Vocacional - Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil - OFM

Fragmentos de reflexões fenomenológicas X

05/02/2021

 

  1. Uma outra dificuldade de entender e exercitar-se na fenomenologia como ver simples e imediato é a compreensão que temos da intencionalidade, mesmo dentro da fenomenologia como um ato que tende ao objeto no sentido de objetivação (S → O). Falemos rapidamente da intencionalidade no sentido fenomenológico, e não no sentido da teoria do conhecimento.
  2. É sempre difícil entender e dizer adequadamente o que a fenomenologia convencionou chamar de intencionalidade, livre inteiramente da tendência realista da teoria do conhecimento. Na tentativa de compreender a intencionalidade fenomenológica da melhor forma possível, mais condizente com ela, voltemos à obra de Franz Brentano, intitulado Psicologia sob o ponto de vista empírico, onde Husserl intuiu a idéia da intencionalidade.

Na p. 115 da acima mencionada obra diz Brentano: “Todo o fenômeno psíquico contém algo como objeto em si, embora não cada um de igual modo. Na representação algo é representado, no juízo algo é reconhecido ou rejeitado, no amor, amado, no ódio, odiado, na cobiça, cobiçado”. Uma afirmação banal em que, se não a captarmos com precisão, nada encontramos de novo, nada que denotasse uma descoberta importante, a não ser o óbvio de uma constatação, conhecido por todos, na teoria de conhecimento. Conforme essa compreensão óbvia há, de um lado a coisa em si, e de outro lado o sujeito humano com seus atos psíquicos, i. é, fenômenos psíquicos, de diversos tipos como representação, juízo, volição, apreensão etc. Esses atos psíquicos se caracterizam como intenções, i. é, o ato de tender em direção a (in-tendere). Cada uma dessas in-tenções se dirige a, e na ponta da sua tendência tem um objeto, cada vez seu, para o qual está apontando. Assim compreendida, a intencionalidade não nos revela realmente de imediato o que, digamos, corpo a corpo, em carne e osso, i. é, como a coisa ela mesma, experienciamos no nosso vivenciar. É que no modo usual de “descrever” a intencionalidade, não percebemos que todos os elementos que constituem o esquema sujeito-ato-objeto já estão prefixados como: duas substâncias-coisa ocorrentes e enfileiradas uma ao lado da outra, ligadas por uma relação, que por sua vez não passa de uma representação vaga e sem conteúdo de ligação, i. é, de relação, como uma linha geométrica, reta entre dois pontos. Talvez seja por isso que Brentano não diz: cada sujeito com o seu ato, mas sim, cada fenômeno psíquico.

Como entender, pois, a seguinte afirmação de Brentano?

Todo fenômeno psíquico contém algo como objeto em si, embora não cada um de igual modo. Na representação algo é representado, no juízo algo é reconhecido ou rejeitado, no amor, amado, no ódio, odiado, na cobiça, cobiçado.

Não se pode perceber o que Husserl intuiu nessas frases, se continuarmos a interpretar a colocação de Brentano dentro do esquema usual da intencionalidade como “tender do homem-sujeito sobre o objeto, existente em si, diante dele, através do ato de conhecer, representar, julgar, amar, odiar, cobiçar etc.” Mas por quê? Porque o indicado, o apontado pela frase “tender do homem-sujeito sobre o objeto, existente em si, diante dele, através do ato” não é vivência do ato, mas sim produtos, i. é, resultados constituídos num processo de objetivação. Se, somos assim que não percebemos tratar-se aqui de produtos de objetivação, e nos representamos esses produtos simplesmente como entes reais em si, acontece então conosco o seguinte processo: primeiro, isolamos os produtos da objetivação, separando-os do processo de objetivação, hipostatizando-os ora como coisas em si (substâncias), ora como “coisas” aderentes (acidentes) a outra coisa. A seguir tentamos ligar entre si essas coisas assim hipostatizadas, dizendo-nos mais ou menos “com os nossos botões”: aqui estou, eu, uma substância existente em e por si mesma, diante da qual está uma coisa chamada objeto, que é também uma substância em e por si mesma (ou se não o for realmente existente como coisa física, ao menos tida como algo em si a modo de coisa ideal, coisa psíquica, coisa estética, coisa-valor, coisa supra-sensível etc.), sobre a qual a substância-eu se dirige numa ação, i. é, numa “coisa” chamada intencionar (conhecer, representar, julgar, amar, odiar, cobiçar etc.), que não é propriamente uma substância, mas algo que adere como seu acidente a uma substância. E se alguém nos chama atenção de que todas essas coisas (substâncias: res in se) e semi-coisas (acidentes: res in alio) são como que produtos da ação chamada objetivação, representamos a própria objetivação como acidente inerente a uma substância, chamada sujeito-homem, que por sua vez, através do acidente-ação, se dirige aos objetos, no nosso caso como p. ex. sujeito eu, o ato da intencionalidade, a saber, representar, julgar, amar, odiar, cobiçar etc. E esse processo, cujo esquema é o do sujeito-ato-objeto pode se repetir indefinidamente.

Mas, então, como entender a frase de Brentano, onde Husserl intuiu a essência da intencionalidade? Devemos entendê-la como acenando para vivência. Antes de percebermos a colocação de Brentano como indicativo da vivência, uma rápida observação sobre o título do livro de Brentano, onde Husserl leu a “definição” do que seja propriamente intencionalidade. O título do livro de Brentano soa Psicologia do ponto de vista empírico. O título pode nos enganar se entendermos a palavra “empírico” na acepção usual hodierna, própria do modo de ser experimental das ciências positivas do estilo das ciências naturais, físico-matemáticas. O empírico assim compreendido é o oposto do especulativo, do não-real, do fantasiado, apenas “fenomenal”. O empírico, aqui, deve ser tomado no sentido, o mais abrangente possível de captação imediata, simples, pele a pele – a tentação é de dizer –, anterior a toda e qualquer elaboração. Só que esse acréscimo desvia a compreensão do caráter empírico que Husserl reivindicava para a sua fenomenologia. Pois dizer anterior a toda e qualquer elaboração dá a entender que no início há o material informe, vago, indeterminado que depois toma forma e concreção; e que o empírico significa captar a realidade elementar ainda intacta, no seu estado material. Ao passo que, na fenomenologia, o empírico significa só e simplesmente o captar, ou melhor, o colher simples e imediato, sem mais nem menos que está expresso no slogan: à coisa ela mesma. Isto significa que, se acaso houver, aqui apenas dado como suposto, esse processo de elaboração do material indeterminado, vago e informe para a gradual coisificação até o processo se consumar numa hipostatização, a modo de coisa ali presente em si, o captar simples e imediato acolhe cada etapa, cada ligação das etapas, cada crescimento das etapas, cada vez de novo, cada vez simples e imediatamente, sem mais sem menos, assim como tudo isso aparece sempre novo e de novo na sua totalidade. Trata-se da claridade e distinção do tornar-se da e-videnciação, algo como o contínuo e renovado abrir-se da claridade, i. é, da clarificação, um surgir incessante, o vir à fala, o vir à luz. Essa claridade dinâmica da e-videnciação, da presenciação é o ponto de vista empírico. Aqui o ponto de vista não é um ponto fixo, a partir do qual se encaixam todas as coisas na perspectiva desse visual pressuposto, mas sim como que um ponto nevrálgico, ponto de toque, o fundo do salto, dentro e a partir do qual continuamente brota o vigor elementar do e-videri, a clareira, o olho da luz que, enquanto condição da possibilidade, e, enquanto espaço de jogo, impregna todos os entes, i. é, cada ente, cada em sendo, cada vez na sua totalidade dinâmica. Todo o segredo da compreensão adequada do que seja a intencionalidade fenomenológica está em compreender com precisão essa evidenciação, i. é, como é o puro ato chamado captar simples e imediato. Como já foi mencionado, para isso devemos fazer o processo de entender o modo de ser do conhecimento como vivência.

Como, porém nos reconduzir à vivência, a partir da representação que fazemos da intencionalidade como relacionamento do sujeito sobre o objeto, através do ato chamado intencionalidade?

Repetindo, diz Brentano: “Todo fenômeno psíquico contém algo como objeto em si, embora não cada um de igual modo. Na representação algo é representado, no juízo algo é reconhecido ou rejeitado, no amor, amado, no ódio, odiado, na cobiça, cobiçado”. Brentano não diz: eu, o sujeito-homem, dirijo-me ao objeto através do fenômeno psíquico, do ato. Diz simplesmente: Todo fenômeno psíquico. Em vez de fenômeno psíquico digamos vivência. Sem “definir” logo o que seja vivência, deixando vago de que se trata, ouçamos: “vivência” contém em si algo como objeto. Se a vivência se chama representação, algo é representado; se juízo, ajuizado ou julgado (reconhecido ou rejeitado); se amor, amado etc. Usualmente, no esquema sujeito-ato-objeto, temos primeiro o objeto como coisa em si fora, diante, independente de nós, existente em si, ali presente na sua ocorrência, pronto para ser representado, julgado, amado, odiado, cobiçado. O objeto, a coisa em si, é, por assim dizer, enfocada várias vezes, de modos diferentes, pelos atos subjetivos, i. é, do sujeito, denominados representar, julgar, amar, odiar, cobiçar. Na colocação de Brentano, o estado da coisa não é mais assim. Cada “fenômeno psíquico” é cada vez, por assim dizer um todo chamado representação, juízo, amor, ódio, cobiça que cada vez contém o seu objeto que tem cada vez o modo de ser que ele, o fenômeno psíquico tem. É como o fundo, o horizonte, o âmbito aberto, que se estrutura como uma paisagem, no qual, contidas estão as coisas, ordenadas como mundo. As coisas da paisagem assim abertas em leques como mundo são impregnadas, são coloridas, segundo a matiz, segundo o modo de ser de cada uma dessas aberturas. Chamemos esse âmbito aberto como mundo a modo de uma paisagem, de intencionalidade. Dentro dessa compreensão, ouçamos o que Brentano diz: “cada fenômeno psíquico contém algo como objeto em si”, visualizando o modo de ser da abertura da paisagem acima mencionada. Talvez, assim, possamos adivinhar de alguma forma o que Husserl poderia ter intuído, ao ler esse trecho do texto de Brentano. Se assim é a intencionalidade, então não se trata do ato de um sujeito-homem dirigindo-se ao objeto, existente em si, fora dele. Mas para que a nossa compreensão tenha maior precisão, devemos agora completar a nossa descrição dizendo: o que denominamos acima como âmbito aberto a modo de uma paisagem que se abre em leques de ordenações de detalhes concretos da mesma paisagem como mundo não é algo que está diante de mim como uma paisagem da realidade fora de mim. Antes, esse âmbito aberto com todos os seus “ingredientes” em mínimos detalhes de implicações e explicitações sou eu mesmo, eu mesmo não como esta substância-homem, mas sim como o âmbito aberto, vivido na sua concretude, intensidade, no seu desvelamento e velamento, em todas as suas camadas dinâmicas de estruturações como totalidade do mundo, diante de “mim”, ao redor de “mim”, fora de “mim”, dentro de “mim”, enfim, essa totalidade, esse mundo que “me” envolve e envolve todas as coisas. Portanto, essa abertura, essa presença é a minha essência, eu sou todo inteiro, tout court, de imediato, esse ser-no-mundo, dito de outro modo: eu sou essa vivência. O que aqui denominamos de vivência coincide com o que acima, ao tentarmos dizer em que consiste o significado do ponto de vista empírico caracterizamos como captar simples e imediato.

A tentativa de dizer o que seja propriamente fenomenologia na nossa exposição se concentra apenas em compreender com precisão esse captar simples e imediato. Para isso, a seguir falaremos brevemente do que se convencionou chamar na fenomenologia de redução, ideação e constituição. São três momentos da intencionalidade, ou melhor, são processos pelos quais e nos quais se dá a intencionalidade.

Antes, porém, de modo provisório e sempre interrogativo, repitamos o que seria Psicologia sob o ponto de vista empírico, se entendermos a empiria como foi insinuado há pouco. Não seria mais adequado agora compreender alma (psyché) na acepção usual, na qual é um dos componentes do ser humano como substância: corpo, alma e espírito. Mas, então, seria a vida como vitalidade biológica no sentido “somático-vegeto-animal”? Ou vida simplesmente na sua compreensão, a mais vasta, a mais profunda e dinâmica possível? Seria ser, no seu sentido ainda originário como presença do abismo de possibilidade, como plenitude inefável e inesgotável do poder ser, sempre novo e renovado, sempre e cada vez mais origem, arché, ou melhor, hyparché, o nada, tinindo na potência da generosidade de ser?

Sem podermos nem querermos dizer o que é, deixemos abertas todas essas e outras perguntas, não como interrogações que tentam ter respostas que fecham, facilitam e satisfazem a busca, mas como questões que a abrem e a mantêm como questão, portanto como busca que se adentra cada vez mais cordial, generosa e crítica na jovialidade atônita do não saber que se adensa como o tinir do silêncio de ausculta como a espera do inesperado… De repente, talvez, possamos vislumbrar num in-stante o que significa: captar simples, e-videri, o ver simples da coisa ela mesma, a imediação do sem mais nem menos. A concentração, a densidade da ausculta que integra essa abertura da espera do inesperado é um dos elementos que constitui o significado da palavra “logia” (lógos) que expressa o caráter científico da psicologia. Lógos (-logia) vem do verbo légein, que usualmente significa falar, discursar, mas também no seu significado “radical” arcaico significa ajuntar, colher, recolher. Re-colher-nos na atônita ausculta de um jovial não-saber, na total disposição da ausculta do inesperado, seja talvez o significado, o mais interessante do “saber” que recebe o nome de Psicologia. Se tivermos como pano de fundo tal compreensão da psicologia sob o ponto de vista empírico, talvez possamos melhor compreender o que Husserl dizia, em criticando a empiria dos filósofos ingleses (Locke, Hume), a saber, que o empírico e o experimental dos antigos positivistas ingleses ainda sofria de fixação e da bitola do dogmatismo filosófico, não superado; e que somente com a fenomenologia se alcançou a compreensão legítima e autêntica do que seria realmente o empírico e o experimental.

  1. Agora, ao “definirmos” a fenomenologia como exercício, dizemos que fenomenologia é aprender a aprender o ver. A expressão “aprender o aprender” facilmente nos engana, pois sabemos o que é aprender e assim simplesmente mentalmente repetimos as palavras sem observar que o primeiro aprender é bem diferente do segundo aprender. Tentemos ver essa diferença para então no fim perceber que não se trata de aprender coisas chamadas aprender o ver, mas tanto no primeiro aprender como no segundo aprender, como no próprio ver, está o apreender que é ver simples e imediato. Fazer vários exercícios: exemplos, Iai-do; aprender a abaixar a pressão; Kurossawa e seu modo de fazer filme; pregar um prego; aprender a ficar na cama no tempo de convalescença. O que tem tudo isso a ver com redução, ideação e constituição. A partir dali, ler o texto de Ser e tempo (Sein und Zeit, p. 5): “Todo pôr pergunta é uma busca. Cada busca tem a sua direção prévia a partir do procurado. Perguntar é procurar conascente do ente no “seu que é” e “que é assim”. O procurar conascente pode se tornar “investigação” como toque de-liberante disso a que a pergunta está afim. Com o perguntar por…, o perguntar tem o seu perguntado. Todo perguntar por… é em certo modo um interrogar junto ou acerca de. À pergunta pertence, além do perguntado, um interrogado. Na pergunta investigativa, i. é, na pergunta especificamente teorética o perguntado deve ser tocado na sua de-liberação e ser trazido a conceito. No perguntado jaz então como o propriamente intendido o encontrado, isso, junto do qual o perguntar chega a sua perfeição. Enquanto com-portar-se de um ente, do perguntador, o perguntar, ele mesmo, tem um caráter próprio do ser. Um perguntar pode ser realizado como “apenas perguntar assim” ou como colocação explícita da pergunta. O todo próprio desta consiste nisso que o perguntar ele mesmo se torne antes, seguindo todos os característicos constitutivos acima assinalados, transparente”.
  2. Examinar com mais detalhes a primeira frase da apostila sobre o exercício fenomenológico e conversar sobre a relação da fenomenologia e Aristóteles em Heidegger: Fenomenologia de Heidegger como existencialismo? Antropologia? Poética? Mística? Abordagem defasada da fenomenologia que não consegue captar o radical-novo da fenomenologia = ontologia na repetição da colocação da questão pelo sentido do ser.
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