, são e serão. O próprio homem seria então como que colaborador dessa presença anterior, na participação e na busca de realização, se tornando cada vez mais adequado a essa presença anterior e ao seu modo. O homem, assim colocado, dentro de tal moldura do universo já prejacente e naturalmente dado, possui como a sua tarefa e prerrogativa essa participação na grande razão do universo ou na razão transcendente ao homem e ao universo. A essa participação e a essa responsabilização pelo espírito, chamamos de razão no sentido tradicional.
Examinar nessa colocação o esquema da predominância do espiritual, do inteligível, do transcendente e transcendental sobre o sensível, o material visível e o empírico.
Razão no sentido moderno
Essa situação tranqüila da existência em si do universo como um fato, dado óbvia e naturalmente, entra em questão. Pergunta-se pela fundamentação da certeza dessa crença na realidade do universo como dado óbvio e natural.
Duvida-se da validade do conhecimento sensível: externo e interno.
Duvida-se da validade do posicionamento da realidade como em si.
Duvida-se da validade dos objetos ideais: estruturas lógico-matemáticas.
Duvida-se da realidade da presença anterior e transcendente a todas as coisas e ao próprio homem. Examinar o que se pode duvidar além de todos esses níveis de “realidades”.
O que sobra como indubitável? O Cogitans: o ser do cogitans. Como entender esse Cogito ergo sum?
O sum como substância (Espinoza), como razão pura (Kant), como espírito (Hegel), como vontade do poder (Nietzsche) etc.
O estágio final de consumação da predominância do espiritual, do inteligível, do transcendente e transcendental sobre o sensível, o material visível, o empírico.
Redução da razão ao fato das ciências naturais
Com a redução do homem a uma coisa entre outras coisas da natureza e com a descoberta da natureza das ciências naturais, a Razão se transforma num epifenômeno de dados empíricos bio-fisiológicos do corpo físico humano.
No entanto o princípio que norteia e determina nas ciências naturais o que deve valer como verdade é o princípio de auto-presença do espírito nele mesmo, o princípio de evidência da auto-doação da coisa ela mesma: res cogitans = res extensa = duas modalidades do mesmo = autopresença = autoidentidade = dinâmica do eu transcendental = existência e existencial = transcendência = liberdade.
Trazer à tona a estrutura da existência no seu ser (liberdade) é a tarefa da analítica da existência.