– Pensar e movimentar por si a coisa
– No Tai-Chi, o essencial é soltar-se
– Ver melhor a vida
Petrópolis, 20. 10. 80
Frei Antônio.
Muito obrigado pela sua carta. Quem deve agradecer sou eu pela sua
presença nos cursos9. É que sinto grande alívio quando você está presente: dá mais
segurança, pois a gente sabe que tem alguém que pensa e movimenta por si o que
digo de uma forma muito mal dita10.
No Tai-Chi o essencial é soltar-se, como se fôssemos filhos do Tao. Como se
estivéssemos nadando e respirando com todo o corpo a Imensidão serena do Céu.
Quanto à questão principal da sua carta, referente ao ver melhor a Vida, é
difícil dizer em palavras, mas vou tentar dizer assim a trancos e a barrancos.
Quando em Dezembro ali for, a gente se explica melhor.
Por enquanto é o seguinte:
Quando dizemos ver, pensamos que fazemos assim:
Na realidade, porém, o ver já é uma ação.
Lançamos o nosso horizonte, dentro do qual a realidade se me apresenta. Por exemplo, se estou assanhado, o meu é bastante forçado, cheio de prevenção e precipitação. Damos um colorido especial, forçamos a realidade. E a realidade só aparece dentro do colorido assanhado que projetamos.
Isto significa que o esquema do ver é assim:
Horizonte projetado antes das coisas
Dentro dessa luz as coisas se me apresentam e vem ao meu encontro
Essa projeção do horizonte tem o seu foco no meu eu. Isto significa que o meu eu é uma espécie de ocular através do qual passa a luz e se forma a projeção.
Melhorando o esquema de cima temos:
Acontece que o eu como ocular se vê também já dentro da luz que projeta.
Assim completando o esquema temos:
Horizonte
Coisas
O eu que é espécie de ocular da passagem está continuamente em contato com a Vida, que não está como coisa diante de mim, mas sim por assim dizer atrás de mim, atrás do ocular. Assim temos o esquema + (mais) completado:
Ver melhor a Vida significaria: tentar sentir bem no fundo de mim, atrás de mim, uma serenidade calma e tranqüila de espera do Não-Saber que deixa passar a Vida em diferentes possibilidades e outros modos de ser.
Exemplo: quando lemos um texto, quando nos deparamos com um problema, para aquém de toda e qualquer tentativa de ver, enxergar melhor, tentar sentir um sereno ‘não-saber’, um sereno ‘não-saber o que fazer’ e deixar que esse ‘nada’ sinta ou se disponha a ser apenas ausculta, para deixar passar a abertura de um horizonte mais ‘natural’, e ‘espontâneo’.
Bem, não sei se ficou claro. Peço que me objete e pergunte se não ficou claro.
A você todo o Bem.
Fr. Hermógenes H.