- São inúmeras as notas, i. é, as notícias ao redor do masculino e feminino. De tal sorte que se torna difícil começar a anotar acerca do tema. Assim, o tema parece carecer de delimitação. Mas a delimitação está indicada no adjetivo espirituais que acompanha no título o termo substantivo anotações. O tema é masculino e feminino. Como tal masculino e feminino não é ainda a coisa ela mesma, mas pro-specto dentro e a partir do qual a coisa ela mesma se nos apresenta, ao nosso encontro. O prospecto é delimitação, um alinhavar a costura da reflexão em direção do inter-esse da sua situação.
O inter-esse da nossa situação, a saber, lá onde estamos assentados, nós que aqui estamos reunidos para esse encontro, é a dimensão espiritual. Por isso, está no título “anotações espirituais”. Dimensão não é aspecto nem enfoque, mas o solo prévio, a terra donde e onde brota, cresce e se consuma, no nosso caso, a questão, i. é, a busca do masculino e feminino. Portanto, o espiritual aqui não é ponto de vista, mas sim o aposteriori dado gratuitamente a priori como nossa faticidade, i. é, como o envio da nossa história.
Portanto não é também um ideal, uma meta a ser buscada e alcançada; mas aqui se trata do solo onde já estamos. Com outras palavras a dimensão espiritual não é o que está diante de nós por e para vir, mas já ali está, digamos, atrás, debaixo, ao redor de nós e nos impregna como imensa, profunda, sim abissal propriedade, donde tiramos todo sustento, vida, manutenção e crescimento.
Espírito, espiritual se deve entender de modo bem determinado e concreto, não na acepção geral, como p. ex., referido em oposição, em complementação, em fundamentação com matéria, corpo, alma etc., mas simples e diretamente como diz São Francisco de Assis, o espírito do Senhor e o seu santo modo de operar. E esse Senhor se chama Jesus Cristo, humilde e pobre, o Crucificado. Portanto, a dimensão aqui é pessoa; método, seguimento; realização, encontro, o ser ou a essência do encontro: absoluta-identificação no mistério da Encarnação.
- O tema masculino e feminino e suas variações como p. ex., genital e sexual; espírito e alma; intelecto e afetividade; ético e estético; razão e sensibilidade; paternidade e maternidade; animus e anima; mundo e terra etc. etc., a grosso modo, podem ser considerados em três diferentes dimensões, que entre nós aqui reunidos convenhamos chamar de a) dimensão da natureza; b) dimensão da sobre-natureza; e c) dimensão da graça.
O modo de ser do a) é ocorrer; do b) poder; do c) receber. O subiectum da dimensão a) é coisa; do b) sujeito; c) pessoa. A tonância do a) é sentir (variantes do sentir da sensoriedade, sensualidade e sensibilidade); do b) saber e querer; do c) amar. O ser do a) é o ser da entidade; do b) o ser da subjetividade (que é igual ao da objetividade); e do c) ser da fidelidade à gratuidade (Fé = fides = fidelidade). Na compreensão do Homem na dimensão a) se opera nas categorias da substância: Na da b) nas categorias do sujeito; na da c) nos assim chamados existenciais da existência (Da-sein), mas levados às últimas conseqüências = Pessoa). O ser do a) não compreende o do b); este não compreende o do c); c) porém pode compreender o a) e b), subsumindo-as como concreções encarnadas e transformadas à sombra da sua gratuidade, e em assim fazendo, a dimensão c) deixa de ser dimensão própria para se desvelar como disponibilidade-pessoa, de ser tudo em todas as coisas a serviço da saúde originária da dimensão a) e b) e c), que então, enquanto dimensão, se desvela como disponibilidade do ser da b) como oferta sacrifical na acolhida da benignidade da gratuidade da c).
3) A dimensão a) no seu modo de ser se caracteriza como sendo neutra, em todas as suas regiões de diferenciação: reino das coisas, da vida vegetal, vida animal, vida humana, vida dos espíritos, vida divina. A dimensão b) não há mais neutralidade, mas sim intensidade de engajamento existentivo do eu, como vontade para poder mas nessa centralização e finalização ao redor do querer responsável e engajado há algo de neutro e opaco como poder. A dimensão c e o seu abandono enquanto pessoa como cada vez originariedade única e singular do encontro, tudo, a cada momento é diferencial na novidade de ser da assim chamada segunda criação: Um novo céu e uma nova terra. Aqui tudo quanto não é pessoa é pecado, mysterium iniquitatis
4) O masculino e feminino no sentido da sua sexualidade somente é plenamente compreensível no seu ser enquanto matrimônio e celibato nessa dimensão c), onde valem as palavras de São Paulo, tiradas de Gl 3,28. Não há judeu nem grego, não há escravo nem livre, não há homem nem mulher (dimensão c); pois, todos vós sois um só em Cristo Jesus (pessoa c).