– Como tratar a gravidade dos pequenos defeitos
– Como trabalhar o tema Ecologia inspirando-se em São Francisco
Rondinha, 20. 03. 94, Paz e Bem!
Prezado frei Antônio!
Desculpe esta escrita a lápis. É que estou atualmente na indigência “penal” e como esse lápis made in Japan é muito cômodo para escrever e apagar, estou-lhe a rabiscar uma tentativa de resposta à sua fraternal carta.
1) Em primeiro lugar, no que toca ao que você denomina de seu defeito principal, talvez se possa dizer o seguinte:
− Não se trata de um defeito nem muito grande nem muito feio. Tratase, dizemos usualmente, de um “defeito” que vem do temperamento. Só que, como você mesmo deve estar percebendo, ele pode estragar uma porção de coisas. E não somente isso, defeito bem feio e grande, não é difícil corrigir. Pois, quando a coisa é grave, a consciência e o sentimento da necessidade de lutar e corrigir também são grandes e nítidos. Quando o defeito é pequeno, o mais difícil, sim o quase impossível, é a gente estar realmente convencido que deve lutar muito e que o caso é grave.
É interessante observar que, por ex. nos exercícios chineses do Do-in, Chi-kung, Tai-Chi-Chuan, etc. as pessoas que foram desenganadas e praticam esses exercícios como a última chance de salvação, são as pessoas que realmente assimilam e entram no segredo mais profundo desses exercícios e se curam. Ao passo que as pessoas que apenas estão doentes de doenças não-mortais, em geral praticam os exercícios mais ou menos como uma das coisas que fazem entre outras coisas, etc. E assim, por mais tempo que as pratiquem, não se curam. O mesmo parece poder se dizer dos defeitos pequenos.
Por isso, a primeira coisa a fazer nessas coisas de defeitos pequenos e digamos crônicos, é realmente se convencer da gravidade desse defeito.
É que, esses defeitos pequenos não são pequenos. Parecem pequenos, porque a totalidade de sua estrutura não aparece. O que aparece e parece pequeno é um fiapo da rede de toda a estrutura, como uma ponta da mola do sofá que aparece no meio do assento do sofá.
Por isso, primeiro analisar-se melhor e ver bem onde está o ponto nevrálgico. Aqui, algumas elucubrações que podem não ter nada a ver com você e sua dificuldade:
− Você é muito rápido nos julgamentos. E isto também na reflexão. Examinar se o seu modo de compreender as coisas não é mais um compreender técnico do fazer do que de um contemplar.
Por exemplo: quando você joga ou está vendo o jogo, você é de uma perspicácia muito grande e vê as seqüências das jogadas etc. com grande rapidez. Sabe antecipar. E me parece que faz o mesmo também em muitas reflexões. Esse modo de pensar na realidade é o modo lógico funcional. É útil e muito bom para agir. E agir com sistema, com jogo, com coisas manipuláveis, enfim, com coisas.
Há, porém, também um outro modo de pensar, do qual também emana um modo todo próprio de julgar e agir. Denominaremos por conveniência esse outro modo de pensar de pensar contemplativo. Esse modo de pensar não julga, pois, ele apenas (isto é, limpidamente = apenas, somente) ausculta, isto é, escuta. É passivo. Passivo no duro. Passivo literalmente. Se age, se julga, só depois de ter sido afetado, atingido. É lento pois na re-ação. Aliás, não reage. É atingido. Sofre. Aos poucos assimila. E só então fica dinâmico, não como alguém que corrige ou comanda, mas como alguém que descobriu um novo princípio.
Uma das causas do que você denomina de seu pavio curto, não está nisso que o seu modo de pensar predominantemente é técnico funcional e lógico e não muito reflexivo, ponderativo, “teorético” (= contemplativo)?
Se isto que coloquei de alguma forma corresponde ao seu caso, vai ter que ter muita paciência.
E a primeira coisa que tem que cuidar não é tanto de tentar resolver a questão muito rapidamente, mas sim de tentar exercitar com maior consciência no modo de pensar-contemplação.
Mas exatamente para criar para você mesmo a condição da possibilidade de fazer em tudo esses exercícios do pensar ponderativo é que você deve ser bem prático em determinar para você técnica de comportamento exterior, por exemplo, ao entrar em campo de jogo não entrar para ganhar, mas para jogar bem; se empenhar, cuidando, custe o que custar, de não corrigir o outro, nem criticar nem resmungar com o outro, mas apenas de jogar bem e ajudar os outros, etc. etc.
Experimente pensar e se analisar nessa direção. Pois se você quer um fôlego de respiração existencial mais longânime, lento, profundo e imenso, é necessário entrar no ritmo de respiração diferente ao do rápido, superficial e curto da nossa existência cotidiana da práxis.
O problema não é de temperamento, a meu ver. O problema é do pensar, de como você se vê e vê o mundo, isto é, a Vida.
Quando um rio tem muito volume de água e é bem dinâmico, se o leito do rio é raso, o rio transborda, vai para os lados e traz muitos danos. O jeito de evitar a enchente para os lados, é aprofundar, afundar, fazer mais profundo o leito do rio.
Se o leito do rio se torna fundo, o volume de água em vez de sair para fora agressivamente, flui grande e firme dentro do leito profundo.
Esse assunto é muito interessante. Só que assim numa carta fica um tanto cabreiro. Quando houver mais tempo podíamos conversar.
2) Outro ponto seria Ecologia e São Francisco.
Acho útil primeiro distinguir ecologia e ecologias. O termo ecologia pode estar indicando uma ciência que é uma parte da parte biologia, isto é, parte da biogeografia. Pode estar indicando uma outra ciência, a antropologia. E aqui a Antropologia não no sentido da antropologia filosófica, mas sim antropologia como ciência positiva que possui suas ramificações, subdivisões, escolas e estilos, etc. Cf. a folha, Verbo, enciclopédia, etc.
Quando nós clericais falamos da ecologia, estamos pensando mais na antropologia de cunho filosófico-teológico reflexivo. Portanto reflexão acerca do homem e sua relação com o meio ambiente sob o enfoque filosófico ou teológico. Cf. a folha com o texto do verbete ecologia do “Dicionário de Moral”.
I. Introdução
− O nosso tema se chama ecologia e São Francisco de Assis
Tema é vasto e vago
Quando o tema é vasto e vago podemos dizer qualquer coisa que de alguma forma sempre acertamos com o tema, mas o que assim pensamos acertar não diz nada pois é
muito indeterminado e vasto.
Daí a necessidade de determinar melhor o tema.
− A palavra Ecologia pode indicar várias coisas. Num sentido mais estrito e técnico, ecologia indica ciência. Pode indicar nesse sentido: (Cf. as folhas anexas com verbete Ecologia, do Verbo Enciclopédia, etc.)
a) Ciências positivas. (Cf. o Verbete da folha anexa, Verbo enciclopédia, etc.)
b) Pode indicar reflexões sistematizadas de cunho filosófico religioso ou teológico-pastoral, etc. (Cf. verbete da folha anexa do Dicionário da Moral)
c) Pode indicar num sentido muito geral uma consciência e atitude da sociedade responsável hodierna de reação contra um sistema, cujo abuso e dominância ameaça a vida humana e a vida em geral como tal da terra dos homens.
No nosso tema Ecologia e São Francisco, evidentemente, não nos interessa abordar o assunto no sentido de ecologia a). Para nós é de mais interesse abordar o assunto no sentido da ecologia
b) e c).
Mas, qual o nosso interesse em tudo isso?
Por que querem relacionar Ecologia no sentido b) e c) com São Francisco?
a) – moda?
b) – mostrar que São Francisco era precursor da ecologia?
c) – tentar ver primeiro a visão de São Francisco e deixar que essa visão nos faça refletir acerca de nós mesmos.
Usualmente tratar o tema São Francisco por ser moda (a) não nos interessa. Pois a nossa busca deve ser mais engajada e séria.
Há hoje entre nós franciscanos um interesse de estudo de São Francisco que domina, interesse este que poderíamos denominar, seguindo um recente livro do autor alemão chamado Flasch, Kurt, porque pesquisamos a filosofia medieval, 1990, de: “Précurseur-Modell” (francês).
É exatamente esse esquema de ir averiguar que o nosso passado já era precursor de algo que hoje achamos o máximo por ser tudo novo. É o slogan: São Francisco já naquele tempo tinha uma visão que só hoje começamos a perceber etc., etc.
Flasch critica esse ocular de busca perguntando: que interesse existe em averiguar que o medieval já pensava como nós? Hoje?
Resta-nos ver o interesse assinalado acima com letra c)
– Colocação do tema e sua delimitação Sob o título muito vasto e indeterminado “Ecologia e São Francisco”, nós apenas vamos ver, não o que São Francisco tem a dizer a nós no referente à Ecologia. Pois Ecologia é um interesse e fenômeno nosso, mas sim o que e como São Francisco entendia o relacionamento do homem com a Natureza.
Para isso vamos ler e estudar juntos o seguinte texto:
Cântico do Irmão Sol18
II. O Corpo da reflexão
1. Ler e analisar os textos
2. Descobrir ali seguintes características:
a) São Francisco vê e aborda a Natureza dentro de uma concepção do Discipulado e Filiação Divina = Jesus Cristo – Filho de Deus – Pai: SS. Trindade = efusão e difusão do Amor Misericordioso de Encontro – Criação como Bonum difusivum sui, os diferentes níveis e dimensões do ser (Espírito, Homens, animais, plantas, matéria) como diferente intensidade da comunicação e presença de Deus, etc. Daí tudo no universo = mesmo sangue do Pai = Irmãos e Irmãs.
III. Conclusão
O que essa concepção nos pode ensinar a nós hodiernos?
Frei Antônio, não sei se um esquema como o de cima serve. Envio-lhe um resumo dessa concepção do Universo como os medievais o viam. Talvez sirva.
A você todo o Bem e bom trabalho.
De seu HH.