Vocacional - Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil - OFM

Fragmentos de reflexões fenomenológicas XVI

05/02/2021

 

  1. Terceiro parágrafo: O que aqui é assinalado como primeiro contacto com fenomenologia é o que usualmente se informa sobre fenomenologia de Husserl e de Heidegger. Assim o que usualmente se diz no meio acadêmico e especializado sobre a questão está resumido na afirmação: a diferença entre um e outro filósofo estaria na distinção entre Bewusstsein, consciência, de um lado, e Dasein, Pré-sença, de outro, e a referência, a comunhão de ambos, estaria na maneira de lidar, no procedimento e método, com que se trataria da consciência e da pré-sença, num e no outro caso. Dito de outro modo, no caso de Husserl o tema é consciência, no caso de Heidegger, Dasein. Diferença está portanto no tema; a união entre os dois no método: a referência, a comunhão de ambos, estaria na maneira de lidar, no procedimento e método, com que seriam trados os temas diferentes, uma vez consciência, outra vez Dasein. Ora, a diferença entre Husserl e Heidegger não se pode reduzir à distinção de tema e à união de método. Por que não? Porque, a diferença e a referência incluem ambas as coisas, tanto o tema, quanto o método. Pois, o que a fenomenologia nos faz perceber é que tema e método formam uma unidade e perfazem um movimento só. Sem o percurso dessa percepção, ninguém se descobre dentro, nem se encontra com o curso da fenomenologia em todo fenômeno. Isto significa que tema e método em Husserl e em Heidegger, em formando cada vez um movimento só, não possui referência a modo de um método comum, aplicado a dois temas diferentes, consciência e Dasein. No fenômeno-Husserl, o tema e o método, formando um movimento só, chamam-se consciência transcendental (fenômeno-intencionalidade-fenomenologia = <ego cogito cogitatum> = ego cogito <ego cogito cogitatum> = cogito-me cogitare = consciência transcendental. Trata-se, pois, da ação ou função tética de uma consciência transcendental. Nesse cogito me cogitare ou cogitans sum, o seu ser se retrai sempre de novo e cada vez como facticidade, portanto como não ser da consciência. Em Husserl esse não é de alguma forma colocado como algo transcendental. Esse colocar-se não é uma tese, mas o movimento de ininterrupta e contínua passagem do ser da consciência para o nada de si, como que a se perder, a se esvair na impossibilidade de se captar, a não ser a partir e dentro da consciência como não-consciência que é a condição da possibilidade da consciência. Nessa facticidade de ter que ser consciência na responsabilidade de e pelo ser da consciência é fenômeno que já é em si mesmo, como fenômeno-Husserl, fenomenologia. Em Heidegger esse transcendental da consciência como não-consciência é passagem, não no sentido de para além, de uma margem à outra, mas sim o Da, o médium, a clareira, o curso da fenomenologia em todo o fenômeno. Isto significa que nesse Da-sein, nesse Sein-Da está toda e inteira, cada vez de novo, a fenômeno-logia. Por isso, para Heidegger, pensar consiste em encontrar-se no Dasein com o Dasein, como Pré-sença na fenomenologia de todo e em todo fenômeno. Em Husserl a fenomenologia dissimula a sua Dasein-heit, a sua pré-sença como consciência transcendental: o nada como não-ente. Em Heidegger, o ser do não-ente desvela o Da, enquanto possibilidade de ter-que-ser cada vez de novo e novo o em sendo no recolhimento do ser e acolhimento do nada da identidade na diferença e na diferença da identidade de todo e qualquer fenômeno como fenômeno, ser passagem, a re-vira-volta, o retorno, do ente no seu ser e do ser no seu ente como o Da-sein do em sendo: como da-seiendes Seiende. Isto quer dizer: o ente não é (kommt nicht vor, não ocorre), se dá (es gibt): “é” evento, Er-eignis, é apropriação, Er-äugnis, a mira: por que se dá simplesmente o ente e não antes o nada? Porque o ente, o em sendo é sem porque. Se dá por se dar. Não vê se alguém o vê. É entoação do ser.
  2. Experimentar a ver se podemos “sentir” i. é, “mirar” (ad-mirar) o que foi insinuado nos seguintes versos de João Cabral de Neto (Antologia Poética, 5a edição, Rio de Janeiro: José Olímpio editora, 1979, p. 17-18):

Tecendo a manhã

1
Um galo sozinho não tece uma manhã:
Ele precisará sempre de outros galos.
De um que apanhe esse grito que ele
E o lance a outro; de outro galo
Que apanhe o grito que um galo antes
E o lance a outro; e de outros galos
Que com muitos outros galos se cruzem
Os fios de sol de seus gritos de galo,
Para que a manhã, desde uma teia tênue,
Se vá tecendo, entre todos os galos.

2.
E se encorpando em tela, entre todos,
Se erguendo tenda, onde entrem todos,
Se entretendendo para todos, no toldo,
(a manhã) que plana livre de armação.
A manhã, toldo de um tecido tão aéreo
Que tecido, se eleva por si: luz balão.

Diz, pois, Ângelus Silesius: “Die Ros ist ohn warum; sie blühet, weil sie blühet, sie acht nicht ihrer selbst, fragt nicht, ob man sie sieht” (A rosa é sem por que; floresce por florescer, não sabe dela mesma nada, não pergunta se a vêem)

(Der Cherubinische Wandersmann. Sinnliche Beschreibung der vier letzten Dinge, Peregrino querubínico. Descrição sensível dos quatro novíssimos), n. 89.

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