Vocacional - Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil - OFM

II – A crise

10/02/2021

 

Do primeiro sentido da vida gera a busca reconstrução do sentido de vida a ambição cavalheiresca

LTC 2,4; 1Cel 2,3-4a; LTC 2,5-6;

A derrota 1202; A prisão 1203; a doença 1203-4

A “noite”: o sonho

Como foi preso em Perusa e das duas visões que ateve, querendo tornar-se cavalheiro. O texto usa a palavra miles (milites), mas miles significa homem de luta. Então aqui é sinônimo de cavalheiro, e o que se acentua é a luta. Lutar é um fenômeno humano muito importante. Nós sempre pensamos que lutar é agressividade, mas lutar no fundo é dispor-se para vencer a si mesmo.

Cavaleiro na Idade Média era uma profissão. Nós dificilmente hoje entendemos o cavaleiro. Por que as crianças quando escutam as histórias de cavaleiros ficam doidas? Porque a criança tem um instinto muito nítido do que é justo: tem uma simpatia muito grande para quem é fraco, não por compaixão, mas por ver no fraco algo bonito que deve ser defendido. Toda luta de cavaleiros é luta limpa; ao passo que o vilão põe sempre golpes baixos, crueldade…

E Francisco quis ser cavaleiro. Ele era vaidoso, era cheio de cortesia; tinha aquela nobreza da alma que jamais o deixava dizer palavras torpes (provavelmente aqui se refere a questões de masculino e feminino; Francisco tinha uma atenção muito nítida para o que é delicado; não delicado como fraco, mas delicado como nobre; ele era um homem, não no sentido de machão, mas no sentido nobre da palavra, onde tanto feminino quanto masculino são humanos). Buscava honraria e vaidade, mas não aquela honraria e vaidade burras de alguém que vai na frente e mostra os músculos e diz que é forte. Era uma honraria que honrava a valentia. Então na própria honraria havia algo de nobre, pois nesses combates, quando alguém mostrava muita força contra outro mais fraco, mas valente, a honraria ia para o mais fraco, mas valente).

Francisco começa agora a colocar toda a sua juventude na busca de um valor, da nobreza da alma. É dentro deste desejo, deste elã de Francisco buscar nobremente a profissão de seu século, que Deus começa a engatar. Não para convertê-lo, tirá-lo daquilo, mas para levá-lo adiante, para se aviar cada vez mais profundamente no que ele, Francisco, está querendo.

Naturalmente hílare. Francisco tinha a virtude natural de não guardar ressentimento das coisas, era positivo. Há mãe que diz assim: “Esta criança tem gênio alegre; parece estar feita de luz”. Hílare não é uma pessoa que ri muito, que faz palhaçada; é alguém que parece feito de bom ânimo; não é muito barulhento, mas é assentado e vê sempre bem as coisas. O contrário de hílare é ressentido. Todos nós já tivemos experiência de pessoas que não veem as coisas com ressentimento, mas numa espécie de positividade boa. Os companheiros, pelo contrário estavam ressentidos, porque foram lutar e ficaram presos; eles viam a parede fria… Francisco também sentia tudo isto, mas via mais do que isto, tinha como que uma natureza alegre.

“E jucundo”. É como aquela propaganda da Johnson, em que aparece uma mãe aplicando talco por cima do bum bum; a criança dá aquela risada engraçada de alegria, de satisfação, aquilo é jucundo; é aquela risada engraçada que parece borbulhar de alegria, de prazer.

O chamou de insano (não sadio, não normal). É natural, é normal que todo mundo, quando está na prisão, fique ressentido, fique com cara amarrada, triste. Mas Francisco era hilário e jucundo, isto não pode ser normal!

Francisco lhe respondeu a viva voz (tom convicto). Viva voz significa que o colega prisioneiro nem acabou de dizer e Francisco já estava respondendo: é segurança, é pujança. Não há criança que quando se diz: “Quem quer ir passear?”, nem se acabou de dizer “passear” e já está levantando a mão, dizendo: “Eu! Eu! Eu…”, isso é viva voz: é uma voz viva. Se disser: “Quem quer ir capinar?”, e depois de um tempo o cara diz: “Eu!”, isso não é viva voz.

Ainda serei adorado pelo mundo inteiro. Francisco a partir de sua finitude dele no caminhar, começa a incendiar o ânimo; ele queria ser alguma coisa; queria ser cavaleiro. Isso é ânimo, é disposição; isso é o que o fazia interpretar todas as coisas. Com este ânimo Francisco foi para guerra como cavaleiro, ficou preso também como cavaleiro e reagiu como cavaleiro. Os outros não eram cavaleiros; eles foram lutar talvez por algum lucro, não conseguiram e e quando ficaram presos deixaram de ser cavaleiros e não mais agiram como cavaleiros. Isso significa que o ânimo, a disposição da busca tinha acabado para eles, ao passo que para Francisco, quanto mais dificuldade tinha, mais ele permanecia na busca. Portanto, ele interpretava a dificuldade de modo diferente de seus colegas.

É essa a dica que o texto está dando para nossa memória e edificação. A busca, o propósito, o tesouro que nós buscamos é que determina como nós interpretamos as dificuldades. Quando o ânimo é fraco ou inconsistente, as dificuldades são sempre interpretadas no sentido de ressentimento. Francisco queria ser cavaleiro, este era o seu ânimo de busca, o propósito de sua busca. Propósito significa colocar uma coisa de antemão diante de si. E todas as outras coisas que vem, são interpretados a partir deste propósito. Se fica preso, ele fica “preso como cavaleiro”, isto é importante entender.

Francisco não lhe negou sociedade e exortou aos outros a fazerem o mesmo. Francisco de novo está agindo como um cavaleiro. Rejeitar o cara era até certo ponto natural, porque deve ter sido um cara muito chato, um cara revoltado, chateado com todo mundo, agredindo todo mundo. Dentro da prisão quando aparece um destes deve ser horrível. E a turma se afastou dele, porque os outros também já não estavam aguentando a coisa. Francisco tem o modo de ser do espírito, por isso vê aquela dificuldade como tarefa de um cavaleiro; vai encima com toda valentia, sem porém negar a sociedade, pois sociedade significa o universo; seja como for, ele sempre vê um sentido nos fatos, sem com isso aprovar a atitude do colega como se fosse coisa boa.

Este fato de não negar a sociedade é uma característica de Francisco. Este jeito pertence ao modo de ser co-criativo, modo de ser que dá outra maneira de ser indivíduo, de ser participante. Nós entendemos que esta socialidade era de sua índole, de seu temperamento, por isso lhe era muito fácil. E dizemos de nós mesmos que não temos esse temperamento, mas assim nos desresponsabilizamos do que somos e atribuímos a culpa à natureza. O medieval não pensa como nós; pensa assim: se ele tinha este dom, tinha que cultivá-lo; Francisco neste acontecimento estava cultivando o que era natural nele; ele estava aproveitando da prisão, do prisioneiro afastado para animar-se a si mesmo, animar-se a andar, cada vez mais sair fora do fechamento. Nisso ter natureza alegre é uma facilidade aparente; de fato tem que “usar” isso, tem que crescer aí dentro. Francisco não é tão alegre naturalmente; ele é meio melancólico; tem que trabalhar isso mais que os outros. Não se trata de facilidade ou não facilidade; trata-se de se responsabilizar: usar bem, trabalhar bem aquilo que se é. Francisco faz isso agora na prisão, de aqui a pouco o fará no sonho, depois com os primeiros irmãos, depois com a Igreja.

1c 2,3-4a A DOENÇA

PREPAROU-SE COM ARMAS MILITARES PARA IR ÀS APÚLIAS, COM A FINALIDADE DE AUMENTAR SUAS RIQUEZAS E PRESTÍGIOS. Um cara que queria ganhar dinheiro e ficar célebre. Francisco não se incomoda com isso; ele também quer, só que de um jeito diferente. Ele está aproveitando desse Conde Gentil para realizar o seu intento, pois, por não ser cavaleiro de família, tinha que fazer umas coisas extraordinárias para ser elevado à nobreza. Francisco está de olho aí, para ver se não tem uma chance; viu um sujeito que não tinha lá grandes intenções, e aproveita, como se dissesse: “Eu vou lá e vou fazer um feito tão grande e e. tão nobre, de ganhar o diploma da nobreza”. Você vê que ele é negociante!

MANDOU CONFECCIONAR ROUPAS DE TECIDOS PRECIOSÍSSIMOS; SENDO ELE MAIS POBRE EM RIQUEZAS DO QUE SEU CONCIDADÃO, ERA MAIS RICO EM LARGUEZA. Francisco era de envergadura muito grande. Poderíamos interpretar esta atitude maldosamente, dizendo que no fundo era complexado porque não tinha nobreza e o outro era mais rico, e para compensar aquele complexo, botava roupa vistosa. O texto não entende assim, mas no sentido de que Francisco era largo, ousado, “mandava brasa” para a finalidade que queria: não era tímido e quando queria uma coisa, se Deus dava um dedo, ele pegava um braço e tudo.

CERTA NOITE, COMO SE DESSE A SI MESMO COM TODA DELIBERAÇÃO A CONSUMAR ESTES PLANOS E DESEJOS E DESEJASSE ARDENTEMENTE INICIAR A VIAGEM, FOI VISITADO PELO SENHOR, QUE. POR MEIO DE UMA VISÃO, O ATRAÍA E O EXALTAVA AO FASTÍGIO DA GLÓRIA, A ELE QUE AMBICIONAVA HONRARIAS. A tendência de Francisco era sempre ir do “natural” para o “secular”. Agora há uma advertência: ele escuta melhor o destino de sua própria busca. Uma advertência explícita que o convida para um aprofundamento na “graça”. De um lado há a decisão de Francisco seguir o seu plano com generosidade e determinação; de outro “a noite” (algo indefinido) que não nega o que se passa de dia, mas o orienta para outro lado. Francisco não é cabeçudo, mas capaz de ouvir e descobrir o desconhecido; não 0 faz aos trancos e barrancos, mas deixa-se guiar por aquilo que percebe ser maior que a sua vontade, que sua consciência. Esta estrutura de escuta e execução se repete sempre, também depois da conversão; por exemplo ao ouvir: “Francisco, vai e restaura a minha Igreja”, bota mão nas pedras; depois é que entende.

No texto está nítido que Deus não está questionando ou censurando Francisco por querer ser cavaleiro. Pelo contrário Deus dá corda àquela ambição e quer que São Francisco ambicione honrarias, fastígio e glória. Deus o visita sorrateiramente; dá tanta corda que no fim vai dizer a Francisco: “Que ambiçãozinha que tu tens! Por que não buscas coisa maior?”

Essa pedagogia é a que temos que buscar, porque a busca da realização é coisa sagrada para nós; só que precisamos pegar coisa grande. Se você quer se realizar em coisinha pequena, no egoísmo, você fica infeliz.

A espiritualidade medieval gostava de usar a palavra “visitar”. Os medievais achavam que todos os estrangeiros que passavam por acaso. como hóspedes, eram visita do Senhor; mendigo que aparecia na porta, era visita do Senhor. Então visita significa um acontecer que não está dentro do programa do seu viver: de repente vem alguma coisa inesperada que pula dentro, dando uma significação nova para o próprio caminhar, isto é a “visita”. O ponto importante aqui é que o próprio Senhor incentiva, atrai e exalta ao fastígio da glória por meio de uma visão.

CERTA PESSOA CHAMANDO-O PELO NOME E CONDUZINDO-O A UM PALÁCIO… ACORDANDO, LEVANTOU CHEIO DE CONTENTAMENTO, PENSANDO A MANEIRA SECULAR, DE QUEM NÃO HAVIA AINDA SABOREADO PLENAMENTE O ESPÍRITO DE DEUS. Agora tenho a confirmação de que hei de me tornar um grande príncipe. É a certeza de quem sabe que esse sonho não foi qualquer sonho, não foi recordação das coisas experimentadas durante o dia; é um sonho estranho, um sonho que indica o meu “destino; então eu estou no caminho certo, vamos lá”. Francisco tinha “aquela disposição” e era bonita, só que ela estava num nível chamado secular.

ESSE GESTO DE GENEROSIDADE CERTAMENTE LHE VALERA AQUELA VISÃO. Como entender isso? Nós entendemos assim: Francisco fez esse sacrifício e então Deus o recompensou. Mas o texto está dizendo: Francisco quer ser cavaleiro; e como negociante ele quer ganhar mesmo, aproveita dessa chance e vai adiante. Ao mesmo tempo tinha um enorme senso de socialidade e quando encontrou um pobre soldado, ele que era cavaleiro, entendeu que devia fazer aquele gesto, porque é um gesto nobre. Francisco parece exagerado, mas na realidade é o Francisco “sutil” que quando descobre que cavaleiro pobre é mais “cavaleiro” do que ele, realiza a troca. O cavaleiro pobre é melhor porque mais límpido em seu ser cavaleiro, enquanto ele, Francisco, é cavaleiro “cafona”, isto é, faz depender seu ser cavaleiro de roupas, reconhecimento, armadura. O primeiro sim, serve o seu senhor com disposição total, sem buscar a si mesmo! Francisco nunca abaixa o nível, mas sempre busca o melhor, ainda que para os outros pareça o pior e a opinião pública seja contrária. Ele nunca está abandonando nada, mas buscando sempre o melhor. E com esse gesto Francisco se sentiu mais com roupa de cavaleiro de que com a própria roupa. Esse modo de colocar-se é que lhe mereceu a visão. Porque desde o momento em que escutou a voz: “Porque você fica com essas armaduras, se tem um Rei melhor?”, para ele não há mais problema nenhum, se ao invés da armadura, tem que pegar um saco e vesti-lo; ele vê para além do empírico, vê além do que está na “fuça” dele; se apega àquilo que intui; não é abstrato, agarra a chance que está na sua frente, agarra com as duas mãos. Dá a impressão de que está apegado àquilo, mas aquele apego é uma espécie de dinâmica de ser concreto, de não “deixar para manhã”… Parece que o texto está dizendo: para o caminho da Vida Religiosa, esse modo de ser é importante. O caminho da Vida Religiosa não pode ser uma coisa abstrata, de ideal longínquo; tem que ter essa ambição de agarrar a chance que tem, (concreta e finita. Mas este “agarrar a chance com as duas mãos e ser concreto”, não é ser empírico no sentido nosso usual, de ficar pensando que aquilo é a última verdade: aquilo é uma concretização, é um passo, um episódio na caminhada.

CHEGANDO A ESPOLETO, COMEÇOU A SE SENTIR MAL. SOLÍCITO COM SUA VIAGEM OUVIU ALGUÉM QUE LHE PERGUNTAVA AONDE DESEJAVA TENDER. A pergunta não indaga para onde ia, para que cidade ou região; a pergunta indaga para onde “tendia”. Apúlias é um episódio dentro dessa “tendência”; no fundo está querendo dizer: “Olha Francisco, você quer ir para as Apúlias, por que? Qual é a sua tendência? Qual é a sua intenção?”. E São Francisco explica: “Oh! Vou lá para guerrear; estou querendo fazer fatos notáveis para ser cavaleiro, porque isso é minha tendência”. Na visão porém aparece uma nova tendência em direção a Deus como o Senhor de sua vida. Ele antes estava interessado em colocar sua vida de cavaleiro a serviço do Senhor Gentil e ser feito cavaleiro por ele. Agora Francisco tem evidência de um Senhor maior, do qual o senhor Gentil é servo, e ele, Francisco, torna-se então servo deste “Senhor”.

QUE QUEREIS QUE EU FAÇA, SENHOR? É Francisco submisso, sub-missão. Até agora Francisco vivia a partir de seus projetos, sob a regência do “eu”, ainda que um eu grande e bom. Agora começa o processo de saída de seu eu, para “con-formar-se à vontade divina”. O novo projeto é de não “ter” projeto, mas conforma-se a algo que irá se revelar e que por enquanto é desconhecido. Em toda caminhada de Francisco se pressupõe sempre a presença de uma força maior; esta submissão produz energia: os propósitos de fato vêm sempre depois de ter sido atingido. Francisco tem uma maneira de ser que sempre suplica para que se manifeste a vontade de Deus; é uma disposição-propósito para fazer aquilo que lhe é dito e não aquilo que ele diz. Esta é uma vontade qualitativamente diferente da anterior. A Vida Religiosa tem esta característica, sem isso ela não flui. Submissão neste contexto é bem diferente da submissão do tipo fundamentalista-autoritária-tradicionalista. A submissão é “docilidade”. O caminhar sob o toque de algo superior e maior é sempre meio ambíguo, isto é, está como que numa balança, definindo-se aos poucos. Este jeito nada tem a ver com incerteza ou confusão, mas é próprio do humano. Não será que nós nos desacostumamos a pensar a vida como fluência de algo vital anterior a nós, como resposta-seguimento de um fascínio que nos tocou primeiro? Essa postura só consegue quem tem a Deus como uma realidade tão real, que nossa existência é menos real do que a existência de Deus. Todo este texto está fundamentado nesta experiência, comprovada por gerações de frades. É nesse sentido que o pobre diz: Deus lhe pague; em nome de Deus; se Deus quiser. Viver como quem admite Deus é como o cara que vive ao sol do Mediterrâneo: também quando o sol está encoberto ele sabe que existe e que seu calor-vitalidade o alcança. Viver como quem não crê em Deus é como o “nórdico” que nuca vê o sol e por isso diz: para me esquentar preciso tomar cachaça; e quando a cachaça acaba diz: “Estamos perdidos!”. Assim todo caminho da Vida Religiosa deve despertar para a fé. Fé não é sentir; é este “sensorial” que capta a presença do divino. O esquecimento desta força solar está acontecendo por não estarmos mais ligados aos “antigos”, à tradição que é um enorme “saber” acumulado ao longo de séculos, transmitido oralmente e por escrito. A comunhão dos santos é esta riqueza acumulada que deve ser transmitida de boca em boca. O campo de pesquisa, onde estão codificadas estas experiências do “espírito”, são os textos-fontes. Nosso futuro não está na frente, mas no passado. Só quem é “sócio” consegue entrar nesta onda. Crer é exercitar, o próprio exercitar é a fé; exercitar é o crer “realmente”; examinar-se, vencer-se a si mesmo…, são exercícios “técnicos” para desenvolver este sensorial de percepção desta realidade anterior e maior.

Deves inteligir de outra maneira a visão que tiveste. Significa ler de uma maneira melhor, de maneira mais verdadeira, mais profunda.

Ao despertar, começou a pensar diligentemente. A reação de Francisco é de refletir, buscar, estar cheio de amor e respeito por esta visão. Ele deve ter pensado: “O que será isto? Vai me abrir uma nova chance, nova possibilidade que até agora nem tinha imaginado”.

ELE AJUNTOU A ELE TODO PARA DENTRO. Aqui está explicitada a maneira característica do modo de caminhar de Francisco. Ao ter o primeira sonho, se jogou diligentissimamente todo para fora, extravagou, andou fora da sua identidade, fora de si: não “pensa” e no fundo não engata; isso pode acontecer em qualquer profissão, por exemplo, ser professor por dinheiro, por fama… No segundo sonho não há tanta euforia, mas por baixo algo engata e Francisco com realismo começa a atuar a partir desta “experiência”. O engate (intus-identidade) é o ponto qualificante deste momento do itinerário de Francisco e é momento especificamente “religioso”; é o momento em que o caminho se torna verdadeiro, isto é, interior. A interioridade acontece quando começa o estudo diligente, a admiração, a consideração. Em Francisco com o segundo sonho temos um assentar-se, que não é quietude, mas luta “no ponto”. Isso também acontece com qualquer bom profissional. Isso não é desgastaste; pode cansar, mas não é “sacrifício”.

VOLTOU. O bonito em Francisco é não ter compasso entre “ouvir” e fazer. Ele não diminui um passo de sua ambição, antes cada vez mais vai aumentando-a. Se fôssemos nós diríamos: “Voltou com a orelha caída para Assis”. Mas Francisco volta para Assis como se estivesse progredindo; isto é importante. Este voltar é uma espécie de conversão. “Voltar-versão” nós entendemos como “virar para trás”; “verter” não é tanto uma “virada” e nem simples continuação, e sim força nova que brota dentro do engajamento anterior. Então conversão aqui não é ruptura propriamente como quem não quer mais saber do passado. Francisco nunca diz: “Não quero saber do meu passado. Nunca devia ter me metido a buscar a cavalaria”; diz antes: “No passado eu fui vazio; mas através da busca da cavalaria, descobri quem é o Grande Rei; agora eu sou cavaleiro de verdade!”. Então converter-se significa soltar para dentro da nova dimensão, toda a energia recolhida até então. É um renascer; ao invés de sair desgastado, sai com novo ‘ânimo e começa de novo. É o “até agora nada fizemos, vamos agora fazer!”. Este fenômeno chama-se conversão. Francisco quer ser cavaleiro, por isso busca, e por mais dificuldades que tenha, não desanima, e usa de tudo para buscar mais. De repente vem a “visita do Senhor”, um toque novo; ele no fundo ainda não sabia o que era ser cavaleiro; pensou que aquilo que estava imaginando, era a melhor coisa; mas um sonho lhe diz: “A melhor coisa?! Você é um caboclinho que não sabe o que é cavaleira!”. Francisco diz: “Quer dizer que tem coisa melhor. Então vamos esperar”. E ficou esperando, todo curioso. De repente aparece a nova dimensão de ser cavaleiro que ele não imaginava tão formidável. Portanto neste texto, conversão não é propriamente ruptura ou rejeição do que se buscou antes. É antes querê-lo mais, mas de uma maneira mais profunda, mais originária.

AS PRESSAS. Numa busca radical nada fica para depois. Se alguém está com fome e alguém diz: “No tal lugar tem comida”, o cara vai logo. A Francisco foi dito: “Volta à tua terra…”, aí Francisco volta “festinanter”. Parece que Francisco não tem luta, dificuldades, sofrimentos, nestes acontecimentos de sua vida. O texto não diz, nem que foi fácil nem que foi difícil, nem que houve ou não houve luta. Não se trata de dizer que ele tinha uma particular índole pelo que não sofre, não luta. No humano há coisas que não custam mesmo, se se segue a grande alma que está por trás e que dirige os acontecimentos. Francisco abandona uma grande ambição por outra grande ambição, que é a mesma anterior aprofundada e potencializada. Nós é que abandonamos uma pequena ambição por outra igualmente pequena. Aí se sofre mesmo! Desânimo é falta de fascínio e de decisão nítida de deixar-se trabalhar por este fascínio. Quando dizemos fácil-difícil não estamos na dimensão religiosa, mas na dimensão do querer voluntarista, onde o eu está no centro. Na dimensão religiosa o protagonista não é o eu mas o dom do Senhor. Aí, ponto de partida não é a vontade mas a afeição. A vontade é de seguir a afeição. A afeição gera uma força. A oração, a esmola… são exercícios de abrir-se à afeição. Em nossas colocações usuais, o interesse é mostrar que Francisco lutou, sofreu e por isso frisar que “não é fácil”. Mas o interesse do texto é mostrar como Francisco está na disposição cordial. do Mistério que o envolve. O texto quase não tem por sujeito Francisco, mas a atuação da graça em Francisco. Todo itinerário da dimensão religiosa sempre convida a olhar para a grandeza, para o positivo e não frisar o negativo e difícil. A contemplação da grandeza já de por si supera o difícil. É uma pedagogia interessante! Não dá bola, não dialoga com a dificuldade, mas dialoga com a força maior. Por isso LTC não explora a derrota militar e a doença de Francisco. Dialogar com a dificuldade no fim é ensimesmamento. Achamos que é muito profundo dar importância ao nosso sofrimento, mas isso é masoquismo. Nós gostamos de “caminho trágico”. Essa turma é “sadia” e trabalha a grandeza humana; é gente que tem problemas, mas luta; é cheia de vitalidade para eliminar as toxinas das falhas; é portanto gente cheia de vitalidade, que olha agradecida ao que tem e luta valentemente com aquilo. única falha de que eles tem medo é que entre a desconfiança sobre a magnanimidade de Deus Criador.

ESPECTANDO A VONTADE DO SENHOR. No caminho de Francisco cada passo é risco, mas risco cheio de esperança; o próprio riscar, porém, é “responsabilizado”. Francisco está se preparando: “Agora vai aparecer o Senhor e dizer o que tem que ser feito”; e se arrisca. Ele é sempre direto-material: começa por imitar os pobres, trocando a roupa com eles; em seguida diz a si mesmo: “É perigoso se ficar só nisso; preciso ir mais adiante ainda”. E cada passo é uma exigência de risco maior, e ao mesmo tempo é exigência de querer acertar cada vez mais. Hoje nós modernos “arriscamos” facilmente demais, mas todas as pessoas sérias para arriscar preparam-se bem: esses que sobem a montanha, esses que conquistam nova área social, esses que fazem revolução, esses que se engajam em nova invenção, eles não tem várias possibilidades tanto que, se errar, volta para casa dizendo: “Não- faz mal; errei; mas tem outra possibilidade”. Só filho de papai rico pensa assim. Muitas vezes na Vida Religiosa entende-se risco deste jeito; tenta-se uma coisa, tenta-se outra, porque se tem muitas possibilidades de tentar e não precisa se responsabilizar pelo erro, porque o “papai” arranja as coisas. Pobre que se arrisca, se erra, vai passar mal. É interessante esse modo de caminhar; é muito apertado, mas tem frescor. E a vida fica mais fascinante e concreta; não tem a mascara da indiferença.

CONFORMAR-SE COM A VONTADE DIVINA. Existe diferença bastante grande entre “fazer” e “conformar-se” à vontade de Deus. Conformar-se é ter a forma-vigor, estar na fluência de Deus, ser uno com Deus, sentir, querer com Deus. Não é cumprir tabela. Conformar-se é tarefa do discípulo, mas não do escravo. Conformar-se significa que Francisco está lançando radar para captar a coisa nova que está começando a aparecer. É como Nossa Senhora que não entende Jesus no templo e guarda tudo no coração e medita atentamente: este é “conformar-se”. Então vontade de Deus não é norma, mas a senha do clã, do grupo humano cristão: aconteça o que acontecer, nós jamais duvidaremos do nosso Deus, de sua bondade, de sua paternidade. Jesus Cristo é o primeiro do clã humano que começou a tratar a Deus como convinha. Aqui o texto está indicando o método: quando buscamos alguma coisa, a buscamos como a nossa felicidade, como nossa realização. Quando tudo vai bem gastamos energia enorme na euforia; e ao acontecer algo que vai contra o projeto, cai em si e desanima. Francisco não é assim; busca euforicamente, manda brasa sempre dizendo: eu quero, quero a coisa melhor. E quando o caminho desaparece e aparece algo que vai contra, não larga a busca e, ao invés de duvidar ou de ficar desanimado, afirma: aqui tem coisa! e consegue energia para buscar, entender aquelas dicas que vêm surgindo de suas compreensões; ele o faz com alegria como antes. Um discípulo assim Deus pode dirigir, pode conduzir. Portanto conformar-se à vontade divina não é algo infantil onde Deus deve dizer e quando não diz o cara não sabe o que fazer. Quando começam a surgir dificuldades Francisco não diz: “Senhor, diga logo o que tu queres!”. Diz antes: “Deixa-me concentrar para Te entender; deixa-me trabalhar porque estou cheio de preconceitos; deixe-me limpá-los, dá uma noite para eu pensar”. E ao começar entender, diz: “O Senhor não me disse ainda o que é, mas aquilo que entendi, Senhor, estou executando”. O que Francisco busca é cada vez quantitativamente menor, mas qualitativamente-profundamente maior. Aquilo que ele segue, para os outros é pior, mas para ele, Francisco, é melhor. Esta é outra característica do itinerário. No itinerário a passagem se dá sempre pela perda de um valor que enchia o coração, para um outro valor que surge como necessidade e pede lugar, e que indiretamente engloba, aprofunda o anterior. Francisco por enquanto ainda não está no fenómeno do “encontro” com o Senhor; por enquanto é o Francisco natural. Isso que Francisco faz todos têm que fazer, e não só na vida religiosa. Na profissão, no casamento, no trabalho de inserção, na pastoral, no curso…

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